História e Literatura / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2013

A Cordis: Revista Eletrônica de História Social da Cidade apresenta em seu número 10, a temática História e Literatura, que conta com 10 artigos de pesquisadores de instituições universitárias brasileiras e internacionais. Estas produções científicas trazem à tona a literatura como objeto de estudo para o historiador, partindo de concepções da área História Cultural, de que as obras literárias são consideradas como produtos culturais e representações a serem decodificadas e descontruídas para os resgates de suas singularidades, propriedades determinadas, especificidades e intencionalidades subjacentes.

O historiador, por meio da literatura como documento histórico, a partir de questões vivenciadas em seu presente, retorna ao passado e lhe faz perguntas que lhe pareçam apropriadas no diálogo com esta fonte documental. As indagações do historiador denotam a própria subjetividade do pesquisador, que está emaranhado no tecido das tramas de seu objeto de estudo. O pesquisador ao “fazer história”, tece sua narrativa histórica, imbuído do olhar de suas práticas sociais, de suas experiências vividas e, a partir de uma relação dialógica com seus pressupostos teórico-metodológicos, deve estar sempre aberto para que estas concepções sejam modificadas no contato com a pesquisa empírica.

Os artigos do número 10 da Revista Cordis demonstram que, para que a literatura se constitua como fonte de estudo e interpretação histórica, é importante o entendimento de que, em cada discurso literário, há autores / autoras que apresentam determinados projetos e visões de mundo, e que traduzem a realidade a seu modo, deixando aflorar intermitentemente imaginação, medos, desejos, angústias, aspirações, paixões, emoções, possibilitando atribuir “vozes” a diferentes sujeitos sociais, inclusive os marginalizados e oprimidos da vida cotidiana.

Os textos literários contribuem para o desvendamento de representações da realidade e, como linguagens constitutivas do tecido social, apresentam homens e mulheres de diferentes tempos e lugares, bem como suas experiências, e podem transmitir os testemunhos históricos de tensões sociais da realidade vivida. Ao mesmo tempo, difundem, por meio de códigos culturais da narrativa literária, perfis sociais e sexuais e influenciam nas maneiras de pensar, na construção de valores, sentimentos e padrões de comportamentos de uma sociedade.

Nesta perspectiva, os documentos literários não são concebidos pelos artigos como instrumentos refletores de verdades acabadas ou que espelhem uma realidade objetiva. O trabalho dos historiadores com as tramas literárias, neste eixo temático da Revista Cordis, temática História e Literatura, permite resgatar como uma determinada sociedade se constrói historicamente no cotidiano e como colabora na edificação de práticas e projetos, bem como de valores culturais. De acordo com o estudioso Nicolau Sevcenko, em sua importante obra Literatura como missão, o corpus documental literário pode veicular, também, projetos vencidos e, nesse sentido, veiculam as histórias que não ocorreram, as possibilidades que não vingaram e os planos que não se concretizam historicamente.[1]

Os artigos desta temática demonstram também, por meio do diálogo com diversas fontes documentais literárias, que estas devem ser interrogadas pelo historiador, de modo a considerar os “ditos” e “não ditos” em suas práticas discursivas. Para que os discursos dos “não ditos” venham à tona, é importante interpretar o que está implícito nas entrelinhas do documento histórico. Desse modo, o objetivo é fazer aflorar o conteúdo latente dos silêncios presentes nos textos literários.

É importante ressaltar que os “ditos” e “não ditos” dos discursos literários não são neutros ou imparciais, à medida que, devidamente descontruídos pela explicação histórica, podem ser desfiados e desvelados pelo historiador – tal qual faz um detetive – que vai à busca de indícios, pistas e sinais de registros das expressões humanas e de seus significados culturais.

Os artigos dos historiadores Yvone Dias Avelino, denominado A construção de uma realidade: cidade, história e literatura, e de Ana Cristina Meneses de Sousa Brandim e Shara Jane Holanda Costa Adad, que tem como título Literatura e História: Manuel de Barros e Mia Couto como instrumentos poéticos para pensar o ofício do historiador, desenvolvem significativas reflexões sobre a literatura como fonte documental na oficina do historiador. Avelino desenvolve uma reflexão sobre as relações entre História e Literatura, ao enfatizar que a obra literária não deve ser concebida apenas como veículo de conteúdo, mas principalmente nos modos como a realidade é abordada, questionada e recriada. Já Brandim e Adad refletem sobre a literatura como instrumento para o ofício do historiador e como, por meio do estudo dos poetas Manoel de Barros e Mia Couto, a literatura possibilita uma reflexão sobre conceitos pertinentes ao universo do discurso histórico: real, imaginação, sentimento, arte e produção metafórica da linguagem.

Os textos acadêmicos – de Paulo Armando Cristelli Teixeira, intitulado Tolkien: uma voz dissonante em meio à modernidade inglesa; de Gabriela Fernandes de Siqueira, denominado O homem que pintava a cidade por meio das palavras: cenas urbanas natalenses construídas a partir das crônicas de Henrique Castriciano e de Fernanda Reis, que tem como título Expressões do moderno na cidade de Campo Grande no antigo Estado de Mato Grosso: a arte de Lídia Baís como fonte de pesquisa histórica – refletem sobre as representações urbanas veiculadas em obras literárias e demonstram como o estudo da literatura faz emergir os sentimentos e valores de sujeitos sociais que sentem a cidade, por meio de seus textos, de modo a registrar imagens sensoriais sobre o viver urbano.

Há também artigos que refletem sobre os poderes visíveis e invisíveis na vida cotidiana e na literatura, sobre as relações entre discursos literários, revolução, sexualidade e política, como também fazem análises interpretativas sobre as recepções de obras literárias. Estas são as preocupações problematizadas pelas pesquisadoras Graça Videira Lopes, no artigo Poderes visíveis e invisíveis na Sátira Medieval, Veronica Giordano na produção acadêmica Revolución, sexo y política en Brasil em los años setenta. Un análisis desde las notas sobre comida em la Revista Homem (Playboy) e pelo historiador Valdeci Rezende Borges, no artigo História e Literatura nas cartas de Franklin Távora a José Feliciano de Castilho sobre Iracema.

As abordagens, que entrecruzam o documento literário com a oralidade e com as imagens cinematográficas, apresentam instigantes reflexões de como a interpretação de obras literárias podem ser articuladas com outros suportes documentais. Os textos de Josi de Sousa Oliveira, Juliana Lopes Aragão, Laura Ribeiro da Silveira e Thiago Coelho Silveira, intitulado A arte do demônio? O cinema e os literatos em Teresina (PI) no início do século XX, e de José Edimar de Souza e Luciane Sgarbi Santos Grazziotin, denominado Um modo de ser professora primária: notas de trajetória docente de Telga Bohrer, demonstram que o entrecruzamento entre diversas tipologias documentais trilham o caminho da interdisciplinaridade, à medida que não têm como objetivo preencher lacunas do conhecimento histórico e, sim, resgatar o objeto de estudo para além das trincheiras e limites colocados pelas disciplinas acadêmicas.

Convidamos a todos a trilharem esta viagem pelos meandros poéticos e históricos das narrativas dos artigos do número 10 da Revista Cordis, que é o mesmo que traçar cartograficamente os registros dos mergulhos de pesquisadores e historiadores que, ao adentrarem a galáxia da literatura, se abrem para o estudo de caleidoscópios de interpretações e apontam para novas abordagens e desafios em torno das produções e narrativas históricas.

Nota

1. SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1995.

São Paulo (SP), junho de 2013

Marcelo Flório

Nataniél Dal Moro

Editores Científicos


FLÓRIO, Marcelo; MORO, Nataniél Dal. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 10, jan. / jun., 2013. Acessar publicação original [DR]

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Séries Urbanas: conflito e memória / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2009-2010

O II Encontro Transdisciplinar de História e Comunicação: Séries Urbanas: conflito e memória foi promovido pelo Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura: Barroco e Mestiçagem e pelo Núcleo de Estudos de História Social da Cidade (NEHSC), na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) entre os dias 3 e 4 de dezembro de 2009, e teve como tema central a problemática urbana e as implicações dela decorrentes, agravadas, transformadas ou apenas parcialmente alteradas em sua constituição objetiva e simbólica. Justamente por isso da pertinência do subtítulo do encontro: Séries Urbanas: conflito e memória.

Ao eleger como tema Séries Urbanas: conflito e memória buscou-se estabelecer diálogos não somente com pesquisas feitas nas disciplinas da Comunicação e Semiótica e da História, mas também com outras áreas e saberes que se empenham em tensionar criticamente as especificidades, particularidades e permanências históricas, sociais e midiáticas de um mundo tão múltiplo em certos aspectos e restrito em outros. Não resta dúvida de que as indagações acerca do mundo urbano-citadino e das relações com a memória, o corpo, a mídia e a cultura barroca e mestiça são amplas e devem receber uma atenção toda especial da academia, tal como já o fazem, há várias décadas, os integrantes do NEHSC e do Grupo de Pesquisa Comunicação e Cultura.

Este II Encontro buscou pensar os projetos e as práticas de diversos sujeitos históricos por meio de distintas concepções e análises. Por vezes, esta política acadêmica pode até ser considerada incompatível com os ofícios das áreas em pauta. Todavia, a afirmação não se sustenta. Basta voltarmos o olhar para o passado: quantos e quantos assuntos eram deixados de lado pelo fato de algumas pessoas afirmarem que “não era possível” estabelecer este ou aquele diálogo com esta ou aquela disciplina.

De forma mais pontual, o II Encontro visou também tornar públicas, mais ainda, as pesquisas feitas pelos professores e alunos dos Programas de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e do de História da PUC-SP. São trabalhos originários de reflexões desenvolvidas sobretudo em cursos de mestrado e de doutorado, alguns já finalizados e outros em fase de conclusão. De um total de 41 trabalhos / resumos aprovados inicialmente para apresentação oral (mais 2 palestras e 1 peça de teatro), 24 estão agora no formato de artigo e compõem um número especial da Revista Cordis.

Ótimas leituras!!!

São Paulo- SP, junho de 2010

Jurema Mascarenhas Paes

Nataniél Dal Moro

Editores assistentes


PAES, Jurema Mascarenhas; MORO, Nataniél Dal. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 3-4, jul., 2009 / jun., 2010. Acessar publicação original [DR]

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Cidades: Processos Migratórios e Imigratórios / Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade / 2009

Cidades: Processos Migratórios e Imigratórios é o título central da temática do segundo número da Revista Cordis. Os escritos que integram a presente publicação visam divulgar socialmente alguns estudos que se interessam pelas muitas faces e fases experienciadas pelos sujeitos que, em algum momento, partiram de um território para outro ou se depararam com a presença de sujeitos de outras plagas em “seus” territórios.

As cidades brasileiras, nos séculos XIX e XX, em especial neste último, foram constituídas sobremaneira por meio das colaborações de migrantes e imigrantes. Alguns vieram de outros continentes, como os portugueses; outros, como os indígenas, fizeram migrações “dentro” de um mesmo território. Esse processo quase sempre tem razões históricas e motivações pontuais de ordem econômica ou política, mas inegavelmente a primeira é superior a segunda.

Situação semelhante ocorreu e ainda ocorre em urbes de outras partes do globo. Seja por causa de questões políticas, culturais, científicas, interesses econômicos, sociais ou culturais, o fluxo de sujeitos de um território para outro, ou por vezes outros, é um fator decisivo na alteração e mesmo transformação das realidades citadinas e também rurais. Quase toda a humanidade é, em algum sentido, – ou já foi – migrante.

Os textos que integram a Revista Cordis contemplam diversas formas de migração, imigração e inclusive emigração. As abordagens também não são estanques: há enfoques que utilizam análises antropológicas, outros históricas. Alguns se aproximam e dialogam criticamente com as interpretações que a Sociologia e a Política vêem desenvolvendo nas últimas décadas. A Lingüística também tem contribuído de modo fundamental para problematizar antigas indagações, tensionando fontes e documentos antes tidos como “neutros” ou culturalmente positivos.

As reflexões propostas pelos autores indicam que os indivíduos vindos de outras plagas, neste caso os imigrantes, sobretudo os europeus, trouxeram para o Brasil concepções políticas que se confrontaram com as leis e os valores da sociedade dominante; a presença destas pessoas alterou qualitativa e quantitativamente o cotidiano das cidades, imprimindo costumes e práticas antes inexistentes ou não efetivados pela comunidade em que se instalaram, seja amistosa ou forçosamente. A fixação destas pessoas proporcionou a viabilização de algumas tecnologias e a perenidade de certos trabalhos no espaço citadino.

A reterritorialização, com a chegada de outras pessoas, foi inevitável. Criaram-se fronteiras e desfizeram-se parte das existentes. Na cidade de São Paulo, determinadas regiões passaram a ter “bairros étnicos”, se bem que na realidade não o eram de todo. Construiu-se a imagem de que havia “bairro de italianos”, “bairro de japoneses”, “bairro de portugueses”, dentre outros.

Os migrantes e imigrantes ajudaram a modernizar a cidade, embora nem sempre tenham usufruído materialmente desta modernização física. Passaram por privações e chegaram a ser criminalizados em razão da origem, do credo, da língua e do trabalho que realizavam, sendo explorados não somente pela elite nacional, que os via mais como mão-de-obra – seriam escravos mais civilizados –, mas também pelos próprios conterrâneos.

Finalmente, esperamos, com a divulgação virtual destes textos, mostrar os processos migração e imigração como realidades variadas dentro da urbe, cada qual portadora de cotidianos distintos. Essa realidade, porém, sempre foi materializada por pessoas concretas que, em contato com outros sujeitos, igualmente concretos, humanos, fez surgir conflitos, tensões, rupturas, confrontos entre sujeitos que buscavam, ao seu modo, construírem – o mais adequado é reconstruírem – as suas próprias histórias, forjar suas vidas diante de realidades já constituídas.

São Paulo- SP, junho de 2009

Nataniél Dal Moro

Editor assistente


MORO, Nataniél Dal. Apresentação. Cordis – Revista Eletrônica de História Social da Cidade, São Paulo, n. 2, jan. / jun., 2009. Acessar publicação original [DR]

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