Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – SOUZA et al. (RBHE)

SOUZA, R. F.; SILVA, V. L. G.; SÁ, E. F. Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930). Cuiabá: EDUFMT, 2013. Resenha de: SÁ, Jauri dos Santos. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 319-323, set,/dez. 2014.

Por uma teoria… reúne as reflexões de um grupo de pesquisadores de distintos estados brasileiros que se ocuparam da investigação em perspectiva comparada, com ênfase na escola graduada, no período compreendido entre 1870 e 1930. Às pesquisadoras Rosa Fátima de Souza, Vera Lucia Gaspar da Silva e Elizabeth Figueiredo de Sá coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra desse material, síntese de parte da produção desenvolvida ao abrigo do projeto de pesquisa Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930), coordenado por Rosa Fátima de Souza.

O projeto original envolveu 15 estados brasileiros, interligando 27 pesquisadores doutores, organizados em 17 Programas de Pós- Graduação em Educação. Com tamanha pluralidade de experiências, a produção foi organizada em quatro grupos temáticos, que, reunidos neste livro, sistematizam a produção dos GTs, refletindo sobre a difusão da escola nova, a cultura material escolar, as representações sociais sobre os grupos escolares ou a institucionalização da escola graduada nos vários estados do Brasil.

O primeiro texto, ‘A escola modelar da República e  escolarização da infância no Brasil: reflexões sobre uma investigação comparada em âmbito nacional’, de Rosa Fátima de Souza, nos oferece uma análise comparativa sobre o processo de institucionalização das escolas graduadas nos diferentes estados brasileiros participantes da investigação, expondo ao leitor o universo da pesquisa. Ao “[…] inquirir sobre as características fundamentais desse tipo de escola, o modo pelo qual ele foi apropriado e se consolidou no Brasil, as alterações sofridas ao longo do tempo e os fundamentos de sua legitimidade” (SOUZA, 2013, p. 24), a autora nos propõe uma reflexão acerca da compreensão dos problemas educacionais e das soluções consideradas para os mesmos.

O segundo artigo, intitulado ‘Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo comparativo das marcas da escolarização primária’, de autoria de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Antonio d Pádua Carvalho Lopes, Luciano Mendes de Faria Filho e Fernanda Mendes de Resende, discute a questão do ‘acervo’ histórico educacional, particularmente o mineiro, o piauiense e o paraibano, relacionando, comparativamente, a ‘cultura histórica’ numa perspectiva analítica em torno da ideia da ‘cultura educacional’. O artigo trata da fonte escrita a partir das obras de memória e de história dos municípios, forjadas por ‘historiadores de não ofício’, que, no entanto, “[…] por estarem mais próximos do seu lugar de origem exercem papel relevante junto a sua comunidade” (PINHEIRO et al, 2013, p. 96).

José Carlos de Souza Araujo, Rosa Fátima de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto são os autores do terceiro artigo do livro, ‘A escola primária e o ideário republicanista nas mensagens dos presidentes de estado: investigações comparativas (1893-1918)’, que propõe uma ampla análise a respeito da institucionalização dos grupos escolares no Brasil, examinando o discurso político de diferentes estados da federação em relação à instrução pública. Para tal empreendimento, orientam-se pelas Mensagens dos Presidentes dos Estados, questionando sobre a relevância dessa modalidade de escola, sobre as distintas realizações educacionais ou, ainda, se é possível afirmar a existência de um projeto republicano de educação popular no período. As fontes investigadas pelos autores apontam para um processo não uniforme de organização e instalação dos grupos escolares nos Estados, resultado das particularidades políticoeconômicas e culturais, específicas de cada um deles.

‘O Federalismo republicano e o financiamento da escola primária pública no Brasil’, que constitui o quarto artigo, de autoria de Jorge Nascimento e Lucia Maria Franca Rocha, investiga o financiamento da Educação nos Estados durante a Primeira República. Para isso, utiliza, como fonte, as Mensagens Presidenciais de 11 unidades da federação, centrando a comparação em cinco deles. A primeira constatação apontada foi a de que houve uma diversidade de modelos de escolas implantadas em um mesmo Estado, sendo o dos grupos escolares gestado em São Paulo a principal fonte de inspiração. A partir daí, problematizam a questão do financiamento das escolas públicas, o impacto desse tipo de gasto nos orçamentos estaduais e, sobretudo, nos discursos produzidos no âmbito político. De caráter exploratório, o estudo primeiramente compara números, observando-se, como traço comum, o discurso do crescimento dos gastos com a educação na Mensagens, ainda que nem sempre os dados apresentem proporção uniforme. Não obstante, incorpora também as iniciativas privadas e associativas que abordam o problema do financiamento da educação.

O quinto capítulo, ‘A expansão da escola primária graduada nos Estados na primeira república: a ação dos poderes públicos’, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Elizabeth Figueiredo de Sá e Maria do Amparo Borges Ferro, registra que, apesar da paulatina centralidade adquirida pela escola primária graduada nos distintos estados da federação nas primeiras décadas republicanas, não se observou sua diminuição nas mesmas proporções em relação à hegemonia da escola isolada ou singular.

Em ‘Institucionalização do modelo de escola graduada’, o sexto capítulo do livro, as autoras Elizabeth Miranda Lima e Maria Auxiliadora Barbosa Macedo apresentam uma primeira aproximação comparativa do percurso de institucionalização da escola graduada no Brasil, especialmente referente ao processo de circulação, recepção e apropriação do modelo pedagógico. Tendo como base as pesquisas realizadas nos estados do Mato Grosso, Rio de Janeiro, Acre e Goiás, as autoras identificaram diferentes modelos de oferta e organização da instrução pública, onde predominou “[…] a modalidade de Escola

Primária Elementar e Escola Primária Complementar, distribuídas em áreas rural e urbana” (LIMA; MACEDO, 2013, p. 182). Embora materializada em distintos formatos, foi na monumentalidade e no funcionamento didático-pedagógico dos grupos escolares que  modernidade educacional do período republicano era visível, ainda que a oferta do ensino primário permanecesse, quantitativamente, com as escolas isoladas.

Marta Maria de Araújo é a autora do sétimo artigo do livro, ‘A criança, educação de escola (São Paulo e Nordeste do Brasil, 1890- 1930)’, que examina a institucionalização da escola primária republicana, em São Paulo e nos Estados do Nordeste – Sergipe, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia. As fontes investigadas centram-se em decretos, leis, mensagens governamentais, regimentos, relatórios de diretor-geral da instrução pública etc. Os propósitos da autora são de recompor as modalidades de escolas postas e repostas no período, assim como cotejar as similaridades nas suas propriedades gerais e nas suas particularidades e variantes.

O oitavo capítulo, ‘Modernidade metodológica e pedagógica: apropriações do método de ensino intuitivo nas reformas da instruçã pública de Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo (1906-1920): ideias e práticas em movimento’, de Vera Teresa Valdemarin, Gladys Mary Ghizoni Teive e Juliana Cesário Hamdem, registra o movimento de irradiação das ideias pedagógicas difundidas no Brasil ao final do século XIX, tendo o método de ensino intuitivo como o “[…] elemento pedagógico imprescindível para estabelecer diferenciações entre o futuro desejado e a realidade a ser modificada” (VALDEMARIN; TEIVE; HAMDEM, 2013, p. 240). Adotando a lógica comparativa, as autoras analisam a circulação do método intuitivo nos Estados de Minas Gerais,

Santa Catarina e São Paulo, considerando as diferenças como elementos constitutivos. As análises demonstram que o método de ensino intuitivo estabeleceu lugares de irradiação de ideias e práticas, apoio interpretações comuns, contribuindo para pôr em circulação ideias de distintos autores.

Em ‘Cultura material escolar: fontes para a história da escola e da escolarização elementar (MA, SP, PR, SC e RS, 1870-1925)’, nono artigo do livro, os autores César Augusto de Castro, Diana Gonçalves Vidal, Eliane Peres, Gizele de Souza e Vera Lucia Gaspar da Silva examinam algumas fontes indicativas da materialidade da escola primária brasileira. Variando o período eleito para a pesquisa, entre a segunda metade do século XIX até o ano de 1925, os autores definiram cinco tipos de fontes: carta de professor, da escola; documentos administrativos; relatórios; jornais e legislação, documentos com potencial de revelar pistas de determinados objetos escolares.

Buscando favorecer “[…] o entendimento das possíveis táticas de apropriação diversificadas e até discordantes dos múltiplos dispositivos da cultura escolar” (CASTRO et al, 2013, p. 295), os autores desse último artigo tratam de identificar os modos de produção e disseminação de um modelo de escolarização no Brasil, a partir da comparação entre os distintos estados, retratando, por meio da materialidade escolar, os investimentos que mantinham e faziam funcionar as escolas públicas.

O leitor interessado em conhecer as diversas experiências concretizadas nas muitas realidades do país encontrará nessa obra uma rica coletânea de artigos. O livro assume, conforme as palavras das organizadoras1, “[…] o desafio da comparação […]” (SOUZA; SÁ, 2013, p. 15), oferecendo um bom panorama das pesquisas sobre a história da escola primária no Brasil, orientadas por quatro grupos temáticos: representações, práticas, apropriações e materialidades.

Notas

1 Rosa Fátima de Souza é professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, no Departamento de Ciências da Educação e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Campus de Araraquara. Vera Lucia Gaspar da Silva é professora do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAEd) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Coordenadora do Museu da Escola Catarinense entre 2004 e 2008. Elizabeth Figueiredo de Sá é coordenadora do grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM-IE-UFMT, pesquisadora na área da História da Educação no Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da Educação (NIEPHE) da FEUSP. Atua como professora adjunta no Instituto de Educação e no Programa de Pós-Graduação da UFMT

Jauri dos Santos Sá – Arquiteto. Doutor em Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha, Barcelona/Espanha. Atualmente desenvolvendo estagio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Participa do Observatório de Educação – projeto Núcleo em Rede na mesma instituição. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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