Um oceano, dois mares, três continentes | Wilfried N’Sondé

Sem fôlego! É assim que ficamos quando lemos, analisamos e refletimos sobre uma obra tão intensa e cativante como Um oceano, dois mares, três continentes, um romance histórico que nos transporta numa viagem ao século XVII, para o epicentro da maior catástrofe da humanidade: o comércio transatlântico. Ao narrar, embora de forma romanceada, a viagem do primeiro “embaixador do Reino do Kongo no vaticano” (p. 44), Wilfried Nsondé mostra, uma vez mais, que muito ainda está por descortinar não só em relação a essa figura emblemática da história do Kongo, mas sobretudo, em relação ao tráfico de escravos. A obra resulta da imaginação do autor para tecer as malhas do romance (histórico, porém romance), bem como do seu domínio histórico-científico na contextualização dos diferentes acontecimentos que, acreditamos, está assente num extenso e profundo trabalho de pesquisa em arquivos e literatura especializada.

Numa análise sócio-histórica completa, Nsondé apresenta o padre Nsaku ne Vunda, bacongo2,  nascido na aldeia de Boko, batizado António Manuel que, seduzido pelo catolicismo alimentado pelos missionários, envereda pela vida religiosa. É nessa condição, e enquanto pároco na sua aldeia natal, que é mandado chamar por sua majestade “Manzou a Nimi, rei dos Bakongo de ontem, hoje e amanhã, chamado também Álvaro II3 pelos seus irmãos cristãos desde o batismo” (p. 39), dando assim início à ação que se desenrola ao longo de toda a obra, numa concatenação perfeita de acontecimentos históricos devidamente referenciados e explorados. É esse descortinar de acontecimentos que nos permite dividir a obra em duas partes: a primeira, corresponde ao início da viagem de Nsaku ne Vunda do Kongo para o Novo Mundo (continente americano) e, a segunda, do Novo Mundo para o continente europeu. Leia Mais

El Portugués – CLEMENTE (LH)

CLEMENTE, Eloy Fernández. El Portugués. Zaragoza: Doce Robles, 2017, 329 pp. Resenha de: MAURÍCIO, Carlos. Ler História, v.74, p. 284-287, 2019.

1 Pode um historiador escrever um romance histórico? Tendo o mais importante historiador português do século XIX – Alexandre Herculano – sido o autor de três romances históricos, não vejo motivos para uma resposta negativa. Que a erudição académica é inteiramente compatível com a escrita ficcional, prova-o O Nome da Rosa, da autoria do semiótico e filósofo Umberto Eco, que vendeu já mais de 50 milhões de exemplares em todo o mundo. Num dado momento da sua carreira, um historiador pode sentir-se motivado a procurar uma outra forma de expressão, liberta dos parâmetros que condicionam a escrita historiográfica. Uma forma que lhe permita criar um texto factualmente bem fundamentado, mas dotado de uma razoável margem de dramatização, cuja autoridade assente mais na plausibilidade, ou mera possibilidade de ter ocorrido, do que no grau de certeza e na exaustividade da informação que se exige aos trabalhos académicos. Eloy Fernández Clemente reproduz (p. 329) justamente as palavras do escritor e guionista espanhol Javier Moro, no seu romance sobre o imperador do Brasil, Pedro I: “Los personajes, las situaciones y el marco histórico de este libro son reales, y su reflejo fruto de una investigación exhaustiva. He dramatizado escenas y recreado diálogos sobre la base de mi própria interpretación para contar desde dentro lo que los historiadores han contado desde fuera.” Assim sendo, não se estranhe que a recensão deste romance histórico – em que o protagonista e a maioria dos personagens que com ele contracenam foram sujeitos históricos reais – apareça nas páginas de uma revista de história.

2 Eloy Fernández Clemente nasceu em 1942, em Andorra, mas foi viver para Espanha aos três anos de idade. Doutorado em Filosofia e Letras, ele pode ser melhor descrito como um historiador aragonês (em 1997, o Ayuntamiento de Zaragoza concedeu-lhe o título de “hijo adoptivo”). É autor de uma vasta obra historiográfica e um reconhecido especialista em temas da história de Aragão e, em particular, sobre o político e economista Joaquín Costa. Publicou também estudos históricos sobre Portugal e a Grécia. El Portugués assinala a sua estreia no domínio do romance histórico. Através da obra acompanhamos a vida do protagonista – Oliveira Martins – durante o período em que viveu na Andaluzia (1870-1874), exercendo funções administrativas nas minas de Santa Eufémia, então arrendadas por uma sociedade portuguesa. Naturalmente, o autor sabe do que fala, pois é autor de vários trabalhos académicos sobre Oliveira Martins.1

3 A estratégia narrativa utilizada pelo autor assenta no discurso na primeira pessoa. No texto alternam as impressões, relatos, ideias e pensamentos íntimos do protagonista com os seus diálogos com personagens reais que conheceu em Espanha, mas também com personagens ficcionais (os diálogos com o farmacêutico Don Vicente revelam-se um recurso útil para a exposição das ideias do protagonista). Por vezes ainda, reproduzem-se excertos das obras de Martins ou das cartas trocadas com amigos, portugueses ou espanhóis. Não deixa, no entanto, de ser curioso que apenas uma personagem com quem Martins privou quase todos os dias não seja dotada de discurso próprio: a esposa, D. Vitória. Sobre ela, só sabemos o que pensa o protagonista…

4 O romance encontra-se dividido em quatro partes, segundo uma ordem cronológica, a que se segue um epílogo. A primeira começa por introduzir a mina, o mundo operário e as questões mais prementes – técnicas e sociais – com que a administração se depara. Através de pensamentos e ações o protagonista revela amiúde as suas preocupações com a dignificação dos trabalhadores e suas famílias, com especial atenção aos filhos. Afirmando que a escola é a primeira obrigação da empresa, o protagonista cria uma escola, de que a esposa se irá encarregar. Mas, em simultâneo, o autor dá início à exposição da avaliação do protagonista sobre a situação política em Portugal, na Europa (da Guerra Franco-Prussiana à Comuna de Paris), mas sobretudo em Espanha (a Revolução de 1868, que inaugura o Sexénio Democrático, a instauração da monarquia parlamentar, a chegada do novo ocupante ao trono, a transição para a República e o seu colapso). Os avanços organizativos da Associação Internacional dos Trabalhadores, em Espanha como em Portugal, também fazem parte das preocupações do protagonista-narrador. O livro detém-se particularmente nas suas ideias políticas, onde se mesclam um republicanismo federalista com os ideais socialistas proudhonianos. A primeira parte não termina, porém, sem que tenha lugar o encontro que se irá revelar a fonte motora da intriga que durará até às últimas páginas. No hospital de Almadén, o protagonista trava conhecimento com a enfermeira-chefe, Adelaida Rúa (p. 65), e uma afeição por ela vai ganhando progressivamente força.

5 A segunda parte do livro aprofunda o tópico da defesa martiniana de uma federação ibérica, por oposição à união dinástica, para reorganizar as sociedades peninsulares a braços com problemas políticos (governos corruptos, burocracia desmesurada, eleições manipuladas) e sociais (um povo vivendo na miséria, explorado por um bando de agiotas ante uma classe média mergulhada na inércia). E dá a conhecer as cogitações do protagonista sobre o debate entre marxistas e proudhonianos, ou temas como a religião ou o feminismo. Os pensamentos e diálogos do protagonista acerca do conflito entre Marx e Proudhon são, aliás, um tema recorrente no livro. Eis, porém, que o que parecia ser um amor platónico se descobre subitamente um amor reprovado pelas normas sociais: um amor proibido. A cena do beijo (p. 153) revela que o protagonista, seis anos apenas volvidos sobre o seu matrimónio, estava envolvido num affaire bem mais sério. A partir daí vamos encontrá-lo mergulhado num conflito íntimo: abandonar a esposa para seguir Adelaida, manter em paralelo o casamento e uma relação extraconjugal – situação a que Adelaida não se presta (p. 281) – ou afastar-se de Adelaida para não abandonar Vitória.

6 A terceira e a quarta partes giram em torno de dois temas: (1) As vicissitudes que marcam o nascimento da I Internacional nos dois países, processo que o protagonista acompanha com interesse através dos seus contatos em Espanha e da correspondência trocada com Portugal; (2) A meteórica transição da monarquia liberal à I República e o desfazer desta, em Espanha. Entre os encontros que o protagonista tem no país vizinho sobressaem nomes sonantes, como o republicano federalista catalão Pi y Margall, com quem o vemos a conversar pouco após a demissão deste de Presidente da República, ou Don Juan Valera, antigo embaixador de Espanha em Lisboa. É impossível ler este livro sem pensar no contexto em que foi escrito: o do crescimento do nacionalismo catalão, medido nas manifestações de massas de 2012 e 2013, na votação em crescendo dos partidos independentistas nas eleições para o parlamento catalão de 2015 e 2017, e que desembocou no referendo de 1 de outubro de 2017 (o livro seria publicado em novembro seguinte). Os três livros que Oliveira Martins escreveu em Espanha – Ensaio sobre CamõesTeoria do Socialismo e Portugal e o Socialismo – são também sucintamente expostos pelo protagonista. Entretanto, o dilema afetivo com que se debate aumenta de intensidade dramática. Adelaida revela-lhe que esperava um filho seu (facto que ele desconhecia), mas que o filho morrera de parto prematuro. “He llorado – confessa então o protagonista (p. 269) –, he llorado de pena por ella y ese niño, mi único hijo; por mi abandono y desidia; de ira y rabia, por mi impotencia y mis dudas.”

7 Passando agora a uma apreciação global, começarei pelo que me parece ter resultado bem. Revelou-se acertada a escolha da narração na primeira pessoa, ao modo de um diário (e não de memórias), em que o protagonista comunica connosco através dos seus pensamentos, dos diálogos nos quais toma parte e das passagens das suas obras e cartas (umas e outras historicamente factuais). Qualquer arte narrativa vive da progressão, entre o início e o fim, do conflito entre as personagens (e dentro delas), da construção de um clímax – numa palavra: de uma intriga. A intriga em El Portugués repousa sobre o amor socialmente reprovável do protagonista por uma personagem que tem voz própria e sentimentos. Entre os dois nasce a paixão e acaba por se abrir um conflito que atinge o seu clímax perto do final (p. 269-81). A isto acresce o simbolismo forte que recai sobre “ese niño prematuro, estrangulado por su próprio cordón umbilical, que hubiera sido español y português, plenamente ibérico” (p. 311). Bravo, Fernández Clemente!

8 Já outros aspetos da obra me parecem ter sido menos bem conseguidos. Antes de mais, o grande peso da erudição. Um exemplo apenas: ao longo das 320 páginas de texto assomam 465 títulos de livros ou de publicações periódicas, muitas vezes inseridos nos diálogos. Ora, um romance (e o mesmo se dirá de qualquer arte narrativa, do teatro ao cinema ou à ópera) deve captar o leitor não tanto por uma erudição apurada como pela emoção capaz de gerar nele. Este livro surge sobrecarregado de informação (títulos de livros, nomes de figuras históricas, riqueza mineralógica da Andaluzia, descrição detalhada dos pratos), o que torna por vezes a sua leitura pouco apelativa. Ser um profundo conhecedor da biografia do sujeito histórico que se propõe romancear, e do seu universo de interações, não garante por si só a escrita de um romance capaz de cativar um largo público.

9 Em segundo lugar, se o conflito que faz mover a obra é bem urdido, poder-se-ia pensar numa conflitualidade alternativa (ou paralela), não de natureza sentimental, mas racional. Desde o momento em que chega a Espanha até ao seu regresso a Portugal, o pensamento de Oliveira Martins sofre modificações – não tanto como viria a conhecer depois, mas, mesmo assim, reais. Um conflito interno poderia ter sido desenhado sobre o percurso intelectual de Oliveira Martins, com as suas dúvidas e as suas superações. Isso ajudaria a reforçar a progressão do romance, no qual, para além do drama amoroso, a existência e o pensar do protagonista acabam por resultar um pouco estáticos. Dir-se-ia que o acompanhamento em direto do sexénio democrático em Espanha, a Comuna de Paris, a intensa conflitualidade que acompanhou a criação da Associação Internacional dos Trabalhadores, e que levou ao seu rápido desaparecimento, não parecem ter feito infletir o seu pensamento político. Ora, se Martins era um convicto republicano federalista em 1870, quando regressou à pátria, em 1874, era um socialista proudhoniano, a quem a república já não entusiasmava e no qual uma sincera hispanofilia ocupava o lugar do federalismo tout court

10 Concluindo: este é um livro que será lido com agrado por todos aqueles que, em Espanha como em Portugal, são leitores das obras de Oliveira Martins e conhecem as linhas essenciais da sua vida. O autor fornece uma descrição muito detalhada do que foi (ou poderia ter sido) a sua estadia em Espanha, colocando-a com mestria no contexto histórico então vivido na Península Ibérica e na Europa em convulsão. As manobras diplomáticas das potências, a guerra franco-prussiana, a Comuna de Paris, os acontecimentos vertiginosos em Espanha entre 1868 e 1874, e o processo acidentado da construção da A.I.T. têm uma inserção informada e adequada na trama do romance. Ao mesmo tempo, o romance El Portugués é uma ilustração das dificuldades e dilemas com que um historiador se confronta quando empreende escrever um romance histórico.

Notas

1 Entre os quais: “J.P. d’Oliveira Martins nas minas de Santa Eufémia, 1870-1874”, Ler História, 54 (…)

Carlos Maurício – CIES-IUL, ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected].

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Hanna non chiude mai gli occhi – BALLERRINI (Nv)

BALLERRINI, Luigi. Hanna non chiude mai gli occhi. Narrativa San Paolo Ragazzi, 2015. Resenha de: MASTRETTA, Elena. Hanna non chiude mai gli occhi. Un libro per appassionare i ragazzi. Novecento.org – Didattica dela storia in rete, 24 apr. 2018.

ABSTRACT

Il libro di Luigi Ballerini, Hanna non chiude mai gli occhi, è stato pubblicato nella collana Narrativa San Paolo Ragazzi nel dicembre 2015, raccogliendo da allora consensi di pubblico e critica, oltre a importanti premi[1]. Il testo si caratterizza per essere un romanzo di formazione a tema storico, la Shoah, adatto a giovani ed adulti.

SALONICCO 1943

Hanna e Yosef, due ragazzi ebrei, devono confrontarsi con i progressivi divieti che vengono imposti agli israeliti. Per via di queste disposizioni, la famiglia di Yosef va a vivere in casa della famiglia di Hanna. Dopo un’iniziale diffidenza, i due sviluppano un forte senso di amicizia, che li aiuterà ad affrontare i mutamenti alle loro vite, imposti dalla discriminazione razziale, e – al tempo stesso – i momenti difficili della crescita personale. Le loro storie, scopriranno imparando a conoscersi, sono corse parallele fino a quel momento, quando la reclusione nel ghetto di Kalamaria li ha messi uno accanto all’altra. Ad esempio, hanno entrambi assistito al raduno di uomini, tra cui i loro fratelli maggiori, avvenuto l’11 luglio 1943 in piazza Libertà. Allora reagirono in modo diverso. Mentre Yosef si allontana abbastanza presto non riuscendo ad assistere al terribile spettacolo, Hanna resta fino alla fine. Yosef ammette, infatti, tradendo un senso di vergogna «Appena hanno iniziato a picchiarli io sono scappato via»[2].L’atteggiamento di Hanna in quella situazione invece, restare senza risparmiarsi la vista degli uomini umiliati e sopportando il caldo, chiarisce da subito il titolo del libro, Hanna non chiude mai gli occhi.

GUELFO ZAMBONI E LUCILLO MERCI: LA SCELTA DI ESSERE UMANI

Il libro rende bene la progressione delle difficoltà degli ebrei e delle violenze cui sono sottoposti. Inoltre mette in risalto due personaggi poco conosciuti: il console Guelfo Zamboni e il capitano Lucillo Merci,  che lavorava in consolato in qualità di interprete. Zamboni, compresa la gravità della situazione, si adoperò, avvalendosi anche dell’appoggio e delle capacità di Merci, per salvare quante più vite possibile attraverso i mezzi che l’incarico di console gli metteva a disposizione.

Quando si rese conto di che cosa davvero stesse accadendo agli ebrei arrestati dai tedeschi, il console chiese ai suoi superiori in Italia la possibilità di “largheggiare” nell’attestare la cittadinanza italiana. Risultarono così in possesso di un certificato anche persone che avevano un cognome italiano o che potevano in qualche modo dimostrare un legame con l’Italia. Il tutto nel rispetto di una legge, che il console non violò mai, tutelandosi, per non perdere di credibilità di fronte ai tedeschi, con l’aggiunta dell’aggettivo “provvisorio” sui certificati rilasciati in quei mesi[3].

Questo non sarebbe stato possibile, se chi lavorava a stretto contatto con Zamboni in consolato non avesse approvato questa scelta. In particolare, nel corso della narrazione si cita spesso la scrittura di un diario da parte di Merci, diario effettivamente redatto dal capitano in quei mesi, di cui nel corso degli anni sono stati pubblicati alcuni stralci e oggi conservato a Yad Vashem. Proprio di questi materiali si è servito Ballerini per rendere al lettore la forte collaborazione dei due uomini nel salvataggio degli ebrei, resa in uno scambio tra i due:

«Dobbiamo fare di più». Il proposito di Zamboni gli uscì di bocca perentorio.

«Si. Dobbiamo portare in salvo tutti gli ebrei italiani, senza perderne nemmeno uno»

«Gli italiani, certo, ma non solo…»

Merci lo guardò con profonda ammirazione. Aveva capito perfettamente.

«Sono con lei signor console, ritengo anch’io che non possiamo stare a guardare. Abbiamo un’unica arma nelle nostre mani, la burocrazia! Ci proveremo con i nostri certificati di cittadinanza e i lasciapassare verso Atene. Lei sa di avermi al suo fianco, in piena fedeltà…»[4]

Sono due figure, quelle dei diplomatici italiani, ben delineate e fedelmente riprodotte, accanto a quelle – altrettanto vivide, anche se inventate dei due ragazzi – collegate proprio dal rilascio dei documenti che le loro famiglie chiedono al consolato italiano. [5].

Il racconto si conclude con la partenza dell’ultimo treno di ebrei italiani da Salonicco verso Atene. Un viaggio diverso da quello che molti altri ebrei dovettero affrontare in quel periodo, perché significava la messa in salvo. Un treno sul quale, però, Hanna sale senza Yosef. La mancanza di lieto fine mette i lettori di fronte alla drammaticità delle vicende storiche che fanno da sfondo alla narrazione.

UNA NARRAZIONE EQUILIBRATA

Uno dei pregi del testo, oltre alla scrittura particolarmente piacevole, è “l’equilibrio” con cui la vicenda della persecuzione ebraica viene trattata: sono rappresentati vittime, carnefici, spettatori, ma anche giusti. Questo, accanto all’ambientazione a Salonicco con continui riferimenti alla situazione italiana permette di affrontare, nella lettura con i ragazzi, la complessità della Shoah.

Vengono infatti presentate nel dettaglio due delle numerose famiglie che cercano di salvarsi dalla deportazione tramite i certificati di cittadinanza italiana, quelle di Hanna e Yosef, ma anche la folla di coloro che si accalcano ogni giorno davanti al consolato italiano dopo che si è sparsa la voce della possibilità di essere qui aiutati.

Sono numerosi i passi del testo in cui si descrivono le persone in attesa di entrare al Consolato Italiano per la richiesta di cittadinanza:

«Anche in quella mattina d’inizio aprile, come faceva ormai da tempo, il capitano Merci salì le scale del Consolato che erano appena le sette. Fuori, davanti al cancello, alcune persone si erano già concentrate in attesa. Appena lo avevano visto arrivare, si erano precipitate su di lui. Aveva faticato a tenerle a bada, a convincerle di attendere che Villa Olga, sede del Consolato, aprisse anche per loro »[6].

L’alto numero di certificati di cittadinanza rilasciati dal consolato italiano non passa inosservato e sono descritti anche i tentativi messi in atto dai tedeschi, in questi passaggi descritti a tutti gli effetti come “carnefici”, per vanificarne l’esistenza:

«Il console Zamboni convocò con urgenza Lucillo Merci, di primo mattino. Era stato informato che le autorità militari tedesche non permettevano la partenza verso Atene di un gruppo di ebrei italiani. Eppure era stato tutto predisposto per tempo e con cura. I certificati di cittadinanza erano stati emessi, i tedeschi avevano ricevuto la lista come da protocollo e la tradotta militare era arrivata dall’Italia in orario». […] «Diventerà sempre più dura, si disse Merci mentre procedeva verso la stazione con sottobraccio tutti i fascicoli relativi al gruppo di italiani in partenza. Fra un po’ non ce lo permetteranno più, pensò con dispiacere e un pizzico di preoccupazione, anche per sé»[7].

Allo stesso modo diverse delle figure che lavorano in consolato, non solo quella di Zamboni e Merci, vengono descritte e si mette il luce il ruolo di ognuno di essi[8]. Per la ricostruzione del “sentire” dei personaggi storici presenti nel romanzo, Ballerini si è servito come già accennato delle parti già pubblicate del diario di Lucillo Merci, dell’intervista rilasciata da Zamboni su questi fatti nel 1992, delle parole di suo nipote Luigi Zazzeri ed ha avuto un lungo colloquio telefonico con Dritta Giorno, residente a Salonicco, che nel 1943 lavorava al consolato italiano come interprete[9].

UN EPISODIO POCO CONOSCIUTO: LA STRAGE DI MEINA

La lettura di questo testo è utile anche per affrontare un episodio particolare della Shoah in Italia: quella dell’Olocausto del Lago Maggiore. Tra coloro che sfuggirono alla persecuzione razziale a Salonicco, infatti, ci sono alcuni di coloro che nell’autunno del 1943 vennero assassinati in quella che è la prima strage di ebrei in Italia.

Nella parte del diario di guerra di Lucillo Merci già pubblicata da Marco Nozza[10] si apprende Merci lasciò la Grecia per l’Italia con

«gli ebrei Dottor Modiano Luigi, la moglie Ernestina, il figlio Claudio, il signor Torres Raul e signora Valeria, l’ing. Elia Modiano, l’avvocato Mosseri, la signora Picollo e altri, complessivamente dodici, compreso (dimenticavo) Elia Saias e famiglia, due signore italiane ariane. […] Accompagnai i miei ospiti fino a Venezia, meta del treno. La famiglia Modiano partì per Firenze, gli altri per il Nord.»

Dopo la chiusura del Consolato Generale d’Italia di Salonicco, avvenuta nel dicembre 1943, il capitano continuò a interessarsi della sorte delle persone che aveva cercato di salvare, per quanto non riuscisse, spesso, a recuperare loro notizie o a verificarle[11].  Scrive ancora nel suo diario

“Gli ebrei italiani o dichiarati tali, da me accompagnati in Italia il 1 agosto 1943 fino a Venezia capolinea del treno, si salvarono. La famiglia del Dott. Luigi Modiano medico (moglie e figlio Claudio), proseguì per Firenze, dove si stabilì. Gli altri nove andarono a Meina sul lago di Como. Con l’occupazione dell’Italia settentrionale da parte dei tedeschi dopo l’8 settembre, il 23 settembre furono arrestati dalle SS, trucidati e chiusi in sacchi buttati nel lago. Le salme furono recuperate durante la guerra.”[12]

Merci non poteva controllare queste informazioni. E oggi sappiamo che erano imprecise [13], come risulta dalle più recenti ricerche storiografiche che hanno ricostruito i profili biografici e i percorsi verso la (mancata) salvezza di molte delle 57 vittime dell’Olocausto del Lago Maggiore.

Il libro ci permette quindi di aprire nuovi spazi di riflessione sui temi della responsabilità personale e della persecuzione: oltre a presentarci nel dettaglio episodi della Shoah che hanno stretti legami con la storia italiana prova a dare una risposta alla domanda che spesso ci si pone di fronte all’immensità della tragedia del popolo ebraico: “era possibile fare qualcosa?”. La risposta viene fornita in modo indiretto, facendoci conoscere le azioni di aiuto messe in atto da due italiani che lavoravano in quel momento per il regime fascista, mossi semplicemente dalla constatazione che stava accadendo qualcosa nei confronti di altri essere umani su cui non si potevano chiudere gli occhi, dimostrando che un comportamento dettato dalla coscienza non solo era possibile, ma in alcuni casi fu anche messo in atto.

Note

[1] Ci si riferisce al Premio Fenice, Europa, XIX edizione, attribuito il 3 settembre 2016 a Losanna. Il testo era stato proposto insieme ad altri come finalista da una giuria tecnica composta da Younis Tawfik, Claudio Toscani e Adriano Cioci. 460 lettori residenti in Italia e all’estero (Europa, America e Antartide) hanno decretato il “supervincitore” in presenza di un numeroso pubblico e di tutti gli autori.

[2] Hanna non chiude mai gli occhi, pag. 34

[3] Zamboni rese noto quanto aveva fatto a Salonicco in una intervista solo nel 1992, ormai molto anziano. https://www.youtube.com/watch?v=D2UhszAASME. Quello stesso anno aveva ricevuto una lettera da Yad Vashem. Una lettera ufficiale di ringraziamento per il suo operato. Dal 12 aprile 2010 a Guelfo Zamboni sono dedicati un albero e un cippo al Giardino dei Giusti di tutto il mondo di Milano. Rispetto al riconoscimento dell’operato di Zamboni esistono tuttavia delle incertezze. Ci sono fonti giornalistiche che attribuiscono al console il titolo di “Giusto tra le nazioni”, ma il suo nome non risulta nell’elenco pubblicato da Yad Vashem a gennaio 2017.

[4] Hanna non chiude mai gli occhi, pag. 73

[5] Ballerini stesso spiega nella postfazione che le due figure di ragazzi sono frutto della sua fantasia, ma ispirate a personaggi realmente esistiti: Ester Saporta, l’Hanna che dà il titolo al romanzo, e Alberto Modiano, suo coetaneo e amico, che nel libro diventa Yosef, alunni della scuola italiana “Umberto I” di Salonicco.

[6] Hanna non chiude mai gli occhi, pagina 53.

[7] Hanna non chiude mai gli occhi, pagine 75 e 76.

[8] Un rilievo particolare viene dato alla figura di Carolina, che lavora in consolato come segretaria e di cui vengono descritti il carattere e la modalità di lavoro “ Carolina rispose senza distogliere lo sguardo dal fascicolo dove stava archiviando  i telespressi. . Negli ultimi giorni se ne erano accumulati alcuni che andavano ancora protocollati; era stata troppo occupata con le altre pratiche e non sopportava di vedere quel disordine nelle comunicazioni” pag. 55  […]” «si sieda e mi dica come possiamo aiutarla» ripeté Carolina. Il suo tono dolce aveva il dono di mettere a proprio agio chi parlava con lei”. Pag 60.

[9] A settembre 2016 la famiglia di Lucillo Merci, per il tramite di Luigi Ballerini che fornì l’indirizzo, ha avuto uno scambio epistolare con Dritta Giorno, che nella risposta dimostra di ricordare benissimo il capitano e che rafforza, con una grafia chiara e senza incertezze, l’importanza del ruolo che l’uomo rivestì nel tentativo di dare salvezza agli ebrei di Salonicco. Le lettere sono oggi custodite dal ramo della famiglia che vive a Bolzano. Nei diari di Merci la figura femminile presente in consolato ha il nome di Carolina, che nel testo è stato mantenuto. Il capitano potrebbe però avere usato in questo caso un nome diverso per cautela nei confronti della donna, che non si esclude potrebbe essere proprio Dritta.

[10] Marco Nozza, Hotel Meina, Mondadori, 1994

[11] Anche a Lucillo Merci Gariwo ha recentemente tributato il ricordo https://it.gariwo.net/dl/201702281221_merci.pdf

[12] Marco Nozza, Hotel Meina, Mondadori, 1994, pag. 300.

[13] In vari passaggi del libro di Nozza “Lucillo” è riportato come “Fucillo”, ma non vi sono dubbi sul fatto che l’autore si riferisca al capitano in servizio presso il Consolato italiano a Salonicco. Tra le affermazioni non corrette di Merci rileviamo che Meina si trova sul Lago Maggiore, non sul Lago di Como ed è una delle nove località coinvolte nella strage definita “Olocausto del Lago Maggiore”. Le modalità di occultamento dei cadaveri delle 16 vittime locali, dopo le ultime ricerche storiche, risultano essere differenti da quelle descritte da Merci nel suo diario, così come le date del loro ritrovamento ( alcuni corpi riemersero subito dopo le uccisioni, uno, femminile, parecchi anni dopo. Su questo aspetto si sofferma la testimonianza di Piero Ragazzoni nel documentario Even) . Lucillo Merci è mancato nel 1983 e il testo di Nozza, che riprende in larga misura quanto emerso dal processo di Osnabrück nel 1968 è stato pubblicato nel 1994, quindi Merci non poté consultarlo. Fino a questa pubblicazione e a quella di Toscano dell’anno precedente sul Bollettino Storico Novarese sono mancati studi organici e critici sulla strage, di cui molti aspetti restano ad oggi da indagare. Lo stesso coinvolgimento di Merci nella messa in salvo degli ebrei di Salonicco è del resto rimasto praticamente sconosciuto fino al 2007, quando la direttrice dell’Archivio Storico della città di Bolzano, l’ha scoperto ha dedicato alla sua figura due conferenze pubbliche, una il 24 gennaio 2007 appunto, e l’altra il 24 gennaio 2013. Come tanti, il capitano non aveva comunicato nemmeno ai familiari i dettagli di quanto successo a Salonicco.

Elena Mastretta

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Camino a Baján | Jean Meyer

Alguns meses depois, diante do pelotão de fuzilamento, o padre Miguel Hidalgo tinha de recordar aquele dia em que conclamou seus fiéis, às portas da igreja de Dolores, em Guanajuato, a lutar por uma liberdade que parecia simultaneamente óbvia e difícil. Com o estandarte da Virgem de Guadalupe na mão, Hidalgo transformou o 16 de setembro de 1810 num marco da luta pela independência do México. Ele também iniciava, ali, aos 57 anos, uma impressionante transformação pessoal, que o colocaria na história e que, para o bem e para o mal, redefiniria o sentido de sua fé. O sucesso da ação emancipacionista parecia, no princípio, inevitável, mas as reações dos realistas e da Igreja, a guerra brutal, as traições, as idas e vindas da política, com suas muitas armadilhas, fizeram com que sua trajetória fosse breve e trágica: em março de 1811, o padre foi preso e, em quatro meses, julgado, condenado e executado. Um pouco antes, porém, de enfrentar o pelotão, Hidalgo sentiu os últimos prazeres da comida e da oferta: tomou seu chocolate – reclamando do parco leite que justo no dia da morte lhe serviam—, caminhou até o paredão e então se lembrou dos doces que esquecera no quarto. Parou, pediu que os buscassem e esperou. Quando os trouxeram, retomou seu caminho, comeu alguns deles e repartiu os demais com os soldados que o executariam. Convictamente. Serenamente.

É apenas aparente, no entanto, a tranquilidade do Hidalgo que Jean Meyer nos apresenta numa surpreendente ficção histórica: Camino a Baján (México: Tusquets, 2010), romance que parte da história, dialoga ininterruptamente com ela, retorna a ela. Uma primeira versão do livro saíra em 1993 com o título de Los tambores de Calderón (México: Editorial Diana). Ambos os títulos mencionam lugares decisivos para o desfecho da luta de Hidalgo e metaforizam seu fim: a Ponte de Calderón, onde teriam rufado os tambores, foi o local da decisiva derrota que levou o padre a fugir na direção dos Estados Unidos; Acatita de Baján, a meio deserto, foi a cidade em que o aprisionaram. Seu caminho para Baján é, portanto, mais do que uma fuga; é uma marcha para a morte.

Jean Meyer não buscou Hidalgo por acaso. Pesquisador da história do México e membro da Academia Mexicana de História, já escreveu dezenas de trabalhos sobre temas distintos e próximos, como a Revolução de 1910, as relações entre Estado e Igreja, as revoltas dos cristeros, o sinarquismo e as lutas camponesas. Publicou, em 1996, uma breve biografia de Hidalgo (México: Clio). Circundou o personagem, portanto, cercando-se de farta documentação e de denso levantamento bibliográfico, para traduzir a figura e a trajetória do padre numa ficção.

O livro é de leitura agradável, dispensa esclarecimentos e notas que justifiquem ou legitimem suas afirmações, solta-se dos rigores acadêmicos e historiográficos, inventa seu próprio estilo, valoriza a dimensão imaginativa e cogita possibilidades históricas de incabível comprovação. Meyer combina o discurso indireto e as descrições – registros habituais da historiografia – com discurso direto ou indireto livre, marcas correntes da ficcionalização. Atenua, dessa forma, o efeito da narração em terceira pessoa e da preocupação de assegurar, com seus longos trechos informativos, que o leitor acompanhe o movimento da história e se certifique da veracidade de muitos dos fatos apresentados. Tal compromisso com a verossimilhança aproxima Camino a Baján do romance histórico tradicional, ao mesmo tempo que demonstra o reconhecimento do primado da literatura em relação à história, dada sua capacidade de sondar o que poderia ter acontecido, mas não aconteceu, e não apenas de se ater ao que foi efetivamente vivido.

A obra, no entanto, tem outro lado – historiográfico – porque, embora se trate de um romance, o autor não o escreve apenas como ficcionista. Recorre a estratégias da narrativa de imaginação, mas mantém os pés solidamente fincados no terreno da pesquisa histórica. Recorre fartamente à documentação do período, hesita em se lançar a especulações carentes de sustentação ou em produzir mitificações baldias. Ou seja, ao mesmo tempo que Meyer se preocupa em construir um relato organizado e articulado sobre os últimos meses da vida do padre Hidalgo, ele também evita as simplificações que tanto a história quanto a ficção muitas vezes produzem quando privilegiam a fluidez do relato em detrimento de sua densidade e se isolam em rituais endogâmicos. Ao rejeitar as barreiras que separam as narrativas e situar sua obra na fronteira entre a ficção e a história, o autor se vale das vantagens de ambas e, mais importante, das perspectivas inesperadas e inusuais que o diálogo entre elas oferece. Fronteiras disciplinares ou narrativas, afinal, não são apenas – nem prioritariamente – espaços de separação; ao contrário, são zonas de transição, de porosidade. Nelas, as características mais destacadas de cada lado podem se atenuar e cresce a oportunidade da contaminação, da mistura. Manifesta-se, de maneira categórica, a necessidade de reconhecer a presença do outro e sua perspectiva distinta.

Num livro importante, Carlo Ginzburg (Olhos de madeira. São Paulo: Companhia das Letras, 2001) recorre a uma metáfora de Marcel Proust para defender o valor dos diálogos disciplinares e metodológicos e recusar a banalização da realidade – e, em decorrência, das representações que se fazem a partir dela. O historiador italiano lembra do esforço de um personagem de Em busca do tempo perdido, “para expor as coisas não como ele sabia que eram”. Ele é pintor e pinta “ao revés”: escapa do óbvio, de si mesmo, e assume a perspectiva que lhe é inversa com todas as suas possibilidades. A representação do presente ou do passado —nos ensinam Proust e Ginzburg— é, assim, aprimorada pelo “estranhamento” que podemos sentir ao olhar para um tempo, um episódio ou processo histórico, um personagem. Não é diferente quando encaramos um tipo de narrativa a partir de terreno distinto, quando nossa perspectiva da história é orientada pelo prisma da ficção, ou vice-versa. Em outras palavras, as implicações cognitivas do “olhar de fora”, da distância, nos ajudam a evitar os relatos simplistas, os reducionismos de quaisquer ordens, os tão convenientes, limitados e insuficientes esquemas explicativos. Elas alargam a compreensão e aprofundam o necessário caráter interpretativo e crítico da história.

O Hidalgo de Camino a Baján ilustra com precisão tal movimento. Ele não é apenas o idealista corajoso, o religioso com preocupações sociais ou o emancipacionista convicto que muitos relatos sobre a independência do México sugerem. O Hidalgo de Meyer é um personagem bem mais complexo; é um mito disposto a agir, capaz de enfrentar forças e instituições extremamente poderosas e de acreditar no valor intrínseco de sua ação, mas é também um homem entre homens, perdido na confusão cotidiana, sujeito a instabilidades e temores, um homem tantas vezes hesitante, tantas vezes angustiado. Sua serenidade, expressa no gesto final de comer e partilhar doces, era, de fato, simples aparência. Uma angústia mais funda e mais crua cortava a imaginação e a consciência religiosa e humanista do padre: por que tanta violência, por que tanto sangue na busca da liberdade? Por que a revolução precisava se alimentar continuamente da morte?

Esse Hidalgo – no meio do caminho entre a história e a ficção – convive, sobretudo, com uma profunda divisão interna, que o atormenta: ele se arrepende de muito do que fez, arrepende-se da escolha do caminho da revolução, da violência desmedida, dos incontáveis mortos que sua ação foi deixando para trás no caminho rumo à própria morte. A entonação humanista de sua dúvida atinge o leitor e amplia a ambiguidade: a luta pela justiça pode ser injusta, a busca da igualdade pode resultar iníqua? Eis um mistério talvez tão profundo quanto os da fé que em suas orações o padre preservava e, nas pregações, difundia. Qual é o caminho, então, para que nos libertemos e sejamos capazes de reconhecer a nós mesmos e aos próximos?

A história da independência do México não oferece respostas, pelo menos à primeira vista. O destino de Hidalgo foi exemplar, da mesma forma que o foram os de outros líderes da luta contra a Espanha: José María Morelos morreu igualmente fuzilado, assim como Ignacio Allende, Vicente Guerrero e até o instável Agustín de Iturbide. O redemoinho da história consumiu-os, um a um. A luta emancipacionista para além do sul do México tampouco poupou de morte triste e de aflições profundas outros líderes políticos e militares: é quase inevitável, durante a leitura do livro de Meyer, relembrar a agonia final e a dilaceração íntima de Simón Bolívar, patente em suas últimas cartas e reconstituída com vigor na biografia fictícia em que Gabriel García Márquez o representou (O general em seu labirinto. Rio de Janeiro: Record, 1989).

As respostas para a busca da liberdade e do autorreconhecimento – se existirem – estão na capacidade de visitar e revisitar o passado ininterruptamente, de questioná-lo, de investigar as opções políticas e históricas feitas pelos personagens ilustres e pelos personagens comuns. Essas respostas só podem vir do reconhecimento da complexidade de todo trabalho de representação e da percepção dos inúmeros desvãos que ele nos oferece. Da aceitação de que a realidade é prolixa – envolvida pela neblina do passado – e intangível em sua plenitude, da mesma forma que nenhuma justiça presente ou passada é pura e completa. De que a iniquidade é multifacetada e misteriosa.

Era inevitável que um autor como Jean Meyer, com a obra historiográfica consistente e significativa que já produziu, ao visitar a ficção, o fizesse de forma admirável e não se limitasse a escrever – o que, reconheçamos, não seria pouco – uma boa biografia imaginativa de um dos personagens mais instigantes da história latino-americana. Ultrapassando o terreno da história, Camino a Baján nos oferece uma ótima leitura e uma reflexão profunda sobre o terreno amplo, fértil e atraente das relações e contaminações entre ficção e história.

Júlio Pimentel Pinto – Professor no Departamento de História da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP – São Paulo/ Brasil). E-mail: [email protected]


MEYER, Jean. Camino a Baján. México, D.F: Tusquets, 2010. Resenha de: PINTO, Júlio Pimentel. O mistério da iniquidade. Almanack, Guarulhos, n.3, p. 157-159, jan./jun., 2012.

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Eu vivi por um sonho – CUTRUFELLI (REF)

CUTRUFELLI, Maria Rosa. Eu vivi por um sonho. Tradução de Maurício Santana Dias. Rio de Janeiro: Record, 2009. Resenha de: PETERLE, Patricia. Reinventando a história de Olympe de Gouges. Revista Estudos Feministas v.17 n.2 Florianópolis May/Aug. 2009.

Eu vivi por um sonho, cujo título original é La donna che visse per un sogno (A mulher que viveu por um sonho), é um dos romances da escritora italiana Maria Rosa Cutrufelli, publicado em 2004, na Itália, e o primeiro dela a chegar ao mercado editorial brasileiro. A tradução fica a cargo de Maurício Santana Dias, que vem cada vez mais se destacando como um influente elo entre Brasil e Itália.

Maria Rosa Cutrufelli nasceu em Messina, na Sicília, uma região que já deu grandes autores, uns mais, outros menos canônicos, para a literatura italiana. Só para lembrar alguns nomes, Giovanni Verga, Luigi Pirandello, Vitaliano Brancati e, mais recentemente, Leonardo Sciascia, Vincenzo Consolo, Andrea Camilleri. Sem se esquecer de que a literatura italiana teve sua origem com a escola poética siciliana, que será recuperada depois por Dante Alighieri e pelos poetas toscanos.

Formada em Letras pela Universidade de Bolonha, Cutrufelli hoje mora na capital romana e, além da atividade de escritora, colabora com a RAI (Radiotelevisão Italiana) e com várias revistas literárias. É uma das fundadoras da revista Tuttestorie, que dirigiu por 12 anos. A temática da narrativa feminina e os estudos de gênero, presentes em vários números dessa publicação, são aspectos constantes que acompanham a sua escritura, como pode ser identificado nos vários ensaios sobre a condição da mulher na sociedade, por exemplo, “Il cliente – inchiesta sulla domanda di prostituzione”, de 1981 (“O cliente – a pesquisa sobre a procura de prostituição”). Esses aspectos também estão marcantes nas suas aventuras ficcionais. Podem ser lembrados aqui Mamma Africa (1989), um livro de memórias autobiográficas, e La Briganta (1990), cuja protagonista é uma mulher que deve enfrentar todas as dificuldades por ser diferente e não seguir as “normas impostas”. Outra obra, Complice il dubbio (1992), foi adaptada para o cinema com o título Le complici, em 1998, pela cineasta Emanuela Piovano.

Em Eu vivi por um sonho, Cutrufelli recupera a “fórmula” do romance histórico, tão em voga na segunda metade do século XX e no início do século XXI. O convite da autora ao leitor é voltar ao século XVIII, na França, mais precisamente na Paris de Robespierre, um país devastado pela revolução e desgovernado pelas rebeliões. Nesse quadro, a guilhotina é o símbolo máximo da ordem, que intimida e desencoraja por meio do terror e da morte aqueles que tentam lutar por uma sociedade de indivíduos livres e iguais. Dentre esses se sobressaem a figura e a voz de Olympe de Gouges, a autora da “Declaração dos direitos da mulher e da cidadã” (1791), um título que retoma o da declaração feita pelos homens. No texto de Olympe, são reivindicados a igualdade de direitos para as mulheres, sua representação no parlamento, o direito ao trabalho e à igualdade de salário, o direito à propriedade para as mulheres casadas e a reforma das leis matrimoniais; e são também assinaladas obrigações como a igualdade penal para os sexos. Vale lembrar que esses ideais foram ainda motivados pelo lema da Revolução Francesa, anterior de dois anos, de 1789: igualdade, liberdade, fraternidade.

A de Olympe é a principal voz narrativa do coro polifônico feminino que compõe a tessitura do romance. Cutrufelli, partindo de dados e fatos históricos, recupera e reinventa o passado para falar de um assunto ainda atual: o papel da mulher na sociedade.

O coro de vozes femininas, ainda, é composto da esposa do filho Pierre, Hyacinthe, da serva, Justine, da jovem republicana que denuncia Olympe, Françoise-Modeste, das crianças como Thérèse e de uma série de personagens que testemunham e ajudam a delinear o clima vivenciado naquela “Paris do terror”. Os títulos dos capítulos são dados a partir dos nomes das vozes que narram. Assim, “Hyacinthe”, “Olympe”, “Hyacinthe”, “Françoise-Modeste” e “Justine” são os primeiros e se repetem ao longo da leitura. Tal configuração já apresenta ao leitor a coralidade presente na obra e ajuda-o a manter o fio condutor da(s) narrativa(s). Todas essas mulheres dão, por meio de suas falas, traços diferentes da personagem principal Olympe, a partir de pontos de vista variados, contribuindo, assim, para construir o retrato da heroína.

Em Eu vivi por um sonho, há, portanto, um leque de personagens que, a partir do contexto no qual estão circunscritos, percebem e descrevem os acontecimentos que confluem na figura de Olympe. É seguindo essa linha, portanto, que são perfilados para o leitor os vários quadros que remetem àquele período, à vida cotidiana, à vida política, à vida na prisão, com diálogos e discussões de pessoas comuns que se encontram e falam de política, da revolução, da família e dos problemas caseiros. É interessante chamar a atenção para a caracterização feita da realidade dos cárceres, definidos como lugares escuros, sujos e lotados.

Esse resgate do passado é feito não só a partir dos nomes de personagens históricos, como Robespierre, mas também a partir de alguns fatos presenciados ou contemporâneos às vicissitudes de Olympe. Logo no início do romance há o funeral de Jean-Paul Marat, conhecido como “amigo do povo”, que é assassinado por Charlotte Corday, presa em 17 de julho de 1793 e condenada à guilhotina:

Para abreviar, ouço bater as 6h e nós ainda estamos em casa. Não agüento mais de tanta impaciência, da janela entra um rumor surdo, contínuo, é a multidão que vai se juntando e se demorarmos mais um pouco tenho medo de não ver nada. Isso já me aconteceu na Igreja dos Franciscanos, onde o corpo estava exposto. A multidão se aglomerara a tal ponto que não consegui achar espaço. De longe, de muito longe entrevi jovenzinhas que lançavam flores sobre o leito fúnebre, todas vestidas de branco – como queria ser uma delas! -, enquanto o presidente de uma seção pronunciava um discurso […] cidadãs, espalhem flores sobre o corpo pálido de Marat! Marat foi nosso amigo, foi amigo do povo, viveu para o povo, pelo povo morreu. Cidadãs espalhem flores sobre o corpo pálido do amigo do povo […] (p. 36).

O romance de Cutrufelli retrata os últimos quatro meses de vida de Olympe, de julho até 3 novembro de 1793, quando ela é guilhotinada. O que se tem desse percurso é o retrato de uma mulher decidida, uma idealista decepcionada com a Revolução. Olympe sente-se traída e é motivada por um sentimento de justiça que a faz escrever e lutar por aquilo que acredita. Nessa perspectiva, a escrita será a sua maior força: “E aqui estou, manca no corpo e na alma. Porém ainda tenho momentos de firmeza, em que a realidade recobra peso e retoma seu lugar. Os momentos de escrita” (p. 47). Toda força, coragem e vigor que representam essa personagem, em alguns momentos, dividem o espaço com as fragilidades femininas:

– A condenada chorava. Sim, são lágrimas que abrem caminho em meio a frios riachos de chuva, minhas faces as reconhecem pela morna docilidade, pelo modo como correm e deslizam consoladoras até o pescoço, por dentro da camisa, até o esterno. Choro. Por que não deveria? Sou uma mulher, Henri Sanson. Uma mulher que quis ser alguém. É pela beleza deste sonho que eu choro. E porque teria preferido morrer num dia de sol, com os braços soltos e meu pequeno chapéu azul posto maciamente sobre a fronte (p. 302).

Essas também são as últimas palavras de Olympe que “encerram” o livro.

Para a escritora, a multiplicidade de vozes narrantes tem um motivo – a vontade de evitar a estrutura dos romances históricos “tradicionais” -, como afirmou em entrevista dada a Marilia Piccone, por ocasião da publicação em 2008 do romance D’amore e d’odio, no qual é possível identificar uma estratégia e uma situação muito parecida. Porém, nesta última obra, o conjunto polifônico não tem como objetivo perfilar uma personagem, mas sim delinear a pluralidade de histórias e vozes do século XX. Todavia, mesmo tentando evitar os romances históricos mais “tradicionais”, esse tipo de narrativa pode ser considerado uma escolha e, sobretudo, um elemento marcante dentro de toda a obra e do projeto literário de Cutrufelli – a esse respeito é interessante a entrevista da autora publicada no livro Gendering Italian Fiction: Feminist Revisions of Italian History (1999), de Maria Ornella Marotti e Gabriella Brooke.

Há ainda, nas últimas páginas, um “Posfácio (ou quase)”, de poucas páginas, no qual Maria Rosa Cutrufelli afirma ter-se tornado uma “pescadora de vidas perdidas”, refazendo-se a Don Delillo. Agora, em vez de resgatar uma parte da história francesa, a autora recupera uma parte das suas lembranças pessoais, durante a década de 1960, quando lia um pequeno livro, Storia dell’emancipazione femminile (História da emancipação feminina). É nessa leitura que ela se depara com o texto da Declaração de Olympe de Gouges, uma descoberta juvenil que traz alguns questionamentos: “[…] mas então existe uma falsa igualdade? E quem era aquela mulher que soubera discernir o verdadeiro do falso?” (p. 308). São talvez essas mesmas indagações que povoam e nutrem a ficção de Cutrufelli. É com este livro, que chegou a ser finalista na Itália do famoso Prêmio Strega, em 2004, que a escritora italiana é apresentada ao público brasileiro.

Patricia Peterle – Universidade Federal de Santa Catarina.

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La Baronesa del tango. Y el tiempo de las rosas (novela histórica) – MIGUENS (CA-HE)

MIGUENS, Silvia. La Baronesa del tango. Y el tiempo de las rosas (novela histórica). Buenos Aires: Sudamericana, Colección Narrativas, 2007. 222p. Resenha de: FERRERO, Adrián. Clío & Asociados. La Historia Enseñada, n. 13, p.173-177, 2009.

Ya pasada la avalancha bibliográfica (por cierto, de muy despareja calidad) que supuso la década de los noventa, más ligada a un boom editorial que no fue sino un síntoma social de que había cundido y recalado, en especial en la clase media y las más favorecidas, un interés creciente por lo que se entendía vagamente como “comprender el pasado” o “la identidad nacional” (suerte de teoría seudo freudiana de la identidad, esta vez transpuesta a subjetividades sociales o a un colectivo fundado en los rasgos identitarios que brindan la adscripción a una Nación), resulta interesante echar una mirada a lo que quedó de ese estallido o primavera creativa. En efecto, resulta evidente que en torno de algunas manifestaciones recientes, las que aún perduran del género en cuestión, algunas pocas siguen vigentes y, mejor aún, dan cuenta de un proyecto no coyuntural sino a largo plazo, enarbolado por algunos narradores y narradoras argentinos.

El citado boom, no menos oportunista y que ávido por sacar rédito de una ideología que catapultando al género así denominado “novela histórica”, organizó un sistema de operaciones estético-ideológicas orientadas a la revisión superfi cial, epidérmica y sesgada, de fi guras tanto del panteón patriótico liberal, como de imaginadas gestas en torno de las cuales se organizaba una versión del pasado de la Nación, en la actualidad ese espacio de enunciación literario tanto como de producción mercantil, acusa una retracción. Si la fi cción histórica ha dado un paso atrás, desde los últimos años un grupo de historiadores no académicos, mediante trabajos de divulgación científi ca, programas mediáticos radiales y televisivos, producción de recursos didácticos o domésticos (en distintos formatos, del VHS al DVD, pasando por historietas) procuran intervenir en el lectorado emitiendo no sólo un tipo particular de género que articula discurso histórico, discurso pedagógico de masas y divulgación, con una ideología que, bajo una aparente demostración de valores, información e ideas, es en otro sentido simplista, esquemática. Si uno realmente escarba en ella, ve que hay comprometidos intereses mucho más profundos y que el pasado merecería ser abordado con toda la seriedad y la complejidad que supone todo acontecimiento que incide decisivamente en el presente.

Una tentativa relectura del auge de la novela histórica de los noventas, su fundamento, su saldo, puede resultar tan legítimo como evaluar el modo como las estéticas residuales, las que permanecieron vigentes, refi naron en la actualidad sus recursos, redujeron sus ambiciones, se auto-representaron como un núcleo de sentido privilegiado porque no provenía de la “pura invención” (como la así literatura “de fi cción”), sino de fi guras de existencia constatable, de ideas y programas que existieron pero es obvio que su evocación literaria no puede ser tomada jamás como un testimonio fi dedigno, más cerca de la poiesis que de la mimesis, menos fundado en fuentes historiográfi cas que en sacar provecho estético de ellas.

Esta retracción del género, que estimo positiva, porque decanta y espiga heterogeneidades de desparejo valor estético, ha dado acogida a nuevos nombres, o bien ratifi cado la calidad intrínseca y la continuidad de otros ya existentes, sumando novedosas ideologías literarias que exploran lenguajes literarios no menos que aportan representaciones literarias de códigos sociales y extraliterarios vitales para entendernos.

Ahora bien, ¿qué nombres es posible conservar entre esa maraña de listas de best sellers, de fi guras de escritor no menos que de celebrities ? Hagamos una sumaria recapitulación de algunos hitos de la así llamada novela histórica, con el propósito nada exhaustivo de analizar algunos casos donde calidad literaria, éxito económico y canonización estética fueron más o menos posible. Es cierto, en Europa, cabría agregar, un campo intelectual y un subcampo literario mucho más consolidado, con un mercado más exigente pero también más fl oreciente, en virtud del prestigio de que gozan los intelectuales no menos que los escritores reconocidos en la sociedad francesa.

Dos casos importantes son Memorias de Adriano de Marguerite Yourcenar (traducido al español nada menos que por Julio Cortázar, una traducción considerada por los expertos como intachable y paradigmática) y los libros de Mary Renault. Ambas mujeres, ambas damas de letras en el amplio sentido de la palabra, ni amateurs ni ignorantes de las vigorosas tradiciones literarias e intelectuales europeas. Se trata de francesas o europeas, más genéricamente, cuya obra, si bien revista diferencias a ojos vista, proyectos claramente divergentes en varias zonas, no es menos cierto que se apropiaron de una voz, en ocasiones de una fi gura masculina vinculada al pasado latino o medieval, a la que dotaron de infl exiones propias, sin por ello restarles verosimilitud, ni anacronizándolas ni feminizándolas ni procurando involucrarlos en reivindicaciones extemporáneas de las cuales los harían impropios portadores, estas dos mujeres marcaron un hito, cada una a su manera en Europa, porque además de espléndidas en su género fueron espléndidas literatas.

En Argentina el género fue liderado por una figura como María Esther de Miguel, que desde sus tempranos libros manifestó un interés que fue anticipatorio de lo que vendría, y si bien su obra tiene momentos valiosos, también acusa un voluntarismo ligado o bien a desempolvar “fi guras olvidadas”, preferentemente femeninas, opacadas a su criterio cuando no invisibilizadas por gobernantes o líderes masculinos, o bien a centrarse en problemas nacionales demasiados fechados sin una coherencia interna, más a nivel de lengua y sociolectos o lectos de grupos vinculados a la escritura literaria, que a situar o citar emblemática y estratégicamente sucesos, nombres, espacios, lo cual suena una forma de artilugio narrativo sencillista y ya superado por otras escrituras no sólo del género sino de la literatura en general. Otro nombre no menos importante, es el de la cordobesa Cristina Bajo, que organiza sagas en función de tramas que se articulan como trilogías o tetralogías, y ese rasgo pauta una noción de proyecto más 175 Dossier. museos, historia y memoria claro y de más conciencia de género literario, así como de los núcleos de sentido que se propone abordar.

Las novelas de otra escritora, Silvia Miguens, autora de Lupe, Anita y el virre y; Cómo se atreve. Una vida de Juana Paula Manso y la reciente La Baronesa del Tango, que nos toca comentar en la presente reseña, viene a sumar algunas zonas de reflexión fecunda, no sólo en nuestro país sino en lo que hace a la escritura literaria argentina y latinoamericana en general. Algunos de sus conceptos, supuestos, implícitos, en ella contenidos, los estimo valiosos. Si bien ratifi ca y expande una línea ya inaugurada, en torno de situarse valorativamente del lado de la novela histórica menos como una obra creativa que proveedora de causas justas, de una justicia denegada por la historia y la sociedad patriarcal en Argentina, su labor se orienta a recalar, reconstruir, reivindicar algunas figuras del pasado histórico argentino de una alto voltaje innovador para su tiempo. Suele hacerlo con una muy buena calidad de prosa, trabaja con intertextos tanto historiográficos como literarios muy sólidos, y permite configurar una mirada que construye una tradición de escritura literaria feminista en el siglo XX y XXI de revisionismo histórico, enunciada desde la ficción de este cuño. Es más: desde una zona vaga, más efectiva, más conjetural, discursivamente problemática, como la así llamada novela histórica. Sabemos que nada de lo que se le pide, es más, se le exige al discurso historiográfico, se hace con el literario.

No obstante esa laxitud en las restricciones, permiten imaginar, tanto utópicamente como distópicamente, dos elementos: que la historia pudo ser mejor como pudo ser peor de lo que nos fue narrada, y eso ya es de por sí valioso. Es decir, la fi cción histórica, en tanto pone en cuestión y desmantela principios de verdad, fundamentos de verosimilitud, fundación de nuevos verosímiles, fi ja otros, también es fuente de hipótesis, renueva lecturas, rescata presencias y repone ausencias o vacíos, cuando no ausencias.

Si los trabajos de María Esther de Miguel, como por ejemplo La amante del Restaurador, sobre una edecana de Manuelita Rosas y su padre, bastante invisible y de incierta vida, exploraban, como los de Andrés Rivera, ese cruce entre violencia sexual y violencia simbólica, acallamientos y silenciamientos, recuperando o contorneando tanto la voz del opresor como del o de la oprimido u oprimida, Silvia Miguens proseguirá con probidad y una poética propia, algunas tensiones de esa línea.

Pero enfatizará, posiblemente munida de un aparato teórico mucho más rico, abundante y refi nado en función de la generación a la que pertenece o de sus opciones ideológicas, la zona de reconstrucción de estereotipos de género. Más claramente situada a nivel de la ideología social sexista, quiero decir, queda claro que en sus obras la ideología prevalece esa dimensión por sobre la invención de una diégesis más o menos neutral, impregnando algunas zonas que insisten en la ya mencionada opresión femenina, en la violencia de género, en la importancia de la palabra como forma de desenmascaramiento o desmentida de una verdad urdida o fraguada, pero claramente capciosa desde los intereses de clase y de sexo dominantes. Miguens retornará a esos silencios para ocupar con sus enunciados un momento de la simbolización que no fue posible, no fue permitido, no fue admitido. La idea de atrevimiento, a la que regresa una y otra vez, vincula estos textos a la audacia, al riesgo que mujeres y hombres que defi enden esos derechos han corrido para preservar la humanidad en sus formas más respetuosas del prójimo.

El hecho de que gran parte de los editores y editoras porteños de los grandes sellos suelan ser egresados de la carrera de Letras, supone, a mi modo de ver, el ingreso aleccionador en colecciones y modos de lectura, de teorías críticas, literarias, sociales que antes eran no ignoradas pero tenidas como exógenas al campo de la fi cción. Hoy en día esas editoras y editores, que también escriben y publican, están en condiciones de demandar la inclusión de tal conjunto de saberes, de tal perfi l fi ccional, de planifi car colecciones de literatura con una mirada que incorpore dichas formas de ideología intelectual, que va desplazando lenta pero inexorablemente a la fi cción de escritores no universitarios e incontaminada de teoría, lo que no signifi ca que no la hubiera implícitamente en esos corpus .

Aportativo resulta el trabajo con los paratextos en el caso de esta novela. Miguens suele encabezar cada capítulo con epígrafes, frases o versos de autores y autoras que trazan vínculos sémicos con el capítulo en cuestión. Esa suerte de lectura en espejo, de pista que introduce como voz ajena de la que se apropia, cuando se trata de un varón, generalmente ratifi cando y no combatiendo sus ideas o la importancia ética de los hechos que narrará, termina por ser una suerte de baluarte así como de informativo catálogo, al menos sumario, de algunos unidades sémicas, al menos mínimas, que circulaban o bien circulan aún en torno de problemas que su fi cción aborda.

Si esta novela se hace preguntas en torno de la semiosis social de género ligadas a la portación del vestido, el juzgamiento de conductas o vínculos, sancionándolos y aprobándolos, ese despliegue visibiliza un estadio en la sociedad de la época (que puede aún estar presente, de otra manera, por ejemplo solapada) en torno al modo en que miramos y somos mirados por los demás o por nosotros mismos.

Lo que suma esta novela, además del elemento claramente alusivo a lo nacional, como el tango, es la idea (que ya estaba en la novela sobre Juana Manso) de que el siglo XIX, al menos en Argentina, no fue generoso con las mujeres. Si se trataba de mujeres instruidas (lo que ya era una excepción), si contaban con la fortuna de una familia y, en especial, de un padre que favoreciera permisiva y transgresoramente su ilustración, debían optar entre su carrera o su familia, como aún es común que sucede en algunos países y sociedades, digámoslo aunque suene anticuado cuando no trasnochado. No menos cierto es que algunas escasas mujeres, que no dudaría en tildar de pioneras, sí afrontaron con una valentía inaudita, el desafío del ejercicio de una profesión, de una militancia de sus derechos (directamente ligada a la posibilidad de desplegar sus dotes y sus profesiones en una marco hostil) y un enfrentamiento, en el sentido confrontativo del término, con la sociedad, la familia, las instituciones de la época. Otras, en cambio, fueron inhibidas en sus potencialidades y renunciaron o se vieron compelidas a hacerlo. Todo dependía de la fortaleza, la salud, las ganas, el ímpetu que tuvieran para vivir y convivir con otros en una vida a contrapelo del siglo, del mundo, de su país y su sociedad. ¿Por qué elegir una vida incómoda cuando lo confortable se exhibe, opulento y fácil, al alcance de la mano? Esa eterna pregunta, que ha signado la historia de la humanidad no menos que la historia de las ideologías, de las elites, de las formaciones intelectuales, que habla bien de la irrupción impetuosa pero dolorosa y socialmente traumática de un conjunto de lo que Raymond Williams llamaría “structures of feeling” –“estructuras del sentir” o “estructuras de sentimiento”– suerte de antelaciones, en estado muy embrionario de “lo que vendrá” y será primero resistido y posiblemente más tarde institucionalizado, ofi cializado y canonizado, ha sido confi gurador de nuestra identidad como espacio cultural occidental.

En toda cultura, en toda nación, en todo espacio de intercambio simbólico intra e intercultural hay zonas (ya más o menos previstas, según Foucault, que contempla confinados en una suerte de “caja” limitante pero con vacíos; ya pasibles de desafiar al statu quo cultural según Roland Barthes lo proclama hacia los años setenta en París mediante sus famosos “trampas al lenguaje”) que proclaman la necesidad de cambio y otras que ratifi can el orden imperante. La literatura, la estética, el arte, el uso de la palabra, no es per se un ámbito enunciativo esencializantemente que sume o reste a ese permanente combate. La posición, la situacionalidad en términos sartreanos, la orientación ideológica, será causada por el enunciador no menos que por los códigos con los que enuncia. Más o menos tramposo, más o menos infame, entonces para su sociedad y su tiempo, para el futuro, la posteridad, dependerá de su decisión en la encrucijada, si logra verla, dónde y cómo enunciar su texto, su palabra, la intensidad y la convicción de su discurso.

¿Qué lleva a un hombre a lanzarse a la conquista, siempre azarosa, de una mujer, en vez de pagar unos cómodos dólares o pesos a una prostituta por sus favores y servicios? Lo que en la intimidad llamaríamos “el amor”, para otros en el orden en las ideas podemos llamarle de muchas maneras, según las cosmovisiones y las convicciones: utopías, proyectos, relatos, metarrelatos. Vida privada, vida colectiva no resultan tan distintas, sino profundamente imbricadas. Regidas por una moral social, sexual, política, un interés o un desinterés, será decisiva, como en todo, el sistema de elecciones en la claridad identitaria de un sujeto y la sociedad que habite, así como el curso de su biografía en ella, no por alentar el progreso necesariamente feliz.

Adrián Ferrero – Universidad Nacional de La Plata

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The Tramp Room – PATTERSON (CSS)

PATTERSON, Nancy-Lou. The Tramp Room. Waterloo, ON: Wilfred Laurier University Press, 1999. 149p. Resenha de: INNIS, Ken Mac. Canadian Social Studies, v.35, n.1, 2000.

Patterson’s fictional historical novel, The Tramp Room, deals with the daily life of Mennonites in the Kitchener area of Ontario, circa 1850. The strength of the book lies in her informative descriptions of daily life of the times, such as making sausages and linen. Another strength, and a real example for our society today, is how Patterson explains that everything was effectively utilized. The section entitled the “Spinning Room” is a good example of how every scrap of material was used for either patching clothes or in making quilts. The author certainly knows her history and is able to recreate an effective feel for life at the time. I was particularly taken with her ability to show how much time it took to produce everything from cloth to candles. The novel provides an excellent view into the daily life of pioneer women.
The Tramp Room would be most valuable to elementary students and teachers from grades 3 to 6. I would use it by reading selected chapters to reinforce a social studies concept about the past. It could also be useful as a resource to direct students to during project work. I would not, however, read the whole book to the class as I found it difficult to get in to the story. As well, the premise of the girl falling asleep and waking up in Joseph Schneider Haus in the 19th Century is one that is overdone and does not work well in this novel. The best parts of the story are those in which Patterson describes the daily and seasonal routines of life on the farm.
I found it refreshing to read a novel that emphasized kindness (the Mennonites’ willingness to take in the tramp boy) and the harmony of working together as a family with the environment. The Tramp Room would be a good addition to any elementary school library.

Ken Mac Innis – Sir Charles Tupper School. Halifax, Nova Scotia.

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