Professores de história: entre saberes e prática | Ana Maria Monteiro

Entre diversos livros que abordam a temática do ensino de História, por que o livro da professora Ana Maria Monteiro continua tendo muito a nos dizer mesmo dez anos depois de sua publicação? Esta é a pergunta que move o desafio de escrever sobre este trabalho que foi apresentado inicialmente como tese de doutoramento em 2002 e publicado em forma de livro em 2007.

Dentre os seus interesses de pesquisa estão os temas do currículo, conhecimento escolar e disciplinas escolares, identidade profissional, saberes ensinados. Leia Mais

Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003 – TORRES (RL)

TORRES, Marcele Xavier. Márcia Serra Ferreira. “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003”. In: MONTEIRO, Ana Maria (et al.). Pesquisa em ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. Rio de Janeiro: Muad/Faperj, 2014. Resenha de: ROSA, Tatiane Mendes. Revista do LHISTE, Porto Alegre, v.3, n.5, p.99-104, jul./dez, 2016.

O propósito aqui é fazer uma resenha reflexiva a partir do texto: “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003” (MAUD x FAPERJ, 2014) das Professoras Marcele Xavier Torres e Márcia Serra Ferreira, a obra traz uma análise sobre a obrigatoriedade de inserção da História da África e dos africanos no ensino de História no Brasil a partir da Lei 10.639/2003.

A inovação da introdução curricular em relação à História da África nos estudos da História do Brasil a partir da lei 10.639/03 é um tema que gradativamente vem sendo debatido e levado a publicações de pesquisas, artigos, ensaios, etc. A publicação da pesquisa organizada por Marcele X. Torres e Márcia S. Ferreira, reforça a importância desta lei no desenvolvimento histórico educacional em nosso país.

As autoras atuam com pesquisas nas áreas de História e Educação, contribuindo no aprimoramento da formação de professores, educadores e pesquisadores. Um dos resultados destas pesquisas pode ser verificado no livro “Pesquisa em Ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas (2014)” caracterizada por uma coletânea de textos acadêmicos elaborados por pesquisadores que atuam no campo educacional. O texto escolhido traz a reflexão da pesquisa dividida em duas partes, distribuída em 12 páginas, proporcionando ao leitor uma compreensão do tema, possibilitando uma busca maior de detalhes e informações na bibliografia e livros indicados. A obra também proporciona uma análise sobre o que vem sendo desenvolvido nos centros acadêmicos sobre a lei 10.693/03 e aplicado nos currículos escolares.

A apresentação das ideias das autoras se faz presente no desenvolver da pesquisa apresentada onde fica nítida ao leitor a compreensão do conteúdo pesquisado, visto que, na elaboração do texto publicado se faz uma trajetória de conceitos permitindo a objetividade da proposta. Elas trabalham com a compreensão de que o homem é o protagonista de sua própria história e agente formador de suas mudanças em um futuro desconhecido. É possível identificar a transformação do novo e/ou novidade no trecho que nos fala: “[…] o ‘novo’ não é apenas o que resulta de uma mudança estrutural, tampouco esta em transformação radi cal promovida por uma instituição. […]” (TORRES; FERREIRA, 2014: p. 84), o novo para acontecer necessita de um lugar (ambiente) e condições de equilíbrio para se constituir. Para o escritor Ferretti (1995), segundo as autoras:

[…] a mudança como resultado das iniciativas de alterações que são incorporadas a diferentes objetos, com vistas a atender a determinados objetivos que se configuram tomando como ponto de partida os problemas identificados na realidade que se pretende mudar. (TORRES; FERREIRA, 2014: p. 84).

Os conceitos desenvolvidos servem de base para chegarmos ao ponto de estudo do Currículo Escolar onde há a necessidade de mudança e inovação para atender a inserção de novos conteúdos que tratem de temas não abordados antigamente com tamanha eficiência, mas que na atualidade esses temas devem ser mais trabalhados para atender a realidade e compreensão dos alunos.

As professoras Marcele e Márcia utilizam outras referências teóricas para debater a mudança curricular, para isso consideram o autor Popkewitz que contribui com seus escritos na questão da transição da mudança onde se faz necessário ter um paralelo entre o que se foi praticado no tempo transcorrido em associação a atualidade, gerando assim um deslocamento que estabelece rompimentos e seguimentos, como fica evidenciado em: “[…] pensar a partir da relação entre o passado e o presente significa ‘identificar interrupções, descontinuidades e rupturas da vida institucional’ (Popkewitz, 1997, p. 22).” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.86). Este autor também considera importante o estudo regional na pluralidade da sociedade abrangendo fatos locais mais peculiares dentro das relações de poder existente e acredita que as alterações podem ser feitas através de uma reforma educacional a partir do uso de termos pertencentes ao aprendizado escolar. Em relação a esta alteração de significados as autoras nos trazem o escritor Silva que em seus escritos nos mostra que “no contexto da história do Currículo é preciso desconfiar particularmente da tentação de atribuir significado e conteúdo fixos a disciplinas escolares que podem ter em comum apenas o nome.” (SILVA, 1995: p. 8 apud TORRES; FERREIRA, 2014: p.87). Seguindo nesta linha de mudança curricular o temos o comentário das autoras sobre Goodson onde:

“[…] as mudanças devem ser compreendidas como o resultado de um conflito entre assuntos internos e relações externas, pois ‘quando o interno e o externo estão em conflito (ou dessincronizados) a mudança tende a ser gradual ou efêmera” (GOODSON, 1997: p. 56 apud TORRES; FERREIRA, 2014: p.87).

Nesta primeira parte do texto as autoras fazem a reflexão que o Currículo atua como formador de entendimento da consciência social, local competitivo rodeado de ambição e de relações desiguais de empoderamento. Ambas as autoras deste artigo reafirmam que a mudança curricular seja na universidade, seja na escola “[…] não é um processo fácil tratando-se de um movimento no qual se ‘inventam tradições’[…]” (TORRES; FERREIRA: 2014 p.88)”. O estudo da História da África e da cultura afro-brasileira e africana no ensino de História se encaixa no contexto acima abordado por se tratar de uma nova interpretação no contexto tradicional curricular.

A segunda parte do texto nos trás a mudança no ensino de História a partir da Lei 10.639/2003 que refere à obrigatoriedade de revisão curricular na Educação Fundamental do ensino de História da África e da cultura afro-brasileira e africana no Brasil. O teor desse tema é justificado pelas autoras por conter fundamentos de alterações importantes no ensino da disciplina de História, por que é uma ciência que possui a pratica curricular de mostrar a soberania do homem branco em relação ao homem não branco, especificamente o africano, nas relações de convivência em nossa sociedade, ou seja, as autoras não buscam uma nova disciplina escolar com essa temática e sim, procuram aflorar as inquietudes da História Nacional oficial ensinada para outro viés histórico não relacionado com a conjuntura social presente.

A História como disciplina escolar, assim como o a educação no Brasil é baseada no sistema educacional europeu (séc.XX), sendo contada a partir do olhar do estrangeiro. Nestas circunstâncias a História sempre foi vista pelo heroísmo e bravura do seu ator principal o homem branco, onde é representado por figuras ilustres, um ser humano independente e com capacidade de “civilizar” o mundo. Com o passar do tempo e dos acontecimentos a disciplina de História teve mudanças baseada nas produções acadêmicas européias e pelos diferentes cenários políticos sociais surgidos no passar dos anos, mas sem perder o eurocentrismo. Com a extensão do sistema educacional brasileiro no final do século XX foi possível que outros grupos não elitizados freqüentassem as escolas, esse fato ocasionou uma alteração na homogeneização do perfil social dos alunos que freqüentavam o educandário, destinado antes aos filhos da elite política brasileira. Sendo assim, “[…] seja pela transformação do perfil do alunado, seja pelo crescimento dos movimentos sociais voltados para a inclusão de grupos historicamente marginalizados, os currículos foram sendo crescentemente contestados.” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.90). Ao longo do tempo os conteúdos desenvolvidos em História sofreram indagações por não retratar a História da África e dos afro-brasileiros no Brasil gerando uma revisão disciplinar. O final do século XX em nosso país é caracterizado por uma História marxista que retrata a disputa de classes sociais e as relações de produções. Com base nisso, tivemos algumas alterações nos currículos escolares, onde ficou evidenciado “hegemonicamente pela inclusão da luta dos africanos, tanto na África quanto no Brasil, em uma perspectiva estrutural mais ampla, envolvendo dominantes e dominados. […]” (TORRES; FERREIRA, 2014: p.90). As autoras nos remetem a contextualização que a partir do final do processo da Ditadura Militar no Brasil as discussões sobre igualdade e democracia conquistaram maior visibilidade na luta pela inclusão das minorias e dos grupos marginalizados pela História Oficial. Coube ao ensino de História motivar o aluno a indagar seu eixo histórico e analisar seu papel de ator social.

No ensino de História do Brasil a contar do inicio do século XXI tivemos o estabelecimento da Lei 10.639/2003 que consiste no ensino de História da África e cultura afro-brasileira como já citado anteriormente. Esta lei busca readquirir as ações afirmativas dos negros na formação da sociedade brasileira impulsionando a população negra ao seu reconhecimento social. A lei foi decretada em 2003, mas a luta por esse reconhecimento legitimado vem de muito tempo que pode ser verificado, por exemplo, no Movimento Negro que sempre lutou pela integração da História e cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Mesmo sendo uma lei, a mesma não garantiu até o momento que essa mudança nos currículos escolares seja eficaz em relação aos contextos anteriormente desenvolvidos nas escolas através da visão do outro, no caso do olhar eurocêntrico. Após 13 anos de implantação a lei 10.639/03 ainda não rompeu com o “costume” de se retratar o negro africano e o afro-brasileiro somente como escravizado e submisso ao opressor europeu. A alteração é gradual e necessita de orientação de como deve ser aplicada, pois toda mudança curricular envolve fatores externos que vão além do ambiente escolar, envolvidos em uma cultura intrínseca. A modificação do currículo escolar faz parte do processo de transição do conteúdo histórico a ser desenvolvido com o alunado, mas para que essa transformação ocorra é preciso também que se faça um preparatório do corpo docente para trabalhar essa temática em aula, pois a lei é de 2003, mas há professores que começaram a atuar antes deste período e para os que atuam após esta data também se faz necessária uma formação para que haja preparo e referencial teórico que embase as aulas ministradas sobre a cultura africana no Brasil e a formação da nossa identidade no elo Brasil Africano e África Brasileira. A responsabilidade dessa alteração de paradigmas históricos se faz presente no embate político social onde uma nova retratação entraria em conflito com uma “tradição” secular no contexto social brasileiro.

Após a leitura do texto referido para este trabalho fico com algumas indagações: quais os motivos para a lei 10.639/03 não ser aplicada? Há interesse da parte governamental para que não haja uma nova historiografia em relação aos negros africanos e aos afro-brasileiros? Os professores recebem orientações didáticas em suas formações para desenvolverem em aula o referido tema? Os currículos escolares no âmbito nacional já estão atuando na proposta da lei? Atualmente, há algum tipo de verificação nos diários escolares para averiguar o que esta sendo desenvolvido? As ações afirmativas e a valorização do povo negro onde estão? Os professores estão recebendo ou receberam material didático para embasarem as aulas? Há formações de professores que abordam essa questão? Cabe somente aos professores de História trabalhar com a proposta da lei 10.639/03? Existe racismo nas escolas do Brasil? Alguma pesquisa já foi feita com os alunos de matriz africana para verificar se os mesmos já se sentiram descriminados, injustiçados ou envergonhados nas aulas que tratam sobre a formação do nosso país? As perguntas são inúmeras e não pararam por aqui. Será preciso fazer mais pesquisas sobre o tema abordado para elucidar essas questões. Com base no texto resenhado e nas perguntas acima, trago questões pertinente quando se trata da negritude brasileira e da formação afro descendente do Brasil, o racismo, o preconceito e a discriminação na escola. Para esta analise utilizei o livro “Superando o Racismo na Escola”, organizado por Krabengele Munanga, Brasil, 2005. Em minha carreira como Professora de História já sofri perguntas dos alunos tais como “bah, mas a senhora não tem cara de Professora!”, “Sora, a senhora fala de religião de matriz africana só porque a senhora é preta?”, “Sora, porque a senhora usa esse “troço” (turbante) na cabeça, tá com piolho?’’, “a senhora acredita em saravá?” foram perguntas que fizeram refletir sobre o convívio escolar de uma pessoa afro-brasileira. Como nos diz Sant’ana (2005): “[…] não dá para fugir da curiosidade dos alunos e nem é aconselhável camuflar as respostas. O jeito é enfrentar a questão de frente. […]” (SANT’ANA, 2005: p.40). E para enfrentarmos essas questões é necessário contextualizar a história do negro no Brasil e a nossa relação de identidade com o continente africano. Acredito que a maioria dos alunos ainda tenha a visão estigmatizada do negro escravizado, sofredor, pacífico e submisso ao branco europeu, como também percebo que as informações referentes à cultura africana merecem maior elucidação, pois ainda é vista como algo pejorativo onde usar turbante, usar elementos da religião de matriz africana ou falar sobre a Mama África no ambiente escolar assim como em toda nossa sociedade parece algo que causa estranheza ou afronta a cultura nacional. A figura do Professor é primordial para elucidar essas questões de racismo, preconceito e discriminação, pois o aluno inicia na escola em idade de formação da sua personalidade e é na escola que temos o nosso maior convívio social com as diferenças.

Referências

SANT’ANA, Antônio Olimpio. “História e Conceitos básicos sobre o Racismo e seus derivados” IN MUNANGA, Kabengele (organizador). Superando o Racismo na Escola. 2ª Ed. Revisada. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

TORRES, Marcele Xavier. Márcia Serra Ferreira. “Currículo de História: Reflexões Sobre a Problemática da Mudança a partir da Lei 10.639/2003” IN MONTEIRO, Ana Maria (et al.). Pesquisa em ensino de História: entre desafios epistemológicos e apostas políticas. 1ª Ed. Rio de Janeiro: Muad x Faperj, 2014.

Tatiane Mendes Rosa – 1 Professora de História Rede Pública. E-mail: [email protected]

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