a Ravardière e a França Equinocial: os franceses no Maranhão (1612-1615) – MARIZ; PROVENÇAL (RIHGB)

MARIZ, Vasco; PROVENÇAL, Lucien. La Ravardière e a França Equinocial: os franceses no Maranhão (1612-1615). Rio de Janeiro: Topbooks, 2007. 231p. Resenha de: DEL PRIORE, Mary. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.168, n.438, p.355-356, jan./mar., 2008.

De livro em livro, Vasco Mariz e Lucien Provençal vão construindo uma obra, se entendemos por obra um conjunto de textos atravessados por uma questão. No caso: as relações históricas entre Brasil e França. Autores de vários livros sobre personagens importantes da aventura americana, eles têm se debruçado sobre episódios que a história deixou no limbo. Depois de Villegagnon e a França Antártica, quem ganhou carne e osso foi este La Ravardiére e a França Equinoxial. Após as lutas na baía da Guanabara, àquelas nas praias pantanosas do Maranhão. Num texto coloquial e amistoso, os autores conjugam simplicidade e competência para nos contar o que alguns tentam esquecer : que por mais de um século, regiões inteiras do que, hoje, chamamos Brasil foram terra de ninguém. De ninguém, não. Pois os franceses sempre demonstraram enorme habilidade em se instalar e, diferentemente dos portugueses, estabelecer relações amistosas com seus moradores, os tupinambás

No Rio de Janeiro foi assim, e em São Luíz também. A idéia de uma colônia francesa no Norte, nasceu depois que alguns franceses aí estiveram, ao final do século Dezesseis. A idéia foi aplaudida por Daniel de La Touche, Senhor de la Ravardière, que já conhecia o litoral da atual Guiana. Em 1611, a primeira bandeira com a flor-de-lís foi hasteada e os “papagaios amarelos”, – alcunha amistosa que lhes foi dada pelo índios – davam início ao projeto de construir um forte, manter um convívio pacífico com os tupinambás e preparar a posterior ocupação por colonos. A campanha era escorada pelos chamados “grandes da Corte”: François de Razilly, Senhor des Aumels, chegado à família real, Nicolas de Harlay, barão de Molle et de Gros-Bois, e o senhor de Danville, almirante da Bretanha e primo do rei, Henrique IV. Com o sucesso da primeira parte da missão, passou-se à segunda. No ano quatro padres capuchinhos, entre os quais um dos primeiros etnógrafos a escrever sobre a região : Claude d´Abbeville. A chegada no porto de Jeviré tem banquete “tão magnífico quanto poderia ser em França”, reunião com os chefes aliados e uma decisão : a construção do forte São Luís : “feito de estacadas, com baluartes altos, casamatas e fosso de 40 palmos”.

Seguros para passar a etapa seguinte? Não. Aí que os problemas começam. E de um e de outro lado do Atlântico. De comum acordo com companheiros que levavam adiante uma campanha de alianças comerciais entre os diferentes grupos tupinambá, Razzily partiu para a França. Ia em busca de capitais, soldados e colonos. Deixava aqui disputas discretas com La Ravardière. Este, por ser protestante, era tratado como “herege” pelos capuchinhos e com pequenas humilhações por parte de seus subordinados católicos. Entretempos, Henri IV, que era um entusiasta da idéia, foi assassinado. Na mesma época programou-se o casamento de seus filhos com os de Felipe III, rei de Espanha e Portugal – sob a conjuntura da União Ibérica. Não era de bom alvitre, portanto, arranjar confusão no Brasil. Por aqui, os portugueses resolvem reagir.

Tem início as “jornadas importantíssimas do Maranhão”, dos melhores capítulos do livro, com detalhes das várias escaramuças, traições e operações estratégicas que levam à vitória de Guaxenduba. O fim da França Equinoxial se consolida com a rendição do forte São Luís – “Saint Louis des Français” –, no dia 3 de novembro de 1615. Foram tres curtos anos em que fatos externos ajudam a abortar uma experiência que poderia ter vida longa.

Se no século Dezesete, o Brasil continua como o país do ouro e das especiarias, para La Ravardière a França Equinoxial foi um sonho. Sonho decifrado com autoridade por especialistas capazes da arte sutíl de reunir a melhor informação com uma narrativa que deixará qualquer leitor por dentro do assunto. Trata-se de um exercício de precisão levado a cabo por dois colegas historiadores e que contribue de maneira esclarecedora para a compreensão das relações entre dois países amigos.

Mary Del Priore – Sócia honorária do IHGB.

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Temas da Política Internacional: ensaios, palestras e recordações diplomáticas – MARIZ (RIHGB)

MARIZ, Vasco. Temas da Política Internacional: ensaios, palestras e recordações diplomáticas. Rio de Janeiro: Topbooks, sd.. Resenha de: PEREIRA, Antônio Celso Alves. Ensaios históricos e saborosas inconfidências diplomáticas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.170, n.442, p.413-416, jan./mar., 2006.

Experiência diplomática, arguta observação, análise política preci­sa e, sobretudo, cultura humanista e senso de humor estão presentes nas páginas desse novo livro de Vasco Mariz, diplomata, escritor, musicólo­go, lexicógrafo e historiador, que, durante 42 anos, ocupou importantes postos na diplomacia brasileira. Serviu em Portugal, sob Salazar, na Iu­goslávia de Tito, na Argentina de Perón, no consulado em Nápoles e, por duas vezes, nos Estados Unidos. Além disso, foi representante do Brasil na OEA e embaixador no Equador, em Israel, em Chipre, no Peru e na extinta Alemanha Oriental.

Embora reunindo recordações e depoimentos pessoais, não se trata de um livro exclusivamente de memórias. O autor oferece ao interessado em política internacional um quadro analítico de temas que estiveram, e muitos ainda estão, na ordem do dia da grande política mundial. Suas re­miniscências do tempo em que servira na ONU são interessantíssimas. A análise do drama do Oriente Médio, que ele viveu de perto como embai­xador em Israel durante 5 anos, conforma um texto atual e imprescindível para a compreensão do problema. Da mesma forma, o leitor encontrará informações e detalhes pouco discutidos, ou mesmo ignorados, sobre a unificação alemã, especialmente sobre a antiga República Democrática Alemã. Na cerimônia de entrega de suas credenciais ao presidente da RDA, o comunista Erich Honecker, Vasco Mariz mencionou a participa­ção da Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial. Ho­necker mostrou-se visivelmente surpreendido, pois não sabia que o Brasil lutara contra as tropas nazistas na Itália. Ainda sobre sua atuação na Ale­manha, não se pode deixar de ler, nos Apêndices, às páginas 380/382, o texto intitulado: “O sindicalista Lula na RDA, ou saudades de uma bonita gravata francesa”.

É interessante salientar que vários episódios completamente des­conhecidos da história diplomática brasileira, fatos que, segundo o au­tor, “ainda podem ser considerados confidenciais”, são por ele expostos e esclarecidos. Os acontecimentos descritos às páginas 111/114, sob o título “O dia em que o Brasil salvou o Marechal Tito”, eu nunca os vi re­gistrados em qualquer texto sobre a nossa política externa. No Itamaraty, melhor dizendo, em qualquer chancelaria, por envolverem os negócios diplomáticos interesses e razões de Estado, vigora uma espécie de silên­cio obsequioso, que obriga o diplomata a manter a maior discrição em sua vida pessoal e em sua atuação profissional. Vasco conta como fora espinafrado pelo embaixador brasileiro na Itália, Alencastro Guimarães, porque, cônsul em Nápoles, aceitara o convite do diretor da Ópera local para fazer parte do elenco de La Gioconda, no papel de Alvise Badoero. Vasco cantou e agradou. Aposentado desde os anos 90, declara-se agora à vontade para manifestar-se, como historiador, sobre sua vivência diplo­mática.

Nessa linha, evoca, entre outros episódios, dois delirantes projetos imperialistas do então presidente Jânio Quadros: “abrir um janela para o Caribe”, isto é, provocar uma revolta no Suriname, anexar ao Brasil parte do seu território e comprar a Guiana francesa (págs. 293/296); e, em sua política para a África, “incorporar Angola ao Brasil”. (págs. 171/173). Essas maluquices não prosperaram porque tínhamos à frente do Itamaraty a figura ilustre do notável estadista e grande brasileiro, Afonso Arinos de Melo Franco, que, naquela altura, em plena Guerra Fria, implantara no Itamaraty uma renovada, vigorosa e independente política externa.

Vasco Mariz trabalhou com Roberto Campos ao tempo que este fora embaixador em Washington. Acumulava as funções de direção dos seto­res cultural e de imprensa da embaixada. Nessa situação, foi testemunha e participou ativamente dos esforços da diplomacia brasileira para tentar anular a antipatia que o governo norte-americano, pelas conhecidas ra­zões ideológicas, nutria pelo governo João Goulart. No capitulo intitu­lado “Na Corte do Presidente Kennedy”, Mariz descreve, com detalhes, episódios interessantes sobre a visita oficial do presidente João Goulart, em abril de 1962, aos EUA. Além de uma minuciosa análise das questões que, naquela altura, compunham nosso contencioso político e comercial com os Estados Unidos, o autor comenta os momentos mais importantes dos encontros de Jango com Kennedy, ao mesmo tempo em que traz à luz situações cômicas, que ocorreram nos bastidores dessa polêmica visita presidencial.

Na sequência da narrativa de alguns fatos da política externa bra­sileira que não chegaram, em toda a sua extensão, ao conhecimento do grande público, Vasco Mariz revela detalhes das iniciativas ordenadas pelo governo militar para impedir a concessão do Prêmio Nobel da Paz de 1969 a Dom Helder Câmara. Este é um dos episódios mais tristes, mais lamentáveis, dentre os absurdos e violências perpetrados pela paranóia ideológica da ditadura militar. O autor, à época, era chefe do Departa­mento Cultural do Ministério das Relações Exteriores. Confessa que, por dever de ofício, cumprindo ordens diretas do secretário geral do Itama­raty, embaixador Jorge de Carvalho e Silva, convocara os embaixadores da Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia, para pedir-lhes “que soli­citassem a seus governos, a título excepcional, que interviessem junto à Fundação Nobel para evitar a escolha”. Dias depois, o Itamaraty fora informado pelos citados embaixadores que seus governos não interferi­riam no assunto. O caso saiu da esfera diplomática e passou diretamente para a presidência da República. As pressões, fortíssimas, passaram a ser Vabis, Ericsson, Facit e Nokia). “A mensagem – escreve Mariz – foi bem entendida nos países escandinavos” e o prêmio foi concedido à Organiza­ção Internacional do Trabalho.

Vasco Mariz é uma pessoa de trato ameno, extremamente gentil, que encanta seus interlocutores. Estas qualidades muito o ajudaram em sua vida profissional e o aproximaram de importantes líderes mundiais e de destacados políticos brasileiros. Vale a pena ler os perfis que ele traça, na presente obra, das personalidades com as quais convivera em quase meio século de vida diplomática, reunidos, sob o título Variações, ao término de cada capítulo.

Escrito em linguagem clara, em estilo elegante, Temas da Política Internacional – ensaios, palestras e recordações diplomáticas, de Vasco Mariz, livro cuja leitura recomendo com prazer, constitui, ao mesmo tem­po, valiosa contribuição à bibliografia brasileira sobre política internacio­nal e sobre a história da política externa do nosso país.

Antônio Celso Alves Pereira – Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Internacional e ex-reitor da Uerj.

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Ensaios históricos – MARIZ (RIHGB)

MARIZ, Vasco. Ensaios históricos. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2005. Resenha de: PEREIRA, Paulo Roberto. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v.166, n.429, p.229-231, out./dez., 2005.

Paulo Roberto Pereira – Doutor em Letras pela UFRJ. Professor de Literatura Brasileira na UFF. Ensaista e crítico literário.

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