1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil – GOMES (MB-P)

GOMES, Laurentino. 1808 – Como Uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. 2 ed. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2007. 408p. Resenha de: NASCIMENTO, Aline Botelho do. A vinda da Família Real para o Brasil e a Independência. Marinha do Brasil/Proleitura, 2016/2017.

O livro conta à história de D. João VI, que sendo ameaçado pelas invasões de Napoleão Bonaparte, por não ter cumprido o Bloqueio Continental com a Inglaterra, foge para a sua maior colônia na época, o Brasil, para onde a Família Real transferiu a sede do governo Português, fato nunca antes visto na história conforme afirma autor.

Em 1807, Napoleão Bonaparte era o senhor absoluto da Europa. Seus exércitos tinham destronado reis e rainhas do continente europeu, numa sucessão de vitórias brilhantes e surpreendentes. Só não haviam conseguido dominar a Inglaterra. Napoleão resolveu tentar a Guerra Econômica, decretando o bloqueio continental, uma medida que previa o fechamento dos portos dos Estados Europeus aos produtos britânicos. Suas ordens foram obedecidas por todos os países exceto Portugal.

  1. João VI rei de Portugal tinha duas opções a escolher: a primeira era ceder às pressões de Napoleão e aderir ao bloqueio continental; a segunda, aceitar a oferta dos ingleses e embarcar juntamente com sua corte para o Brasil. Caso o Príncipe Regente aderisse a proposta de Napoleão, os ingleses não somente bombardeariam e sequestrariam a frota portuguesa como muito provavelmente tomariam suas colônias ultramarinas.

Ainda que o plano de fuga para o Brasil fosse antigo, a viagem foi decidida às pressas. Além disso, fatores naturais atrapalharam bastante a viagem, que não foi fácil. No plano de viagem havia um ponto de encontro onde navios poderiam ser reparados. Esse ponto era a ilha de Cabo-Verde, no qual as embarcações danificadas atracariam; após o retorno, deveriam seguir viagem rumo ao Rio de Janeiro, mas aportaram em Salvador, na Bahia, de onde partiram enfim para o Rio de Janeiro.

Com a chegada ao Rio de Janeiro, a primeira providência tomada pela Família Real Portuguesa foi a abertura dos Portos às “nações amigas”, especificamente a Inglaterra. Houve, também, a criação de uma escola superior de Medicina, outra de técnicas agrícolas, um laboratório de estudos e análises químicas e a Academia Real Militar.

A Família Real estabeleceu ainda algumas instituições no país, tais como: Gazeta do Rio de Janeiro, o Supremo Conselho Militar e de Justiça, a Intendência Geral de Polícia da Corte, o Conselho de Fazendo e o Corpo da Guarda Real, a Biblioteca Nacional, o Museu Nacional e o Jardim Botânico.

Porém, Houve também, períodos conturbados, tais como revoltas de cunhos separatistas, abolicionistas, entre outras, que exigiram o tratamento por parte da Família Real, o que devidamente debeladas, ajudaram a manter a unidade nacional central mais forte, delineando o Brasil próximo da forma como conhecemos.

Com revoltas acontecendo também em Portugal, na cidade do Porto, em 1820, D. João foi obrigado a retornar a Portugal, deixando a administração do Brasil a cargo de seu filho D. Pedro. Entretanto, para desespero de D. Pedro, quando D. João partiu para Portugal, raspou os cofres do Banco do Brasil e levou embora o que ainda restava do tesouro real que havia trazido com a “fuga” para a colônia em 1808.

A D. Pedro coube a tarefa de unificar o país, e torná-lo independente de Portugal, já que seu próprio pai, acatando deliberações da Corte portuguesa, tornava as exigências à colônia muito mais duras.

O Jornalista Laurentino Gomes, neste livro, retrata, de forma bem amigável ao leitor, a vinda e a permanência da Família Real portuguesa, e sua Corte, em 1808, e como influenciaram a vida no Brasil, culminando com a Independência em 1822. É certo que graças aos fatos que ocasionaram a mudança da corte para as terras tupiniquins o futuro do país foi mudado significativamente.

Aline Botelho do Nascimento –  Primeiro-Tenente da Marinha do Brasil

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Napoleão- LENTZ (VH)

LENTZ, Thierry. Napoleão. São Paulo: Editora Unesp, 2008. 179 p. Tradução C. Egrejas. Resenha de: MARTINEZ, Paulo Henrique. Varia História. Belo Horizonte, v. 26, n. 43, Jun. 2010.

Um pequeno volume dedicado a um personagem singular. O “século XIX foi o século de Napoleão”, explica Thierry Lentz, neste livro destinado a conferir maior historicidade à vida deste militar francês, a época napoleônica e as narrativas míticas sobre Bonaparte. Lentz vai além da simples biografia e da história política do século XIX. Ele nos oferece um atualizado guia de iniciação aos estudos napoleônicos. Publicado na França em 2003, o magro volume está organizado com introdução, cronologia, oito capítulos e bibliografia que inclui comentários sobre estudos existentes, livros em francês e outros idiomas, revistas, periódicos e sites na internet. Pouco criativo, o estereótipo da capa conspira contra o conteúdo do livro. Mais um argumento de que é preciso, e melhor, lê-lo.

Lentz ocupou-se em proporcionar esclarecimentos aos leitores para a compreensão da vida e da ação política de Napoleão. Em sua avaliação, estas se tornaram mais complexas devido a inúmeros mitos que pairam sobre Napoleão, suas realizações, sua época e história, e pela instrumentalização que sempre fizeram delas, tanto líderes partidários, quanto escritores, militares e artistas, de pintores a cineastas, na posteridade, desde o exílio, em 1815. O autor sugere percorrer algumas “linhas de reflexão sobre a biografia desse personagem”. Oito capítulos são desfiados em perspectiva cronológica e abordam desde o nascimento biológico, na Córsega do século XVIII, e o do mito Bonaparte, no início do XIX, até a derrocada do imperador dos franceses e do exército de lendas que acossa os historiadores nas universidades. Um Napoleão histórico surgiu apenas na segunda metade do século XX. Escrever a história nos livros parece, assim, mais difícil do que a escrever com as próprias mãos, no tempo e espaço, no mundo dos homens.

Em uma periodização clássica da vida e da trajetória militar e política de Napoleão Bonaparte, os acontecimentos são confrontados com a gestação de relatos fabulosos sobre diferentes lances de sua vida. Estas medições não ocorrem com vistas a um desmascaramento da história. Elas apontam antes para a contextualização e o superfaturamento que o discurso da posteridade fez de aspectos em torno da “formação enciclopédica” de Napoleão, leitor de clássicos gregos e latinos e de filósofos da Ilustração, e da publicação de livros, entre 1789 e 1793 – ensaios filosóficos e políticos, romances e trabalhos técnicos. Um indivíduo que foi legítimo filho do século XVIII, ainda que autor de livros, não adquire automaticamente o estatuto de filósofo das Luzes. Tanto quanto o general político que despontou na campanha da Itália, a partir do chefe militar, do exercício de governo e da diplomacia, do criador de repúblicas, da reforma de instituições, administração de recursos financeiros, e que acalentou o registro simultâneo dessas glórias em jornais, odes e pinturas. A erudição atribuída à expedição ao Egito, em 1798, unindo ciência, política e ação militar não logrou apagar o fracasso na estratégica busca de estrangulamento econômico da Inglaterra e que dera origem a essa campanha malograda.

A unificação das atividades administrativas, sob o grande Consulado, solucionando na prática querelas entre a colaboração e a separação dos poderes de Estado, propiciou a estabilidade política interna na França e, pela primeira vez, em dez anos, a paz externa. As reformas foram tangidas por inúmeras leis e decretos que ordenaram a ação governamental, a organização e a hierarquia administrativa, judiciária, das finanças e da educação. A anistia política e obras para a restauração da atividade econômica reforçariam o poder político pessoal de Napoleão. Em 1804, sem hesitar, foi proclamado Imperador dos franceses. A paz, a ordem e a retomada dos negócios foram fontes de acumulação e de legitimação do poder por Bonaparte. Neste esforço, Napoleão buscou fundir a soberania monárquica e a soberania nacional na figura de Carlos Magno, evocando sua lembrança como unificador do antigo império romano e fundador do novo império franco. Apresentando-se como sucessor daquele, apegou-se aos símbolos políticos do Antigo Regime, como o cetro, a coroa e a espada.

As guerras da França fornecem outra linha de reflexão. Lentz distingue aquelas que foram as guerras da revolução, entre 1792 e 1802, quando os girondinos queriam “levar a liberdade ao mundo”, marcadas pelas disputas ideológicas e militares entre o Antigo Regime e a Revolução. Estas seriam encerradas apenas com o Consulado. Já as guerras da França napoleônica retomaram a secular rivalidade com a Inglaterra, os históricos conflitos diplomáticos na Europa e adicionaram as ambições pessoais de Bonaparte. Entre 1803 e 1815, a guerra foi um instrumento para impor sua política imperial no continente, uma compensação pelo desmantelamento do império colonial. Esta foi uma história de sucessivos decréscimos. Em 1805, houve a destruição da frota francesa e espanhola pelos ingleses, na batalha de Trafalgar. No ano seguinte, teve início o embargo à Grã-Bretanha, visando, novamente, a sufocar o comércio e as finanças britânicas. Este gesto seria incrementado a partir de 1809, quando a revolta popular espanhola colocou fim ao período de vitórias contínuas, desde a Itália até aquela data. Revelou-se, aos olhos do mundo, que Napoleão não era invencível. O último feliz acontecimento político e pessoal veio com o nascimento do herdeiro masculino de Napoleão, em março de 1811. O Grande Exército, montado sobre o sistema de recrutamento, travou as grandes guerras de massas, com longos e contínuos deslocamentos, moral e coragem elevadas. Contudo, ele foi movido pela farta distribuição de aguardente, sempre mal equipado, com os soldos atrasados, dotado de arriscados serviços de saúde, alimentado pela pilhagem das cidades e dos territórios ocupados e a espoliação dos vencidos.

Na França, o Estado napoleônico, piramidal, fundado sobre princípios de autoridade e hierarquia – era o modelo militar – buscava pelo rigor e eficácia obter a centralização governamental, administrativa e social. O poder Executivo forte e concentrado não era, porém, controlável, mesmo com uma administração pouco numerosa. As distancias físicas, as comunicações precárias e limitadas tornavam morosa a transmissão e a execução de ordens governamentais. As administrações locais foram entregues às mãos dos prefeitos, então, ungidos representantes do governo central. Os sucessivos códigos napoleônicos – civil, comercial, criminal, penal, rural – visavam armá-los até os dentes com a força da lei e da justiça do Império. Segundo Lentz, “com sua expansão alcançando até a metade do continente, o Império não poderia ser eficazmente gerido de maneira centralizada”. Dirigir centralmente, governar localmente, foi outra estratégia política do general no comando da França imperial.

Cabe a indagação: como e por que foi vencido? A batalha e a derrota em Waterloo alimentaram a lenda e o desencantamento de Napoleão. Ele seria vencido no apogeu do prestígio e da fama que alcançara, com a expansão geográfica do império, a estabilidade política, a instauração da sua dinastia. Das extremidades da Europa partiram os abalos que fizeram ruir a paz e a ordem napoleônica. Na Espanha e na Rússia o inesperado e surpreendente engajamento popular contra as tropas francesas anunciava que o alvorecer das nações não comportava a ordem militar e diplomática instaurada por Bonaparte. Napoleão foi vitimado pelos seus próprios louros. Ao fecundar a Europa com os trunfos ideológicos e técnicos da revolução francesa, sobretudo, a nação e o recrutamento militar, estes, tão rápida e eficazmente absorvidos em distintas partes daquele continente, foram mobilizados também contra suas tropas invasoras e de ocupação. Em março de 1814, os exércitos coligados ocuparam Paris. Um ano depois, é Bonaparte quem estará na capital da França, reconduzido ao trono. Uma política de “soberania nacional” não agradou a nenhum segmento, recomeçou a guerra. Abdicou, em favor de seu filho, em junho de 1815, mas a saída “Napoleão II” fracassou. Feito prisioneiro dos ingleses, em outubro desembarcou na ilha de Santa Helena, no Atlântico sul. Nela sobreviveu até 1821. Ali seu corpo repousou até 1840, quando foi trasladado para a França e o novo sepultamento foi acompanhado por mais de um milhão de pessoas.

Em Santa Helena, Napoleão começou a reconstruir sua trajetória, carreira e a história do último quarto de século para a posteridade. Na França o consenso anti-napoleônico “quase não tinha raízes populares”. Em pouco tempo surgiu à lenda branca, na pena dos românticos, na geração seguinte à dos protagonistas e que não participara daquele momento, agora, tornado memorável. A “epopéia napoleônica tornou-se assim o pano de fundo da literatura romântica” e dela brotou um “Napoleão do povo”. Este penetrou a sociedade e a glorificação do passado pavimentou o caminho do bonapartismo político, este biombo cênico da dominação burguesa, que marcaria indelevelmente a França e que serviria ainda em muitos outros países europeus ou não. Logo, o personagem e a lenda inspiraram as artes e, já em 1897, o cinema dos irmãos Lumière. Napoleão tornou-se, assim, mais conhecido pelas fantasias da imaginação do que pela pesquisa histórica.

Os distintos legados da época napoleônica ganharam novas expressões no nacionalismo, nas instituições governamentais, nas codificações legais, na relação entre indivíduos e classes sociais em busca de ascensão e supremacia, ao longo do século XIX e mesmo no XX. Este espólio alimenta a diversidade, a instrumentalização e, logo, a necessidade dos estudos napoleônicos também nas universidades. Estes ganharam impulso apenas a partir de meados do século passado. São, portanto, muito recentes e desafiadores.

Este Napoleão de Thierry Lentz contempla os leitores da vida dos “grandes homens” com um texto agradável, fluente e informativo. Apresenta o debate aos iniciantes e alimenta os estudiosos devotados com uma síntese recente e erudita. Milita pelos estudos napoleônicos realizados pelos historiadores profissionais, ou seja, com o exame meticuloso de fontes, conhecimento crítico, novas informações, pesquisas monográficas, comparações, organização e divulgação de documentos e das análises. Unifica a história política ao redor dos atores, contextos e da apropriação social da história, contornando o gênero biográfico ou a microfísica do poder. Alerta, por fim, para o esforço permanente e necessário do estudo e da compilação sistemática do universo napoleônico, sem os quais as sínteses, imprescindíveis, não poderão ser alcançadas com sucesso interpretativo da história.

Paulo Henrique Martinez – Departamento de História da Faculdade de Ciências e Letras de Assis Universidade Estadual Paulista Av. Dom Antonio 2100 Assis – São Paulo – Brasil 19.806.900 [email protected].