Filosofar: Da Curiosidade Comum ao Raciocínio Lógico – WILLIAMSON (RFMC)

WILLIAMSON, Timothy. Filosofar: Da Curiosidade Comum ao Raciocínio Lógico. Lisboa: Gradiva, 2019. Resenha de: PACHECO, Gionatan Carlos. Revista de Filosofia Moderna e Contemporânea, Brasília, v.7, p. 339-341, n.3, dez. 2019.

Uma Nova Introdução à Filosofia

Em Filosofar: Da Curiosidade Comum ao Raciocínio Lógico, Timothy Williamson oferece uma introdução à filosofia acadêmica. É um livro com notável potencial didático. Por exemplo, Williamson começa com um exemplo de como Jean-Pierre Rives, uma lenda do rugby, aplicava em seu arsenal tático as Regras para Direção do Espírito: “ter uma ideia clara e distinta daquilo que se procura alcançar. Então há que decompor cada jogada complexa nos seus componentes mais simples, torná-los intuitivos, e reconstituir tudo a partir daí” (p. 11). O livro se inicia então apontando que a filosofia pode apresentar as aplicações mais inesperadas.

Na introdução o autor aborda rapidamente uma grande gama de assuntos, passa do exemplo citado acima, que evoca Descartes, para a dúvida hiperbólica, da dúvida hiperbólica para a ciência natural, desta para a política internacional. Mas a ideia principal desta introdução, que fará eco no restante da obra, é a relação entre os primórdios da filosofia e os primórdios da ciência. O autor nos lembra que Newton e Galileu reclamavam o título de filósofos naturais, de modo que a ciência é como que uma filha da filosofia. No entanto, alguns desdobramentos no pensamento contemporâneo tendem a mostrar a ciência como uma matricida em potencial.

O segundo capítulo é sobre o senso comum. O senso comum é um ponto de partida. Uma anedota contada por Williamson é muito ilustrativa acerca deste ponto. Digamos que estamos tentando chegar em algum lugar, estamos em uma praça, perguntamos a um sujeito onde fica o tal lugar que queremos ir, e ele nos responde: daqui desta praça é difícil chegar lá. O senso comum é a nossa praça, não importa o quão deslocado ele é, é dele que partimos, não temos opção. Essa “metafísica dos selvagens” – Williamson nos lembra dessas palavras de Russel – obteve notáveis defensores entre os filósofos e possui inclusive um potencial refutatório. Como exemplo, o autor afirma que o senso comum refutou teses como, por exemplo, a da irrealidade do tempo de McTaggart (p. 21). O senso comum, em um certo aspecto, funcionaria como um “freio” da filosofia.

É em grande parte sobre refutações e debates que gira em torno o capítulo três. Willianson nos dá um panorama de um clima potencialmente beligerante nos eventos acadêmico da área de filosofia, seus prós e seus contras. Os apresentadores se “defendem” das ofensivas dos arguidores e o júri seria encarnado na comunidade dos filósofos em geral. Como sói acontecer, o autor aponta que muitas disputas acabam por concordarem em conteúdo e divergir em nas palavras. Com efeito, este fenômeno é o tema do quarto capítulo. Aquim Williamson apresenta uma espécie de paradoxo da clareza, pois, de certa forma, ela não pode aspirar “um padrão mítico de indubitabilidade” , visto que para esclarecermos uma palavra, lançamos mão de outras palavras e, além disso, estariam os presos em questões como a possibilidade de se conceitualizar o conceito de “conceito”.

Este Filosofar também pode ser considerado uma introdução à metodologia filosófica. Assim, os capítulos seguintes apresentam uma série de ferramentas filosóficas. O capítulo cinco discorre acerca de experiência mentais. Aqui ele nos apresenta uma experiência mental do autor budista do século VII, Dharmottara (740-800), onde este antecipou os epistemologicamente revolucionários exemplos de Gettier, e, entre outros exemplos, como do experimento mental acerca do aborto de Judith Jarvis Thomson, o experimento mental dos zumbis de Chalmers e, além disso, nas ciências naturais, os experimentos mentais das esferas de Galileu e a hipotética “cavalgada” sob um raio de luz de Einstein. O livro de Williamson é extremamente imagético, repleto de exemplos e tabelas. Os exemplos exemplos citados, por si só, constituem ferramentas metodológicas do pensar filosófico e reforçam o caráter pedagógico do livro. Além disso, ao passo que apresenta esta série de experimentos mentais, alguns conceitos, mesmo sem ser nomeados são apresentados, como a modalidade e os contrafactuais.

A filosofia é colocada lado a lado com a ciência natural durante toda obra. Assim, muitos tópicos são compartilhados, como as questões dos vieses cognitivos, do sobreajuste em teorias, da dedução e dos princípios lógicos. Williamson discorre sobre a história da filosofia, de uma forma quase amarga, com aqueles acadêmicos que estudam “um filósofo”, claramente defendendo seu “estilo Oxford de filosofar”, isto é, tratar de problemas filosóficos e não de filósofos. “A questão controversa é saber se os filósofos precisam ou não de muito mais conhecimento da história menos recente do seu assunto do que precisam os matemáticos e cientistas naturais nas suas áreas” (p. 114). Williamson irá conceder importância, sim, mas uma importância do que ele chamade“genealogiaintelectual” (p. 115). Assim, para ele há teorias filosóficas que mesmo sendo falsas, possuem sua importância. Em termos gerais, segundo o autor, a história da filosofia estaria para a filosofia atual, como a história da arquitetura está para quem está atualmente visitando uma obra arquitetônica.

Enfim, Filosofar: Da Curiosidade Comum ao Raciocínio Lógico é certamente um fruto do pensamento filosófico contemporâneo de nossa época que poderá ter muita influência na geração futura de pesquisadores. Isto pois, ele se destina a um público amplo, em especial estudantes de graduação em filosofia, mas, ainda assim, por possuir um caráter de divulgação filosófica, pode destinar-se a comunidade em geral. É um livro com viés oxfordiano, o que pode causar desconforto para certos leitores, no entanto, é um livro com uma visão tanto ampla, quanto coerente sobre a atividade filosófica.

Gionatan Carlos Pacheco – Mestre e Bacharel em filosofia pela Universidade Federal de Maria (UFSM). Atualmente realiza doutorado em filosofia na UFSM. E-mail: [email protected]

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The Metaphysics of Truth – EDWARDS (SY)

EDWARDS, D. The Metaphysics of Truth. New York:  Oxford University Press, 2018. Resenha de: PACHECO, Gionatan Carlos. Synesis, Petrópolis, v. 10, n. 2, p. 251-254, ago./dez., 2019.

Em The Metaphysics of Truth (2018), Douglas Edwards traz uma defesa de uma metafísica da verdade e um amplo ataque aos seus algozes, nomeadamente, os deflacionistas e primitivistas. Por um lado, os deflacionistas concedem à verdade um papel lógico e de forma de expressão, mas, para além disso, pouco teríamos a falar sobre a verdade. Por outro lado, os primitivistas, com efeito, afirmam que a verdade não é um conceito aberto para definição, de modo que não caberia investigá-la. Não obstante, Edwards defende uma teoria acerca da natureza da verdade que a caracteriza como substantiva, pluralista e fundamentada em propriedades.

Os desafios para uma metafísica da verdade são postos de tal modo pelas teorias deflacionárias, que os três primeiros capítulos deste livro se ocupam de uma resposta a elas. O primeiro capítulo trata de três visões “ultra deflacionárias”, a saber, teoria da redundância, teoria performativa e prosentencialismo. Com efeito, teorias da verdade geralmente estão interessados na relação entre os domínios da linguagem (conceitos e palavras) e da realidade (objetos, propriedades e eventos). Essas três visões negam que a verdade seja um propriedade, da seguinte forma. Há um argumento, na “visão padrão”, que relaciona predicados com propriedades que, quando formulado acerca das teorias da verdade, se expressa como se segue: (1) predicados referem a propriedades, se (2) “ser verdadeiro” é um predicado, então (3) “ser verdadeiro” se refere a uma propriedade (verdade). Sem embargo, estas visões negam que a segundo premissa  (2) seja válida (p. 8), ou seja, que ser verdadeiro/verdade não é um predicado, mas uma simples redundância que só afirma o que foi dito, ou que só performa uma ênfase, ou ainda uma prosentença, que meramente substitui o que foi dito antes. Deste modo, ao longo do capítulo Edwards apresenta objeções para cada uma das três teorias, se valendo de argumentos de Kunne e Strawson, e na sequência expõem as concepções de verdade como objeto (Frege) e como evento (William James), concluindo que mesmo nessas acepções “é difícil evitar” conceber a verdade como uma propriedade (p. 18).

O segundo e terceiro capítulos são dedicados às teses deflacionistas menos radicais e mais amplamente aceitas. De acordo com este espectro do deflacionismo a verdade é uma propriedade, no entanto, não é uma propriedade substancial. Aqui entra uma distinção entre propriedades esparsas e propriedades abundantes, a qual Edwards utilizará ao longo do livro. Propriedades abundantes seriam extensões dos predicados, ao passo que propriedades esparsas seriam análogas à universais objetivos que estabelecem similitudes explicativas acerca do estado de coisas. Essa distinção, além disso, é o centro do argumento contra o deflacionismo, apresentado no terceiro capítulo. Neste passo ao autor argumentará que assumir uma posição deflacionista sobre a verdade implica em assumir um deflacionismo sobre propriedades metafísicas. Contra deflacionistas como Horwich (1998) e  Damnjanovic (2010), Edwards sustenta que a verdade não é uma propriedade abundante, mas sim uma propriedade esparsa que possui um papel explicativo acerca da constituição causal acerca das coisas no mundo. Nesse sentido, o deflacionismo esvazia a relação entre a linguagem e realidade (mundo).

O quarto capítulo trata em especial sobre as conexões entre linguagem e mundo, em especial, a relação dos predicados com as propriedades. A ideia é que existem diferentes tipos de predicados (morais, científicos, estéticos, sociais, etc) que desempenham papéis distintos. Sobre cada predicado podemos constatar diferentes tipos de propriedades. Ainda neste capítulo, Edwards define o que entende por domínio. Cada domínio, com efeito, possui um componente semântico (linguagem) e um componente metafísico (realidade), dos quais o primeiro é “composto pelos termos e predicados singulares” e o segundo é “composto pelos objetos e propriedades aos quais os termos e predicados singulares se referem no aspecto semântico” (p. 77, traduções nossas). Não apenas termos e predicados singulares, mas também sentenças pertenceriam a domínios particulares. Isso também abre precedente para definirmos eventos ou estados de coisas como pertencentes a domínios particulares, no entanto, segundo o autor, “é o predicado que determina o domínio” (p. 78). Este capítulo acentua que a leitura de Edwards vai para além da teoria da verdade.

No quinto capítulo a verdade volta à pauta. O discurso acerca de diversos domínios no capítulo anterior fornece terreno para estabelecer o que Edwards chama de pluralismo sobre a verdade. No sexto capítulo esse pluralismo se desenvolve como pluralismo ontológico, isto é,  “a tese de que as coisas existem de maneiras diferentes” (p. 105). Aqui, o autor caracteriza uma espécie de paralelismo entre os debates acerca da verdade e acerca da existência. A concepção pluralista acerca desses dois temas se direciona a um pluralismo unificado entre realidade e linguagem, o “pluralismo global”. O capítulo sete discute uma variedade de modelos alternativos de pluralismo sobre a verdade o que, como que de forma paralela, é feito no capítulo oito, mas especificamente sobre pluralismos de existência. O pluralismo de Edwards, com efeito, é moldado em sua distinção entre propriedades abundantes e escassas.

Nos últimos capítulos, nono e décimo, é dado atenção às abordagens primitivistas que concedem poder explicativo a noção de verdade, mas negam que qualquer teoria da verdade seja de fato informativa. Os primitivistas afirmam que a verdade é uma noção primitiva e indefinível, alguns deles trabalham com a noção de veritadores (truthmakers). Com efeito, são duas as “ameaças” (p. 159) ao pluralismo da verdade que emergem da leitura primitivista. A primeira é que existem verdades para as quais não existem veritadores (cap. 9). A segunda é o compromisso com a existência de veritadores, pois uma vez que assumimos esse compromisso não precisamos nos questionar acerca da natureza da verdade (cap. 10). A primeira ameaça ao pluralismo vem de Trenton Merricks (2007), um primitivista que rejeita a teoria dos veritadores. Nesse passo, Edwards desenvolve uma argumentação onde mostra que a leitura pluralista possui recursos para evitar essa ameaça e, mais do que isso, na qual até outros partidários da teoria dos veritadores podem encontrar embasamento. Por outro lado, sobre a segunda ameaça do primitivismo, o autor afirma que os primitivistas partidários dos veritadores não podem falar de veritadores sem falar sobre a verdade, demonstrando assim a “peculiaridade da posição sustentada, na qual veritadores são doadores de papéis teóricos substanciais em um panorama no qual não há natureza substancial da verdade” (p. 176).

Em suma, o livro The Metaphysics of Truth é um livro de metafísica e epistemologia contemporânea que se esforça por resgatar um conceito de verdade que fique em pé por si só. O livro é beligerante, sempre expondo seu ponto enquanto troca golpes. Os alvos são muitos e o objetivo é original. Para além de uma teoria metafísica sobre a natureza da verdade, Edwards pretendeu estabelecer uma visão pluralista global acerca da relação entre realidade e linguagem. O autor leva a discussão sobre domínios metafísicos para diversas áreas, como moral, matemática, institucional, etc., e não se demora em áreas que muitos esperariam, devido a temática, mais atenção, como no caso da lógica e epistemologia. A brevidade da obra talvez justifique, ou talvez seu caráter de proposta monográfica a ser ainda escrutinada pela crítica.

Referências

DAMNJANOVIC, N. New Wave Deflationism. In PEDERSEN & WRIGHT (eds), New Waves in Truth. New York: Palgrave Macmillan,  2010. (pp. 45-58).

EDWARDS, D. The Metaphysics of Truth. New York:  Oxford University Press, 2018.

HORWICH, P. Truth. Oxford: Oxford University Press, 1998.

MERRICKS, T. Truth and Ontology. New York: Oxford University Press. 2007.

Gionatan Carlos Pacheco – Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. Doutorando em Filosofia na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Brasil. Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/5505634981032665. E-mail: [email protected]

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