Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – SOUZA et al. (RBHE)

SOUZA, R. F.; SILVA, V. L. G.; SÁ, E. F. (Org.). Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930). Cuiabá: EdUFMT, 2013. 326 p. Resenha de: ERMEL, Tatiane de Freitas. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 1 (37), p. 343-349, jan./abr. 2015.

A obra intitulada Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870- 1930), organizada pelas pesquisadoras Rosa Fátima de Souza, Vera Lúcia Gaspar da Silva e Elizabeth Figueiredo de Sá é fruto do projeto de pesquisa ‘Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – CNPq’, coordenado por Rosa Fátima de Souza. Publicada em 2013, consiste em um trabalho de fôlego, composto por nove capítulos, escritos por 23 autores, envolvendo 15 Estados brasileiros: Acre, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O objetivo principal deste estudo visa compreender o processo de institucionalização das escolas graduadas em diferentes Estados, modos de circulação e apropriação de inovações e modelos pedagógicos.

No primeiro capítulo, ‘A escola modelar da República e a escolarização da infância no Brasil: reflexões sobre uma investigação comparada em âmbito nacional’, de autoria de Rosa Fátima de Souza, temos uma apresentação geral dos estudos, com explicação do projeto e as categorias de análise: o primeiro aborda os grupos escolares na História da Educação no Brasil e sua constituição como objeto de estudo. O segundo abarca questões teórico-metodológicas da história da educação comparada. No terceiro é apresentada a trajetória de pesquisa a partir dos quatro grupos temáticos organizados pelos pesquisadores: “[…] GT1 – Estudo do significado das iniciativas de adoção e das práticas geradas pelo método intuitivo e seus desdobramentos e inflexões a partir da difusão da escola nova; GT2 – exame da materialidade da escola primária graduada pelo estudo da cultura material escolar; GT3 – análise das representações sociais sobre os grupos escolares; GT4 – estudo da institucionalização da escola graduada nos vários estados do Brasil, considerando as reformas educacionais, a expansão das instituições escolares, a organização pedagógica e a relação entre os vários tipos de escolas primárias – escolas isoladas, reunidas, grupos escolares e escolas municipais, estaduais e privadas” (SOUZA, 2013, p. 38).

No quarto e último tópico, a autora coloca pontos importantes para a discussão da escola primária graduada e o desenho de uma nova agenda de investigação, privilegiando as análises comparadas, uma revisão das interpretações instituídas sobre o modelo de grupo escolar e a consideração do sentido de modernidade educacional, instituído na escola primária.

O segundo capítulo, ‘Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo comparativo das marcas de escolarização primária’, de autoria de Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, Antônio de Pádua Carvalho Lopes, Luciano Mendes Faria Filho e Fernando Mendes Resende, aborda os grupos escolares como acervo educacional brasileiro, priorizando os Estados de Minas Gerais, Piauí e Paraíba. Analisa essas instituições e seus movimentos de rompimento, modernidade e nova tradição educacional e escolar. Ainda, discute os grupos escolares enquanto foco nas pesquisas universitárias, na década de 1990, trazendo a necessidade de constituição de lugares de memória, de acordo com as reflexões propostas pelo historiador Pierre Nora.

Os autores buscam registros dos grupos escolares nos livros de história local e na perspectiva dos memorialistas. O material analisado compreende livros de história local (município, cidade) de 1910 a 2000 e livros de memória, de 1940 a 2000, totalizando 196 exemplares. O material aborda a fundação e a descrição física dos grupos escolares; seus primeiros professores; a memória de ter sido aluno; novas práticas pedagógicas; cultura material e cultura escolar; fiscalização do trabalho docente e eficácia do ensino; assim como a competição que os grupos escolares terminariam por estimular com outros tipos de escola. Os autores identificaram a fundação dessas instituições como momento marco na história da educação do município/cidade e a presença do nome lavrado nos prédios, que nem sempre eram adequados. Sobre os/as primeiros/as professores/as, eram descritos/as como exigentes, caprichosos/as, dedicados/as e eficientes. As memórias de alunos priorizaram os pioneiros, os nomes de colegas, os dias de prova, as transgressões às normas e idas à diretora. Com relação às práticas pedagógicas nos grupos escolares, destacam a formação e qualificação nas Escolas Normais, dentro dos princípios de inovação, modernização e atualização do professorado.

No terceiro capítulo ‘A escola primária e o ideário Republicanista nas mensagens dos Presidentes dos Estados (1893-1918)’, os autores José Carlos Araújo, Rosa Fátima de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto, analisam a relativa amplitude nacional a respeito da institucionalização dos grupos escolares no Brasil, a partir das mensagens dos presidentes das províncias. A investigação compara o ideário republicanista veiculado em dez Estados e um território (Acre), nos respectivos anos de instauração dessas instituições. Ainda, problematiza os modelos de república existentes e os princípios do federalismo. As mensagens analisadas entre 1895 e 1926, via de regra, são descritivas em relação ao andamento administrativo anual. A novidade escolar brasileira, desde o final do século XIX, foi a reunião de escolas em um só prédio, o ensino agrupado em centros populosos e a inadequação dos prédios e a falta de mobiliário. Os autores concluem que as mensagens apresentam os grupos escolares como modelo, a instrução primária como instrumento civilizatório, a necessidade de modernizar o método de ensino e o número elevado de escolas isoladas, apresentando um modelo de desigualdade e disputas entre poderes municipais e estaduais.

O quarto capítulo, ‘O Federalismo Republicano e o financiamento da Escola Primária no Brasil’, de autoria de Jorge Nascimento e Lúcia

Maria Franca Rocha, tem como objetivo analisar o financiamento da educação em 11 Estados, estabelecendo uma comparação entre cinco deles – Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Sergipe. Salienta um silêncio dos estudos sobre financiamentos na historiografia, destacando que essa questão era central nos discursos sobre a instrução primária (edifícios escolares, pagamento dos docentes e outros servidores). A análise da documentação evidencia que os maiores gastos com a instrução pública eram com os edifícios escolares, sendo também significativos o com a inspetoria escolar (passagens/diárias). O financiamento da instrução pública também vinha de associações de homens entusiasmados, assinalando construções pelas associações de profissionais liberais, campanhas para arrecadações e doações de mansões, como, por exemplo, o Grupo Escolar Valadão, inaugurado em 1918, construído pela iniciativa particular e depois doado ao Estado.

O quinto capítulo, ‘A expansão da Escola Primária Graduada nos Estados na 1ª República: a ação dos poderes públicos’, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Elizabeth Figueiredo Sá e Maria do Amparo Borges Ferro, analisa a atuação marcante dos poderes locais (indivíduos, grupos sociais, familiares e municipalidades) nos processos de criação e implementação de escolas em suas diferentes modalidades. Foram 11 Estados abordados (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe, Piauí, Acre), merecendo destaque a participação mais efetiva dos municípios de Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo na criação dos grupos escolares e na manutenção de prédios próprios. Neste capítulo, as autoras não apresentaram claramente os Estados abordados, necessitando o leitor buscar ao longo do texto os marcos espaciais do estudo.

O sexto capítulo, de Elizabeth Miranda Lima e Maria Auxiliadora Barbosa Macedo, ‘A institucionalização do modelo de Escola Graduada’, analisa a institucionalização da escola graduada no Brasil em seu o processo de circulação, recepção e apropriação do modelo pedagógico nos Estados do Acre, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As autoras destacam a força material e ideológica dos grupos escolares no Brasil, dividindo o estudo em quatro grandes eixos: a crença na instrução primária como instrumento de melhoria individual e de progresso econômico e social; a organização e a institucionalização da educação primária com modelos e modalidades de escola, prevalecendo a modalidade de escola primária elementar e escola primária complementar, distribuídas em áreas rural e urbana; as finalidades educativas e organização curricular na escola primária republicana visavam melhorar o ser humano e a sociedade, promovendo o valor unificador atribuído pela república à educação; as avaliações e exames como marcos de encerramento, ordenamento e homogeneização. A análise comparada dos Estados apresenta traços comuns, regularidades e particularidades, principalmente quanto à visão de educação como via de progresso social. Também, destaca o currículo ideal de nacionalidade: língua portuguesa, conhecimentos matemáticos, educação física, lições de coisas (saúde, higiene e ciências) e saberes vinculados ao mundo do trabalho (agricultura, marcenaria, jardinagem e artes domésticas).

O sétimo capítulo, ‘A criança, educação de escola (São Paulo, Nordeste do Brasil, 1890 1930)’, de Marta Maria de Araújo, examina a institucionalização da escola primária republicana em São Paulo, Sergipe, Maranhão Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia, a partir da leitura de fontes documentais diversas. Primeiramente, destaca o papel modelar atribuído ao Estado de São Paulo. Apresenta os diferentes modelos de escolas públicas – preliminar, primária, elementar, grupo escolar, escola modelo, escola reunida, escola isolada, escola singular, externato, escola proletária, escola superior, escola de leitura, escola rudimentar, escola ambulante, escola rural – como prolongamento da forma política republicana, ou seja, de reprodução, no plano da escolarização, da ordem social vigente (disciplina, ordenamento, hierarquia). Para finalizar, salienta a diferenciação dos programas, tempo de curso e formação do professor, criando a distinção em que cada tipo de escola recebia um modelo social de aluno, sendo a escola modelo e o grupo escolar exemplos de superioridade.

No oitavo capítulo, ‘Modernidade metodológica e pedagógica do método intuitivo: Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo (1906-1920)’, de Vera Teresa Valdemarin, Gladys Mary Ghizoni Teive e Juliana

Cesário Hamdan, são analisadas as reformas educacionais, a comparação ao modelo europeu e americano e a discussão e aplicação do método intuitivo em vários Estados do Brasil. As autoras apontam que o marco inicial da circulação de ideais e difusão de modelos foi protagonizado pelo debates de Leôncio de Carvalho e Rui Barbosa (1879 a 1886). É identificada uma dicotomia entre dois polos, ou seja, os indicadores de inovação versus as dificuldades para implementá-la. A situação compreendia novos atores, territórios e dispositivos legais, como, por exemplo, o Estado de São Paulo e a Reforma da Escola Normal. As autoras analisam o método intuitivo a partir de impressos, modelos, práticas e interpretações, como na revista Eschola Publica, de São Paulo; os relatórios dos grupos escolares, de Minas Gerais; as reformas de Santa Catarina e a filiação à pedagogia moderna e seus principais ícones: Pestalozzi, Compayré, E. Rayot, Jules Paroz, Horace Mann, Celestin Hippeau; Buisson, Spencer, Gustave Le Bon e, especialmente, Norman

Allison Calkins. Para concluir, salientam as tensões entre o pretendido e o realizado, sendo que o analfabetismo da maioria da população conduz para uma redução de tempo e programa, a obrigatoriedade e a autonomia didática.

O último capítulo, ‘Cultura material escolar (Maranhão, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) 1870-1925’, de César Augusto de Castro, Diana Gonçalves Vidal, Eliane Peres, Gizele de Souza e Vera Lúcia Gaspar da Silva, atenta seu olhar para o estudo da cultura material. Os autores mostram a conexão entre inovação pedagógica e inovação material que, desde o século XIX, atribui a aquisição de novos objetos à qualidade do ensino, descartando antigos para dar lugar aos novos. Os autores demarcaram cinco tipos de fontes: carta do professor e da escola; documentos administrativos (como lista de materiais, almoxarifado, inventários); relatórios; jornais; e legislação. Organizaram as categorias de análise em: mobília, utensílios de escrita, livros e revistas escolares; materiais visuais, sonoros e táteis; para ensino, organização/escrituração da escola; prédios escolares; material de higiene; trabalho dos alunos; indumentárias; ornamentos; honrarias; jogos e brinquedos. Dois quadros elaborados pelos autores são significativos para compreensão do estudo, o primeiro sobre instrumentos e suportes para o ensino da escrita (almofadas, borrachas, canetas, penas, tinteiro, entre outros) e o segundo sobre suportes para escrever (lousa, papeis, cadernos, quadros, entre outros). As conclusões mostram a existência de uma relativa uniformidade em relação à cultura material e os Estados pesquisados, no entanto, esse elemento faltou ser explorado na escrita como um todo, trazendo exemplos e discussões ao longo do texto.

No intuito de finalizar minha incursão e abordagem acerca da obra, como toda a resenha propõe, reforço a sua importante contribuição para a história da educação primária brasileira, no momento de sua construção física e ideológica. O direcionamento do olhar, não apenas para as escolas modelo e grupos escolares, mas para a permanência e significância numérica das escolas isoladas, por todo o território nacional, consiste em um movimento produtivo de pesquisa na área. O estudo comparado de 15 Estados, descrevendo uma relação constante entre unidade e diversidade, consiste em um desafio que deve ser encarado por mais pesquisadores, abarcando temas, teorias, metodologias, fontes e problemáticas que ainda silenciam ou pouco se comunicam nesse vasto terreno de possibilidades.

Sinalizo, ainda, a necessidade de avanços, no sentido de seconfigurar uma cartografia acerca da escola primária no Brasil, na perspectiva da longa duração. A publicação de uma obra como esta, ao contrário de um sentimento de fechamento, torna mais visíveis os vácuos existentes, as incompletudes e os caminhos que urgem serem percorridos.

Tatiane de Freitas Ermel – Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS e bolsista Capes-Prosup. Mestre em Educação PPGE/PUCRS; Licenciada e Bacharel em História FFCH/PUCRS. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original

Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – SOUZA et al. (RBHE)

SOUZA, R. F.; SILVA, V. L. G.; SÁ, E. F. Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930). Cuiabá: EDUFMT, 2013. Resenha de: SÁ, Jauri dos Santos. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 319-323, set,/dez. 2014.

Por uma teoria… reúne as reflexões de um grupo de pesquisadores de distintos estados brasileiros que se ocuparam da investigação em perspectiva comparada, com ênfase na escola graduada, no período compreendido entre 1870 e 1930. Às pesquisadoras Rosa Fátima de Souza, Vera Lucia Gaspar da Silva e Elizabeth Figueiredo de Sá coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra desse material, síntese de parte da produção desenvolvida ao abrigo do projeto de pesquisa Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930), coordenado por Rosa Fátima de Souza.

O projeto original envolveu 15 estados brasileiros, interligando 27 pesquisadores doutores, organizados em 17 Programas de Pós- Graduação em Educação. Com tamanha pluralidade de experiências, a produção foi organizada em quatro grupos temáticos, que, reunidos neste livro, sistematizam a produção dos GTs, refletindo sobre a difusão da escola nova, a cultura material escolar, as representações sociais sobre os grupos escolares ou a institucionalização da escola graduada nos vários estados do Brasil.

O primeiro texto, ‘A escola modelar da República e  escolarização da infância no Brasil: reflexões sobre uma investigação comparada em âmbito nacional’, de Rosa Fátima de Souza, nos oferece uma análise comparativa sobre o processo de institucionalização das escolas graduadas nos diferentes estados brasileiros participantes da investigação, expondo ao leitor o universo da pesquisa. Ao “[…] inquirir sobre as características fundamentais desse tipo de escola, o modo pelo qual ele foi apropriado e se consolidou no Brasil, as alterações sofridas ao longo do tempo e os fundamentos de sua legitimidade” (SOUZA, 2013, p. 24), a autora nos propõe uma reflexão acerca da compreensão dos problemas educacionais e das soluções consideradas para os mesmos.

O segundo artigo, intitulado ‘Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo comparativo das marcas da escolarização primária’, de autoria de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Antonio d Pádua Carvalho Lopes, Luciano Mendes de Faria Filho e Fernanda Mendes de Resende, discute a questão do ‘acervo’ histórico educacional, particularmente o mineiro, o piauiense e o paraibano, relacionando, comparativamente, a ‘cultura histórica’ numa perspectiva analítica em torno da ideia da ‘cultura educacional’. O artigo trata da fonte escrita a partir das obras de memória e de história dos municípios, forjadas por ‘historiadores de não ofício’, que, no entanto, “[…] por estarem mais próximos do seu lugar de origem exercem papel relevante junto a sua comunidade” (PINHEIRO et al, 2013, p. 96).

José Carlos de Souza Araujo, Rosa Fátima de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto são os autores do terceiro artigo do livro, ‘A escola primária e o ideário republicanista nas mensagens dos presidentes de estado: investigações comparativas (1893-1918)’, que propõe uma ampla análise a respeito da institucionalização dos grupos escolares no Brasil, examinando o discurso político de diferentes estados da federação em relação à instrução pública. Para tal empreendimento, orientam-se pelas Mensagens dos Presidentes dos Estados, questionando sobre a relevância dessa modalidade de escola, sobre as distintas realizações educacionais ou, ainda, se é possível afirmar a existência de um projeto republicano de educação popular no período. As fontes investigadas pelos autores apontam para um processo não uniforme de organização e instalação dos grupos escolares nos Estados, resultado das particularidades políticoeconômicas e culturais, específicas de cada um deles.

‘O Federalismo republicano e o financiamento da escola primária pública no Brasil’, que constitui o quarto artigo, de autoria de Jorge Nascimento e Lucia Maria Franca Rocha, investiga o financiamento da Educação nos Estados durante a Primeira República. Para isso, utiliza, como fonte, as Mensagens Presidenciais de 11 unidades da federação, centrando a comparação em cinco deles. A primeira constatação apontada foi a de que houve uma diversidade de modelos de escolas implantadas em um mesmo Estado, sendo o dos grupos escolares gestado em São Paulo a principal fonte de inspiração. A partir daí, problematizam a questão do financiamento das escolas públicas, o impacto desse tipo de gasto nos orçamentos estaduais e, sobretudo, nos discursos produzidos no âmbito político. De caráter exploratório, o estudo primeiramente compara números, observando-se, como traço comum, o discurso do crescimento dos gastos com a educação na Mensagens, ainda que nem sempre os dados apresentem proporção uniforme. Não obstante, incorpora também as iniciativas privadas e associativas que abordam o problema do financiamento da educação.

O quinto capítulo, ‘A expansão da escola primária graduada nos Estados na primeira república: a ação dos poderes públicos’, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Elizabeth Figueiredo de Sá e Maria do Amparo Borges Ferro, registra que, apesar da paulatina centralidade adquirida pela escola primária graduada nos distintos estados da federação nas primeiras décadas republicanas, não se observou sua diminuição nas mesmas proporções em relação à hegemonia da escola isolada ou singular.

Em ‘Institucionalização do modelo de escola graduada’, o sexto capítulo do livro, as autoras Elizabeth Miranda Lima e Maria Auxiliadora Barbosa Macedo apresentam uma primeira aproximação comparativa do percurso de institucionalização da escola graduada no Brasil, especialmente referente ao processo de circulação, recepção e apropriação do modelo pedagógico. Tendo como base as pesquisas realizadas nos estados do Mato Grosso, Rio de Janeiro, Acre e Goiás, as autoras identificaram diferentes modelos de oferta e organização da instrução pública, onde predominou “[…] a modalidade de Escola

Primária Elementar e Escola Primária Complementar, distribuídas em áreas rural e urbana” (LIMA; MACEDO, 2013, p. 182). Embora materializada em distintos formatos, foi na monumentalidade e no funcionamento didático-pedagógico dos grupos escolares que  modernidade educacional do período republicano era visível, ainda que a oferta do ensino primário permanecesse, quantitativamente, com as escolas isoladas.

Marta Maria de Araújo é a autora do sétimo artigo do livro, ‘A criança, educação de escola (São Paulo e Nordeste do Brasil, 1890- 1930)’, que examina a institucionalização da escola primária republicana, em São Paulo e nos Estados do Nordeste – Sergipe, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia. As fontes investigadas centram-se em decretos, leis, mensagens governamentais, regimentos, relatórios de diretor-geral da instrução pública etc. Os propósitos da autora são de recompor as modalidades de escolas postas e repostas no período, assim como cotejar as similaridades nas suas propriedades gerais e nas suas particularidades e variantes.

O oitavo capítulo, ‘Modernidade metodológica e pedagógica: apropriações do método de ensino intuitivo nas reformas da instruçã pública de Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo (1906-1920): ideias e práticas em movimento’, de Vera Teresa Valdemarin, Gladys Mary Ghizoni Teive e Juliana Cesário Hamdem, registra o movimento de irradiação das ideias pedagógicas difundidas no Brasil ao final do século XIX, tendo o método de ensino intuitivo como o “[…] elemento pedagógico imprescindível para estabelecer diferenciações entre o futuro desejado e a realidade a ser modificada” (VALDEMARIN; TEIVE; HAMDEM, 2013, p. 240). Adotando a lógica comparativa, as autoras analisam a circulação do método intuitivo nos Estados de Minas Gerais,

Santa Catarina e São Paulo, considerando as diferenças como elementos constitutivos. As análises demonstram que o método de ensino intuitivo estabeleceu lugares de irradiação de ideias e práticas, apoio interpretações comuns, contribuindo para pôr em circulação ideias de distintos autores.

Em ‘Cultura material escolar: fontes para a história da escola e da escolarização elementar (MA, SP, PR, SC e RS, 1870-1925)’, nono artigo do livro, os autores César Augusto de Castro, Diana Gonçalves Vidal, Eliane Peres, Gizele de Souza e Vera Lucia Gaspar da Silva examinam algumas fontes indicativas da materialidade da escola primária brasileira. Variando o período eleito para a pesquisa, entre a segunda metade do século XIX até o ano de 1925, os autores definiram cinco tipos de fontes: carta de professor, da escola; documentos administrativos; relatórios; jornais e legislação, documentos com potencial de revelar pistas de determinados objetos escolares.

Buscando favorecer “[…] o entendimento das possíveis táticas de apropriação diversificadas e até discordantes dos múltiplos dispositivos da cultura escolar” (CASTRO et al, 2013, p. 295), os autores desse último artigo tratam de identificar os modos de produção e disseminação de um modelo de escolarização no Brasil, a partir da comparação entre os distintos estados, retratando, por meio da materialidade escolar, os investimentos que mantinham e faziam funcionar as escolas públicas.

O leitor interessado em conhecer as diversas experiências concretizadas nas muitas realidades do país encontrará nessa obra uma rica coletânea de artigos. O livro assume, conforme as palavras das organizadoras1, “[…] o desafio da comparação […]” (SOUZA; SÁ, 2013, p. 15), oferecendo um bom panorama das pesquisas sobre a história da escola primária no Brasil, orientadas por quatro grupos temáticos: representações, práticas, apropriações e materialidades.

Notas

1 Rosa Fátima de Souza é professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, no Departamento de Ciências da Educação e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Campus de Araraquara. Vera Lucia Gaspar da Silva é professora do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAEd) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Coordenadora do Museu da Escola Catarinense entre 2004 e 2008. Elizabeth Figueiredo de Sá é coordenadora do grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM-IE-UFMT, pesquisadora na área da História da Educação no Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da Educação (NIEPHE) da FEUSP. Atua como professora adjunta no Instituto de Educação e no Programa de Pós-Graduação da UFMT

Jauri dos Santos Sá – Arquiteto. Doutor em Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha, Barcelona/Espanha. Atualmente desenvolvendo estagio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Participa do Observatório de Educação – projeto Núcleo em Rede na mesma instituição. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

Acessar publicação original