Atlas de imagens– história da educação e da escola | Robert Alt

O Atlas de imagens – história da educação e da escola, de autoria de Robert Alt1, foi publicado por Pedro & João Editores em 2021. A tradução, a introdução e as notas são de Bernd Fichtner2 e de João Wanderley Geraldi3; já o prefácio foi escrito por Nilda Alves4. Leia Mais

L’education physique de 1945 à nous jours: les étapes d’une démocratisation | Michaël Attali, Jean Saint-Martin

A obra em questão, publicada pelos professores Michaël Attali (Universidade de Rennes 2) e Jean Saint-Martin (Universidade de Strasbourg), foi primeiro publicada no ano de 2004, com reedições em 2009 e 2015. A edição ora analisada é de 2021, atualizada em relação às últimas alterações ocorridas no âmbito da escola francesa. O livro foi editado pela editora Armand Colin, como parte da coleção “Dynamique” organizada por Jean-Pierre Famose, André Rauch e Alfred Wahl. Leia Mais

Educación, historia y sociedad: el legado historiográfico de Antonio Viñao | Pedro Luiz Moreno Martínez

O alentado livro, organizado por Pedro Luiz Moreno Martínez, não é apenas uma homenagem, mas um balanço historiográfico dos mais profícuos da História da Educação recente, desde o ponto de vista dos pesquisadores espanhóis. Com a competência e seriedade que lhe é peculiar, o autor-organizador passa a limpo a produção historiográfica espanhola a partir do diálogo de 16 historiadores da educação com o legado de Antonio Viñao. Justa homenagem nascida a partir da aposentadoria deste autor das suas funções junto ao ‘Departamento de Teoria e Historia de la Educación’da Universidad de Murcia, no sudeste espanhol.

A obra oferece ao leitor interessado nos estudos historiográficos uma constelação de temáticas desenvolvidas por diferentes historiadores, em diálogo rigoroso e criativo com a obra do homenageado. Iniciando com um olhar de Dollores Garrillo Gallego e Damián Lópes Martínez, professores da Universidad de Murcia, para a trajetória de Viñao quem, formado no campo do Direito converteu-se em uma referência nos estudos em história da educação não apenas na Espanha. Na sequência, é analisadoo lugar ocupado pela Universidad de Murcia na reconfiguração e renovação do campo a partir da década de 1980, em um capítulo assinado por María José Martinez Ruiz-Funes e Ana Sebastián Vicente, professoras da mesma universidade. Aquela renovação, da qual fizeram parte vários dos autores presentes na coletânea, demarcaria a independência dos estudos históricos da educação em relação ao campo pedagógico. Por certo isso contribuiu para que dali surgisse um dos mais vigorosos veios de estudos históricos sobre os fenômenos educativos, reconhecido em praticamente todo o mundo pela força dos seus pressupostos empíricos, teóricos e metodológicos. Leia Mais

Educação e sociedade na ditadura civil-militar: adesões, acomodações e resistência | Nadia Gaiafatto Gonçalves e Suzete de Paula Bornatto

O historiador Rodrigo Patto Sá Motta, ao investigar sobre as culturas políticas durante a ditadura civil-militar no Brasil (1964-1985), levanta reflexões sobre a existência de adesões, acomodações e resistências que permite compreendermos com maior densidade sobre esse período histórico e identificar novas configurações e rupturas ao longo do tempo. Como destaca Motta (2018, p. 132), “[…] mesmo que sejam estruturalmente arraigadas, as culturas políticas podem mudar”.

Nesse sentido, o livro Educação e sociedade na ditadura civil-militar: adesões, acomodações e resistência, organizado por Nadia Gaiafatto Gonçalves, professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná e Suzete de Paula Bornatto, docente da mesma instituição, reúne textos que exploram diferentes debates no campo do ensino e suas relações com as culturas políticas da época (Gonçalves & Bornatto, 2019). Dividido em doze capítulos, os trabalhos reunidos são resultados de investigações levantadas em teses e dissertações e permitem preencher diferentes lacunas na história da educação. Leia Mais

Professor Areão: experiências de um “ bandeirante paulista do ensino ”em Santa Catarina (1912 – 1950) | Gladys Mary Ghizoni Teive

Coletânea organizada por Gladys Mary Ghizoni Teive1. A obra em questão busca, por meio da trajetória do professor João dos Santos Areão, um ‘bandeirante paulista do ensino’, saldar a dívida dos historiadores da educação no que se refere ao fenômeno da Historiografia Brasileira conhecido como ‘Bandeirismo Paulista do Ensino’2, entre 1912 e 1950, em Santa Catarina.

A obra foi organizada em seis capítulos e cada capítulo foi escrito por autores distintos, conta ainda com prefácio escrito por Maria Teresa Santos Cunha, apresentação escrita pela organizadora e ao final foi disponibilizado um anexo com excertos da memória de João dos Santos Areão relacionado a sua experiência como diretor dos grupos escolares: Jerônimo Coelho, Vidal Ramos, Hercílio Luiz, e como inspetor escolar. Leia Mais

Movimento Internacional da Educação Nova – VIDAL; RABELO (RBHE)

VIDAL, D. G.; RABELO, R. S. (Orgs.). Movimento Internacional da Educação Nova. Belo Horizonte: Fino Traço, 2020. Resenha de: PHILIPPI, C. C. Configurações, sujeitos e apropriações– notas sobre o livro “Movimento internacional da educação nova”. Revista Brasileira de História da Educação, v. 20, 2020.

Em que pesem as já existentes pesquisas historiográficas nacionais e internacionais a respeito do movimento de renovação escolar entre as décadas de 1920 e 1940, Diana Vidal e Rafaela Rabelo trazem ao tema novas perspectivas para entendimento e análise. Elas o fazem por meio da recente organização do livro Movimento internacional da educação nova, cuja publicação resulta de pesquisas vinculadas a diferentes projetos financiados pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Sua centralidade para os estudos na área é destacada já no prefácio de autoria de André Luiz Paulilo, para quem as “[…] perspectivas que o livro alcança não só atualizam problemas de pesquisa, [mas] também percebem aproximações entre grupos de intelectuais bastante heterogêneos e distinguem estratégias de consolidação de redes de circulação e difusão de modelos educativos e culturais” (Paulilo, 2020, p. 9).

Os capítulos trazem uma heterogeneidade de temas, escalas e sujeitos caros ao debate que se organizam em três blocos distintos: ‘sujeitos e redes’; ‘nacional e transnacional’; ‘propostas e apropriações’. No primeiro se aglomeram discussões em torno de trajetórias de educadores cujo papel foi central para a circulação da Educação Nova em diferentes países. Operam metodologicamente pelo estudo dos rastros de uma trajetória individual visando a constituição das redes a partir das quais tais sujeitos operaram. Em ‘nacional e transnacional’ se intenta rastrear as diferentes traduções dos princípios renovadores na América do Sul. Também nesse caso se privilegia o estudo da circulação internacional de ideias e sujeitos. Por fim, em ‘propostas e apropriações’ são aglomerados capítulos que tematizam os impactos da Educação Nova dentro e fora das instituições escolares.

É também cara às autoras a aproximação com as configurações sociais e políticas nacionais e internacionais. Nesse movimento, é possível delinear as esferas de ação de ligas e instituições específicas, tais quais a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Para seu entendimento, acionam o conceito de hub1, que entendem como um “[…] ponto de conexão de redes, local de encontro e passagem” (Vidal; Rabelo, 2020, p. 13). Constituiu-se, pois, como ponto de contato que permite convergências que colaboram para o entendimento das redes instituídas em torno da fórmula da Educação Nova e das ações feitas em seu prol como um dispositivo agregador.

Em ‘A seção brasileira da New EducationFellowship: (des)encontros e (des)conexões’, Diana Vidal e Rafaela Rabelo tematizam a instalação tardia de uma célula nacional da NEF2 no Brasil. A partir das movimentações engendradas em torno das tentativas de criação da seção mapeia-se a dinâmica da criação de redes – nem sempre convergentes – de educadores brasileiros. É em seus embates e rusgas que se afiançam constatações a respeito das disputas na busca por espaço dentro dos mesmos círculos de educadores brasileiros e estrangeiros3. A efetiva criação da seção, enfim, é condicionada pela aproximação entre Brasil e Estados Unidos em meio à configuração dada na Segunda Guerra Mundial. Também para Vidal e Rabelo (2020), a criação da referida seção deveu-se mais a essa aproximação do que propriamente a esforços de educadores nacionais. Tal cenário tem o efeito de favorecer a problematização das conexões que constituem a ampla rede de atores que a ele se vincularam, bem como de ressaltar a relevância das aproximações com os preceitos da Educação Nova e das viagens pedagógicas internacionais.

A movimentação dos atores políticos é também mapeada por Margarida Louro Felgueiras. Em ‘Dois portugueses no movimento internacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e Antônio Prado’, ambos os sujeitos são colocados em relação e têm seus percursos internacionais mapeados. A autora, nesse movimento estabelece uma distinção entre a ‘Escola Nova’ como perspectiva e como movimento. Ao segundo credita a atuação de Adolphe Ferriére, responsável pela aglutinação de pessoas e políticas educativas em distintos países. É na elaboração dessa pedagogia que situa Portugal no século XX (Felgueiras, 2020, p. 49). No que se refere às trajetórias específicas dos sujeitos dos quais se ocupa, ressalta sua ocasional colaboração mútua, sobretudo no início do século, mas o posterior afastamento devido a divergências na atividade política (Felgueiras, 2020, p. 67).

É também na movimentação de um sujeito que Gary McCulloch se fia para rastreamento das formas pelas quais Fred Clarke contribuiu para a internacionalização de estudos e pesquisas educacionais. Ao tomar como fonte as ponderações e impressões feitas por contemporâneos, mobiliza seu arquivo pessoal e também os arquivos da Carnegie Corporation, do New Zeland Council for Educational Research e do Australian Council for Educational Research.O artigo traz o ganho de fazer pensar a internacionalização e globalização das iniciativas encabeçadas por Clarke antes dos governos nacionais e agências internacionais assumirem uma posição central nesse movimento. Traz também elaborações fortuitas sobre o papel da Educação Nova nos desdobramentos políticos da época. Para o autor, ela foi simultaneamente acionada como um fator de manutenção de continuidades e de estímulo a mudanças (Mcculloch, 2020, p. 90).

O bloco ‘Sujeitos e redes’ se encerra com o capítulo ‘Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o ‘caso microscópico’ do Grupo Escolar Rural de Butantan’, de autoria de Ariadne Ecar e Diana Vidal. Nele, as autoras se utilizam da trajetória e das práticas da professora Noêmia Cruz para aquilatar discussões a respeito do ensino rural e das políticas públicas da educação no período. Rastreiam também as conexões entre as dimensões locais e transnacionais pelo estudo de suas práticas, o que permitiu perceber suas operações mesclando representações concorrentes de ensino rural e negociando seus significados (Ecar & Vidal, 2020, p. 108). Ressaltam, por fim, que os resultados da investida não assinalam para uma definição única de ensino rural, mas para um conjunto de entendimentos modulado também por pressões políticas específicas (Ecar & Vidal, 2020, p. 109).

Em ‘Nacional e transnacional’, Martha Cecilia Herrera, Silvina Gvirtz, Gabriela Barolo e Pablo Toro Banco se demoram sobre as reverberações do movimento pela Educação Nova na Colômbia, Argentina e Chile. Em ‘Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX’, Martha Herrera sustenta que a maioria dos discursos educacionais do período no país retomou alguns dos postulados escolanovistas para elaboração de uma reforma da instrução nacional (Herrera, 2020, p. 115). Assim sendo, mapeia as distintas apropriações do movimento, situa suas imbricações e reconhece os embates entre os postulados escolanovistas e, sobretudo, educadores ligados à defesa da educação católica (Herrera, 2020, p. 124). Ainda para ela,

[…] Todas as tentativas de reformular os eixos sobre os quais a educação funcionava tiveram que passar, necessariamente, pela lógica do discurso da Escola Nova […]. É necessário entender esse movimento como uma corrente pedagógica cuja influência histórica e pertinência levou a colocar em circulação um ideário que […] foi apropriado e ressignificado em diferentes países do mundo […] (Herrera, 2020, p. 130).

A heterogeneidade de tempos, espaços e ideias do movimento é também ressaltada por Silvina Givirtz e Gabriela Barolo.Ao abordarem o movimento em território argentino, demarcam como ponto comum entre suas diferentes expressões a afiliação a postulados reformistas de origem europeia (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 133). As autoras investigam o impacto e o percurso do movimento no país, deixando claro que sua temporalidade não estabeleceu uma correlação linear com os tempos da história política, embora existam atravessamentos entre eles (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 134). Operam, por essa via, uma análise que contemplou as configurações da macro e micropolítica. Na segunda esfera, destacam algumas alterações no cotidiano escolar e nos discursos docentes. Ressaltam, por fim, que o movimento propunha a melhoria da escola moderna sem, contudo, questionar suas bases. Ainda para elas, foi essa característica que configurou os limites do movimento no sistema educacional argentino (Gvirtz & Barolo, 2020, p. 152).

Por fim, Pablo Toro-Blanco explora as mudanças demandadas dos docentes chilenos em termos afetivos, bem como sua interação com os crescentes graus de fundamentação científica do trabalhado professoral em‘Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920 – 1930) – um olhar conciso da história transnacional e das emoções’. Para tanto, entende a história transnacional como a história das conexões para além do âmbito nacional e operacionaliza a análise pela via de conceitos oriundos da história das emoções (Toro-Blanco, 2020). Em que pesem as distintas possíveis apropriações do arsenal pedagógico da Escola Nova, destaca a configuração de um cenário de mudanças de concepções sobre o fenômeno educativo no qual a psicologia infantil e juvenil assumiria um papel central (Toro-Blanco, 2020).

Geneviéve Pezeu inaugura o bloco ‘Propostas e Apropriações’ com o artigo ‘A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha) ‘. Nele, se pergunta a respeito dos posicionamentos a seu respeito por parte dos movimentos europeus pela Educação Nova. Para tanto, coloca em perspectivas algumas das ambiguidades encampadas em meio ao movimento sobretudo por Adolphe Ferriére (Pezeu, 2020). Mapeia os dois principais argumentos para definição do programa da coeducação no movimento escolanovista francês: o que mobilizou a regulamentação das relações sentimentais e o que avultou a idade ideal para o seu início. Situa uma configuração nacional e interacional que minou as experimentações inovadoras em prol da coeducação, o que fez com que suas iniciativas permanecessem na qualidade de exceções na França (Pezeu, 2020).

Ainda no movimento de análise das diferentes apropriações do escolanovismo, Maria del Mar Pozo Andrés aplica um modelo de estudo de suas recepções no capítulo ‘O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918 – 1936)’. Tal modelo estabelece fases para entendimento da recepção das propostas da Escola Nova no país, sendo elas a ‘observação’ da implementação dessas ideias nas escolas estrangeiras, a ‘tradução’ de obras clássicas, a ‘intepretação’ dos preceitos em obras independentes, a ‘adaptação’ dos conceitos e sua ‘apropriação’ pelo magistério, convertendo-se assim em uma cultura pedagógica compartilhada e popular (Andrés, 2020, p. 189 – 192). É esse modelo que a autora operacionaliza para abordar a construção do projeto como metodologia icônica da educação progressiva nos Estados Unidos e os posteriores significados em sua circulação e difusão para, por fim, perscrutar sua apropriação no cenário espanhol já nos anos 1930 (Andrés, 2020). Notifica uma rápida apropriação do método de projetos pelo professorado devido, entre outros fatores, a sua elasticidade conceitual e à possibilidade que imprimiu a um reduzido grupo de professores de produzir um conhecimento pedagógico (Andrés, 2020).

Por fim, o último capítulo do livro retoma o cenário brasileiro em estudo de Ariadne Ecar e Fernanda Franchini, de título ‘Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcas na definição do cinema educativo (1920 – 1930)’. Nele, as autoras abordam apropriações de ideias estrangeiras a respeito do uso do cinema como recurso educativo e, em seguida, se debruçam sobre a instalação da ‘Exposição Preparatória do Cinema Educativo’ no ano de 1931, em São Paulo (Ecar & Franchini, 2020). Conforme as autoras, ela foi um recurso para convencimento a respeito da real possibilidade de uso do cinema como um eficiente recurso de ensino. Defendem ainda que, conforme a análise das fontes, o cinema na sala de aula definiu-se pelos propósitos de valorização dos processos produtivos e formação para o trabalho (Ecar & Franchini, 2020). Situam também os jogos de forças marcados pelos distintos projetos educativos nas décadas de 1920 e 1930, responsáveis pela progressiva centralidade que a instituição escolar assumiu como lócus de formação da nação (Ecar & Franchini, 2020).

A publicação ‘Movimento internacional da Educação Nova’ tem, pois, a relevância de não somente congregar estudos diversos sobre o tema, mas de elaborar uma profícua convergência de análises que permite aquilatar pontos de encadeamento centrais para o cenário educacional. Vale, nesse sentido, destacar a cuidadosa atenção dada à seleção de artigos e análises capazes de nuançar as configurações locais, regionais e internacionais. Essa atenção às diferentes escalas do movimento permitiu assinalar a atuação dos sujeitos políticos pela via das redes que mobilizaram, mas também perceber a formação de organizações institucionais em torno das bandeiras de renovação educacional. É também esse viés que torna possível perceber os significados em disputa e os pontos de estrangulamentos em meio à difusão internacional dos preceitos então defendidos.

Assim sendo, o livro vem para acrescentar perspectivar os movimentos renovadores e situá-los em sua configuração política e social sem, contudo, descuidar de suas apropriações. Vale também ressaltar o reiterado zelo em conceituar as diferentes faces da Educação Nova de acordo com os sujeitos que mobilizou e os territórios nos quais se embrenhou. Esse esforço, todavia, não teve a intenção nem tampouco o efeito de esgotar o tema ou de edificar um conceito estanque sobre as diferentes formas através das quais o movimento operou. Trata-se, portanto, de uma publicação que considera a produção historiográfica já solidificada a respeito do tema e convida a novas investidas de pesquisa e análise.

Referências

Andrés, M. M. P. (2020). O método de projetos na Espanha: recepção e apropriação (1918-1936). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 189-208). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Ecar, A., & Franchini, F. (2020). Esforços para uma educação nova em São Paulo: discursos e marcar n definição do cinema educativo (1920-1930). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 209-233). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Ecar, A., & Vidal, D. V. (2020). Vertentes da Escola Nova em São Paulo: o “caso microscópico” do Grupo Escolar Rural de Butantan (anos 1930-1940). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 91-112). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Felgueiras, M. L. (2020). Dois portugueses no movimento educacional da Escola Nova: Faria de Vasconcelos e António Sérgio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 49-68). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Gvirtzm S., & Barolo, G. A Escola Nova na Argentina. Apontamentos locais de uma tradição pedagógica transnacional. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 133-152). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Herrera, M. C. (2020). Apropriações e ressignificações da Escola Nova na Colômbia na primeira metade do século XX. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 113-132). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

McCulloch, G. (2020). Fred Clarke, a Educação Nova e a internacionalização dos estudos e pesquisas em educação nos anos 1930. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 69-90). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Paulilo, A. L. (2020). Prefácio. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 7-10). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Pezeu, G. (2020). A coeducação vista pela Escola Nova nos anos 1920 e 1930 (entre Suíça, França e Alemanha). In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 175-188). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Toro-Blanco, P. (2020). Conselho de viajantes: a Escola Nova e a transformação do papel do professor no Chile (1920-1930): um olhar conciso da história transnacional e das emoções. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 153-174). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Vidal, D. G., & Rabelo, R. S. (2020). A seção brasileira da New Education Fellowship: (des) encontros e (des)conexões. In D. G. Vidal & R. S. Rabelo (Orgs.), Movimento internacional da educação nova (p. 25-48). Belo Horizonte, MG: Fino Traço.

Notas

[1] Ainda para as autoras, “[…] hub consiste em uma espécie de nó, que se situa no meio de várias trajetórias” (Vidal; Rabelo, 2020, p.13).

2 Sigla comumente utilizada pelas autoras para se referirem à New Education Fellowsip.

3 A esse respeito, são delineadas duas linhas de tensões principais. Na configuração internacional se sublinhas as disputas entre a New Education Fellowship e o Bureau Internacional d´Éducation. Nacionalmente, as dissidências entre a Associação Brasileira de Educação e a Federação Nacional das Sociedades de Educação dão o tom do tensionamento.

Carolina Cechella Philippi – Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) vinculada à linha de pesquisa Educação e História Cultural. Pesquisadora junto ao Programa de Extensão e Pesquisa Historiar a educação. E-mail: [email protected]

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Sobre o autoritarismo brasileiro – SCHWARCZ (RBHE)

SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro: São Paulo: Companhia das Letras, 2019. Resenha de: ENZWEILER, D. A., & CAREGNATO, L. Sobre o autoritarismo brasileiro. Revista Brasileira de História da Educação, n.20, 2020.

O livro resenhado, Sobre o autoritarismo brasileiro, de autoria de Lilia Moritz Schwarcz, tem como objetivo “[…] reconhecer algumas das raízes do autoritarismo no Brasil, que têm aflorado no tempo presente, mas que, não obstante, encontram-se emaranhadas nesta nossa história de pouco mais de cinco séculos” (Schwarcz, 2019, p. 26). Ao descrever a construção de certa história oficial do Brasil, a autora sinaliza como esse tipo de narrativa pode criar um passado mítico e harmônico, bem como, por outro lado, pode servir de base para a naturalização de estruturas autoritárias. Ancorada no objetivo central de sua obra, pontua pressupostos básicos na elaboração e perpetuação de uma história pautada em mitos nacionais, mostrando-se profundamente enraizados ao imaginário brasileiro atual, destacados nas entradas temáticas de cada um dos capítulos subsequentes. A autora é graduada em História pela Universidade de São Paulo-USP, possui mestrado em Antropologia Social pela Universidade de Campinas- UNICAMP e doutorado em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo-USP. É professora Titular do Departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo, editora e membro editorial de periódicos nacionais e internacionais.

A obra livro divide-se em 10 capítulos. Entre os capítulos inicial e conclusivo, há 8 capítulos temáticos variados, como descrevemos na sequência. Dentre tais elementos, pode-se destacar que, apesar das permanências e recorrências em relação a questões historicamente problemáticas no Brasil, conforme as temáticas abordadas, conclui-se que as novas ondas de autoritarismo não são semelhantes às de outrora. De acordo com as análises, os novos governos com tendências autoritárias, que se destacam em diferentes países nos últimos anos, dentre eles o Brasil, estão articulados a outras demandas.

No capítulo 1, ‘Escravidão e Racismo’, destaca-se que a escravidão, no Brasil, por ter sido um dos últimos países no mundo a aboli-la (via processo conservador), foi mais que um sistema de organização econômica, mas uma forma de moldar as condutas individuais. Aponta que há mudanças nas formas de manifestação do racismo: do discurso científico e biológico (darwinistas raciais) no período pós-emancipação, para um tipo de ideologia social. Conclui-se que, apesar das conquistas do movimento negro desde o século XX, da legislação e dos direitos adquiridos no século XXI, há muitas evidências estatísticas que indicam a perpetuação de práticas discriminatórias e racistas, apontando que avanços e novas conquistas ainda são necessárias.

Já no capítulo 2, ‘Mandonismo’, aponta que o modelo da família patriarcal pode ser compreendido a partir da análise do modelo colonial brasileiro. Utilizando-se de exemplos do caso açucareiro, sinaliza que há poucas mudanças para a época posterior, de ascensão do café na região Sudeste, na qual predominam lógicas muito semelhantes. Ao deter-se sobre o período republicano, destaca que permanece um perfil oligárquico no governo da nação. No decorrer do século XX, também há práticas decorrentes dos modelos descritos, dentre eles o coronelismo, presente nos dias atuais em algumas regiões brasileiras, perpetuando a relação entre mandonismo, concentração de renda e poder político. Contemporaneamente, também se evidencia que, pelas novas possibilidades frente às mídias sociais, surge a figura do político populista digital, uma espécie de ‘presidente-pai’. De acordo com as análises, a linguagem que herdamos do mandonismo encontra sobrevida na nova era dos afetos digitais, igualmente autoritários.

No capítulo 3, ‘Patrimonialismo’, destaca que, historicamente, o Brasil possui um tipo de déficit republicano. Salienta que há dois grandes inimigos no cenário nacional: o patrimonialismo e a corrupção. Para refletir sobre tais práticas, utiliza-se de estudos de variados sociólogos brasileiros para pensar especificidades locais, como a cordialidade, as práticas nepotistas e suas relações com a formação colonial brasileira. Como síntese, indica que a prática política nacional é fortemente marcada pelos afetos, resultando em um tipo de corporativismo. E, nessa lógica, assuntos relativos ao Estado tornavam-se, no limite, problemas de ordem privada. Com a Independência, criam-se algumas instituições, mas as práticas patrimonialistas não mudam de forma considerável. No período do 2º Reinado há uma nova versão da corte, resultando na formação de uma nobreza bem específica, denominada de ‘meritória’, com características distintas da nobreza europeia, marcadas pelo nascimento. No período Republicano, são criadas algumas instituições mais fortes, porém as práticas descritas permanecem. Como exemplo, destaca-se a força do coronelismo durante a 1ª República, bem como o voto de cabresto, prática político-cultural muito presente no respectivo contexto. Com a Constituição de 1934 e de 1988, por exemplo, há garantias legais consideráveis. Atualmente, ainda é possível localizar legados de tais práticas no cenário político nacional, especialmente pelos dados relativos às ‘bancadas dos parentes’. Também se destacam algumas dinastias que dominam o poder político em alguns territórios e as barganhas pessoais pelas emendas parlamentares para angariar votos nos espaços municipais como práticas ainda correntes.

Já no capítulo 4, ‘Corrupção’, destaca que a corrupção, junto ao patrimonialismo, seria um inimigo da república presente até os dias atuais. No Brasil, tais práticas mostram-se presentes tanto no mundo político quanto nas relações humanas e sociais. Nas análises, identifica conexões, em maior ou menor escala, da corrupção no cotidiano atual, enraizadas desde os tempos do Brasil Colônia e Império. Como exemplo, cita o modo particular de negociação e relação no período colonial, marcado pelo ‘jeitinho brasileiro’. Já no início da república, se destaca o coronelismo, que trata de uma combinação entre a consolidação do modelo republicano federalista e a ascendência das oligarquias agrárias, marcada pela prática do voto de cabresto. É somente após o ano de 1945 que o Estado brasileiro passa a legislar sobre corrupção, tanto na perspectiva do Estado, como sobre práticas individuais. Entretanto, pontua-se que, por exemplo, em 1964, os militares utilizaram-se do discurso contra corrupção como argumento para a tomada de poder, apesar de promoverem novos tipos de corrupção. Já no período da 3ª República, pós Constituição de 1988, destaca-se que as instituições passaram a funcionar melhor, articuladas às denúncias da imprensa. Assinala que a corrupção pode ser compreendida como uma forma endêmica de governar no Brasil. Pelo seu caráter de enraizamento histórico, pela falta de instituições públicas fortes e pela pouca transparência no trato com as questões públicas, a corrupção justifica a crise institucional e política atualmente vivida.

No capítulo 5, ‘Desigualdade Social’, destacam-se as variadas facetas da desigualdade no Brasil. De acordo com suas análises, as desigualdades têm uma herança que remonta ao passado colonial e indica que o Brasil é formado dentro de uma linguagem da escravidão que, somada à corrupção e ao patrimonialismo, esboça um quadro propício para a constituição de um país desigual. Na mesma perspectiva, destaca que a desigualdade social nunca foi centralidade nos projetos políticos que governaram o país. Atentando-se ao período colonial, demonstra-se que, juntamente aos parcos investimentos, o acesso à educação primária era privilégio de poucos. Durante a 1ª República e a promulgação da nova Constituição em 1891, poucas reversões consideráveis puderam ser evidenciadas. É somente na década de 1920, marcada pelo ‘otimismo pedagógico’, que a área educacional recebe novo alento, especialmente pelas experiências estaduais promovidas por expoentes do movimento da Escola Nova no país. Apesar de investimentos pontuais, a educação brasileira ainda era marcada fortemente por um dualismo: uma escola para as elites e classes médias e outra para as camadas populares. Destaca-se que a reforma Capanema e a tendência de urgentemente profissionalizar a massa trabalhadora, manteve e também fortaleceu tal dualidade do sistema educacional. Com a Constituição Federal de 1988, são estabelecidas duas prioridades para a educação nacional: universalização do ensino fundamental e erradicação do analfabetismo. Ao se comparar o Brasil com outros países latino-americanos, com semelhante passado colonial, o país vigora como um dos mais problemáticos, considerando-se seu déficit educacional. Conclui-se que a desigualdade social tem um impacto na vida educacional da população em idade escolar.

Já no capítulo 6, ‘Violência’, destaca-se que o Brasil, de acordo com estatísticas recentes, está entre um dos países mais violentos do mundo. Analisando a violência urbana, indica que, entre a década de 1980 e o ano de 2003, ocorreu um tipo de corrida armamentista, contida pela aprovação do Estatuto do Desarmamento nesse último ano. Apesar dessa constatação, a partir do ano de 2014, dados sugerem uma nova tendência ao armamento pessoal da população brasileira. Historicamente, o sistema escravocrata consolidou-se como uma maquinaria repressora. Apesar do curso histórico não poder ser explicado por fatores únicos, é possível averiguar padrões de continuidade perpetuados por práticas violentas anteriores. Sugere-se que a epidemia de violência que assola o Brasil deve ser compreendida pela análise de múltiplos fatores, para que o ceticismo em relação à segurança pública não leve a posturas radicais, tais quais as tendências atuais têm apontado. Com o gradativo aumento da violência, atrelada à sensação de impunidade, sobressaem-se tendências autoritárias. Outra faceta da violência no Brasil são as lutas do campo. Nelas, destacam-se a invisibilidade e a dizimação das populações indígenas do Brasil. Dos bandeirantes até a luta contra o agronegócio, os povos indígenas brasileiros têm sido sistemática e historicamente alvos de violências. Destaca que a luta de tais grupos se pauta por direitos historicamente negados. Nesse sentido, utiliza-se uma narrativa mitológica para tornar invisíveis tais sujeitos sociais em suas lutas.

No capítulo 7, ‘Raça e Gênero’, são abordados marcadores sociais variados, como raça, geração, local de origem, gênero e sexo, capazes de produzir diferentes formas de subordinação. As questões relacionadas aos negros se destacam: disparidade salarial, tempo de vida, violência urbana. Quando há outros elementos interseccionados, o quadro torna-se ainda mais alarmante. Dentre eles, destaca a epidemia da violência contra jovens negros das periferias urbanas. O Brasil, nesse caso, também promove um tipo de racismo dissimulado: apesar de a narrativa popular caracterizar o país pela sua capacidade de inclusão cultural, as evidências apresentadas indicam um grave quadro de exclusão social e racial. O racismo estrutural e institucional também se direciona às mulheres, especialmente pela violência sexual. A violência contra mulher e a própria cultura do estupro têm raízes que remontam ao período colonial, marcado por características patriarcais. Uma das justificativas que condicionam o ataque a alguns públicos é que quanto mais autoritários os discursos, maiores as necessidades de controle sobre o corpo, a sexualidade e a própria diversidade.

E no capítulo 8, ‘Intolerância’, se propõe a desconstrução da ideia de que somos uma nação avessa aos conflitos e pacífica na sua índole. Aponta que a ‘negativa’ também é uma forma de intolerância, uma vez que evita o confronto. Entretanto, hoje passamos a praticar o oposto: em um cenário polarizado, não há mais necessidade de ser pacífico, dando-se ênfase à intolerância e à violência. Assim, pontua que tendências autoritárias funcionam pela lógica dos ódios e dos afetos, pois a forma binária produz desconfiança em relação àquilo que não pertence à ‘própria comunidade moral’. Essa lógica reforçaria o ataque à imprensa, aos intelectuais, à universidade, à ciência, entre outros, dando lugar à exaltação do homem comum. Conclui-se que a intolerância que hoje impera em nosso país tem raízes variadas, de longo, médio e curto curso. A cordialidade nunca existiu, mas caracterizou-se como uma “[…] performance política e cultural, e não um retrato fiel da ausência de atritos e ambiguidades entre os brasileiros” (p. 219). De acordo com a autora, a resposta para a crise só virá de um projeto de nação mais inclusivo e igualitário, possível a partir de sua aposta na educação pública e de qualidade.

Em suas considerações finais, retoma a ideia de que há fantasmas do passado que, invariavelmente, sempre voltam a assombrar. Governos de tendências autoritárias, por sua vez, costumam criar a sua própria história, sem preocupação com fatos e dados históricos. Pela defesa de um passado nostálgico, ‘o tempo de antes’, conjuga-se um léxico familiar de afetos, projetando simbolicamente uma espécie de civilização, com ordem e harmonia social, mas que, de fato, jamais existiu: uma memória fora do tempo. A plenitude perdida, nessa perspectiva, tende a criar mitos, líderes supremos, típicos dos governos com tendência autoritária. Nessa perspectiva, diferenciam-se as tendências autoritárias do século XXI dos nazismos e fascismos presentes no século XX. Assim, defende-se uma educação pública com sentido republicano, para que o sentido democrático seja respeitado. Para superar nosso déficit republicano e evitar crises democráticas, tal qual a que vivemos atualmente, a educação seria uma forma de promover menos líderes carismáticos e mais cidadania consciente e ativa. Apesar dos efeitos das crises, em suas palavras, elas também podem abrir frestas para outras possibilidades.

A obra resenhada evidenciou um estudo histórico, com variedade temática, visando compreender a crise institucional e política que assola o país. Mostrou-se de extrema relevância para compreensão do cenário atual e das próprias raízes históricas que constituem esse quadro. Da mesma forma, defende-se a ideia de que só é possível mudar o futuro a partir de uma perspectiva histórica. Dentre as suas variadas contribuições, destacam-se as diferenciações acerca dos autoritarismos do século XX em relação ao século XXI. Ao desmistificar a tese do brasileiro cordial, também possibilita compreender o fenômeno da intolerância que assola o país. Assim, entende-se o porquê desse fenômeno e, da mesma forma, torna-se possível vislumbrar formas de resistência. Esses elementos destacam a urgência e relevância de estudar, analisar e combater o autoritarismo, conscientes de suas raízes históricas ainda presentes, como fantasmas, em nossa atualidade. E a obra analisada mostra-se potente para esse diagnóstico, enfatizando a centralidade da educação nesses movimentos.

Referências

Schwarcz, L. M. (2019). Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo, SP: Companhia das Letras

Deise Andreia Enzweiler – Possui Graduação em Pedagogia (UFRGS). Especialização em Educação Inclusiva (Unisinos). Mestrado em Educação (PPGEdu-Unisinos). Doutoranda em Educação (PPGEdu-UNISINOS – Bolsista CAPES-PROEX). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisa em Inclusão (GEPI-Unisinos- CNPq). E-mail: [email protected]

Lucas Caregnato – Possui Graduação em História (UCS). Especialização em História Regional (UCS). Mestrado em História (UPF). Doutorando em Educação (PPGEdu-Unisinos – Bolsista CAPES-PROEX). Presidente do Conselho Municipal de Educação de Caxias do Sul e coordenador do Núcleo de Acolhimento à Diversidade da Universidade de Caxias do Sul (UCS). E-mail: [email protected]

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Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México – VAUGHAN (RBHE)

VAUGHAN, M. K.. Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México. Aguascalientes, MX: Universidad Autônoma de Aguascalientes, CIESAS, 2019. Resenha de: ACERVES, M. T. F. Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México (Reseña). (2020). Revista Brasileña de Historia de la Educación, 20, 2020.

Retrato de un joven pintor: Pepe Zúñiga y la generación rebelde de la ciudad de México es una obra de la historiadora Mary Kay Vaughan. Ella reconstruye la vida de Pepe Zúñiga desde la perspectiva de la nueva biografía a lo largo de 423 páginas, una introducción y 10 capítulos. Vaughan es una historiadora que ha sido pionera en diversos campos en la historia, especialmente en la historia social de la educación en México.

Las diversas investigaciones históricas de la Dra. Vaughan muestran no sólo cómo ella ha utilizado diferentes miradas para examinar a la escuela como una institución fundamental en la modernización de México del Porfiriato a la época cardenista, sino también cómo la historia se ha transformado desde la década de 1970 al presente, de una visión marxista estructuralista a una perspectiva cultural y de género.

En su primer libro sobre la educación en México, El estado, las clases sociales y educación en México, 1880-1928 publicado en 1982 por la SEP y el FCE, se interesó por examinar cómo se construyó la política educativa durante el Porfiriato y en el gobierno posrevolucionario que estableció la SEP en 1921. Evaluó los alcances y limitaciones de la puesta en marcha de la política educativa de la educación vocacional, los libros de texto y el movimiento del nacionalismo cultural en la década de 1920.

En el libro colectivo Las mujeres del campo mexicano, 1850-1990 que editó junto con Heather Fowler-Salamini, publicado en inglés en 1994 y en español en 2004, utilizaron la categoría de género y pusieron en el centro del análisis a las mujeres del campo desde la Reforma liberal en el siglo XIX hasta el neoliberalismo de finales del siglo XX. Con esta obra rompieron con la invisibilidad e imagen sumisa de las mujeres de las zonas rurales. Examinaron cómo mujeres de diversas clases sociales y trayectorias enfrentaban, acumulaban, descartaba y reformulaban valores, conocimientos, experiencias, habilidades y costumbres. Entre los aportes de esta obra están el fino análisis de las cambiantes relaciones de género y las prácticas en la política agraria de la Revolución Mexicana entre 1910 y 1940. En concreto, Vaughan arguye que las nuevas políticas posrevolucionarias generaron cambios dentro de la familia patriarcal y contribuyeron a erosionar el poder de la familia patriarcal. Las mujeres y los jóvenes tuvieron nuevos espacios y funciones a través de una política desarrollista enfocada en la familia, que permitió su movilización y su empoderamiento. Los líderes revolucionarios burgueses extendieron la definición de domesticidad por medio de la modernización de la familia patriarcal y disminuyeron las desigualdades de género.

En su tercer libro La política cultural de en la Revolución: maestros, campesinos y escuelas en México, 1930-1940, publicado en inglés 1997 y en español en 2000, dio un giro substancial para analizar la política educativa de una perspectiva desde arriba a una mirada de abajo hacia arriba, para desmenuzar cómo se construyó, implementó y negoció el proyecto de la educación socialista. La política educativa progresista de la década de 1930 buscó nacionalizar y modernizar la sociedad rural. Desde una mirada posrevisionista de la Revolución Mexicana, que entreteje posturas teóricas subalternas, de género y culturales, Vaughan reconstruye con gran detalle las voces multifacéticas, el lenguaje revolucionario de los hacedores de la política pública, maestros, campesinos en dos regiones contrastantes Puebla y Sonora. Por medio de estos dos estudios de caso incorpora la noción de la racionalización de la domesticidad, debate sobre la construcción hegemónica del Estado posrevolucionario y deconstruye el ‘discurso oculto’ de los campesinos. Su argumento central “[…] es que la verdadera revolución cultural de los años treinta no se encontró en el proyecto del Estado sino en el diálogo entre Estado y sociedad que ocurrió en torno de este proyecto” (Vaughan, 2000, p. 42). En esta obra recibió el Herbert Eugene Bolton Prize como el libro más sobresaliente en la historia de América Latina en 1997, otorgado por la Conferencia de la Historia Latinoamericana de los Estados Unidos; también ganó el Bryce Wood Award de la Asociación de Estudios Latinoamericanos (LASA).

En 1998 editó junto con Susana Quintanilla, Escuela y sociedad en el periodo cardenista, para reflexionar por qué la educación socialista no tiene paralelo con ninguna otra reforma educativa en México, se preguntaron ¿es posible transformar el sistema educativo? ¿cuáles son las estrategias para lograrlo? ¿cómo se comportan las instituciones políticas y civiles en un proceso de transición? ¿qué cambia y qué permanece dentro de la escuela? Contribuyen al entendimiento cómo fue aplicado en diferentes entidades, regiones y comunidades. Ponen especial atención a las dinámicas y procesos locales que marcaron de manera distinta la implementación de la educación socialista.

Durante la década de 1990, en especial a finales de ésta, Vaughan fue una entusiasta promotora de los estudios culturales y de género en la historia de México, mientras se daba el álgido debate en la academia norteamericana sobre el giro lingüístico y de la nueva historia cultural. La nueva historia cultural brinda herramientas para analizar los discursos, prácticas y representaciones de hombres y mujeres en su contexto. Las narrativas de sus experiencias son un vehículo para entablar un diálogo entre las fuentes primarias y las discusiones teóricas sobre discurso, experiencia, género, memoria, narrativa y subjetividad. Esta interlocución se ha dado en el campo de la historia a partir de la influencia de la antropología cultural, invitó a los historiadores a examinar las formaciones socioculturales como textos y a poner atención en los usos del lenguaje y el análisis del discurso; promovió el acercamiento a la antropología y estimuló a los historiadores a considerar a los artefactos culturales como perfomativos, más que simples expresiones. La nueva historia cultural también fue receptiva a los postulados feministas; éstos sensibilizaron sobre los vínculos entre las vidas públicas y privadas y entre ficciones e ideologías. Así mismo la nueva historia cultural se acercó a los estudios literarios para examinar las nociones como intertextualidad (una historia siempre alude a otra historia) y la recepción de los lectores. Es precisamente en esta postura que Vaughan se ha identificado. Colaboró en el debate entre varios historiadores norteamericanos mexicanistas que reflexionaron en la perspectiva cultural, poscolonial, y de género. Este debate fue publicado en un número especial en el Hispanic American Historical Review llamado ‘La lucha libre’, en 1999.

En 2006 editó junto con Steve Lewis, The eagle and the virgin: cultural revolution and national identity in Mexico, 1920-1940. Esta obra colectiva se centra en un análisis cultural y de género para deconstruir cómo la nación es inventada y reinventada, examina como el proyecto masivo de la construcción del Estado se llevó a cabo entre los decenios de 1920 y 1940. Hay un fino análisis de cómo la identidad nacional se forjó entre diferentes grupos sociales, católicos, trabajadores industriales, mujeres de la clase media y comunidades indígenas. En este libro Vaughan sopesa los debates opuestos entre el águila (el Estado secular modernizador) y la Virgen de Guadalupe (la defensa católica de la fe y la moralidad). Argumenta que, a pesar de enfrentamientos violentos y discusiones álgidas, el repertorio simbólico creado para promover la identidad nacional y su memoria al final el águila y la virgen lograron coexistir pacíficamente.

En 2006 editó junto con Gabriela Cano y Jocelyn Olcott el libro colectivo Sex in revolution, publicado en español en 2009 bajo el título Género, poder y política en el México posrevolucionario. En este libro avanzó en los debates sobre la historia de mujeres y de género en México y en América Latina porque centró su análisis en el orden de género y los cambios generados por la Revolución Mexicana y el proceso revolucionario en la sexualidad, trabajo, familia, prácticas religiosas y derechos civiles.

En 2015, Vaughan publicó en inglés la biografía del pintor Pepe Zúñiga en la editorial Duke University Press y en 2019 la versión en español1. En este estudio biográfico ha sintetizado por qué los historiadores de la cultura han dado el ‘giro a la biografía’. Pero ¿qué implicó reconstruir la vida de Pepe con base en la nueva biografía que parte del “[…] principio de que las personas están situadas ‘dentro de las estructuras sociales y los regímenes discursivos, pero no están presas dentro de ellos’”? (p. 25, énfasis añadido). De acuerdo con la autora, esta perspectiva biográfica “[…] permite ver la manera en la que las personas negocian los procesos y los encuentros educativos” (p. 25). Para el lector y/o público en general, utilizar esta perspectiva podría parecer que implica una labor sencilla. Por el contrario, Mary Kay Vaughan emprendió un trabajo titánico. Con base en un andamiaje teórico y metodológico de la nueva biografía; del análisis de Nobert Elias sobre la generación alemana después de la posguerra y su rebeldía; las propuestas de Jürgen Habermas sobre la construcción de la esfera pública; de la filosofía fenomenológica de Maurice Merleau-Ponty, y una gran sensibilidad, reflexión histórica y gran empatía de la autora, ella logra entender y construir narrativas intersubjetivas para darle voz a personas que generalmente han quedado fuera de las grandes narrativas históricas. Es decir, en esta obra, Pepe, sus hermanos, sus amigos y la autora construyeron una narrativa intersubjetiva de la experiencia y la memoria selectiva, sensorial, emotiva y generacional. Con ese ejercicio de la memoria colectiva y de ir más allá de las entrevistas, de etnografías históricas y fuentes primarias (como la letra y melodía de algunas canciones, películas y producciones teatrales; textos escolares, libros, revistas, y las crónicas periodísticas de sus exposiciones; tarjetas postales; álbumes; y fotografías) y secundarias (como el arte, la educación, la música, lo urbano, historias sobre el deporte, ensayos sobre la cultura popular y las biografías de sus amigos artistas), Mary Kay Vaughan logra reconstruir cuidadosamente las experiencias de tres generaciones de las familias materna y paterna de Pepe; de los hombres y las mujeres, sus oficios, costumbres, su vida cotidiana, prácticas religiosas, su trabajo, su sensualidad, su sexualidad y de su entretenimiento en Oaxaca y la Ciudad de México.

Para lograrlo, la autora se nutre de varias historiografías como de la vida cotidiana; de la familia; del cine (del mudo, de Hollywood, alemán, italiano y mexicano); de la infancia; social de la educación (la escuela, los libros de texto, las escuelas vocacionales, la autoformación y la Escuela La Esmeralda); de la radio; de la música; del baile (como el fox-trot, tango, sima, Charleston, tap, rumba, danzón, exóticos –Tongolele—y el rock and roll); del teatro de Pánico; de la pintura (de la Escuela Mexicana de Pintura de realismo social, basada principalmente en la pintura mural y las artes graficas; del movimiento de ‘La Ruptura’ que no enfatizaba la política social y el compromiso democrático; y la ‘generación olvidada’ de pintores distinguidos de manera aislada, nacidos entre 1935 y 1945); historia de mujeres y de género; de las masculinidades; historia social del trabajo (de sastres, costureras y técnicos del radio), y por si no fuera suficiente, la historia de las emociones, de las sensibilidades y los afectos.

La autora las entreteje estas diversas historias con una historia transnacional y global de distintos procesos históricos de corta, mediana y larga duración para ubicar a Pepe, su familia, su barrio, amigos, escuelas, aprendizaje y sensibilidades en un ‘tiempo y espacio vivido’ en la ciudad de Oaxaca y la Ciudad de México. La narrativa intersubjetiva en esta obra se mueve en distintas escalas: la emocional – corporal – subjetiva– intersubjetiva, la familia, el barrio, las generaciones, el género, lo local, regional, nacional y transnacional.

Con base en este minucioso análisis, la autora identifica las experiencias que Pepe cuenta y sostiene que éstas aclaran cuatro procesos: 1) “[…] una movilización después de la Segunda Guerra Mundial por el bienestar de la niñez y el desarrollo personal […]”; 2) el florecimiento del entretenimiento; 3) “[…] la domesticación de masculinidad violenta relacionada con la política social y el cambio político, las cambiantes estructuras económicas, sociales, comerciales y con los medios masivos de comunicación […]” (p. 31). y 4) “[…] la formación de un publico critico de jóvenes en la década de 1960, mismo que después de 1970 catalizó el surgimiento de una esfera pública democrática de discusión política, de expresión artística y de entretenimiento. Esa esfera pública cada vez más democrática conformó y ha sido conformada por la apertura de los regímenes políticos y sociales, y por los cambios en los mercados y en las tecnologías […]” (p. 31-32).

Mary Kay Vaughan identifica los goznes, los quiebres, los turning points que Pepe Zúñiga experimentó y cómo “[…] su narración es, en sí misma, el entrelazamiento entre el proceso socioeconómico y los discursos aprendidos para interpretar este proceso” (p. 27). La autora sostiene que

La historia de Pepe muestra la manera en la que los medios de comunicación, sus mensajes y sus tecnologías, sugieren la formación de una subjetividad más crítica y exigente, y una nueva noción sobre los derechos, algo totalmente opuesto a lo que Habermas predijo en 1962 y más de acuerdo con la noción de Elias sobre un espacio cualitativo para la comunicación y el desarrollo personal en el período inmediatamente posterior a la Segunda Guerra Mundial. […] Los medios de comunicación, argumentaba él, creaban desdén y apatía hacia las instituciones públicas y la vida política (p. 32, 37)

Pepe Zúñiga proviene de una familia pobre de la ciudad de Oaxaca que migró a la Ciudad de México en 1943; él buscó y luchó su superación personal y profesional para cambiar la condición social de su familia. Para analizar estas transformaciones (familiares, culturales, educativas, laborales, emocionales y sensoriales), la autora examina distintos espacios de aprendizaje como la música, el baile, el barrio popular (Carmen Alto en la ciudad de Oaxaca y la Colonia Guerrero en la Ciudad de México), la familia (nuclear y extendida), las escuelas, la iglesia, el cine, la radio, el teatro, entre otros.

Considero que uno de los aportes más importantes de Mary Kay Vaughan en Retrato de un joven pintor es a la creciente historiografía de la historia de las emociones en Estados Unidos, Europa y América Latina. De acuerdo con la historiadora Laura Kounine, los cuatro hilos principales de la historia de las emociones son la emocionología (emotionology Peter Stearns y Carol Stearns); comunidades emocionales (Barbara H. Rosenwein); regímenes emocionales (William Reddy) y prácticas emocionales (Monique Scheer) (Kounine, 2017). En conjunto, estas metodologías examinan la forma en que las emociones se han definido, gobernado y expresado en una sociedad y período determinado y cómo han cambiado a lo largo del tiempo.

Investigar, documentar y analizar los cambios emocionales no es una tarea fácil. Mary Kay lo logra al demostrar y argumentar que “[…] hubo transformaciones en la domesticación de la masculinidad violenta, la suavización de la dureza masculina, y la feminización de su sensibilidad” (p. 44). Las fuentes que generaron estos cambios provinieron del cine, la escuela, los libros de texto, las canciones de Cri-Cri, entre otros elementos, los cuales dieron paso a la ‘ternura’. Gustavo Sainz utilizó esta palabra para describir “[…] el despertar emocional y el apalcamiento de su salvaje delicuente, el ‘Compadre Lobo’” (p. 48, énfasis añadido). Para Mary Kay Vaughan, éste es un sentimiento “[…] que estaba surgiendo entre la juventud de la Ciudad de México desde finales de la década de 1950” (p. 48). Para mi, aquí está el centro del argumento de la autora y su aportación significativa a la historia del movimiento del 68 y su rebeldía. En sus palabras, “[…] la misma privatización del sentimiento impulsó la apertura de la esfera política”. Y concluye que,

En gran medida, los jóvenes rebeldes de la década de 1960 generaron la presión, la subjetividad, y, a medida que maduraban, se convirtieron en los ciudadanos de esta democratización. Ellos, a pesar de que no lograron liberarse totalmente de los comportamientos y convenciones que denunciaban, contribuyeron a una transformación de la política, las conductas sociales y la expresión artística (p. 382).

Finalmente, considero que este libro establece puentes para entablar un diálogo desde la perspectiva histórica con las participantes de los movimientos de la ‘Diamantina Rosa’ y los performances del Colectivo de las Tesis de Chile que se han realizado en diversas ciudades del mundo, ‘Un violador en mi camino’, que han confrontado con mucha fuerza las prácticas patriarcales. Considero que las jóvenes de estos movimientos pueden aprender que ‘el patriarcado’ debe historiarse, ubicarlo en su contexto (tiempo y espacio). Por tanto, entender e identificar las transformaciones de las prácticas masculinas de poder, ayudará a no dar por sentado que el patriarcado es omnipresente. Por el contario, debemos preguntarnos cómo ha sido su construcción social histórica. Así lo hace Mary Kay Vaughan en esta obra al señalar los cambios y las herramientas (el cuchillo, las tijeras y el pincel) que utilizaron tres generaciones de los hombres Zúñiga para construir su masculinidad, ejercer la violencia, el poder y expresar sus sensibilidades.

Quedan muchas cosas más en el tintero, mi reseña es una probadita de este libro que recurre a una gran diversidad de perspectivas historiográficas, fuentes primarias y secundarias. Recomiendo su lectura no sólo para académicos interesados en la biografía y en la educación, sino también para un público más amplio.

Referências

Kounine, L. (2017). Emotions, mind, and body on trial: a cross-cultural perspective. Journal of Social History, 51(2), 219-230.

Vaughan, M. K. (2000). La política cultural de en la Revolución: maestros, campesinos y escuelas en México, 1930-1940. México, MX: Fondo de Cultura Económica.

Vaughan, M. K. (2015). Portrait of a young painter: Pepe Zúñiga and Mexico city ‘s rebel generation. Durham, NC: Duke University Press

Notas

1 Para el título en ingléses ver: Vaughan (2015).

María Teresa Fernández Aceves – Es doctora en historia de América Latina por la Universidad de Illinois en Chicago, con especialidad en historia de mujeres y de género. Se desempeña como profesora e investigadora en el CIESAS Occidente desde 2001. Su investigación se ha centrado en la historia laboral, la historia de mujeres y de género en México en el siglo XX. E-mail: [email protected]

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La guerre de ecrivains (1940-1953) – SAPIRO (RBHE)

SAPIRO, G. La guerre de ecrivains (1940-1953). Paris: Fayard, 1999. Resenha de: CAMPOS, N. de. La guerre des écrivains. Revista Brasileira de História da Educação, 19, 2019.

Esse livro, escrito pela socióloga francesa Gisèle Sapiro, foi publicado em 1999. Ele é decorrente de sua tese de doutorado, defendida em 1994, na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais (Paris), sob a orientação de Pierre Bourdieu. Essa obra tem 807 páginas, contando introdução, nove capítulos, conclusão, anexos, agradecimentos, bibliografia, índice de nomes e sumário. Ela se organiza em três partes: lógicas literárias do engajamento (primeira parte), constituída com três capítulos; instituições literárias e crise nacional (segunda parte), formada por quatro capítulos; a justiça literária (terceira parte), contendo dois capítulos. A delimitação temporal inicial tem relação com a Ocupação da França pela Alemanha e a assinatura do armistício; já o período final está associado à segunda Lei de Anistia, “[…] após o que, sem desaparecer, as questões literárias, nascidas na crise, cessam de dominar a vida literária” (Sapiro, 1999, p. 17).

A investigação dessa socióloga tem como principal preocupação “[…] por em evidência a especificidade da conduta dos escritores no contexto da Ocupação, à luz das representações e das práticas próprias dos meios literários” (Sapiro, 1999, p. 9). De acordo com ela (1999, p. 9), “[…] a questão importante é por que e como os escritores respondem a essa demanda?” Assim, sua abordagem é diferente de outros estudos que explicam o engajamento dos escritores a partir de uma perspectiva centrada na política. Nas palavras da autora (1999, p. 10), “[…] contra a tendência a dissociar essas duas dimensões, este livro entende que se esclarece uma pela outra, ao inscrevê-las em uma abordagem mais global dos ambientes literários e de seus modos de funcionamento naquela época”. Conforme Gisèle Sapiro (1999, p. 12), “[…] durante a Ocupação, o campo literário viu serem abolidas as condições que lhe asseguravam uma relativa independência, em particular a liberdade de expressão”. Os escritores, na avaliação de Sapiro (1999, p. 11), “[…] não escapam à lógica das lutas. Mas a guerra dos escritores não é o puro reflexo da guerra civil. Como todo universo profissional, o mundo literário tem seus códigos, suas preferências, suas regras do jogo e seus princípios de divisão próprios”. Diante disso, indaga essa pesquisadora (1999, p. 12): “[…] que ocorre com a autonomia literária em período de crise? Sob que forma sobrevive e que resistência se opõe às pressões externas?”.

A partir de muitos textos publicados nos jornais da França, de correspondências e entrevistas, assim como em interlocução com extensa literatura das ciências humanas, em particular da sociologia dos intelectuais e da história intelectual, a autora mostra como os escritores engajaram-se e tomaram posições políticas. Ela descreve que havia quatro tipos de lógicas sociais que coexistiam no campo literário e que induziam relações diferentes entre literatura e política. A primeira é denominada de lógica estatal, em que estavam as frações detentoras do poder econômico e do poder político. A segunda lógica coincide com o polo de grande produção, próxima do jornalismo, lugar da lógica mediática. Em seguida, aparece a lógica estética, em que estariam os escritores com forte poder simbólico. Esse grupo tende “[…] a se distanciar da política e da moral” (Sapiro, 1999, p. 13). Por fim, existiria o polo dos escritores de vanguarda, grupo formado a partir do interesse em produzir uma literatura subversiva, engajada. Essas quatro lógicas são tipos ideais. Logo, como bem destaca a socióloga (1999, p. 13), “[…] essas diferenças lógicas, inexistentes em estado puro, encarnam-se mais ou menos nas práticas e nas instituições”. Essas lógicas são associadas às quatro instituições analisadas nesse livro: Academia Francesa (lógica estatal); Academia Goncourt (lógica mediática); Nova Revista Francesa – NRF (lógica estética); Comitê Nacional dos Escritores (lógica subversiva/política).

A primeira parte tem como preocupação explicar as lógicas literárias eos engajamentos dos escritores. A parte seguinte mostra como as quatro lógicas encarnam-se nas quatro instituições estudadas (Academia Francesa, Academia Goncourt, NRF e Comitê Nacional dos Escritores). De acordo com Sapiro (1999, p. 16), “[…] dotadas de uma razão social e de uma identidade, essas quatro instâncias ilustram as lógicas estatal, mediática, estética e política”. Por fim, na terceira parte, o livro discorre sobre os efeitos da crise após o período de Ocupação, pois “[…] eles determinam largamente os modos de reestruturação do campo literário” (Sapiro, 1999, p. 17). Essa descrição é estrutural, como bem reconhece essa socióloga. Porém, essas tendências podem ser observadas nas especificidades dos diversos níveis e na encarnação das lutas onde se confrontam as diferentes concepções de literatura e as diversas compreensões do papel social do escritor.

Em termos mais precisos, a primeira parte trata do debate entre os escritores a respeito do papel social do intelectual. A partir da discussão em torno do ‘gênio francês’ e dos ‘maus mestres’, a autora reconstitui um profundo e complexo debate entre os escritores para defender diferentes posições do intelectual. Conforme assinala Sapiro (1999, p. 106, grifo do autor), “[…] é em nome do ‘gênio francês’ que são conduzidas as lutas que estruturam o campo literário na primeira metade do século XX”. Cada um desses elementos serve de pano de fundo para a socióloga mapear as posições dos mais diferentes escritores, em específico, o confronto entre a politização do campo cultural e a luta pela sua autonomia frente aos interesses da política e da moral. Ao final dessa parte, ela destaca duas trajetórias exemplares (François Mauriac e Henry Bordeaux) que “[…] ilustram a articulação entre a clivagem geracional, a oposição entre autonomia/heteronomia e as divergências ideológicas” (Sapiro, 1999, p. 207). Essas individualidades, pertencentes à Academia Francesa e com origens sociais e religiosas semelhantes, tomaram posições distintas. Mauriac tornou-se um defensor dos escritores denominados de ‘maus mestres’, situação considerada atípica ou improvável por Sapiro. De outra parte, Bordeaux promovia a campanha contra os escritores classificados de ‘maus mestres’.

A segunda parte do livro indica como esse debate inscreveu-se em cada uma das quatro instituições francesas. Ela elege um capítulo para cada instituição, trazendo riqueza de detalhes. Embora as análises estejam divididas em partes, não há abordagens isoladas de cada uma das instituições. A autora sintetiza uma tendência predominante em cada espaço, a saber, o senso do dever (Academia Francesa); o senso do escândalo (Academia Goncourt); o senso da distinção (NRF); o senso da subversão (Comitê Nacional dos Escritores). Antes de analisar cada uma dessas instituições, Sapiro sintetiza a ideia dessa parte do livro em duas páginas e meia. Ali, ela anota que busca mostrar como, no seio desses espaços literários, os escritores se confrontavam na luta pela definição da identidade da instituição e do papel que ela deveria exercer no período de crise nacional.

Desse modo, essa parte mostra como esses espaços institucionais definiram as posições individuais. Ao mesmo tempo evidencia as mudanças das instituições, particularmente a movimentação da NRF, fundada em 1909. Posteriormente, essa revista passou a aproximar-se do grupo da literatura engajada, cuja expressão contundente é a trajetória de André Gide. Apesar disso, o livro mostra a permanência da posição da Academia Francesa, muito embora trate do caso atípico de François Mauriac que aderiu à literatura subversiva. Já no início, Sapiro (1999, p. 249) afirma que, “[…] das quatro instituições que nós estudamos, a Academia Francesa é a que participa mais diretamente, por meio de seus membros, da vida política oficial”. Essa instituição, criada em 1635, agrupa as frações dominantes da classe dominante, donde se exerce o controle sobre o campo literário. Assim sendo, as lutas políticas dessa comunidade estavam associadas ao combate aos escritores que se posicionavam no polo altamente politizado, aqueles que pretendiam transformar a literatura em luta política (grupo do Comitê Nacional dos Escritores).

A Academia Goncourt, criada em 1903, expressa o modelo de senso do escândalo, pois, nascida com interesse em salvaguardar certa autonomia do campo literário e contrapondo-se ao modelo mais tradicional de literatura da Academia Francesa, logo se vê no permanente jogo entre as forças dos diferentes campos sociais. As trajetórias de seus integrantes e as premiações concedidas evidenciam forte presença de autores oriundos da imprensa francesa. Ao longo do texto, Sapiro mostra as alterações da própria instituição, especialmente nos momentos mais críticos, como a Ocupação, quando esse espaço do campo literário não deixou de pronunciar-se e tomar posição no campo intelectual. A autora identifica uma tendência dessa instituição, um tipo ideal, sem deixar de historicizar as disputas internas, os posicionamentos conflitantes entre os seus integrantes, assim como o imiscuir-se nas disputas do campo político. Ela procura demonstrar como a ideia de autonomia/heteronomia do campo literário é o mote da discussão na instituição, ganhando ares peculiares no momento crítico da história francesa dos anos de 1940.

Na sequência, Sapiro centra sua análise no movimento da NRF, criada em 1909. Embora, o recorte de sua análise seja o contexto da Ocupação alemã e o período da Liberação, sua escrita retrata a pretensão de André Gide no momento de criação dessa revista, bem como os anos seguintes à Primeira Guerra Mundial. Apesar de o senso de distinção constituir o horizonte de identidade dessa instituição, os casos exemplares de Gide (rumou à resistência literária) e Drieu La Rochelle (aderiu ao grupo colaboracionista) evidenciam como o problema da autonomia/heteronomia conformava as representações e as práticas da instituição e de seus integrantes.

Por fim, a partir da tipologia – senso de subversão -, a autora descreve e explica a ação do Comitê Nacional dos Escritores. Nesse grupo, constituído por integrantes de diversos subgrupos, encontrava-se o principal espaço de resistência literária. A partir de um conjunto de escritos, seus integrantes promoviam intervenções no âmbito da política, destacando-se seus posicionamentos de combate à literatura não engajada que era reivindicada pela Academia Francesa, pela Academia Goncourt e pela NRF. A partir dos anos de 1930, esse comitê tornou-se um espaço de congregação de grupos distintos, como, por exemplo, comunistas, católicos progressistas (François Mauriac, Jacques Maritain), confrontando-se aos valores nacionalistas que já estavam presentes no contexto do caso Dreyfus (final do século XIX), mas que ganharam ares mais dramáticos com a ascensão de Hitler e o avanço das bandeiras defendidas pela extrema-direita. Enfim, ao longo da obra, Sapiro descortina em detalhes como o comitê ofereceu “[…] aos escritores os meios de lutar com suas armas próprias, reativando a dimensão subversiva da literatura e assegurando à Resistência intelectual o seu prestígio” (Sapiro, 1999, p. 467).

Se nas primeiras partes há intensa exposição para explicar os posicionamentos das quatro instituições e mostrar ‘a guerra dos escritores’, a última retrata o período posterior a agosto de 1944, quando Paris foi libertada. A autora identifica que essa condição redundou na recomposição do campo intelectual, sobressaindo-se o problema do papel da literatura e do escritor. É sintomático daquele momento o fato de a revista Tempos Modernos ocupar o lugar da NRF, cujo mote seria a defesa da literatura engajada em oposição à literatura pura. Sapiro mostra que essa disputa inscrevia-se na concorrência entre gerações de escritores, na oposição entre moralistas e defensores da literatura pura e na clivagem ideológica esquerda e direita. Aqui está presente a disputa pelo controle do próprio campo dos escritores. O comitê é oficialmente institucionalizado, incorporando todo capital simbólico do período de Resistência na clandestinidade. Assim, esse espaço procura constituir-se como o lugar autorizado para dizer o que é a literatura e qual deve ser o papel do escritor. E, mais do que isso, dizer que ao escritor está atribuída a missão de reconstrução da própria França.

Depois da derrota da Alemanha, conforme atesta Sapiro (1999, p. 17, grifo do autor),

A noção de ‘responsabilidade do escritor’ está no coração das lutas. Saído da sombra do Comitê Nacional dos Escritores pretendia-se instaurar uma nova deontologia do ofício do escritor. Mas seu poder de excomunhão é rapidamente contestado. Abalados por divisões internas, as instâncias nascidas da Resistência se encontram confrontadas às instâncias tradicionais, entendendo que devem reencontrar seus lugares e tomar parte na reconstrução nacional.

Porém, como bem mostra esse livro, as primeiras fissuras internas desse comitê ocorreram entre comunistas e não comunistas. Além disso, as divisões internas foram demarcadas por outras divergências, como, por exemplo: entre membros oriundos da zona Norte (região ocupada pela Alemanha) e zona Sul (região ‘livre’, governada por Pétain); entre antigos e novos integrantes; a controversa ‘lista negra’ – publicação dos nomes dos escritores apoiadores da Ocupação e do regime Vichy. Ao final dessa parte, a narrativa mostra como as instituições literárias se reconfiguraram no novo momento da França, em particular, no contexto de reconstrução nacional. Ou seja, como se estabeleceram as disputas entre Academia Francesa, Academia Goncourt e Comitê dos Escritores para definir o papel social da literatura e do escritor, sem deixar de indicar as clivagens internas, em específico, do comitê. Embora o recorte final da obra seja 1953, Sapiro não deixa de indicar que os efeitos dos debates da Ocupação e da Liberação ganharam sentidos diferenciados no contexto da Guerra Fria, reinserindo o problema da posição do escritor e das instituições literárias no âmbito das questões políticas, isto é, reapareceria o problema da autonomia/heteronomia do campo cultural.

Por fim, é importante ressaltar que esta síntese apresenta a ideia geral da obra e os elementos centrais de cada parte. Esse livro que se inscreve no âmbito da sociologia dos Intelectuais é fecundo ao campo de pesquisa das ciências humanas. Ademais, merecem destaque as possibilidades de diálogo com áreas mais específicas, particularmente, com a história intelectual. O campo intelectual (sociologia dos Intelectuais) é um dos temas principais de Giséle Sapiro que já tem algumas produções traduzidas e publicadas no Brasil. O problema dos intelectuais ou do campo intelectual é objeto bastante revisitado, nos últimos anos, por diversos pesquisadores brasileiros. Assim, espera-se que esta resenha tenha sintetizado o conjunto das principais ideias dessa obra de fôlego e estimulado o leitor a acessá-la, pois ela poderá ser bastante útil para ampliar os horizontes de pesquisa nas ciências humanas, especificamente, na história intelectual e história dos Intelectuais.

Referências

Sapiro, G. (1999). La guerre des écrivains (1940-1953). Paris, FR: Fayard.

Névio de Campos – Pós-doutorando (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, Paris); Pós-doutor em História (UFPR); Doutor em Educação (UFPR); Professor no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Paraná, Brasil. Pesquisador Produtividade CNPq. E-mail: [email protected]

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A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924) – MEURER (RBHE)

MEURER, S. S.. A invenção do recreio escolar: uma história da escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba: Appris, 2018. Resenha de: MORAES, L. C. L., GOMES, L. do C., & MORAES E SILVA, M. O lugar da educação das sensibilidades e dos sentidos – apontamentos sobre o livro A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Revista Brasileira de História da Educação, 19. 2019.

A obra A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924) foi publicada no ano de 2018 pela editora Appris. Escrita pelo professor Dr. Sidmar dos Santos Meurer, tal obra trata-se da pesquisa realizada por ele durante o mestrado, desenvolvido na linha de história e historiografia da educação do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (UFPR). O autor apresenta aos leitores um livro que tem o propósito de colocar os recreios escolares no Paraná, no início do século XX, como objeto de investigação histórica. Para alcançar tal intento, a obra divide-se em apresentação, prefácio, introdução, duas partes principais compostas de três subtítulos cada, tópico conclusivo e, ao fim, um capítulo dedicado à apresentação das fontes primárias da pesquisa.

Sidmar Meurer graduou-se em educação física pela UFPR em 2005, obteve título de mestre em Educação pela mesma universidade em 2008 e defendeu seu doutoramento junto ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em 2019. O autor é professor assistente no setor de educação da UFPR, atuando na formação de professores e no âmbito da pesquisa, no qual faz investigações sobre escolarização, história da educação, história da escolarização, história da educação dos sentidos e das sensibilidades e história da educação do corpo.

A apresentação, registrada pelo próprio autor, complementa-se pelo prefácio, escrito pelo professor Dr. Marcus Aurélio Taborda de Oliveira, o qual foi orientador de Sidmar Meurer durante a graduação, o mestrado e o doutorado e atualmente é docente titular do departamento de ciências aplicadas à educação e do Programa de Pós-graduação em Educação da UFMG. No prefácio, Taborda de Oliveira reconhece as contribuições e qualidades do trabalho realizado pelo seu orientando, indicando a

importância da obra para o campo da história da educação. Cabe destacar que as ponderações levantadas, tanto na apresentação quanto no prefácio, trazem à tona a pretensão da obra como um todo, que é fazer com que o leitor reflita sobre o fenômeno social da escolarização, mais especificamente sobre a história do recreio no Paraná na temporalidade de 1901 a 1924.

A introdução traz como premissa o olhar e o cuidado do autor ao manusear as documentações das instituições de ensino. Esse tipo de procedimento possibilitou a construção da narrativa de sua investigação, a qual, conforme enfatizado pela própria autoria, apresenta preocupações com as práticas e ações típicas da ambiência escolar, que ainda não eram uma problemática para os estudos de uma historiografia mais tradicional da educação. Com o intuito de embasar o entendimento do leitor sobre o trato com as fontes, Meurer explora trechos dos relatórios de docentes, apresentando inúmeras interpretações e potencialidades desses exemplares. O autor potencializa tais fontes em diversos momentos, manifestando as peculiaridades do período, da escola e dos comportamentos, o que acaba por auxiliar a responder e/ou alimentar um debate sobre os diversos elementos que contribuíram para a consolidação dos recreios nas escolas paranaenses no início do século XX.

A parte I, intitulada ‘Justificativas pedagógicas para os recreios escolares; expectativas sociais para a escola primária’, inicia-se com o subtítulo ‘Forjar a ‘alma’, descansar o ‘espírito’, fortalecer o corpo: a educação como empreendimento moral, intelectual e físico’, que trata das pretensões tanto dos professores quanto dos políticos para com as implementações e reformas do ensino primário, além de enfatizar como surgem os denominados ‘recreios’ e/ou ‘intervalos’. Para realizar tal feito, o autor utilizou-se de relatórios de docentes, disponíveis no Departamento Estadual de Arquivo Público do Paraná/DEAP-PR, provenientes de diversos lugares do Paraná, deixando explícitas as metamorfoses das ideias sobre o entendimento do que e de como seria a escola primária em um período de republicanização, a qual deveria prezar por uma educação do físico, do intelecto e da moral e cívica, surgindo, então, a intenção de desenvolvimento integral do aluno.

A autoria aponta que nesse período existia certa confusão de significados e propostas em relação aos recreios. Afinal, eram atribuídos tempos distintos em cada instituição e o espaço (jardins, salas de aulas, quarto, pátio) e os exercícios implementados (gymnastica, respiração, canto, declamação) também variavam. Na sequência de seus argumentos, o autor indica que o tempo do recreio foi adequando-se às demandas que o ensino primário em reforma procurava, ou seja, a um projeto de escolarização que proporcionasse conhecimentos úteis a uma vida ativa e prática.

Já o segundo subtítulo, intitulado ‘A escola primária como instituição cardeal da sociedade paranaense: quando um projeto de escolarização pretende ser motor de mudança social’, baseia-se em dois conjuntos de fonte: os relatórios de autoridades do ensino paranaense e a revista A escola. A autoria apoiou-se em tais materiais para contextualizar o período de reforma do ensino primário, que deveria ser alicerçado de acordo com a tríade da formação física, intelectual e moral dos alunos. A preocupação apresentada nos documentos sobre a educação gratuita e universal, bem como a formação de indivíduos conscientes, aborda tópicos relevantes para se refletir sobre o processo de organização escolar, a relação entre educação e política e as questões relacionadas ao papel utilitário da educação.

Para esmiuçar esse amplo repertório de colocações, Meurer apresenta algumas referências na área da história da educação, destacando as contribuições de Marta Carvalho, numa perspectiva interpretativa de documentos das instituições de ensino, atribuindo à escola a preparação de mão de obra, e de Mirian Jorge Warde, que chama atenção para a ampliação do sentido e a função dada à escola, indo ao encontro de um entendimento de que a ação reguladora da instituição está mais associada à construção de hábitos, desenvolvimento de comportamentos e sensibilidades humanas. Diante dessas duas concepções, o autor apresenta fontes que favorecem a posição levantada por Mirian Jorge Warde.

O autor menciona que, para explicitar sua percepção, foram acionados os trabalhos de Jean Hérbrard, que tratam da escola francesa, e conceitos de ‘ferramentas mentais’, de Lucian Febvre. Com base em tais concepções, Meurer indica que a escola do período de republicanização desejava produzir maneiras de sociabilidades e construir conjuntos de sensibilidades e espírito prático que poderiam levar a sociedade a um suposto progresso. Os recreios surgiram como parte desse projeto de construção de sensibilidades, vistos como uma prática útil e necessária.

Em ‘Os recreios escolares e a ‘marcha do ensino’: por uma escola ‘moderna’, ‘útil’ e ‘atraente’’, última fração da primeira parte da obra, sobressaem-se resquícios do material empírico utilizado, que contém, além dos citados anteriormente, artigos do jornal A República, trecho da revista Pátria e Lar e um texto do médico José Maria de Paula. Contudo, o autor lembra que a escola era alvo de críticas oriundas dos segmentos médicos, pedagógicos e políticos, sobretudo por apresentar um ensino marcado pela memorização de conteúdo sem praticidade. A desaprovação mais eminente, constatada por Sidmar Meurer, relaciona-se à falta de cientificidade no ensino. Essa discussão repercutiu na racionalização de uma rotina escolar mais estruturada da qual o recreio fazia parte, contando, nesse momento, com o apoio de pressupostos pedagógicos para ser legitimado.

Todavia, o autor, analisando os discursos médico e pedagógico, indica que os médicos culpabilizam os professores pela pouca aproximação do ensino com aspectos científicos. Muitos dos relatórios traziam breves declarações que englobavam nomes influentes no âmbito pedagógico, como Spencer, Pestalozzi, Froebel, Rousseau e Locke, demonstrando pelo menos uma ligação e/ou uma tentativa com tópicos mais científicos para serem abordados na escola, como psicologia, ciências naturais e higiene. Meurer reconhece ainda que os documentos analisados apontavam que o público infantil apresentava especificidades que deveriam ser levadas em consideração no processo de ensino na escola primária paranaense.

A segunda parte do livro, intitulada ‘Dispositivos de institucionalização e normatização dos recreios escolares. Tempos, espaços e modos de proceder’, apresenta o quarto subtítulo, denominado ‘Da conformação dos espaços, um lugar para recrear – os pátios de recreio’. Para adentrar os espaços que se constituíram durante o período, o autor retoma as noções e os significados de recreios e/ou das formas de se recrear que foram encontradas na pesquisa. Tais significações apresentam uma ligação com a modernização do ensino, porém, sem pertencer ao currículo escolar formal, utiliza-se de um momento pedagógico, constituído por atividades de canto, exercícios de ginástica e desenhos. Meurer chama atenção para que se entenda o processo de mudança nos recreios como um movimento não linear. Além disso, o autor dá sentido de institucionalização ao recreio, pois, com o passar do tempo, aquele se diferencia de outros componentes escolares.

Entretanto, a disponibilidade de recursos para se investir em um espaço para os recreios era escassa e o movimento de instalações de grupos escolares, com o intuito de modernizar o ensino paranaense, acabou por ganhar força, surgindo como novo modelo para o processo de organização de um sistema público de educação. A Escola Xavier da Silva, primeiro grupo escolar do Estado do Paraná, teve relatórios de seus docentes frequentemente analisados pelo autor, visto que a instituição buscou realizar uma ampla reforma educacional, revelando preocupação com espaços específicos para os recreios, o que a tornou um exemplo a ser seguido. Foi somente em 1915, com o Código de Ensino, que ocorreu a normatização do recreio com seu respectivo espaço, recuado para as laterais e para os fundos das estruturas, que deveria seguir parâmetros de higiene e ser arborizado e composto de flores. Por fim, o autor demarca que os fatores e desejos que compunham esse espaço foram racionalizados, priorizando-se os aspectos higiênicos e estéticos, vistos como potencializadores da percepção dos alunos, que dispunham de esperada espontaneidade e intuição imprescindíveis para a modernização do ensino.

O quinto tópico, intitulado ‘Da contagem e demarcação do tempo de recrear – a passagem dos ‘intervalos’ ao ‘recreio’’, trata especificamente da delimitação temporal para os recreios. Uma fonte bastante explorada pela autoria, nessa parte do livro, foi o Código de Ensino do Estado do Paraná de 1915. Documento este que apresentava inúmeros elementos para se pensar a organização escolar, desde o controle temporal das atividades até as determinações de séries graduais do ensino. Mesmo com todos os pontos colocados por essas normatizações, que tinham o propósito de dar caráter mais educativo e disciplinar às escolas, poucas eram aplicáveis às outras instituições escolares. Com todo esse processo de mudanças e anseios por ‘inovações’, conforme enfatiza o autor, tentou-se, no modus operandi da época, constituir um conjunto de sensibilidades em relação ao tempo (otimizado) na escola a partir do pleito legal.

Por fim, no último subtítulo do livro, denominado ‘Modos de proceder na escola – os recreios como rotina escolar’, analisou-se o recreio sob a perspectiva dos modos de comportamento e das funções dos envolvidos nesse determinado tempo e espaço que salvaguardavam sua distinção perante os demais componentes curriculares. Ao se entender que todo espaço com a aglomeração de pessoas denominava-se ‘recreio’, passou-se a prescrever ações que diferenciavam os ‘recreios’ dos períodos de entrada e saída das aulas. As novas significações produzidas em relação a esses intervalos visavam atender às demandas fisiológicas e psicológicas dos alunos, além de enfatizar uma noção de recompensa pelo desempenho obtido nas atividades escolares. Abria-se também uma lacuna para que se utilizasse essa gratificação como castigo, apoiando-se na privação deste quando fosse necessária. Posteriormente, o recreio passou a tratar-se também de um espaço-tempo apropriado para a realização da merenda/alimentação.

Ao retomar alguns trechos dos relatórios, o autor enfatiza que os recreios passaram a conter uma disciplina diferenciada da exigida em sala de aula, consistindo em um ordenamento não silencioso, permitindo brincadeiras, atividades espontâneas e a concentração de todas as classes em um único espaço e tempo, sob a fiscalização dos agentes das instituições. Porém, conforme constata o autor, nada tem a ver com a disposição e o desenvolvimento da liberdade e autonomia do aluno, visto que todos os elementos constitutivos do recreio se unem para a formação de sensibilidades e na racionalização de um sistema que permite a aquisição de um ethos almejado.

Por último, em ‘Palavras finais – Pensar a escola e sua organização a partir de seus processos e práticas’, o autor faz ponderações sobre a sua pesquisa, apresentando reflexões para a área da educação. Diante disso, suas considerações finais apresentam aportes teóricos de filósofos como Michel Foucault e Theodor Adorno e dos historiadores Edward Thompson e Cristopher Hill. Um eixo importante do livro, que é válido mencionar, reporta-se à diversidade dos materiais empíricos, utilizados na construção da narrativa do livro, fazendo com que as fontes guiassem as análises que foram distribuídas nas partes e que conseguiam embasar ao leitor o contexto relacionado à temática principal, além de responder às problemáticas evocadas antes de assinalar os saberes e sentidos mobilizados pela oferta dos recreios num projeto de escolarização paranaense.

A título de apontamentos finais, observa-se que a leitura da obra convida o leitor a repensar no desenvolvimento dos recreios no Paraná, além de possibilitar aos interessados na história da educação e das sensibilidades que tenham um material qualificado para embasar novos estudos, visto que o livro é amparado numa abordagem historiográfica que facilita a realização de futuros trabalhos com tais características, constituindo-se, portanto, em uma leitura atrativa para pesquisadores interessados na temática da escolarização e dos diversos processos de educação do corpo.

Referências

Meurer, S. S. (2018). A invenção do recreio escolar: uma história de escolarização no estado do Paraná (1901-1924). Curitiba, PR: Appris.

Letícia Cristina Lima Moraes – Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Leonardo do Couto Gomes – mestrando do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

Marcelo Moraes e Silva – professor doutor do Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Paraná. E-mail: [email protected]

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A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia – BENITO (RBHE)

BENITO, Augustin Escolano. A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia. Campinas: Alínea, 2017. Resenha de: MAGALHÃES, Justino. Revista Brasileira de História da Educação, n.18, 2018.

Este livro é uma tradução do título La escuela como cultura: experiencia, memoria, arqueologia, de Agustín Escolano Benito. A tradução foi feita por Heloísa Helena Pimenta Rocha (UNICAMP) e Vera Lucia Gaspar da Silva (UDESC). No Prefácio, Diana Vidal adverte o leitor que, pelo tema, pela escrita do autor e pelo enlevo da leitura, está perante um livro ‘inescapável’. Na Apresentação, as tradutoras previnem que, na migração entre as duas línguas, a tradução foi por elas pensada como interpretação e adaptação consciente, no esforço de “[…] compreender as reflexões do autor e torná-las compreensíveis” (Escolano Benito, 2017, p. 18).

O livro é composto por Introdução – A escola como cultura– e quatro capítulos: Aprender pela experiência; A práxis escolar como cultura; A escola como memória; Arqueologia da escola. Termina com Coda: cultura da escola, educação patrimonial e cidadania.

Qual é o objecto do livro que Agustín Escolano agora publica? Em face do título enunciado, através da comparação A escola como cultura, o que fica de facto resolvido no livro – o assunto escola ou o objecto cultura? E o que contém o subtítulo Experiência, memória e arqueologia, que relação há entre estes enunciados? Mais: Que relação entre o subtítulo e o título? O subtítulo reporta à escola ou à cultura? Ou aos dois termos, estabelecendo dialéctica através de ‘como’, ou seja, dando curso à comparação? Experiência, memória e arqueologia não são termos de igual natureza, nem de igual grandeza. Reportarão a um mesmo referente? A escola é parte da vida e foi experienciada ou mesmo experimentada pelos sujeitos, individuais ou colectivos. Daqui decorrem marcas que constituem memória – a experiência. A arqueologia reporta à materialidade e simbologia que ganham significado a partir de um olhar externo, deferido no tempo. A operação arqueológica permite a (re)significação de marcas que sejam apenas reminiscências.

A interpretação mais subtil para o título reside porventura na capacidade ardilosa e densa de Agustín Escolano em conciliar educação e história através da escola como cultura. A substância e o sentido da escola residem na cultura. Em cada geração, foi como cultura que a escola se substantivou, e foi como experiência que se tornou significativa. Para as gerações actuais, a escola é cultura e experiência, mas é também memória e arqueologia. Como refere o autor, a escola-instituição foi por diversas vezes questionada, mas a educação precisou (e precisa) da escola, como fica assinalado pela confluência de diferentes variações pedagógicas.

A história e a historiografia acautelaram essencialmente o institucional. Agustín Escolano entende, todavia, que é fundamental e significativo no plano educacionale de cidadania salvaguardar o cultural. A cultura escolar apresenta materialidade e historicidade, constituindo uma fenomenologia do educável e desafiando a uma hermenêutica como currículo e como representação. Dialogando com uma constelação de disciplinas é na etno-história que o autor encontra a ‘episteme’ e a matriz discursiva para o estudo que apresenta.

Pode aventar-se que este livro é um ensaio-manifesto. Agustín Escolano procura dar nota de uma genealogia e de uma evolução da cultura e da forma escolar, compostas por distintas dimensões processuais e orgânicas, e comportando descontinuidades, contextualizações, adaptações que não comprometeram o que frequentemente designa de ‘gramática da escola’ ou de ‘forma escolar’. Refere que esse historial está plasmado nas narrativas sobre experiências e modalidades orgânicas, nos restos materiais e arqueológicos sobre a realização escolar, nas memórias individuais e colectiva, enfim, na arqueologia como substância e método para a reconstituição e a interpretação do passado. Tal como a entende Escolano, a etno-história congrega estas distintas instâncias, devidamente apoiada na arqueologia, na fenomenologia e iluminada por um labor hermenêutico, aberto à complexidade e à interdisciplinaridade.

A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia contém uma história da escola, mas é sobretudo uma argumentação sobre a articulação entre escola e cultura e sobre a (re)significação da história-memória da escola como cidadania.

Na Introdução, o autor procura justificar o título do livro focando-se no enunciado ‘a escola como cultura’. Incide fundamentalmente sobre as práticas, posto que são inerentes ao escolar e, em seu entender, não têm sido objecto de um labor apurado por parte da teoria educativa e da história. Tal vazio constata-se no que reporta aos fundamentos, mas torna-se sobretudo notório no que respeita à recepção, seja esse vazio alocado às instituições ou à mediação e adaptação de conteúdos e práticas por parte dos professores, ou seja, por fim, às práticas incorporadas e apropriadas enquanto pragmática da educação. O autor chama a si o ensejo de dar a conhecer como a práxis escolar se constituiu em cultura.Inerente à práxis, sua evolução e sua conceitualização, está uma praxeologia resultante de uma depuração e de uma espécie de darwinismo que intriga o autor. Se em cada momento a pragmática educativa foi um habitus, há que analisar a evolução semântica desta constante.

No primeiro capítulo ‘Aprender pela experiência’, Agustín Escolano coloca a inevitabilidade da inscrição espacial e temporal das práticas, mas admite também a linha de continuidade, sem o que não será possível uma racionalidade inerente à prática. Partindo da figura do professor, reforça a noção de experiência como contraponto à focalização externa. Recorrendo a Michel de Certeau, refere que as circunstâncias não actuam fora de um racional. A constituição da práxis em cultura e da cultura em experiência são inerentes ao escolar – “Como instituição social, a escola abriga entre seus muros situações e ações de copresença, que resultam em interações dinâmicas” (Escolano Benito, 2017, p. 77). A cultura escolar congrega aspectos vários, incluindo a dimensão corporativa e a grande parte das práticas escolares integram um “[…] regime de instituição” (Escolano Benito, 2017, p. 88). A cultura empírica da escola constitui uma ‘coalizão’ nomeadamente entre ideais, reformas educativas, ritos e normas, práticas experiências profissionais.

No segundo capítulo ‘A práxis escolar como cultura’, o autor procura inquirir em que medida a pedagogia como ‘razão prática’ poderá explicar ou governar a esfera empírica da educação, pois que, como disciplina formal e académica, tem permanecido associada aos sectores político-institucional. Nesse sentido, a cultura empírica afigura-se como ingénua e não científica, e o seu valor etnográfico reside no plano descritivo, a que foi sendo contraposta uma racionalidade burocrática. Numa perspectiva sócio-histórica, a escola é uma construção cultural complexa que seleciona, transmite e recria saberes, discursos e práticas assegurando uma estabilidade estrutural e mantendo uma lógica institucional. Mas, para Agustín Escolano, em articulação com a cultura empírica da escola desenvolveram-se duas outras culturas: “[…] uma que ensaiou interpretá-la e modelá-la com base nos saberes (cultura académica) e outra que intentou governá-la e controlá-la por meio dos dispositivos da burocracia (cultura política)” (Escolano Benito, 2017, p. 119). Na sequência, retoma vários contributos que convergem na centralidade da cultura empírica associada ao ofício docente, seja referindo-se-lhe, entre outros aspectos, como arte e ‘tato’/ prhónesis, seja referindo-se à formalidade escolar como gramática e ao recôndito da sala de aula como ‘caixa-negra’. Centra-se, por fim, no binómio hermenêutica/ experiência, associado à narratividade dos sujeitos, para sistematizar o que designa de etno-história da escola, cujas orientações metódicas resume a: estranhamento, intersubjectividade, descrição densa, triangulação, intertextualidade.

O capítulo 3, ‘A escola como memória’, permite ao autor glosar o que designa de hermeneutização das memórias – assim as dos professores, quanto as dos alunos. São diferentes quadros em que o material e o simbólico se cruzam, permitindo sistematizar o que Agustín Escolano designa de ‘padrões da cultura escolar’: atitudes, gestos, formas retóricas, formas de expressão matemática. “A escola foi das instituições culturais de maior impacto no mundo moderno” (Escolano Benito, 2017, p. 202), pelo que a memória escolar é interpretação e pode ser terapia. Hermeneutizar as memórias escolares é retomar as pautas antropológicas de pertença e é valorizar uma fonte de civilização.

Se toda a obra vai remetendo para o CEINCE – Centro Internacional de la Cultura Escolar – do qual Agustín Escolano é fundador-director –, o quarto capítulo, ‘Arqueologia da escola’, é um modo sábio e fecundo de apresentar, justificar e conferir valor patrimonial e significado educativo a um Centro de Cultura e Memória da Escola, na sua materialidade e na profunda razão de ser como lugar de história e antropologização da história, e como fonte de subjectivação. Repegando a arqueologia como desígnio, são ilustradas de modo singular as virtualidades do CEINCE.

Em modo de epílogo, o autor escreve ‘Coda – cultura da escola, educação patrimonial e cidadania’, na qual dialoga com a moderna museologia, buscando lugar, sentido e significado para a preservação do passado. Que fazer com os testemunhos do passado? Agustín Escolano, com legitimidade e com a propriedade que lhe assiste, não hesita em contestar a estreiteza da memória oficiosa da escola, que poderá servir objectivos de governabilidade da educação e até alguns ensejos patrimoniais, mas o Museu investe-se de novo sentido na medida em que combine o racional e o emocional, tornando possível uma educação patrimonial. A memória escolar é pertença de todos e a todos respeita.

Por onde viajam o pensamento e a escrita de Agustín Escolano? Como constrói o discurso, alimenta o texto, fundamenta o argumento? Que unidade no diverso? Que dialéctica? Ensaio, manifesto, narrativa? Originalidade, glosa, réplica?

Este livro é formado por textos que têm um mesmo quadro de fundo. Há referências de assunto e de autores que se repetem, dando a cada capítulo uma unidade. Mas há uma trama, uma unidade de conjunto, uma sequência e uma ordem que consignam o livro. O argumento evolui para a arqueologia como materialidade-testemunho e como ciência-tese. Preservar e hermeneutizar – eis dois verbos-chave para (re)significar a memória escolar. A história da escola é formada por permanência e mudança.

Agustín Escolano dialoga antes de mais consigo próprio, gerando enigmas, esboçando uma trama, fazendo evoluir uma tese. Os autores que revisita (e são muitos – porventura todos os que, domínio a domínio, podem ser tomados como principais) são interlocutores cujos enunciados servem o texto do autor, sem prevalências nem rebates desnecessários. São personagens de uma peça maior, quiçá interdisciplinar, que é a cultura escolar, ou melhor, a escola como cultura. Agustín Escolano escreve sem reservas. Referenciou os principais autores e compendiou os assuntos nucleares. Mas, sobretudo, escreve com a propriedade que lhe advém de uma tão ampla como aprofundada cultura erudita e pedagógica. Escreve com a soberania que lhe assiste enquanto senhor de uma materialidade e de uma cartografia representativas do institucional escolar, tal como foi sendo constituído, concretizado, globalizado desde a Antiguidade Clássica.

A escola como cultura: experiência, memória e arqueologia é fundamental e disso se apercebe o leitor desde a primeira página. Não é necessariamente um livro consensual, mas um bom mestre é-o enquanto senhor de uma verdade que serena e fomenta novas questões. Agustín Escolano é mestre-exímio. Assim o presente livro seja acolhido com as virtualidades que lhe cabem.

Justino Magalhães – Historiador de Educação. Professor Catedrático do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Investigador Colaborador do Centro de História da Universidade de Lisboa. E-mail: [email protected].

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Vozes em defesas da ordem: o debate entre o público e o privado na educação (1945-1968) – GOMES (RBHE)

GOMES, M. A. O. Vozes em defesas da ordem: o debate entre o público e o privado na educação (1945-1968). Curitiba: Editora CRV, 2018. Resenha de: BARBOZA, Marcos Ayres; TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut. O público e o privado na educação brasileira. Revista Brasileira de História da Educação, 18, 2018.

As políticas de privatização da educação não são recentes no Brasil. Elas possuem uma historicidade. Essa proposta adquiriu ao longo dos anos significados diversos, buscando legitimar demandas diferentes dos grupos hegemônicos. Diante desse contexto, os estudiosos da história da educação não podem ignorar, em sua formação, os movimentos em defesa da privatização da educação, tendo em vista sua decisiva influência nas políticas para o setor, especialmente na atualidade.

Os grupos hegemônicos exercem pressão sobre as políticas públicas educacionais para que o investimento estatal seja direcionado para o setor privado. A compreensão desse movimento histórico é essencial no debate em defesa da escola pública e universal. O autor, em sua obra, analisa o debate sobre os anos de 1945 e 1968, entre a escola pública e privada, visando analisar as estratégias utilizadas pelos diferentes grupos sociais hegemônicos para a privatização da educação.

O autor, Marcos Antônio de Oliveira Gomes, atualmente é professor adjunto da Universidade Estadual de Maringá (UEM), lotado no Departamento de Fundamentos da Educação e membro do corpo docente do Programa de Pós-graduação em Educação, na linha da pesquisa História e Historiografia da Educação. Participa do Grupo de Pesquisas em Fundamentos Histórico-Filosóficos da Educação – UFSC/CNPq – e do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade (UEM).

Para alcançar seus objetivos, organizou o livro em sete capítulos. No capítulo 1, ‘A Igreja diante do Estado Republicano: o repúdio ao liberalismo e ao laicismo’, o autor discute as origens do projeto de restauração católica. Segundo ele, o processo de secularização e de laicização, promovido no Estado brasileiro com a Proclamação da República (1889) e a consequente defesa do ensino laico, ascendeu ao estabelecimento de um amplo debate no interior da igreja, que visava o projeto de reforma e modernização do catolicismo no Brasil.

A tarefa seria a redefinição do papel da igreja na sociedade brasileira. Esse projeto de restauração foi reiniciado com a chegada das diversas congregações religiosas para atuarem em projetos assistenciais e educacionais. Essas atividades buscavam o fortalecimento da Igreja Católica na sociedade brasileira.

A Carta Pastoral, elaborada por D. Sebastião Leme, em 1916, como arcebispo de Recife e Olinda, marcou esse período de reforma religiosa no Brasil. Na Carta, D. Leme defendia que a reforma católica deve levar os cristãos a ter consciência de seus deveres religiosos e sociais. Para tanto, foi criada uma rede de instâncias apropriada ao debate e divulgação do pensamento católico, em especial por meio da revista A Ordem (1921) e do ‘Centro D. Vital’, criado em 1922 por Jackson de Figueiredo.

Essas instituições buscaram representar o pensamento católico por meio de um núcleo de intelectuais leigos que se apresentavam como os porta-vozes orgânicos dos interesses do catolicismo; dentre eles, destacou o trabalho intelectual de Jackson de Figueiredo e de Alceu Amoroso Lima, ligado ao ministro Gustavo Capanema, na época ministro da Educação e Saúde (1934-1945). Defendiam, entre outras coisas, a restauração dos valores morais e culturais. Era importante combater o liberalismo fundamentado em ideias pluralísticas e agnósticas, principais princípios de degeneração da ordem cristã, e, segundo a igreja, esse projeto, no campo educacional, defendia a implantação do ensino religioso para a recuperação moral dos indivíduos e da sociedade.

No capítulo 2, ‘O Epílogo de uma época: a crise dos anos 20 e a ruptura reformista’, o autor mostra que a Revolução de 1930 no Brasil possibilitou quebrar as estruturas arcaicas e esgotadas da República Velha. A crise externa pela qual passou o sistema capitalista mundial, decorrente da quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque, trouxe consequências negativas para a economia brasileira.

Segundo ele, foi necessário quebrar a hegemonia da oligarquia cafeeira. O golpe de 1930 significou uma rearticulação do poder dos setores dominantes com a finalidade de rever a estrutura econômica do país, pelo questionamento da ordem liberal e agravamento dos conflitos sociais.

Três movimentos sociais marcaram o período: o movimento tenentista; a Semana de Arte Moderna; e a revolução espiritual desencadeada pelo Centro D. Vital. Além deles, houve o crescimento da insatisfação das classes médias e da classe operária. Ainda não havialegislações de proteção dos trabalhadores e de assistência social. As eleições do primeiro período da Primeira República eram marcadas por fraudes.

Nesse cenário, surgiu o movimento da Escola Nova, em defesa de uma escola laica, voltada para o desenvolvimento da ciência e para atender às demandas da indústria, como uma maneira de democratizar as relações sociais. Esse discurso, no entanto, colaborava para a ocultação das desigualdades sociais. A igreja, por sua vez, também buscou a democratização e via o espaço educacional como um instrumento de poder. Os intelectuais ligados a ela propuseram uma formação moral para educar a sociedade. Num ponto, os escolanovistas e os católicos convergiam: defendiam, no debate educacional, a educação como um direito do cidadão, que competiam ao Estado a sua garantia e destinação de fundos orçamentários destinados ao seu funcionamento, inclusive a rede privada.

No capítulo 3, ‘O Mundo pós-guerra: o idioma desenvolvimentista’, o autor esclarece que a Segunda Guerra Mundial pôs em discussão o nacionalismo, o desenvolvimentismo, a reconstrução da paz, a democracia, a questão social, entre outros temas. Muitas dessas questões tomaram parte da política da Organização das Nações Unidas (ONU), e também pela ação de sua representante na América Latina, a denominada Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), criada em 1948, após a Segunda Guerra Mundial.

O progresso econômico ocorreu em maiores proporções no governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira (1956-1960), em particular com o favorecimento para a entrada de capital estrangeiro. Com o crescimento econômico, veio também a ampliação das disparidades regionais e desigualdades sociais. A ideologia do desenvolvimento nacional, preconizada pela CEPAL, foi defendida por intelectuais vinculados ao Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), criado no governo de Café Filho, em 14 de julho de 1955.

Com a expansão da indústria veio uma forte reação operária em defesa de seus direitos. E, como o ‘fantasma da revolução comunista’ rondava o cenário nacional, setores empresariais, militares e setores da Igreja Católica organizaram-se contra os avanços dos movimentos sociais associados, na visão deles, ao comunismo. O movimento estava em defesa da ‘ordem’, das ‘tradições cristãs’ e da ‘propriedade privada’ e contribuiu para o estabelecimento do governo militar em 1º de abril de 1964.

No capítulo 4, ‘O diálogo com a república: a ação política da Igreja e a convergência com o Estado autoritário’, o autor afirma que o governo Vargas abriu espaço para a influência da igreja na área educacional. A igreja buscou ampliar os seus espaços para manter a supremacia espiritual. Muitas das reivindicações da igreja foram incorporadas à nova Constituição de 1934, por influência do pensamento de D. Leme e de Alceu Amoroso Lima, vinculados à Liga Eleitoral Católica (LEC).

O surgimento de novas correntes de pensamento no catolicismo, na década de 1950, significou um movimento de reestruturação do catolicismo no Brasil por meio da Juventude Universitária Católica (JUC), Juventude Operária Católica (JOC) e Juventude Estudantil Católica (JEC).

A criação da Conferência Nacional dos Bispos Brasileiros (CNBB), em 1952, possibilitou a elaboração de novos planos pastorais pela igreja e a fez se distanciar da política tradicionalista. Entendiam os bispos que o desenvolvimento econômico seria o caminho mais eficaz para combater o comunismo. Apesar das mudanças, na medida em que os movimentos sociais ganharam força, houve um despertar nos setores da igreja para a adoção de medidas conservadoras no combate à desordem social e ao comunismo, como a ‘Marcha da Família, com Deus e pela Liberdade’, que impulsionou o golpe de Estado em 1964. Segundo o autor, esse discurso ideológico escondia as faces do autoritarismo, expresso com maior vigor pela ditadura.

No capítulo 5, ‘O golpe militar de 1964 e a estratégica de privatização da educação’, o autor defende que o Golpe de Estado de 1964 favoreceu o processo de internacionalização da economia brasileira. Em nome dos interesses do povo, a configuração autoritária do Estado possibilitou a criação indiscriminada de cursos superiores privados.

Na visão dos representantes do MEC, ligados aos grupos privatizantes, foi necessário direcionar recursos da educação pública para a expansão da rede privada de ensino. Concomitante ao avanço das políticas privatizantes, no ensino público superior se verificaram a demissão de reitores e a extinção de programas educacionais, professores e estudantes foram expulsos de suas respectivas instituições. Até as campanhas de alfabetização foram consideradas subversivas, em clara referência ao trabalho desenvolvimento por Paulo Freire.

Pelo acordo MEC-USAID (United States Agency for International Development), a organização da educação superior no Brasil objetivava formar mão de obra para atender às necessidades do mercado por meio de uma formação generalista. A proposta de educação idealizada estava subordinada aos interesses do capital, e, para consolidar essa visão, o regime militar contou com o apoio de intelectuais e de parte da imprensa.

No capítulo 6, ‘Fé e política: uma nova perspectiva dentro do catolicismo’, de acordo com o autor, a crescente disparidade entre ricos e pobres, a discriminação dos mais pobres e a violência contra os movimentos populares fizeram com que alguns intelectuais da igreja, como D. Hélder Câmara e Alceu Amoroso Lima, buscassem demonstrar as ações reacionárias e autoritárias do governo militar.

Diversos segmentos ligados à Ação Católica Brasileira elaboraram críticas ao modelo econômico da ditadura. A concepção liberal do Estado militar reduzia os direitos sociais. Na visão dos movimentos universitários vinculados àigreja era necessária a transformação das estruturas econômicas vigentes. A CNBB elaborou um documento em 1968 em que questionava as ações autoritárias da Doutrina de Segurança Nacional. Os setores progressistas da igreja questionavam as ações do Estado autoritário. Tal posicionamento significou perseguições e pesadas críticas dos militares e de seus aliados aos religiosos ligados aos movimentos estudantis.

No capítulo 7, ‘A escola como espaço estratégico para a consolidação dos projetos em disputa: a conciliação de interesses’, para o autor, na compreensão do debate entre o público e o privado na educação, que precedeu a primeira LDB n. 4.024 de 1961, os grupos em jogo entendiam a educação como instrumento necessário para provocar mudanças sobre os homens e a esfera social.

As orientações em defesa da escola privada reuniam a Igreja Católica e os proprietários das escolas privadas. Segundo esses dois grupos, os pais tinham o direito de escolher a melhor escola para o seu filho. No grupo em defesa da escola pública, havia três correntes: os liberais-idealistas, os liberais-pragmáticos e o grupo liderado por Florestan Fernandes.

A igreja lutava para que os pais tivessem a liberdade de escolha para os seus filhos entre o ensino laico ou religioso. Em vários artigos veiculados na Revista de Cultura Vozes (RCV) havia o discurso ideológico de que o público e o privado eram espaço de convergência. Dentro da perspectiva católica, o financiamento público da escola privada seria em função de uma delegação recebida das famílias e de uma missão recebida de Deus.

O Estado deveria oferecer às condições às escolas católicas, uma vez que o fim delas era a promoção do bem comum. “Ainda que a escola católica se caracterizasse como uma instituição nitidamente privada, o discurso a associava como ‘escola do povo’” (Gomes, 2018, p. 134, grifo do autor).

Nesse sentido, segundo o autor, a caracterização da ampliação da rede privada como um processo de democratização do ensino era um engodo, visto que não levava em consideração as condições de vida das populações pobres. Essa visão demonstra, com maior clareza, o caráter desigual da educação escolar no Brasil, ela não altera as relações estruturais excludentes, nem se pode compreendê-la como equitativa.

A concessão de recursos às escolas privadas era vista como uma ação de caráter democrático, pois estava em consonância com a política internacional. Para o autor, era incompatível uma educação democrática vinculada à manutenção de escolas privadas pelos cofres públicos. A democratização do acesso, em seu entendimento, ocorreu pela manutenção da escola pública pelo Estado. Nesse cenário, o investimento estatal de instituições escolares privadas se caracterizava, e ainda se caracteriza, como um retrocesso.

Nas ‘Considerações finais’ o autor afirma que vivemos em um contexto de hegemonia do discurso neoliberal, no qual se questiona o papel do Estado nos mais diferentes segmentos da sociedade. A educação aparece nesse discurso como um importante papel na redefinição da economia do país. Nesse cenário, a privatização da educação é veiculada nos meios de comunicação como um caminho possível de democratização da educação escolar. O debate sobre o público e o privado na educação brasileira, nos anos de 1950 e 1960, do século XX, ainda é um tema atual em nosso contexto histórico, uma vez que, no debate educacional, tem prevalecido o discurso liberal e privatizante. Para o autor, esse posicionamento mascara as mazelas e desigualdades sociais, tornando a educação ainda mais excludente e para poucos. É necessário, segundo ele, lutar em defesa da escola pública, garantindo o Estado como provedor dessa educação. Ela não pode se caracterizar como um serviço prestado, mas como um direito assegurado constitucionalmente. Para isso, o autor acredita na necessidade do fortalecimento dos trabalhadores da educação, bem como na participação da sociedade, buscando todos, em conjunto, denunciar os privilégios presentes em nossa sociedade e a defesa constante da educação pública e de qualidade, para todos.

A obra de Gomes é um importante estudo sobre o debate educacional entre o público e o privado na educação brasileira. Trata-se de uma obra de referência para os estudiosos da área de educação e afins que anseiam pela compreensão das estratégias utilizadas pelos grupos hegemônicos e sua luta para a privatização da educação brasileira, entre os anos de 1945 e 1968, sob a influência das teses liberais. A obra sinaliza para a importância do estudo dessas questões, em defesa da educação pública e para todos, já que o modelo de educação privatizada impõe a exclusão de significativos segmentos da população do direito à educação. A discussão é fundamental para a compreensão da história da educação no Brasil. Estudá-la é tarefa essencial aos trabalhadores da educação, uma vez que as teses neoliberais de privatização da educação adquirem significados diferentes de acordo com os grupos hegemônicos, principalmente no que se refere às pressões exercidas sobre o Estado para legitimar o direcionamento de investimento financeiro estatal da educação pública para o setor privado.

Marcos Ayres Barboza – mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2007). Aluno do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá, (PPE-UEM). Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná, câmpus de Paranavaí. Membro do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – possui Doutorado em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996). Atualmente é professor associado no Departamento de Fundamentos da Educação e no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em História da Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: Religião, Filosofia, Educação, Educação Brasileira, século XVI, século XVII, século XVIII, Fundamentos da Educação, Jesuítas e Franciscanos. Líder do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

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A liturgia escolar na idade moderna – BOTO (RBHE)

BOTO, Carlota A liturgia escolar na idade moderna. CAMPINAS, SP: PAPIRUS. Dóris Bittencourt Almeida Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil, 2017. Resenha de: Almeida, D. B. A liturgia escolar na Idade Moderna. Revista Brasileira de História da Educação, n.18(48) 2018.

“A escola é a sua existência. E, portanto, a escola é sua história […] para pensar na escola que desejamos, é necessário meditar na escola que recebemos” (p. 23). É a partir dessas palavras que Carlota Boto faz um convite ao leitor a ingressar em outra temporalidade e aprofundar os conhecimentos acerca da constituição do processo de escolarização, como fenômeno social que marca os séculos XVI e XVII, no continente europeu.

Ao mobilizar uma vasta quantidade de autores, clássicos e contemporâneos, a autora produz um texto que contempla dois atributos: densidade teórica e generosidade acadêmica. Preocupada constantemente em didatizar, a pesquisadora, aos poucos, mas em um crescente, esclarece ao leitor como emerge na Europa um novo modelo de escola, “[…] com uma fisionomia própria, que a diferencia de suas antecessoras” (p. 21). O livro destina-se a todos os interessados em história da educação, sobretudo, a estudantes e professores, envolvidos com o ensino/aprendizagem/pesquisa nesse campo de conhecimento.

Ainda na introdução, apresentam-se, para além dos objetivos, preceitos teóricos e metodológicos presentes na obra, como se pode notar na referência a Norbert Elias, no sentido de aproximar o discurso pedagógico à construção de um modelo civilizador europeu, entre os séculos XV a XVII. Metodologicamente, o texto se constitui por meio de revisões bibliográficas, estudo de textos de autores clássicos no período estudado.

O livro está dividido em seis capítulos, inicia pela reflexão acerca do contexto europeu renascentista que fomentou o advento do livro impresso e a constituição de um conceito moderno para a infância. Na sequência, uma discussão acerca do processo civilizador, engendrado na Europa, atrelado a uma nova concepção que se delineava referente à educação escolarizada. Nesse sentido, tematiza-se o pensamento pedagógico, preconizado por Erasmo, Montaigne, Vives e Comenius, considerando-se as afinidades entre todos eles. Por fim, apresentam-se os colégios jesuíticos e as escolas lassalistas, emblemas de muitos preceitos da educação escolar, dos quais somos herdeiros.

Em termos contextuais, a autora demonstra as condições que permitiram a emergência da modernidade europeia. Discute a relação entre escola, Reforma Protestante e cultura escrita. Importa lembrar que um dos princípios da Reforma Protestante era a leitura das Escrituras, que não mais passaria pela clivagem de qualquer mediador. O advento da cultura impressa também imprimiu alterações em relação aos modos de apreender o mundo, por meio de crescente formação de novas comunidades leitoras. O aumento de leitores, atrelado ao desenvolvimento da cultura impressa, paulatinamente, teve profunda ressonância no modelo de escola que se instituía, tendo em vista que o ensino se colocava entre duas práticas: a oralidade, herança do passado medieval, e a escrita, que representa a modernidade.

Ainda sobre o cenário europeu, o livro reconhece as inter-relações entre a gênese do capitalismo comercial, princípios de secularização e regulação de costumes. Todas essas são evidências que conduzem a uma maior privacidade nos estilos de viver, afetando diretamente os conceitos de família nuclear e os entendimentos que se tinha a respeito da criança. Mesmo ainda não se conhecendo em profundidade as singularidades da criança, percebiam-se suas diferenças em relação aos adultos e essas percepções inscrevem-se nesse ambiente da Europa dos séculos XVI e XVII.

Nessa perspectiva, enfatiza-se que a família moderna não dispunha de instrumentos para educar, sozinha, as gerações mais jovens. A escola, como instituição educativa, constitui-se como lugar intermediário entre família e escola, legitima-se e passa a ser solicitada pelas populações de diferentes países da Europa, a ela caberá “[…] instruir, formar, educar” (p. 21). E é assim que, em vários países da Europa, multiplicaram-se os colégios, assumindo significados distintos na modernidade. No passado, entre os séculos XIII e XIV, eram espécies de asilo para estudantes pobres, mantidos, sobretudo, por ordens religiosas. No início do século XV, passam a ter caráter formativo, mantendo um rigoroso sistema disciplina, aliando instrução e moralização, tendo como referências a proteção à criança, por meio do isolamento do convívio comunitário.

Constituída sobre dois pilares, ensinar saberes e formar comportamentos, a nova escola tem na produção de civilidades um eixo forte de sustentação, atrelado ao movimento humanista que se fortalecia a partir do século XVI, valorizando as individualidades, em um processo singular de secularização da vida humana. Assim, à educação, em uma perspectiva moderna, cumpriria produzir, transmitir e reproduzir determinado padrão cultural e intelectual das pessoas, por isso a importância do refinamento dos costumes, atrelado a determinado modo de ser europeu. É possível dizer que a cultura da escola moderna do Ocidente é imediatamente conectada ao processo civilizador.

De acordo com Boto, “[…] há uma pedagogia da escrita na Renascença” (p. 80), o reconhecimento das especificidades da criança faz emergir os manuais de civilidade, desde o século XVI que circulavam em larga escala, prescreviam e regravam os cuidados com essa infância, até então praticamente desconhecida, sob a máxima “[…] educar os filhos, torná-los civis” (p. 85). Entretanto não passa despercebido pela autora o fato de que, apesar do alargamento da ideia de infância, apenas algumas crianças serão atingidas por tal sentimento, filhas de nobres e burgueses, “[…] havia outra criança, aquela que é identificada ao povoe para a qual não há proteção” (p. 51).

Inúmeros foram os tratados que, sob o gênero de civilidade, tiveram lugar na produção impressa. O tratado de Erasmo, A civilidade pueril, foi o primeiro texto da era moderna dirigido às crianças, diretamente voltado à formação civil e às boas maneiras e que evidencia o surgimento da moderna sensibilidade social da infância.

Outro pensador a quem é dado destaque no livro é Montaigne. Entre seus postulados, condena o fato de o ensino das atitudes estar secundário em relação ao ensino de outros saberes. Sobre a didática de seu tempo, afirma que o aprendizado precisaria ter significados, “[…] saber de cor não é saber” (p. 81), a competência livresca, para ele, pode servir de ornamento, mas não de fundamentos. Defende a importância de um preceptor, destacado pela civilidade, mais do que por sua competência intelectual.

Na sequência, a autora inclui o pensamento de Vives, um dos poucos humanistas a se preocupar com a formação dos comportamentos e da instrução na perspectiva do ensino coletivo. Este acreditava no valor intrínseco das práticas de escolarização, quando a maior parte dos humanistas ainda condenava o ensino coletivo como algo que corromperia os costumes.

Considerado precursor de Comenius na sistematização dos métodos de ensino, censurava a escola de seu tempo, por não conseguir acompanhar o desenvolvimento da cultura letrada. Afirmou que “[…] pouco era ensinado, quase nada era aprendido” (p. 133). Enfatizava a necessidade de se fertilizar a memória com o exercício, bem como a importância do método, que confere significados ao processo de ensinar. Para Vives, o segredo do aprendizado estaria posto na capacidade de anotar as informações ministradas pelo mestre ou as informações colhidas no livro durante a aula.

Além disso, antecipava a ideia do edifício escolar construído para fins pedagógicos, como ícone do moderno conceito de escola. Discutia as condições arquitetônicas necessárias para o prédio escolar, tendo como características a vigilância e o isolamento. Por fim, ainda cabe lembrar que, para Vives, educar e ensinar eram habilidades que requeriam o conhecer os estudantes, bem como o conhecimento da matéria a ser ensinada. Sua obra abordava o cotidiano da escolarização, defendia o aprendizado pela imitação, daí a importância do exemplo de pais e mestres. Entusiasta do lugar progressista que a escola ocupava no tabuleiro social, dizia que lá também era lugar de fazer amigos. Considerava imprescindível observar comparativamente produções escritas do mesmo aluno em épocas diferentes para avaliar o desenvolvimento do seu aprendizado. Seguindo as ideias da produção de civilidades, afirmava que a escola era a instituição precípua para habilitar o sujeito a portar-se bem em sociedade.

Chega-se, então, ao século XVII, e os escritos de Boto realçam o pensamento de Ratke e de Comenius, pela relevância de ambos nas concepções de escola, sobretudo da didática. Ratke, precursor de Comenius, antecipa em 40 anos a idealização de uma escola para todos, pautada em um ensino coletivo. Assim como fez Vives e como fará Comenius posteriormente, Ratke desenvolve uma percepção das escolas de seu tempo, pautada em uma série de questionamentos. Procura compreender por que eram diminutas as iniciativas em prol da escolarização, por que as escolas que existiam não tinham sucesso e por que havia tanta evasão escolar. Acredita que boa parte desses problemas seria sanada se houvesse maior preocupação com os métodos de ensinar.

E, finalmente, Comenius comparece no texto, considerando as reflexões de seus antecessores, sistematiza o conceito de um saber estritamente pedagógico, materializado com a Didática magna. Para ele, “[…] o método era a chave para a escolarização moderna” (p. 186). Imbuído de princípios cartesianos de acumulação progressiva de conhecimentos, afirma a importância do encadeamento dos conteúdos, partindo do simples até atingir maior complexidade. Valendo-se da metáfora do relógio, prevê um reordenamento do tempo e do espaço escolar, assim, os alunos seriam divididos em classes conforme níveis de aprendizagem e as matérias, distribuídas por horários. É um precursor do método simultâneo, declara que o “[…] professor deveria imitar o Sol” (p. 188), e, assim, irradiar-se igualmente sobre todos os seus alunos. Critica aos exercícios de memorização que não viessem acompanhados pela prévia compreensão. É contrario ao excesso de horas na escola, acreditando que o exagero do tempo escolar acarreta perda da concentração. Desse modo, pode-se dizer que Comenius confere determinada precisão à vida escolar, por meio da colocação de regras claras que deveriam ser internalizadas por discentes e docentes.

O texto avança e apresenta concepções dos colégios jesuíticos, no século XVI, e das escolas para crianças pobres concebidas por La Salle, em fins do século XVII. Em comum, os discursos dessas instituições, que disciplinam o saber, modelam corpos e mentes, como produtos do pensamento pedagógico anteriormente discutido no livro. A autora afirma que os colégios jesuíticos constituem referência para pensar a acepção de colégio que ainda há hoje, e o modelo lassalista constitui iniciativa pioneira para projetar aquilo que tempos depois seria denominado de escola primária.

Entre os objetivos primordiais dos colégios jesuíticos, estava o de formar uma elite letrada, eram, portanto, instituições destinadas às camadas sociais superiores, preocupadas em adquirir uma cultura geral. As aulas eram organizadas em explicações teóricas e em disputas, desdobradas em preleção, repetição, declamação, memorização e imitações literárias. Como princípios básicos, a subtração do tempo de convívio familiar, a ambientação em um espaço especificamente pedagógico, tendo-se em vista que os colégios eram geralmente internatos. Pretendia-se criar uma espécie de ambiente purificado, marcado pela vigilância no sentido de moldar os estudantes. O primeiro colégio jesuítico estabeleceu-se na cidade de Messina, em 1548, teve como inspiração os métodos de ensino da Universidade de Paris, pautados na preleção e repetição. Em 1599, sistematiza-se o Ratio studiorum, por influência de Erasmo e Vives, sobretudo, constitui-se em um programa escolar, pautado na ordem e na divisão dos estudos. É o produto de dezenas de anos de debates, um texto produzido a partir da recolha do que se acreditava serem as experiências de ensino bem-sucedidas.

Com relação às escolas dos Irmãos das Escolas Cristãs, liderados por La Salle, explica-se que foram iniciativas originais para as crianças do povo, raras naquela temporalidade. Tratava-se de um projeto de ensino elementar para as camadas populares, entretanto atraiu crianças de outras camadas sociais. Denominadas escolas de caridade, fundamentadas nos ensinamentos de leitura, escrita e cálculo, concebiam o princípio da simultaneidade e sucessão do ensino. Assim, primeiro se aprendia a ler, só depois as crianças seriam apresentadas à escrita, sendo primeira a letra bastão e depois a cursiva. Por último, os cálculos. Todos esses ensinamentos aconteceriam em meio a um ambiente permeado pela catequese e civilidade. Boto explica que, diante da falta de conhecimento de como ensinar tudo a todos, procurou-se separar grupos de alunos liderados por monitores mais avançados, essa prática seria o embrião do ensino mútuo, método de ensino desenvolvido posteriormente. Em termos da liturgia escolar, valorizava-se o silêncio que reverenciava, ao mesmo tempo, Deus e a instituição. A escola colocava-se como um local intermediário da vida: entre os assuntos mundanos e os divinos estaria a essência do conhecimento.

O livro se encaminha para o final, e sua autora produz uma reflexão acerca da quase invisibilidade das transformações que acontecem nos processos de escolarização, no passado e no presente. A escola moderna cria, em alguma medida, seu ritual de organização, trabalhando simultaneamente saberes e valores, estabelecendo rotinas, disciplina, hábitos de civilidade, permeados de racionalização. Reforça a tese da inscrição da instituição escolar no processo de construção do Estado moderno. Alerta para a construção desse novo lugar social ocupado pela escolarização, em uma Europa que se urbaniza sob a égide do capitalismo comercial, da Reforma Protestante e do advento da cultura impressa. Nesse sentido, a escola é a instituição que se dá a ver como lugar primeiro do cultivo da racionalidade e da civilidade.

Para concluir, desafia o leitor a problematizar a escola contemporânea, conduz a pensar naquilo que pode parece natural a todos nós, sujeitos escolarizados, mas que carrega marcas da historicidade dos processos educativos. A liturgia escolar, que comporta ritualidades, é tramada pela autora, ao longo das páginas desse livro. Por meio de uma apropriação de sentidos do texto, que se traduz na resenha, pretende-se incitar o leitor a ir além dessas palavras e desenvolver a leitura da obra em questão. Encerramos, como iniciamos, trazendo as palavras de Carlota Boto, “[…] é preciso mudar o que estiver obsoleto. É preciso preservar o que considerar valoroso. É fundamental haver o fortalecimento de projetos políticos-pedagógicos democráticos. A transformação desejada é obra dos próprios agentes envolvidos na instituição escolar” (p. 293).

Notas

1. B Almeida foi responsável pela concepção, delineamento, análise e interpretação dos dados; redação do manuscrito, revisão crítica do conteúdo e aprovação da versão final a ser publicada.

Dóris Bittencourt Almeida – Doutora em Educação, Professora Associada I de História da Educação da Faculdade de Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação/UFRGS. E-mail: [email protected]

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Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884) – FERRONATO (RBHE)

FERRONATO, C. J. Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884). Aracaju, SE: Edise, 2014. Resenha de: MARIANO, Nayana Rodrigues Cordeiro. ‘GLORIOSO TEMPLO DE SABEDORIA’: O Lyceu Provincial e a Instrução Secundária na Parahyba do Norte. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 17, n. 2 (45), p. 277-282, abr./jun. 2017.

O Lyceu Provincial e a instrução secundária na Parahyba do Norte. Esta é a temática central abordada pelo historiador Cristiano Ferronato no livro Das aulas avulsas ao Lyceu Provincial: as primeiras configurações da instrução secundária na Província da Parahyba do Norte (1836-1884), publicado em 2014, pela Universidade de Tiradentes e pela Editora Diário Oficial do Estado de Sergipe. A obra é fruto de sua tese de doutoramento realizada junto ao Programa de Pós Graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba, defendida em 2012. Atualmente, Ferronato atua como professor do curso de licenciatura em História e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Tiradentes – SE. Nos últimos anos, realiza pesquisas sobre instrução no Nordeste oitocentista.

O livro que chega ao grande público discute as configurações da instrução secundária na então Província da Parahyba do Norte desde a oferta de aulas avulsas, enfatizando esse processo histórico do ensino liceal. Em 1836, foi criado o Lyceu Provincial da Parahyba do Norte, instituição de ensino secundário longeva, um precioso artefato da memória educacional paraibana que carrega consigo uma força de preservação, de interação e de germinação, representado pela elite provincial, ao longo do século XIX, como um ‘glorioso templo de sabedoria’1. A instituição carecia de um trabalho de fôlego, e Cristiano Ferronato nos brindou com este estudo que abrange 48 anos, visto que delineou seu recorte entre os anos de 1836, com a criação do Lyceu, e 1884, quando este foi transformado em Escola Normal. Nesse processo, além do ensino liceal, o autor discute as aulas avulsas públicas e particulares na Província. O livro é composto de cinco capítulos e nele, a partir das primeiras páginas, sentimo-nos convidados a bater à porta e entrar nesse universo instrucional, morada de tantas histórias.

‘Um tempo, um espaço e um objeto’. Neste capítulo inicial, o autor enfoca as questões teórico-metodológicas e, com base nelas, aponta a trajetória percorrida para a realização da pesquisa. Fiel à sua formação,estabelece um diálogo rico com o núcleo documental, composto por leis, regulamentos, decretos, correspondências, dados estatísticos, listas de alunos, programas de ensino, jornais, manuscritos, dentre outros, com destaque para os relatórios e falas dos presidentes de Província direcionados à Assembleia Legislativa. Respaldado pelos aportes teóricos e metodológicos de uma abordagem cultural, explora de forma fecunda o fenômeno da escolarização secundária, com o auxílio de formulações elaboradas por Bourdieu, como as noções de ‘configuração, representação’ e ‘poder simbólico’. Realiza também um maduro investimento no mapeamento dos estudos liceais no Brasil e em Portugal e na interlocução com a historiografia.Em consonância com a abordagem de Dolhnikoff, alavanca as elites locais à condição de elites políticas, partícipes de um ‘arranjo institucional’, que considera resultado das negociações entre as elites de diversas regiões da nova nação. Tal arranjo foi concretizado nas reformas liberais da década de 1830 e não foi modificado com a revisão conservadora dos anos de 1840, que não anulou a autonomia provincial. Ao tornar visível essa dimensão política, Ferronato traz à tona a complexidade das relações entre centro e regiões, no processo de construção do Estado nacional e nas experiências de escolarização secundária estudadas.

As primeiras configurações do ensino secundário, com suas aulas avulsas públicas e particulares e com a criação do Lyceu Provincial, são discutidas a partir do segundo capítulo. Problematizando esse processo,o autor aponta algumas análises importantes acerca do ensino superior no Brasil, mencionando a fundação dos primeiros cursos, a exemplo de Direito em São Paulo e Recife em 1827. Destaca também a influência da educação coimbrã na formação jurídica homogênea da geração inicial de administradores da nação recém-independente. Com a criação dos primeiros cursos no Brasil, ficava a cargo dessas instituições a formação da elite que ocuparia cargos na burocracia imperial. Nesse contexto, a constituição de instituições de ensino secundário era importante, pois auxiliaria na formação da elite local para atuar no aparato burocrático provincial.

Inicialmente, as aulas avulsas compunham o ensino secundário e eram denominadas pelo conteúdo a ser ministrado, ou seja, aulas de latim, de retórica. De acordo com Ferronato, com a criação do ensino liceal, houve uma organização, reunião ou complementação das aulas isoladas. Na província em questão, as referidas aulas funcionavam nas principais vilas e cidades, a exemplo das vilas de Sousa e Pombal, nas casas dos próprios professores. Os relatórios de presidentes da Província ou diretores da instrução pública contêm dados mais abundantes sobre o número de alunos matriculados e sobre os gastos para o seu funcionamento, não explicitando o cotidiano de funcionamento das mesmas.

Para Ferronato, a institucionalização do Lyceu Provincial influenciou a criação, em 1849, da Diretoria da Instrução Pública, uma vez que transformações se efetivaram com sua instalação, o funcionamento das aulas, sua localização, a utilização de relatórios etc. No entanto, essa nova forma de organização escolar coexistiu com a anterior até 1877, ano de extinção das aulas avulsas. Nessa convivência, o ensino liceal representaria o poder da capital, a Cidade da Parahyba, e a modernização do ensino secundário; já a outra modalidade de ensino, seria encabeçada pelo poder local, vista como uma organização tradicional. As aulas particulares, afirma o autor, funcionaram reservadamente na Província. É interessante destacar a relevância de trabalhar com as aulas avulsas públicas e particulares, especialmente por serem restritos os estudos sobre essa forma educativa.Vale ressaltar a riqueza dos organogramas e quadros sobre a Diretoria da Instrução Pública;sobre as aulas avulsas de latim em vilas e cidades da Província;sobre os alunos matriculados;os mapas de despesas com a instrução secundária;os salários dos professores, entre outros,estruturados ao longo do capítulo.

No livro, duas temporalidades ganham contorno com base na visão do autor. A primeira abrange a criação do Lyceu ocorrida em 1836, sua estruturação e sua consolidação, destacando-se os estatutos, elaborados em 1837 e 1846, e a tentativa de sua equiparação com o Colégio Pedro II. Essa fase estende-se até o ano de 1873, quando foi publicado o Decreto nº 5429, a partir do qual um processo de centralização do ensino marcaria o declínio e fim das aulas avulsas públicas no interior da Província. De 1873 a 1884, uma segunda fase se estruturaria, com um significativo aumento do número de alunos matriculados e com o fim de exames gerais de preparatórios nas províncias, em 1877. Um ciclo se findaria com a sua transformação em Escola Normal. Com a restauração da instituição, em 1885, passou a se denominar Lyceu Paraibano.

A ascensão do ensino liceal no Brasil é o foco do terceiro capítulo, no qual o autor examina diversos traços desse ensino no Império, mostrando que ele seria integrante de um projeto civilizatório mais amplo. Fazendo jus à memória da instituição em discussão,ele recua ao ano de 1831, com a criação do Curso de Humanidades, uma espécie de embrião da estruturação do ensino secundário. Um destaque é dado ao Ato Adicional de 1834, quando foi colocada nas mãos do governo provincial uma série de atribuições tributárias, coercitivas e legislativas, o que proporcionou a descentralização na gestão da instrução e impulsionou na Província o desenvolvimento do ensino liceal. O autor aborda também as discussões sobre os exames preparatórios no Brasil e na Parahyba do Norte como mecanismo de acesso ao ensino superior e, no tocante aos objetivos formativos dos liceus, um debate entre ensino técnico e estudos humanísticos.

Uma parcela da historiografia amalgamou uma representação sobre o Imperial Colégio Pedro II, criado em 1837, apresentando-o como uma instituição modelo para o ensino secundário no Brasil. Estruturando sua problematização, a partir do Lyceu Provincial da Parahyba do Norte, Cristiano Ferronato apresenta outra leitura dessa imagem. Ele identifica, com os programas de ensino, que a instituição não seguiu integralmente o modelo proposto pela Corte.

Nos capítulos finais entra em cena o ‘glorioso templo de sabedoria’, criado para formar a elite dirigente da Província. Inserida no movimento da Cidade da Parahyba e instalada no conjunto arquitetônico jesuítico, a instituição enfrentou inicialmente problemas decorrentes da falta de recursos financeiros, estiagens prolongadas, epidemias, poucos matriculados e ausência de prédio próprio. Apesar dos entraves iniciais, o Lyceu conseguiu se solidificar e tornou-se símbolo da instrução secundária. Com base em um levantamento dos livros que compunham a biblioteca da instituição, o autor confirma a perspectiva propedêutica, já que o acervo era composto por obras de filosofia, retórica, latim, entre outras. Com os agentes envolvidos nessa ação educativa, alunos, professores, autoridades e funcionários em geral, Cristiano Ferronato vai finalizando seu estudo. Descortina um espaço disciplinador, a íntima relação com o ensino das aulas avulsas e, dialogando com os estatutos do Lyceu, apresenta-nos as principais normatizações e atribuições propostas para o funcionamento cotidiano da instituição, com regulamentações sobre matrícula, exames, férias, premiações, deveres dos funcionários, dentre outras questões.

Felizardo Toscano de Brito, Manoel Pedro Cardoso Vieira, Diogo Velho Cavalcante de Albuquerque, Manrique Victor de Lima, Fr. Fructuosoda Soledade Sigismundo, Antonio da Cruz Cordeiro, Pe. José Ignácio de Brito Machado, Silvino Elvídio Carneiro da Cunha, foram alguns dos professores que fizeram história na instituição e a partir dela. Um corpo docente composto por religiosos, advogados, médicos, literatos e por homens ligados à imprensa figura entre tantos outros nomes arrolados pelo autor. São eles os responsáveis pela instrução de parte da mocidade paraibana, isto é, os filhos da elite econômica e política da Província e também alguns membros de grupos intermediários, como chama a atenção Ferronato, os quais ocupavam cargos como presidentes de Província, deputados, diretores da instrução pública, professores do Lyceu, médicos da Santa Casa de Misericórdia e outras funções, como visto nos itinerários traçados no livro. Aí temos exemplificado o papel que lhes foi conferido ao adentrar essa casa liceal.

Estes são alguns aspectos que, analisados ao longo do livro, consolidam a abordagem inovadora apresentada. O autor abandona análises generalistas sobre a instrução no Brasil do Oitocentos, apresentada sob o signo da falta, e traz para o palco o processo educativo como uma prática social e histórica.A História da Educação, que tem passado por um prodigioso desenvolvimento, ganha, com a escritade Cristiano Ferronato, mais um trabalho que contribui de maneira criativa e fecunda para a reflexão sobre as configurações da instrução secundária na  Parahyba oitocentista. Apresentando-nos um cenário rico, complexo, inovador, o autor aponta caminhos que estão descortinando esse universo instrucional. As diversas qualidades do livro, aliadas a uma escrita atraente e instigante que suspende percepções simplificadas em favor de uma compreensão que atrela a escolarização secundária a um jogo social mais amplo, indicam-nos uma obra indispensável para os leitores interessados na história das instituições educativas no Brasil.

Nayana Rodrigues Cordeiro Mariano – Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa, Brasil.

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Marcha contra o saber: o golpe militar de 1964 e o AI-5 na Universidade de São Paulo | C. Giannazi

RC Destaque post 2 11 Golpe Militar de 1964

Marcha contra o saber, título mais eloquente não poderia ser dado para uma obra cujo foco é entender os impactos causados pelo regime militar no sistema universitário brasileiro. O livro é resultado da dissertação de mestrado1 de Carlos Giannazi, defendida em 1995 na Faculdade de Educação da USP. Sua motivação ao realizar a pesquisa foi a de levar à compreensão de como a ditadura transformou os setores da educação em inimigos privilegiados. A obra está dividida em prefácio (escrito por Vladimir Safatle), introdução, dois capítulos e conclusões. Algo que merece atenção é que os capítulos não possuem títulos definidos e carregam uma variedade de subtítulos sobre os casos que aconteceram durante o período abordado.

Giannazi reflete sobre os efeitos das arbitrariedades do regime para que não caiam no esquecimento e que suas consequências não continuem se prologando em silêncio na sociedade brasileira. Lançado em 2014, ano de 50 anos do Golpe de Militar, a obra permite que o leitor entenda que o saber se configura como um elemento de poder. Demonstra que não apenas as Ciências Humanas tinham sido constituídas como inimigas da ação da Ditadura, mas que o espectro das atitudes desta era muito maior, atingindo diversas áreas e setores educacionais. Leia Mais

Escuela y métodos pedagógicos en clave de gubernamentalidad liberal: Colombia, 1821-1946 – ECHEVERRI ÁLVAREZ (RBHE)

ECHEVERRI ÁLVAREZ, J. C. (2015). Escuela y métodos pedagógicos en clave de gubernamentalidad liberal: Colombia, 1821-1946. Medellín: UPB, 2015. Resenha de:  VÉLEZ, Beatriz Elena López; VELÉZ, Raul Alberto Mora. Escuela y métodos pedagógicos en clave de gubernamentalidad liberal. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 420-426, out./dez. 2016.

El libro de Echeverri es una investigación histórica y, como todo trabajo histórico, tiene como objeto el presente: las preguntas se formulan en relación con problemáticas que aquejan nuestro propio tiempo: problemáticas en torno a las cuales se recurre al pasado para examinar las condiciones de su emergencia, los procesos de su desarrollo en el tiempo y las características de su actual vigencia. Una historia que permite desentrañar algunos de los mecanismos mediante los cuales llegamos a ser lo que actualmente somos en los marcos de la educación y de la escuela.

El libro se divide en tres apartados. El primero presenta la problemática, los referentes conceptuales y la metodología de trabajo; el segundo, muestra las primeras concreciones de la construcción de la libertad liberal en la nueva república: la independencia, la emergencia de la constitución y, en ella, de la escuela misma; el tercer apartado, despliega los métodos pedagógicos en clave de construcción de la Gubernamentalidad liberal.

Un simple diagnóstico muestra que la escuela ha dejado de ser el espacio fundado por sociedades disciplinarias en un tiempo que, según Gilles Deleuze, dejó de ser el nuestro: ya no la caracteriza la máquina disciplinaria para el control minucioso sobre los cuerpos, los tiempos y los espacios con el propósito de lograr la sumisión de los cuerpos y de las mentes. La educación gira hacia el niño como centro del proceso formativo: constante proyecto político que amplía cada vez más sus derechos que los hace cada vez más protegidos, libres y autónomos pero más violentos e indisciplinados en una sociedad que parecieran confundir autoridad y autonomía en la relación que establece con sus niños y jóvenes.

La escuela deviene escenario de conflicto, violencia, falta de autoridad y, recientemente, de bullyng o matoneo. Para enfrentar esos problemas se multiplican las demandas para democratizar la escuela, lograr mayores cuotas de libertad y de autonomía y superar el fardo disciplinario del siglo XIX. Pero el autor pregunta ¿y si esa libertad que se invoca, antes que el mecanismo para solucionar los problemas actuales de la escuela, fuera el elemento subyacente que históricamente les ha dado emergencia y desarrollo?

La escuela, aunque conflictiva, indisciplinada y violenta, no carece de gobierno. Por el contrario, estos fenómenos objetivan un poder en el cual a la ampliación de derechos le son correlativos fenómenos, aparentemente perversos, pero en realidad estrategias de gobierno de la población. El autor plantea que la característica histórica de la escuela no es el autoritarismo de los maestros, la rigidez de los saberes o los rezagos de la máquina disciplinaria del siglo XIX, sino el concepto de libertad que circula socialmente para producir tipos específicos de experiencias y de prácticas de libertad en la escuela. En síntesis, la libertad fundamental para comprender la escuela del presente desde la perspectiva de las formas imperantes de poder liberal.

La libertad se reconoce como base para emprender una genealogía de los regímenes actuales de gobierno, porque la libertad se refiere a la estructuración del Estado moderno en el cual se ha desplegado un tipo de libertad, cierta manera de comprenderla, de ejercerla y de relacionarnos como sujetos libres. Libertad es materiales, técnicas y prácticas gubernamentales de gobierno de la población que tienen concreciones específicas en la escuela; y esta escuela es uno de los principales dispositivos para su construcción constante. El libro pregunta por las condiciones históricas de constitución y desarrollo de la escuela en el marco de la ‘gubernamentalidad liberal’. Por eso, el autor considera que pensar los problemas actuales de la educación, antes que reiteradas invocaciones por más democracia, libertad y autonomía, debe establecer cuál ha sido el papel de la libertad en el devenir histórico de la escuela desde la conformación del Estado nacional.

A esta inquietante pregunta le da una novedosa respuesta con los trabajos de Michel Foucault en torno a la Gubernamentalidad libera. Libertad es el elemento básico de la forma del poder liberal. La gubernamentalidad liberal se refiere al conjunto de instituciones, procedimientos, cálculos y tácticas que, por dar emergencia al Estado moderno, permitían ejercer una forma de gobierno cuyo blanco principal era la población, su forma mayor de saber la economía política y su instrumento técnico esencial, las políticas de ‘seguridad’. En fin, los tipos de racionalidad mediante los cuales se buscaban dirigir la conducta de los hombres a través de la administración del Estado.

La libertad es una construcción consciente utilizada como instrumento mediante el cual se regulan estrategias y técnicas de gobierno al mismo tiempo que con estas se intenta producir cada vez más libertad. En la modernidad, y hasta hoy, la libertad ha sido tanto el objetivo de gobierno como su instrumento constante; y la escuela uno de los dispositivos de su construcción constante. El gobierno no trata de imponer una ley, trata de disponer las cosas y utilizar las leyes como tácticas, es decir, por una serie de medios trata alcanzar algún fin previsto. En síntesis, gobierno es la práctica de conducir conductas con base en la libertad de los sujetos. La escuela es el dispositivo que articula la institucionalidad, los saberes y las personas para lograr una economía en la conducción de las conductas de las personas.

El autor se vale de este constructo foucaultiano como rejilla para mirar la historia de la escuela, así la libertad se construye y queda plasmada en diferentes registros que dan cuenta de los espacios fácticos de libertad: la legalidad nacional e institucional, los saberes y prácticas en las cuales los estudiantes adquieren cada vez mayor visibilidad y participación; Al mismo tiempo, la idea de libertad comienza a convertirse en construcción subjetiva, en una apropiación individual en el terreno de los imaginarios y de las concepciones: manipulación ideológica que produce la conducción de las conductas y es rastreable, por ejemplo, en conceptos reiterados y dispersos tales como autonomía, aprendizaje, conciencia, y la reiteración sin descanso de la misma palabra libertad, por ejemplo.

Echeverri utiliza dos categorías para explicar la producción constante de la libertad: ‘horizontalización de las relaciones’ y ‘el viaje hacia el sí mismo’. La primera muestra la manera mediante la cual los estudiantes adquieren, en el terreno de los derechos, de los saberes y de las prácticas, mayor visibilidad y participación en la escuela y la sociedad; al mismo tiempo, cómo los maestros son obligados a abandonar sus posiciones centradas en la dignidad de la función, para ganar autoridad por otras vías más ‘pedagógicas’. En la escuela se van horizontalizando las dignidades, por ejemplo, en las luchas contra el castigo, en las prescripciones de la pedagogía, en las reflexiones sobre la naturaleza y derechos de los niños de los diferentes saberes.

La otra categoría es ‘el viaje hacia el sí mismo’. La libertad no es solamente una expresión externa en el marco de la ley, es, mejor, una experiencia personal, un imaginario, una forma natural de estar en sociedad y de relacionarse con uno mismo, con el otro y con lo otro. Por eso, en la escuela se emprende, por vía de los métodos pedagógicos un camino hacia el interior de las personas, hacia su consciencia y opinión, para que cada quien se sienta cada vez más libre y en condición de exigir cada vez mayor libertad. El viaje hacia el sí mismo es el trabajo ideológico mediante el cual la idea de libertad se introyecta en cada individuo hasta convertirla en una forma normal y necesaria de estar en sociedad.

Hasta aquí el libro deja claro el problema, los referentes teóricos y la metodología que emplea. Con el segundo apartado, ‘Concreciones de la libertad en la Gubernamentalidad liberal: independencia, constitución y escuela’, el autor se interna en las formas republicanas de producción de la libertad liberal en lo que actualmente es Colombia: lo hace a partir de lo que el autor considera las primeras concreciones de libertad que, al mismo tiempo, son instrumentos para su construcción constante: la independencia, la constitución y la escuela. En esos elementos se muestra de qué manera la libertad comienza a tomar el espacio de la escritura, de la enseñanza, de la institucionalidad, de los discursos y de las acciones; en otras palabras, el libro muestra cómo la libertad se convierte en una regularidad discursiva; por esa vía, y por los senderos de la ley, se va transformando en un imaginario colectivo y en una forma de estar en sociedad.

Con este precedente pasa al cuarto apartado, es decir: ‘La libertad en cuatro modelos pedagógicos’. Estos modelos, tratados como métodos pedagógicos, sirven de hilo conductor para atravesar desde el siglo XIX hasta las primeras décadas del XX con base en la construcción constante de la libertad en la escuela. Los métodos pedagógicos le permiten a Echeverri ilustrar los modos en que la escuela hacía vivir la experiencia de la libertad tanto como concreción en el marco de los derechos y de las normas como en el marco de la construcción de la subjetividad. Método lancasteriano, método pestalozziano, Pedagogía Católica y Escuela Activa hicieron parte de un proceso de superposición y de relevos pedagógicos mediante los cuales se ha ido construyendo la libertad de manera cada vez más exhaustiva, según las necesidades de gobierno de la población que el poder liberal demanda como su condición de vigencia constante.

El método lancastariano es particularmente importante demostrar cómo un dispositivo de la construcción de la libertad por cuanto, contrariamente, en Colombia ha hecho carrera imágenes de un sistema disciplinario en el erróneo sentido de encierro, castigos infamantes y verticalidad autoritaria: máquina para lograr la sumisión de los cuerpos y de las mentes. Por lo contrario, el método lancasteriano encierra para hacer que las castas, sumisas al fundamento divino del poder, se acostumbren a la libertad e igualdad de la ley constitucional. Un método que, por primera vez, muestra que la posición en la institución y la sociedad dependen del progreso individual en competencia constante con los otros inmediatos, de la libertad individual.

El texto del profesor Echeverri es enfático en este punto, ¿cómo puede un sistema pedagógico buscar la sumisión de la población como fundamento del gobierno? No, la sumisión era precisamente lo que tenía que ser superado mediante la construcción fáctica e imaginaria de la libertad como forma de estar en la nueva sociedad democrática. El método lancasteriano sienta las bases, todavía de manera precaria y externa, para la construcción constante de la libertad, es decir, mediante la fórmula todavía vigente de otorgar derechos desde arriba para que se demande cada vez mayor libertad desde abajo para mantener la vigencia de la forma del poder liberal.

Pero la libertad requiere mucho más que mecanismos externos de ejercicio efectivo. Necesita convertirse en un imaginario que permanezca incuestionable individual y grupalmente, así las condiciones sociales parezcan negar la posibilidad de su concreción. Por ello, el modelo Pestalozziano, relevo histórico del lancasteriano, inicia el largo caminho hacia ‘el sí mismo’. Esto es, un modelo pedagógico que supera la tiranía del método externo para enseñarlo todo, y se adentra en la mente para reconocer los mecanismos del aprendizaje individual. La libertad allí no es solo una expresión del derecho con consecuencias sociales de igualdad, competencia y éxito, sino una forma de sentirse ‘uno mismo: lógicas que’ promueven experiencias personales de libertad e impelen a exigir cada vez mayores cuotas de libertad hasta convertirlas en sujetos.

En el apartado siguiente, se discute una posible impugnación a la hipótesis general: que la pedagogía católica transitaba a contrapelo de las ideas del liberalismo y la modernidad en general. El libro muestra que la Gubernamentalidad liberal no es un asunto de liberales y de conservadores, sino una forma general del poder en la cual, inclusive la oposición fragmentada del clero en Colombia, más que un freno definitivo a la Gubernamentalidad, fue un obstáculo que fuerza mayor empeño en las transformaciones. Por eso, concluye el autor, también la pedagogía católica es un dispositivo de la construcción de la libertad liberal aunque por un camino apenas diferente: una libertad con base moral en la religión católica.

La escuela activa, último modelo abordado en el libro, reconoce que no hace un aporte en el estudio de este modelo en Colombia, solo toma trabajos clásicos en la literatura educativa del país, para documentar la hipótesis de la construcción constante de la libertad liberal por vía educativa y pedagógica. En ella, el viaje hacia el sí mismo sigue su camino cada vez de manera más exhaustiva y en conjunción con más refinadas concreciones de libertad en la sociedad, el derecho y los saberes científicos. Es un camino por el cual se llega a las conclusiones que se presienten: el trabajo podría abarcar todo el siglo XX, inclusive lo que va del XXI, para mostrar que esa libertad, tecnología del yo, es una función de la escuela. Tanto así, que los niños y los jóvenes en la escuela han llevado esa libertad al extremo de horizontalizar las relaciones con los adultos, padres y maestros, y hacer visible en ella lo impensado: conflicto, violencia, falta de autoridad. Por eso, advierte el autor, para comprender esas problemáticas escolares quizás el camino no es invocar más democracia, sino reconocer el papel histórico que la construcción de la libertad liberal ha representado para que la escuela haya llegado a ser lo que es actualmente.

Estamos ante un libro de historia con profundas consecuencias educativas y pedagógicas. Libro novedoso que no debe ser abordado como novedad, interés pasajero, sino como un hito latinoamericano de reflexión. ¿Qué tipo de construcción subjetiva de la libertad produce efectos perversos en la escuela como falta de autoridad, apatía, individualismo, conflicto, violencia, por ejemplo?, ¿qué formas del poder horizontalizan las relaciones entre quienes deben agenciar la ley y los que deben ser ingresados a la cultura? El libro es un guiño para pensar detenidamente las concepciones de niños y de jóvenes que porta la sociedad y, tal vez, al reconocerlo nos daríamos cuenta de que la escuela es lo que hemos hecho de ella en las lógicas del liberalismo.

Beatriz Elena López Vélez – Decana Escuela de Educación y Pedagogía. Universidad Pontificia Bolivariana. Medellín, Colombia. Historiadora, Magister en Educación, Candidata a Doctora en Filosofía. E-mail: [email protected]

Raul Alberto Mora Vélez –  Universidade de Illinois, Ph.D. em Educação. E-mail: [email protected]

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Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica – BONTEMPI JR. (RBHE)

BONTEMPI JR., Bruno. Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Uberlândia: Edufu, 2015. Resenha de: BOTO, Carlota. Entre planos de aula e projetos de universidade: Laerte Ramos de Carvalho revisitado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 3 (42), p. 353-359, jul./set. 2016.

Em boa hora é publicada a tese de doutorado de Bruno Bontempi. Trata-se de livro recém-saído do prelo, sob o título Laerte Ramos de Carvalho e a constituição da História e Filosofia da Educação como disciplina acadêmica. Fruto de tese de doutoramento defendida na PUC de São Paulo, o livro reconstitui com maestria o percurso de uma investigação sólida, muito bem ancorada em fontes documentais diversas, que, a partir de inúmeros acervos, investiga a trajetória do intelectual, dando atenção à história oral, indagando o conteúdo de discursos de formaturas, cartas trocadas com os amigos e colegas, documentos administrativos, publicações periódicas, livros publicados por Ramos de Carvalho e artigos registrados no jornal O Estado de S. Paulo. Bruno Bontempi resgata aquilo que considera ser a “identidade cognitiva” da disciplina História e Filosofia da Educação, dada a partir de um processo de embates, conflitos e acordos entre os sujeitos que estavam à volta dela.

A pesquisa de Bontempi demonstra como se articulavam os processos de constituição de um campo do saber e de uma matéria de ensino, mediante a regência de Ramos de Carvalho.

Além disso, o estudo volta-se para indagar como essa prática da história da educação marcou e foi marcada pelo lugar social de Ramos de Carvalho enquanto articulista do grande jornal paulistano. Isso, segundo Bontempi (2015, p.16), teria dado à disciplina História e Filosofia da Educação “uma feição particular, inédita e diferenciada da que fora inicialmente forjada nos currículos dos cursos de formação do magistério”. A tese agora transformada em livro parte do pressuposto segundo o qual o estudo de uma disciplina acadêmica deve ter como alicerce, não apenas o estudo interno de seus temas, seus programas de curso e procedimentos didáticos, mas também as relações institucionais que cercam a constituição da mesma matéria, suas “interferências políticas e sociabilidades” (Bontempi, 2015, p.17).

Como bem argumenta Maria Lúcia Hilsdorf no prefácio da obra, a tese de Bruno comprova o rigor e o vigor da ação pedagógica e político-institucional de Laerte Ramos de Carvalho, posto que, como intelectual, ele conseguiu “demolir uma tradição disciplinar, construir outra, instituir um saber científico, ensinar novas práticas, constituir discípulos, colocar a história da educação no debate público e dar-lhe um novo significado” (Hilsdorf, apud, Bontempi, 2015, p.13).

Remetendo-se, no início do livro, à historiografia da educação brasileira, Bontempi evidencia o quanto a orientação de Laerte Ramos de Carvalho teria marcado toda uma geração de pesquisadores, os quais produziram obras clássicas, que, assim como o trabalho de seu orientador, também impregnariam a constituição e o percurso da história da educação brasileira. A tese de Bontempi possui, como hipótese central, a suposição de que as marcas na produção acadêmica no campo da história e filosofia da educação derivariam em larga medida de uma formação disciplinar distinta e da “preocupação com a formação de conhecimento novo em história por parte de Laerte Ramos de Carvalho” (Bontempi, 2015, p.33).

O trabalho elabora um minucioso estudo do discurso predominante na USP sobre sua própria missão. Desde a fundação, passando pelos anos 40 e chegando aos 60, havia a clara compreensão de um ideal civilizatório, como se a Universidade tivesse por meta regenerar o país de suas defasagens no que toca à cultura letrada. A análise dos discursos de formatura mostra as semelhanças existentes entre os ideais de universidade, mas mostra também as diferentes interpretações que tinham os universitários da época a respeito da vocação cultural da vida universitária. Assim, o discurso técnico-profissional dos politécnicos iria na direção contrária do discurso eminentemente propedêutico produzido pelos sujeitos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras. O discurso de Ramos de Carvalho, como representante de turma em sua formatura, no ano de 1942, por sua vez, abordava a dramaticidade do tempo de guerra que envolvia os formandos, o Brasil e o mundo naquela época. Assim, se havia um debate dominante, havia também vozes singulares; e Bontempi – como exímio historiador que é – sabe buscar tanto as similaridades quanto, sobretudo, as diferenças.

O livro também aprofunda a relação de Laerte Ramos de Carvalho com a pesquisa em história e com o campo da filosofia, tanto no âmbito da própria USP quanto de sua tensa relação com o Instituto Brasileiro de Filosofia. Para tanto, a pesquisa esmiuçou o modo pelo qual se constituíram as cátedras na USP e o conflito existente entre esse regime de trabalho e o sistema de contratos temporários celebrado para a recepção dos professores estrangeiros, em particular os da missão francesa. Depoimentos de intelectuais do porte de Florestan Fernandes e Antonio Cândido evidenciam o quanto os catedráticos escolhiam aqueles que consideravam ser os seus sucessores naturais. Entre os alunos, assim, o tratamento dado privilegiava relações que fariam parte de um aprendizado externo à sala de aula, o qual poderíamos chamar de “currículo oculto” da instituição, posto que estava para além das aulas, além dos seminários, representando o que Florestan Fernandes considerava ser um “treinamento muito mais avançado e muito mais rigoroso” (Fernandes, apud, Bontempi, 2015, p.109). Esse processo extra-classe tinha consequências: “a competência e qualidade intelectual que o assistente ostentava no momento de sua nomeação desfazia qualquer aparência de „compadrio‟ por ocultar o fato de que a própria excelência do escolhido era produto de uma educação especial e privilegiada” (Bontempi, 2015, p.110).

Laerte Ramos de Carvalho – como diz Bontempi – foi um desses “alunos incomuns” que assumiu a função de assistente de Cruz Costa por uma longa temporada na Universidade de São Paulo. Seu período como assistente durou de 1943 até 1955. Nesse período, Ramos de Carvalho seguia as diretrizes do programa de investigação de Cruz Costa, centrado no estudo da história das ideias no Brasil. Bruno Bontempi demonstra quais são as convergências de ideias entre os dois pensadores e quais teriam sido as premissas que singularizavam o trabalho de Ramos de Carvalho frente ao catedrático com o qual ele trabalhava. Já o Instituto Brasileiro de Filosofia, que era liderado por integrantes da Faculdade de Direito não reconhecia a relevância do trabalho de Ramos de Carvalho. Poucas são as menções a ele na Revista Brasileira de Filosofia; e, quando aparecia alguma remissão à sua obra, havia algum tom de desdém. As divergências que teve com Miguel Reale, do ponto de vista teórico e no que toca à atuação política, são também objeto do trabalho de Bontempi, mostrando as contradições entre esquerda e direita, bem como as tensões em cada um desses grupos no Brasil daquela época.

O livro resgata a intrincada relação existente entre o jornal O Estado de S. Paulo e a Universidade de São Paulo, desde 1934, quando de sua fundação. Como se sabe, Julio de Mesquita Filho pertencia a um setor das elites paulistas que criticava as então oligarquias, anquilosadas no PRP. Próximo da herança da Liga Nacionalista e dos integrantes do Partido Democrático, o jornal foi protagonista no movimento de 32, mas sempre com um tom crítico, pontuando com insistência a necessidade de se superar o modelo político então existente através de uma vasta ação cultural, que possibilitasse a ascensão de novos grupos ao poder. Para Julio de Mesquita Filho, havia de se criar uma nova elite: uma elite cultural, capaz de mobilizar os maiores talentos em todas as camadas da sociedade. Esse seria o papel da USP. Como diz Bontempi (2015, p.145) sobre o assunto: “à universidade, cujo centro integrador seria a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, caberia a tarefa de formar as elites ilustradas, único grupo social capaz de realizar positivamente a obra de regeneração política da sociedade brasileira, mas também de formar o profissional secundário e superior”.

A partir de 1946, Ramos de Carvalho torna-se colaborador do jornal O Estado de S. Paulo. Na ocasião, consta que dois filhos de Julio de Mesquita Filho teriam comentado com o pai sobre a qualidade acadêmica e didática de Ramos de Carvalho, que fora professor deles. Uma versão alternativa – mostra Bontempi – diz que outros ex-alunos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras que já trabalhavam no jornal, dentre os quais Lourival Gomes Machado, teriam convencido Mesquita Filho de que as ideias expostas por Ramos de Carvalho em suas aulas seriam bastante próximas dos ideais perfilhados pelo grupo d‟ O Estado de São Paulo.

Outro aspecto bastante original do trabalho de Bontempi é a discussão trazida a propósito da perspectiva de Laerte Ramos de Carvalho sobre o ensino secundário. Professor que foi de ginásios paulistanos, Ramos de Carvalho valeu-se da sua pena como articulista do Estadão para comentar sobre as insuficiências e sobre o que ele acreditava ser as irregularidades do ensino secundário paulista, em especial nos estabelecimentos particulares de ensino. Esses não eram submetidos a uma inspeção rigorosa do governo; e, além do mais, aviltavam a profissão de professor, com o esquema de “salário-aula”.

Em 1948, Laerte Ramos de Carvalho assumiu como assistente a cadeira de Filosofia e História da Educação. O trabalho de Bontempi demonstra que, desde então, a cadeira sofreria uma profunda mudança em seu funcionamento. Antes de Ramos de Carvalho, a matéria era ministrada por José Querino Ribeiro e Roldão Lopes de Barros, que imprimiam a ela apenas a estatura de ensino. Não havia para esses professores a articulação do ensino com a pesquisa ou produção do conhecimento. Bruno Bontempi faz um criterioso resgate da maneira pela qual os programas das disciplinas de Filosofia e História da Educação eram organizados. A despeito de não ter havido preocupação em formalizar as alterações no programa de curso oficial, os diários de classe evidenciam as mudanças que Ramos de Carvalho imprimiria à disciplina. Houve a inclusão e o desenvolvimento de inúmeros temas e problemas relativos à história da educação brasileira, dentre os quais a discussão contemporânea sobre os trâmites da LDB e a elaboração do Manifesto de 1959. Houve a substituição, por exemplo, das sabatinas por arguições. Houve a introdução de seminários e trabalhos práticos, que passam a ser considerados tão importantes quanto as preleções teóricas. Houve também a inclusão no curso dos textos clássicos, na tradição que vinha do modelo europeu adotado pelos professores da missão francesa. A partir dali os estudantes seriam contemplados com o acesso aos próprios escritos dos autores estudados; sem que houvesse, como anteriormente, o privilégio de comentadores.

Há preocupação, por parte de Bontempi, em vistoriar as redes de sociabilidades que engendravam relações institucionais e lugares de poder. Nesse sentido, são evidentes as estreitas relações de Laerte Ramos de Carvalho com dois intelectuais que também foram decisivos na história da Faculdade de Educação da USP: Roque Spencer Maciel de Barros e João Eduardo Villalobos. Ambos haviam sido alunos de Ramos de Carvalho no curso secundário e ambos teriam também um papel destacado de liderança intelectual tanto na futura Faculdade de Educação da USP quanto no jornal O Estado de S. Paulo.

O livro apresenta, de maneira extremamente arguta, as ideias centrais dos trabalhos teóricos de Ramos de Carvalho; em especial, daquele que se tornaria seu clássico e que foi apresentado como tese quando o docente concorreu a concurso de provimento da cátedra de Filosofia e História da Educação, em 1952: As reformas pombalinas da instrução pública. Esse livro – fruto de investigação rigorosa na Biblioteca Nacional, no Arquivo Histórico Ultramarino, na Biblioteca da Universidade de Coimbra e no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa – desenvolvia a hipótese de que as reformas pombalinas traduziram – como diz Bontempi – o espírito de seu tempo, tomando, portanto, a fisionomia política do período histórico no qual estavam inscritas. A tese de Ramos de Carvalho foi reconhecida e aplaudida não apenas pelo campo da filosofia e da educação, mas fundamentalmente – nas palavras de Eduardo de Oliveira França (apud, Bontempi, 2015, p.237) pela “confraria dos historiadores”.

Finalmente, o trabalho de Bontempi ilumina o papel de Ramos de Carvalho como organizador de um amplo programa de pesquisas, que envolveu a elaboração de inúmeras teses, articuladas a um determinado modo de conceber a história, a educação e a periodização da história da educação. Ramos de Carvalho mostrava a necessidade de fazer com que a organização dos períodos nos quais se escreve a história da educação não fosse um decalque da periodização da história política. E isso seus orientandos aplicaram em seus trabalhos; com Jorge Nagle, por exemplo, mostrando o papel que os anos 20 tiveram na consolidação do que chamou de “entusiasmo pela educação”. O lugar do orientador Ramos de Carvalho era sistemático, envolvendo reuniões de seu grupo de pesquisadores, com pautas que envolviam partilha dos trabalhos dos pesquisadores entre si, troca de informações e possíveis reformulações conjuntas dos rumos de cada investigação.

Ao estudar o caso específico de Laerte Ramos de Carvalho, Bruno Bontempi recupera o que havia de melhor em sua geração, trazendo elementos preciosos para que se compreenda a história da Universidade de São Paulo e, mais particularmente, uma parte da história de um campo de investigação que posteriormente se bifurcou nas áreas de Filosofia da Educação e de História da Educação. Por isso, trata-se de uma leitura fundamental para quem estuda a história das disciplinas, para quem estuda a história das instituições e para quem queira compreender a universidade. Bruno Bontempi é um historiador ainda jovem; mas essa tese foi escrita em momento inicial de sua carreira. Por ser assim, é absolutamente surpreendente a maturidade de sua análise, a argúcia de seus comentários, a precisão de suas conclusões. Trata-se de um trabalho para ser lido por historiadores, por pedagogos e por todos que pretendam compreender melhor como se deu a história da universidade, tal como ela foi arquitetada em terras brasileiras.

Carlota Boto – Pedagoga e historiadora, mestre em História e Filosofia da Educação pela FEUSP, doutora em História Social pela FFLCH/USP e livre-docente em Educação pela FEUSP. Professora de Filosofia da Educação da Faculdade de Educação da USP. E-mail: [email protected]

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Alceu Amoroso Lima e a renovação da pedagogia católica no Brasil (1928-1945): uma proposta de espírito católico e corpo secular – SKALINSKI JUNIOR (RBHE)

SKALINSKI JUNIOR , O. (2015). Alceu Amoroso Lima e a renovação da pedagogia católica no Brasil (1928-1945): uma proposta de espírito católico e corpo secular. Curitiba: CRV, 2015. Resenha de: FIGUEIRA, Felipe Luiz Gomes; BARBOZA, Marcos Ayres. A influência de Alceu Amoroso Lima na pedagogia católica no contexto brasileiro início do século XX . Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 2 (41), p. 379-385, abr./jun. 2016.

O fim do Padroado no Brasil, que coincidiu com a proclamação da República em 1889, imprimiu no interior da Igreja Católica a necessidade de recomposição de seus quadros institucionais. Embora a Igreja conseguisse algumas concessões do Estado, a Constituição Federal de 1891, fundamentada em princípios liberais, não se mostrou favorável à influência da Igreja, já que determinou a proibição do ensino religioso nas escolas públicas, a laicização dos cemitérios, o fim a subvenção estatal a qualquer culto religioso, entre outras medidas.

Em seu projeto de reconstrução institucional, a Igreja Católica defendeu a inclusão da catequese, da pregação, de ações educativas e da imprensa nos meios sociais. Para defender seus interesses, investia na educação, reclamando o direito de fundar e organizar escolas, cuja finalidade seria formar e educar crianças e jovens conforme os valões cristãos.

Na defesa de seus interesses entre os diferentes segmentos da sociedade civil e política, congregou diferentes intelectuais. Entre os que a apoiaram e defenderam, grande destaque teve Alceu Amoroso Lima (1893-1983), mais conhecido pelo pseudônimo ‘Tristão de Athayde’. Ele se destacou como um dos principais representantes do pensamento católico nos meios culturais e educacionais do início do século XX.

A obra resenhada foi escrita por Oriomar Skalinski Junior, professor do Departamento de Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, como resultado de sua tese de doutoramento em Educação pela Universidade Estadual de Maringá, defendida em 2014. Intitulada Alceu Amoroso Lima e a renovação da pedagogia católica no Brasil (1928-1945): uma proposta de espírito católico e corpo secular, a tese teve como finalidade analisar a contribuição desse intelectual católico para a renovação dos interesses políticos católicos, entre 1928 e 1945, com base em suas relações com o Estado e sua produção teórica. Sua versão em livro está organizada em três capítulos.

No primeiro, ‘O Brasil na aurora do século XX: intelectuais, hegemonia e educação’, o autor destaca o papel exercido pela Igreja Católica na educação. O fim do Padroado trouxe grandes desafios e novas demandas de ordem social, organizacionais e políticas. Para ampliar a base de sua ação pastoral, da qual uma das grandes preocupações era a situação da classe operária em face das demandas do liberalismo econômico, a Sé Católica contou com o apoio de um grande contingente de padres e freiras da Europa.

A Igreja não criticava os aspectos econômicos e políticos das ações liberais, mas centrava-se no afrouxamento da moral em uma sociedade laicizada. Nesse contexto, a educação caracterizou-se como área estratégica para a construção da hegemonia do catolicismo. Foi preciso adaptar a população às demandas típicas da sociedade de mercado: as práticas comerciais e industriais, sofisticadas pelo avanço dos instrumentos de produção, exigiam uma mão-de-obra qualificada, mas a maioria da população em idade escolar ainda era analfabeta.

A disseminação de novos padrões culturais se faria por meio do desenvolvimento da leitura, da escrita e da aritmética, tendo em vista as habilidades intelectuais requisitadas para o desenvolvimento do capitalismo industrial brasileiro, o qual demandava a mobilização da sociedade como um todo. Assim, atribuía-se à educação um papel importante na organização desse novo projeto societário: “Tratava-se de modernizar as práticas pedagógicas a partir da ideia básica de que os avanços científicos e tecnológicos da época demandavam uma contrapartida educacional” (p. 40).

O sentimento nacionalista em defesa da educação ia além da simples alfabetização da população; “pretendia-se que a escola […] passasse por uma transformação em seus objetivos, seus conteúdos e em sua função social, tornando-se uma instituição capaz de formar o ‘caráter nacional’ e alavancar o progresso brasileiro” (p. 44). A partir de 1928, nesse processo de renovação da educação no Brasil e de defesa da formação moral e intelectual, o pensamento de Alceu Amoroso Silva ganhou proeminência como liderança intelectual à frente do Centro D. Vital.

No segundo capítulo, ‘A direção intelectual de Alceu Amoroso Lima como elemento renovador da pedagogia católica no Brasil (1928-1945)’, o autor discute a influência de Alceu Amoroso Lima junto às instituições católicas na ordenação da sociedade civil. A partir de 1920, a hierarquia da Igreja Católica vinha estimulando a participação de seus intelectuais nos diferentes segmentos institucionais da sociedade para garantir que o Estado fosse organizado com base em princípios cristãos.

Alceu Amoroso Lima, ao aceitar a direção do Centro Dom Vital em 1928, propôs à instituição o desenvolvimento de uma cultura católica superior. A organização de cursos e conferências temáticas ligadas à filosofia, à sociologia e à religião tinha como objetivo o fortalecimento da intelectualidade católica. Além disso, a criação de organizações e associações leigas vinculadas ao Centro Dom Vital influenciaria os diferentes segmentos da sociedade civil.

O movimento católico teve destaque a partir de 1930, particularmente após o golpe, quando os intelectuais católicos deram suporte e legitimidade ao Governo Provisório. Em 1931, como resultado dessa aliança, ocorreu o retorno do ensino religioso, em caráter facultativo, nos cursos primário, secundário e normal das escolas públicas. Os intelectuais liberais, na IV Conferência Nacional de Educação organizada pela Associação Brasileira de Educação em 1930, apresentaram uma nova proposta política de educação para o país. Entre os idealizadores desse movimento, destacaram-se Lourenço Filho, Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. O conflito acirrou-se com a publicação do Manifesto dos pioneiros da educação nova, em 19 de março de 1932, nas principais capitais do Brasil. “No texto os reformadores da educação adotavam princípios marcadamente liberais e defendiam a escola pública, laica, gratuita e obrigatória” (p. 68). Os pioneiros argumentavam que a educação no país estava desarticulada e fragmentada, o que, do ponto de vista deles, era um obstáculo ao desenvolvimento econômico brasileiro. A nova política nacional de educação defendida pelos liberais era apoiada na adoção de métodos ativos “[…] baseada nos avanços dos campos da sociologia, da biologia e da psicologia” (p. 69).

Para consolidar os interesses da Igreja Católica em contraposição aos liberais reformadores da educação, foi criada a Liga Eleitoral Católica (LEC), da qual Alceu Amoroso Lima era secretário. A ideia era captar apoio político em defesa dos interesses da Igreja Católica, congregando importantes intelectuais socialmente representativos e segmentos da classe média. O movimento conseguiu a inclusão de importantes conquistas na Constituição de 1934: apoio financeiro do Estado à Igreja; proibição do divórcio, reconhecimento do casamento religioso, ensino religioso nas escolas públicas e subsídios estatais para instituições escolares católicas. Essas medidas, entre outras, contribuíram para criação de um estabelecimento de ensino superior católico na capital do país.

O primeiro passo foi a criação da Ação Universitária Católica (AUC) em 1929, a qual segundo Alceu Amoroso Lima destinava-se a complementar a formação e a educação religiosa de seus participantes e prepará-los para a vida pública. Em 1946, nascia a Universidade Católica do Rio de Janeiro, resultado dos esforços empreendidos desde a fundação do Centro D. Vital, passando pela Ação Universitária Católica, pela Juventude Universitária Católica e pelo Instituto Social do Rio de Janeiro. Em 1947, a Santa Sé conferiu à instituição as prerrogativas de pontifícia, o que a igualava às demais universidades católicas do mundo.

O pensamento progressista de Alceu Amoroso Lima, fundamentado nos princípios da democracia cristã defendida por Jacques Maritain, fez com que a relação entre ele e o recém empossado Dom Jaime de Barros Câmara (1894-1971) como arcebispo da arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, em 1943, após a morte de Dom Sebastião Leme, fosse abalada. Dom Jaime Câmara defendia um posicionamento mais tradicionalista em relação aos simpatizantes das ideias socialistas. A ideia era combater o comunismo. “Nesse cenário Alceu Amoroso Lima concretizou sua opção pela defesa da liberdade como valor basilar para qualquer organização social, condenou o Estado Novo e convocou os intelectuais católicos para a defesa da democracia” (p. 89), posicionamento defendido em suas principais obras: Debates pedagógicos (1931) e Humanismo pedagógico (1944).

No terceiro capítulo, ‘Alceu Amoroso Lima e a renovação da pedagogia católica em Debates Pedagógicos (1931) e em Humanismo Pedagógico (1944)’, o autor analisa a primeira obra do pensador católico: Debates pedagógicos (1931). Trata-se de uma coleção de artigos sobre educação, em particular sobre o retorno do ensino religioso às escolas públicas, nos quais ele se contrapôs às ideias liberais do laicismo no sistema pedagógico republicano. Na visão de Amoroso Lima, essas ideias provocaram uma cisão entre instrução e educação, comprometendo a formação dos alunos. Era preciso, segundo Skalinski Junior, investir em uma pedagogia católica. Alceu Amoroso Lima defendia a renovação dos métodos pedagógicos em favor de uma pedagogia integral, visando o desenvolvimento dos diferentes aspectos da potencialidade humana e a elevação espiritual da personalidade.

Amoroso Lima, em seu projeto de ação pedagógica católica, tinha a universidade como destaque. A pedagogia liberal havia, em seu entender, exaltado as ciências experimentais ou sociais em detrimento das ciências filosóficas e religiosas. Por meio da cooperação com a Igreja, restaurar-se-ia a unidade filosófica da universidade e se recuperaria a universalidade cultural e a espiritualidade cristã em face da confusão mental típica do ‘modernismo’ liberal.

As ideias liberais dominantes no campo da educação, segundo Amoroso Lima, contribuíam para que o aluno ficasse órfão da educação moral e religiosa, tão importantes para a formação do corpo e do caráter. A volta do ensino religioso nas escolas públicas seria, portanto, fundamental para a superação da ‘atmosfera de indiferentismo moral e religioso’ decorrente das práticas educacionais liberais, alicerçadas no que o autor chamava de naturalismo pedagógico e de sociologismo pedagógico. Segundo Amoroso Lima, tais abordagens arrastavam a inteligência ao estado de desordem e ao enfraquecimento geral. Era preciso “[…] corrigir os desvios derivados do laicismo republicano, efetivamente, um primeiro passo para a restauração intelectual e moral dos espíritos afetados pelo naturalismo, pelo materialismo e pelo agnosticismo” (p. 108).

Na parte da análise dedicada à obra Humanismo pedagógico: estudos de filosofia da educação (1944), Skalinski Junior discute seus desdobramentos para a educação e a prática pedagógica. Segundo Amoroso Lima, o trabalho pedagógico ocorreria com base em princípios de ordem geral e especiais. A centralidade do processo educativo seria o próprio indivíduo, isto é, “[…] o desenvolvimento pleno de sua humanidade, ou seja, o seu desenvolvimento como pessoa” (p. 112).

Para Amoroso Lima, a prática educativa defendida pelo liberalismo republicano tinha uma tendência negativa: a mutilação da educação e da formação humana. Além disso, ele se posicionava contra o comunismo: essa visão de mundo contribuiria para a descristianização da escola. A retomada do ensino religioso nas escolas públicas possibilitaria o desenvolvimento integral do indivíduo: físico, intelectual e espiritual. Nesse sentido, a educação moral e religiosa cristã como parte da preparação pedagógica da população ajudaria na edificação das qualidades da razão, da vontade e do temperamento.

O papel civilizador da universidade, de acordo com Amoroso Lima, seria a integração entre a vida cultural e a vida prática. Nesse contexto, o professor teria papel de destaque: mais que um transmissor de conhecimentos, ele seria um formador de personalidades. A família também teria uma missão importante. Para ele, “[…] a escola deveria ser o prolongamento da família, bem como o laço que a ligaria ao Estado, no que diz respeito às questões formativas” (p. 118).

Os fundamentos da educação cristã eram defendidos por Amoroso Lima como caminho para a superação do liberalismo, do laicismo e do materialismo produzidos pela sociedade burguesa. Esses fundamentos fortaleceriam a vida espiritual e o papel da família, especialmente no que diz respeito ao desenvolvimento integral da pessoa, em seus aspectos físico, intelectual e espiritual. Desse modo, visando restaurar a ordem moral de forma a garantir a unidade social, na prática humanista pedagógica proposta, Amoroso Lima enfatizava os fundamentos espirituais e religiosos do catolicismo, a defesa da liberdade em detrimento da autoridade, contrapondo-se ao “[…] esfacelamento das tradicionais instituições e a desorientação das consciências […]” (p. 131).

Na ‘Conclusão’, Skalinski Junior afirma que as proposições pedagógicas de Alceu Amoroso Lima correspondiam ao objetivo de impulsionar as potencialidades humanas com base em uma ação educacional integral. Para tanto, eram necessárias a retomada e a recomposição dos valores cristãos na formação do caráter da pessoa, do ‘caráter nacional’. “Suas ações em favor da cultura católica, em diferentes âmbitos das sociedades política e civil, contribuíram para a difusão e para o fortalecimento de um conjunto de valores que entremearam as ações da militância católica para os fins educacionais” (p. 143).

Escrita em uma linguagem clara, direta e objetiva, fundamentada em Antonio Gramsci (1891-1937), abordando o início do século XX, a obra é uma referência importante para os estudos no campo da historiografia da educação brasileira. Mais ainda, interessa aos pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento porque analisa um dos mais prestigiados e influentes pensadores católicos desse período que, dialogando, com diferentes segmentos da sociedade civil, visava atualizar o discurso e a ação pastoral da Igreja na sociedade globalizada.

 

Felipe Luiz Gomes Figueira – Professor de História no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná – Câmpus Paranavaí. Mestre em Educação (UEL, 2012) e Doutor em Educação (UNESP-Marília, 2015). Líder do Grupo de Pesquisa Bildung. E-mail: [email protected]

Marcos Ayres Barboza – Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná – Câmpus Paranavaí. Mestre em Educação (2007) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR Estudante do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

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História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras – LUCHESE (RBHE)

LUCHESE , T. Â. (Org.). (2014). História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras. Caxias do Sul: Educs, 2014. Resenha de: MOTIM, Mara Francieli; ORLANDO, Evelyn de Almeida. História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 16, n. 1 (40), p. 413-419, jan./abr. 2016

O livro História da escola dos imigrantes italianos em terras brasileiras, organizado por Terciane Ângela Luchese, é fruto de investigações produzidas pelo grupo de pesquisa História da Educação, Imigração e Memória, da Universidade de Caxias do Sul. Além de textos de pesquisadores de universidades italianas, a publicação reuniu trabalhos sobre as experiências escolares de imigrantes italianos e seus filhos, entre o final do século XIX e início do século XX, nas regiões Sul e Sudeste. Esta obra permite um olhar para a escolarização desses sujeitos, caso a caso, contribuindo, conforme destaca Emilio Franzina no prefácio deste volume, para uma possível revisitação da história imigratória italiana no Brasil, em seus processos de interação e desenvolvimento.

Nesse panorama das discussões a respeito dos processos culturais dos imigrantes, no primeiro capítulo do livro, Lúcio Kreutz aborda o tema Identidade étnica e processo escolar. Na conceituação do autor, o pertencimento étnico expressa uma composição entre sujeitos e grupos, cujas práticas, ao longo do tempo, vão se reconfigurando, podendo diferenciar e determinar uma organização social. Ele enfatiza que o étnico não é uma herança constituída, mas sim um processo, uma vez que culturas não são realidades mudas. Dessa forma, afirma que a pesquisa sobre a escola nesse contexto étnico é de fundamental importância, uma vez que tal ambiente pode ser produtor ou reprodutor da cultura.

Kreutz apresenta um balanço histórico sobre como a etnia e o processo escolar foram sendo tratados e afirma que, entre os diversos projetos, perpassa a construção de uma nacionalidade, manifestada na Europa no final do século XVIII e que chega à América, pouco tempo depois, como uma construção monolítica, sem diferenciação étnica. O autor defende que a escola precisa compreender como o étnico se constrói nas práticas sociais, não podendo quantificar um valor para determinadas culturas, mesmo que estas tenham conseguido se impor nos processos históricos concretos.

No segundo capítulo, “Governo italiano, diplomacia e escolas italianas no exterior”, a pesquisadora italiana Patrizia Salvetti discute a legislação da Itália em relação às escolas subsidiadas no exterior.

Abordando a Lei Crispi, de 1889, explica que um de seus objetivos era a construção de uma política italiana no exterior com subsídios destinados à instrução dos imigrados italianos. Ela aponta algumas divergências nesse financiamento, principalmente em relação às escolas laicas e às escolas confessionais. A problemática girava em torno de conflitos não resolvidos entre Estado e Igreja, na Itália, os quais foram exemplificados no artigo com base em relatórios como o de Pasquale Villari (1901). Salvetti afirma que a Sociedade Dante Alighieri, uma das principais organizações colaterais do governo, tinha como função acentuar e organizar essas relações escolares entre a Itália e o exterior.

Em seguida, a autora analisa a Lei Tittoni, de 1910, na qual se tentou amenizar a relação entre Estado e Igreja, estabelecendo o ensino religioso como facultativo e financiando escolas confessionais. Ela afirma que a Reforma Gentile, de 1923, ocorrida no contexto do regime fascista, não modificou sensivelmente a organização das escolas no exterior, porém, sua administração passou a ser controlada, em sua maior parte, por funcionários ligados ao Partido Nacional Fascista. Por fim, salienta que até os dias de hoje as escolas italianas no exterior são a principal forma de difundir a língua e a cultura desse país.

No terceiro capítulo, “Instrução pública e imigração italiana no estado do Espírito Santo, no século XIX e início do século XX”, Regina Helena Silva Simões e Sebastião Pimentel Franco propõem uma discussão sobre a educação capixaba e a relação entre os imigrantes italianos que chegaram ao Espírito Santo, no período de 1850 a 1920.

Por meio de relatórios da província e do estado do Espírito Santo, os autores demarcam o contexto da instrução pública nas terras capixabas, onde, desde 1850, existia um discurso a favor da educação, considerando o contexto da grande diáspora italiana na segunda metade do século XIX e suas consequências, como o preenchimento dos vazios demográficos no Espírito Santo. Não obstante esse discurso, os autores ressaltam as diversas dificuldades da instrução pública local e destacam a pressão que, ao desembarcar no Espírito Santo, os imigrantes italianos exerciam sobre o governo no sentido de garantir a educação de seus filhos, embora suas colônias estivessem localizadas na parte mais desassistida da instrução pública.

À pesquisadora Maysa Gomes Rodrigues coube o capítulo 4, “Imigração e educação em Minas Gerais: histórias de escolas e escolas italianas”. A autora aborda a educação mineira, entre o final do século XIX e início do século XX, como um lugar em que foi possível relacionar a escolarização italiana e a formação cultural de outros espaços. Ela utilizou como fontes os acervos da Secretaria do Interior e da Secretaria da Agricultura e Obras Públicas, além de Relatórios dos Presidentes da Província, de Inspeção de Ensino, Mensagens dos Presidentes do Estado, jornais e estudos feitos sobre a imigração em Minas.

O contexto educacional mineiro e sua escolarização, com base nos regulamentos consultados, não se referem a escolas de imigrantes ou escolas estrangeiras. Assim, a autora constata que, nos núcleos coloniais, que tinham por objetivo a assimilação étnica, as escolas públicas foram um meio de oferecer a instrução oficial. A ênfase do texto recai sobre essa modalidade de ensino nas colônias como um caminho da nacionalidade brasileira para os filhos de imigrantes, embora, como destaca a autora, existisse uma escola mantida por uma Sociedade Italiana que se destinava a atender uma camada privilegiada economicamente de italianos de Belo Horizonte. Dessa forma, a autora põe em evidência que ambas as realidades escolares foram importantes no processo de instrução desses imigrantes, e de modo geral, na educação de Minas Gerais.

“A formação das escolas italianas no Estado do Rio de Janeiro (1875 – 1920)”, constitui o capítulo 5, escrito por Carlo Pagani. O autor chama a atenção para a presença de imigrantes italianos em quase todas as áreas mais importantes do Rio de Janeiro, os quais contribuíam para o desenvolvimento industrial, para os movimentos operários, além de trabalhar na produção de carvão e no comércio, na área central. Pagani descreve o cenário da escolarização destes imigrantes e das escolas italianas no Rio de Janeiro, considerando sua relação com a educação primária italiana, no final do século XIX. Em ambos os casos, ele aponta um grande número de analfabetos e, com base na legislação, demonstra que os resultados da escolarização no período, no Rio de Janeiro, não foram muito satisfatórios.

Destaca a influência anarquista na imigração italiana, que, nas reivindicações fabris, deparava-se com o analfabetismo dos operários e passava a promover a escolarização dos líderes. Consultando relatórios de escolas italianas no exterior, além de jornais do período, o autor constrói a origem das escolas italianas em algumas cidades cariocas. Essas instituições de ensino foram fruto das necessidades desses imigrantes, que colaboraram para a escolarização de massa, atendendo a toda a população próxima destas escolas, sejam elas italianas ou não.

No capítulo 6, “Acondicionamento das escolas de primeiras letras paulistas no período que compreende os anos de 1877 e 1910”, Eliane Mimesse Prado descreve o processo de criação das escolas de primeiras letras em São Paulo, as quais eram frequentadas pelos imigrantes peninsulares e seus descendentes. A autora explora o processo de imigração em alguns dos núcleos coloniais paulistas. Constam no texto quadros comparativos a respeito da criação dos núcleos coloniais entre 1877 e 1907, em São Paulo. A autora chama a atenção para o grande número de imigrantes e para a demanda de criação de um número maior de escolas de primeiras letras, nem sempre atendida pelo governo, o que levava os próprios colonos a organizar e criar escolas.

Os esforços desses imigrantes também eram sustentados pelos religiosos, de forma que a educação acabava por adotar funções mais amplas, regidas pelos preceitos do catolicismo. Algumas dessas instituições de ensino foram resultantes de iniciativas coletivas, com o apoio do governo italiano, por meio das Sociedades de Mútuo Socorro. Mesmo com iniciativas escolares específicas, a autora constata que uma grande parcela desses imigrantes e de seus filhos esteve nos bancos escolares das instituições públicas de ensino de São Paulo.

No capítulo 7, “Escolas da imigração italiana no Paraná: a constituição da escolarização primária nas colônias italianas”, a pesquisadora Elaine Cátia Falcade Maschio apresenta um panorama do processo imigratório italiano no Paraná. A autora explica que esse processo teve início na região litorânea, primeiramente na Colônia Alexandra e posteriormente na Colônia Nova Itália. Além de enfrentar a má administração dessas colônias, os imigrantes não se adaptaram à região e foram realocados nos arredores da capital, na produção de produtos cultivados na terra e comercializados em Curitiba.

Caracterizando a educação primária no Paraná com base em relatórios e regulamentos, Maschio constata que inúmeros foram os abaixo-assinados desses imigrantes solicitando escolas e, com a demora no atendimento dessas solicitações, eram organizadas instituições de ensino particulares, comunitárias ou subvencionadas. Além dessas modalidades escolares, a autora apresenta as escolas étnicas, mantidas por associações ou por instituições religiosas. Maschio deixa claro que, nesses locais, procurava-se manter e difundir a italianità com base principalmente na moral católica, mas, mesmo assim, predominavam as escolas públicas, pois esses colonos também valorizavam a aprendizagem da língua portuguesa. Um destaque do texto é que, com as reivindicações para abertura de escolas públicas, esses imigrantes contribuíram para o processo de expansão do ensino primário paranaense em geral.

Clarícia Otto, responsável pelo capítulo 8, “Escolas italianas em Santa Catarina: disputas na construção de identidades”, apresenta as escolas como estratégias para a manutenção de uma identidade cultural. Otto explica que as primeiras iniciativas escolares para esses imigrantes catarinenses foram particulares e que, no final do século XIX, essas ações passaram a ser da Igreja Católica, da diplomacia italiana e do governo republicano brasileiro. Otto defende que o processo escolar foi resultante de uma articulação com outros campos, como o político, cultural e religioso, os quais influenciaram as estruturas sociais desses sujeitos.

Pautando-se em um conjunto de correspondências, Otto ressalta ainda a disputa pelo controle do campo educacional entre uma organização religiosa e a Dante Alighieri. Com as medidas nacionalistas do governo republicano brasileiro, esses conflitos foram ainda maiores, sobretudo a partir de 1911, quando a inspeção escolar em Santa Catarina passou a ser efetiva, o que levou muitas escolas estrangeiras a ser fechadas. A autora conclui o texto marcando que, mesmo com os investimentos na construção de uma educação nacional, as diferenças culturais continuaram a existir, sendo colocadas em pauta em 1975, no centenário da imigração, para despertar o sentimento de ser italiano.

O último capítulo do livro, dos pesquisadores Terciane Ângela Luchese e Gelson Leonardo Rech, “O processo escolar entre imigrantes italianos e descendentes no Rio Grande do Sul (1875 – 1914)”, é destinado ao processo escolar desses sujeitos nas terras gaúchas, destacando as

Iniciativas escolares, suas organizações e especificidades. Segundo os autores, no processo imigratório italiano no Rio Grande de Sul, os imigrantes saíram da Itália como excluídos e chegaram ao Brasil como civilizadores. Durante o Império, na Província de São Pedro do Rio Grande, as políticas educacionais constavam apenas no papel e não nas práticas; com a proclamação da República e a influência de um grupo gaúcho calcado no positivismo, a escola passou a ser vista como um local de modernização. Assim, a expansão do ensino primário no Rio Grande do Sul, por iniciativa do Estado, das Igrejas, associações e/ou particulares, tornou-o um dos locais brasileiros com o menor índice de analfabetismo em 1920.

Os autores destacam ainda as escolas étnico-comunitárias rurais, que surgiram pela necessidade e pela ausência de escolas nas colônias, as escolas étnicas, mantidas por associações, geralmente laicas, que recebiam subsídios do governo italiano, e as escolas mantidas por congregações religiosas, que, mesmo não sendo consideradas étnicas, mantinham os valores culturais do país de origem da congregação. As escolas públicas também foram muito requisitadas pelos imigrantes, principalmente para a aprendizagem do português, mas estas também eram marcadas por características étnicas.

O leitor interessado em conhecer o processo escolar dos imigrantes italianos e seus descendentes, no final do século XIX e início do século XX, encontra nos capítulos deste volume uma rica reflexão a respeito da relação entre esses sujeitos, o governo brasileiro, o governo italiano e a Igreja Católica. A obra é significativa para os estudos de história da educação brasileira, por trazer à tona diversas fontes históricas que possibilitam um aprofundamento em estudos na área, além de descrições que permitem traçar algumas características destes imigrantes na construção de uma nova vida no outro lado do Atlântico. Além disso, por se tratar de uma obra que reúne pesquisadores de diferentes lugares, ela apresenta uma multiplicidade de práticas e de representações da educação e da cultura italiana em diferentes contextos de produção. Essa perspectiva plural permite ampliar as lentes para compreender melhor os modos de ser e se fazer italiano em diferentes espaços.

Mara Francieli Motin – E-mail: [email protected]

Evelyn de Almeida Orlando – E-mail: [email protected]

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O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação – SAVIANI (RBHE)

SAVIANI, Dermeval. O lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação. Campinas: Autores Associados, 2014. 181 p. Resenha de: SILVA, Sarah Maia Machado. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 3 (39), p. 321-327, set./dez. 2015.

Com muitas obras significativas publicadas, atualmente Dermeval Saviani é professor emérito da Unicamp e coordenador geral do grupo nacional de estudos e pesquisas ‘História, Sociedade e Educação no Brasil’ (HISTEDBR). É Doutor em Educação pela PUC de São Paulo (1971) e Livre Docente em História da Educação pela Unicamp (1986). Entre 1994 e 1995, realizou estágio sênior na Itália. Condecorado com a medalha de mérito educacional do Ministério da Educação, também recebeu da Unicamp o Prêmio Zeferino Vaz de Produção Científica em 1997. Foi contemplado, por duas vezes, com o Prêmio Jabuti: em 2008, pela publicação do livro História das ideias pedagógicas no Brasil e, em 2014, pela publicação de Aberturas para a História da educação. Em 2012, recebeu pelo GT de História da Educação da Anped a Estatueta Paulo Freire, homenagem dedicada aos pesquisadores indicados pelos grupos de trabalho.

A obra O Lunar de Sepé – Paixão, dilemas e perspectivas na educação está organizada em doze capítulos e faz parte da coleção ‘Educação contemporânea’, da editora Autores Associados. Essa coleção abrange trabalhos que abordam o problema educacional brasileiro de uma perspectiva analítica e crítica. Educação e paixão são dois termos que movimentam os capítulos da obra, visto que são termos que têm uma relação: a educação pode ser considerada apaixonante e a paixão pode significar padecimento. O livro trata dos dois sentidos da palavra paixão.

A obra, que apresenta coletânea de estudos feitos por Saviani, em conferências realizadas em diferentes momentos, aborda o sofrimento dos educadores, colocando em xeque as contradições configuradas nas vicissitudes, nos dilemas e nos paradoxos enfrentados por eles no empenho em assegurar à população o direito à educação. Nesse sentido, a obra apresenta possibilidades para a realização de um trabalho significativo, resultado da dedicação apaixonada à educação.

No prefácio, Saviani destaca a motivação para a realização dessa produção, que, segundo ele, tem uma ligação intelectual e emocional; sua curiosidade intelectual destaca São Sepé, cidade do Rio Grande do Sul com nome de santo, santo este desconhecido da biografia de santos católicos. Então, a partir do poema popular ‘O lunar de Sepé’, o autor infere que a canonização de Sepé se deu não por um processo no Vaticano, mas pelo imaginário popular. O trabalho se intensifica com o VII Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, momento em que Saviani elaborara um estudo sobre a migração de sete povos das missões, tendo como eixo o poema ‘O Lunar de Sepé’. Ao satisfazer sua curiosidade, o autor também oferece uma homenagem à cidade natal de sua esposa. O prefácio apresenta ainda a estrutura geral da obra, bem como um breve relato sobre cada capítulo.

‘O Lunar de Sepé e a derradeira migração: a educação jesuítica entre as coroas de Espanha e Portugal’ é o título do primeiro capítulo, que apresenta na íntegra ‘O lunar de Sepé’, poema citado por Maria Genórica Alves, mestiça descendente de índios missioneiros. O poema está publicado no livro Contos gauchescos e lendas do Sul (1999) por J. Simões Lopes. Nesse capítulo, o autor retrata o fenômeno das migrações, elucida que as migrações ocorrem pela expansão do comércio, o que conduziu muitos povos do ocidente europeu a se lançar nas grandes navegações, visando à conquista de novas terras. O autor recua no tempo para trazer à tona as missões jesuíticas; assim, destaca que, em 1492, ocorre a descoberta da América por iniciativa espanhola e, em 1500, ocorre a chegada dos portugueses ao Brasil. Saviani fecha o capítulo com a seguinte reflexão: Que modelo educativo poderá dar conta dos conflitos e das contradições que atravessam o fenômeno das migrações neste tumultuado mundo em que vivemos?

O segundo capítulo, ‘Vicissitudes e perspectivas da pedagogia no Brasil’, a palavra ‘vicissitudes’, conforme o autor, retratada no prefácio do livro, sugere as dificuldades, os contratempos, as contrariedades, as crises, as provocações, os incômodos vividos pelos professores. Saviani enfatiza que, para a intencionalidade da realização da prática educativa, a pedagogia surge como uma teoria que deve orientar essa intencionalidade. Para o autor, desde a chegada dos jesuítas ao Brasil, temos a preocupação em desenvolver ação educativa de forma intencional.

De acordo com o autor, o termo ‘pedagogia’ está ausente da problemática pedagógica desde a expulsão dos jesuítas. Assim, no plano educacional de Nobrega, no Ratio Studiorum e nas reformas pombalinas, não aparece o termo ‘pedagogia’.

Saviani expõe, durante o capítulo, as vicissitudes que transcorrem no curso de pedagogia e na sua instauração, e indica que a primeira reformulação do curso de pedagogia aparece com a nossa primeira LDB, lei 4024/61, no parecer 251, de 1962. Nessa reformulação, manteve-se a duplicidade de bacharelado e licenciatura, assim como o núcleo básico do currículo formativo, e houve a dissolução do esquema 3+1. O autor destaca que as vicissitudes pelas quais passava a pedagogia conduziram à organização, na I Conferência Brasileira de Educação realizada em 1980, do Comitê Pró-participação na reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura, transformado, em 1983, na Comissão Nacional pela Reformulação de Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE), que, em 1990, se converte na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (Anfope). Em 2006, a pedagogia aprova as suas Diretrizes curriculares nacionais, aspecto apontado por Saviani como a oitava vicissitude da história da pedagogia no Brasil. O autor também assinala que o espaço apropriado para a realização de estudos e pesquisas educacionais amplos são as faculdades de educação.

No terceiro capítulo, ‘Pedagogia, paixão e crítica’, texto organizado para a aula inaugural de 2011 no curso de pedagogia da Unicamp, o autor se coloca em diálogo com os calouros do referido curso. Destaca a importância e o fascínio deles pelo ofício que chama de apaixonante: a pedagogia, que tem como objetivo a produção da humanidade no homem, e, nesse sentido, ele destaca o sentido dual da palavra paixão. Para abordar essa dualidade, Saviani aponta a paixão de ser professor em cinco estações em seu texto: 1.ª) a estação ‘Educação na Grécia’ elabora a perspectiva rígida e de sofrimento de que se reveste a educação; 2.ª) a estação ‘Educação em Roma’ apresenta a relação de entusiasmo pela educação e também de sofrimento, a relação de menosprezo à exaltação da educação, ambos os polos sintetizados na paixão; 3.ª) a estação ‘Educação na idade média’ assinala a decadência da cultura clássica e o surgimento das universidades e dos mestres livres; 4.ª) a estação ‘Educação moderna ou burguesa’ apresenta a constatação de uma escola institucionalizada e de uma educação miserável e precária; 5.ª) a última estação, ‘Educação no Brasil’, destaca a paixão do educador e seu padecimento, e a contradição de uma política educacional mais preocupada com as estatísticas do que com a qualidade da educação. O autor revela que é desejável estimular, nos estudantes de pedagogia e nos próprios pedagogos, o entusiasmo e a dedicação pela causa da educação, mas devemos atentar a uma postura ingênua que pode trazer o resultado contrário do que se quer de um ofício apaixonante como a pedagogia.

No capítulo seguinte, ‘Ética, educação e cidadania’, o autor aborda a trilogia ética, educação e cidadania, colocando a educação literalmente no centro do debate, remetendo às suas obras para elaborar alguns conceitos, como o de educação. Conforme o autor, a educação não apresenta a ética nem garante a cidadania, mas ela institui a humanidade no homem. O texto apresenta uma descrição sobre o homem, a educação e a ética e seus valores. Saviani coloca a educação escolar como um aspecto necessário para o desenvolvimento da cidadania, que juntamente com a ética, formam a trilogia apontada pelo autor. Tendo em vista essa trilogia, ele considera a sociedade burguesa e a divisão de classes, expondo as determinações sociais e históricas ali expressas, aspecto importante para a compreensão dos impasses recorrentes na sociedade atual capitalista e burguesa. Diante desse contexto, a ética, a educação e a cidadania, para o autor, converter-se-ão na expressão plena do desenvolvimento da existência humana.

No quinto capítulo, ‘Dilemas e perspectivas da formação de professores no Brasil’, o autor apresenta a situação atual da educação e a formação de professores; para tanto, retoma aspectos sobre a educação no século XX. O autor expõe cinco dilemas na formação de professores a partir de pareceres, resoluções e diretrizes nacionais. Os pareceres não denotam elementos que garantam uma formação de professores consistente. Além de apresentar os dilemas, o autor descreve as perspectivas da formação docente no Brasil, que ele coloca como desafios a serem enfrentados na formação de professores, principalmente a fragmentação e a descontinuidade das políticas educacionais. As condições do trabalho docente é outro ponto decisivo na formação, pois assim aparece o valor social da profissão. A garantia de uma formação consistente assegura condições adequadas de trabalho, e para tanto se deve olhar para os recursos financeiros correspondentes.

‘O direito à educação’ é o sexto capítulo, em que se apresenta a educação como direito proclamado, diferenciando os direitos civis, políticos e sociais. Para debater essas diferenças, o autor analisa as medidas tomadas pelo Estado perante o direito à educação.

No sétimo capítulo, o tema é ‘O paradoxo da educação escolar: análise das expectativas contraditórias depositadas na escola’. ‘Que escola queremos?’ é a questão que o autor analisa para elaborar os paradoxos que circulam no âmbito da sociedade no que se refere à educação. Saviani aponta que queremos uma escola que forme para a cidadania, e assim explora o paradoxo da escola cidadã, o paradoxo da escola imparcial, o paradoxo da escola igualitária e o paradoxo da escola equalizadora. O autor enfatiza que o desafio posto pela sociedade capitalista à educação pública poderá ser enfrentado com a superação da sociedade capitalista. Explica que a educação está intrinsecamente relacionada com os meios de produção capitalista e que, contraditoriamente, nela há elementos para a transformação do capital.

No oitavo capítulo, ‘Importância da filosofia para a educação’, o autor recorre à filosofia para compreender a situação atual da educação, marcada pela crise de paradigmas, pois considera a filosofia e a história como produção da própria existência humana no tempo. É a partir da filosofia que se acompanham reflexiva e criticamente as propostas educacionais e seus fundamentos e o homem se coloca como sujeito histórico.

‘Politecnia e a formação humana’ é o debate do nono capítulo, em que a noção de politecnia e de trabalho são o referencial. Saviani entende o conceito de trabalho como princípio educativo, ou seja, toda organização educativa se dá a partir do trabalho e do entendimento da realidade do trabalho. O homem se constitui enquanto homem a partir do trabalho, pois é preciso produzir sua existência. Nesse sentido, o que define a existência humana é a realidade do trabalho, e o autor assevera que a realidade da escola deve ser analisada por esse ângulo. A ciência atinge uma parcela pequena da humanidade nas formas anteriores de sociedade, e é na sociedade moderna que a ciência vai alargar o conjunto da sociedade, pois a potência material é incorporada ao trabalho social produtivo. Isso porque o domínio da ciência corresponde ao conjunto da sociedade; assim, o currículo escolar elementar precisa considerar essencialmente o domínio da linguagem escrita, sendo composto pelo domínio da linguagem, da matemática, das ciências naturais e das ciências sociais. O autor considera que não podemos perder de vista o caráter transformador e revolucionário da educação diante de um momento em que, mais do que nunca, é necessário lutar e resistir para a transformação da sociedade, caminhando na possibilidade de que todos os homens se beneficiem do desenvolvimento das forças produtivas.

O décimo capítulo aborda o futuro da universidade entre o possível e o desejável. Saviani define que a universidade se encontra com dois futuros possíveis. O primeiro é que a universidade se verga às imposições do mercado. Com essa possibilidade, o autor constata que a universidade corresponde à tendência dominante e aponta ser um futuro indesejável. O segundo tem a sua possibilidade condicionada à reversão da primeira, o que implica projetos econômicos em torno da vida social atual. E inversamente ao primeiro, esse futuro não é previsível e sua visibilidade é problemática, mas desejável. A partir dos aspectos históricos da educação, o autor desenha o quadro em que se configura a educação superior no Brasil, afirmando estar ela submissa aos mecanismos e às demandas do mercado, sendo este um aspecto mundial que também se manifesta no Brasil.

‘Pós-graduação em educação, interdisciplinaridade e formação de professores’ é o décimo primeiro capítulo, no qual o autor segue discutindo a educação superior em nível de pós-graduação e resgata o significado e a implantação da pós-graduação no Brasil, abordando sua estrutura organizacional. A organização da pós-graduação no Brasil acontece com o parecer n. 9.77 do Conselho Federal de Educação em 1965. Trata-se de um parecer que trata da conceituação dos estudos pós-graduados, com base em experiências americanas. Para a abordagem crítica sobre a interdisciplinaridade e a abordagem científica da educação, Saviani analisa a estrutura curricular da pós-graduação. O autor problematiza a banalização da questão interdisciplinar recorrente na atualidade e explica o que é ciência da educação a partir das disciplinas psicologia, sociologia e história da educação. As abordagens disciplinares e interdisciplinares correspondem a um movimento analítico, abstrato, necessário para se passar à síncrese, movimento empírico, e ao concreto, a síntese do todo (caótico), conforme descreve o autor baseado na intuição do todo (articulado) apropriado pelo pensamento. Saviani afirma que este é o caminho para constituir uma ciência da educação. O capítulo ainda abre uma discussão sobre a formação docente e a pós-graduação, o resgate da história da educação a partir da colônia, apresenta como se deu a formação de professores.

E o capítulo final, décimo segundo, elenca ‘A importância da educação no projeto de desenvolvimento do País’. A questão do financiamento da educação é abordada pelo autor nesse capítulo final, no qual expõe que a relação entre educação e desenvolvimento pode ser considerada a partir de três distintas concepções: educação pelo desenvolvimento, educação para o desenvolvimento e educação como desenvolvimento. Como conclusão, destaca o Plano Nacional de Educação, como estratégia importante para tornar real a qualidade da educação pública. O autor enfatiza que dois eixos do PNE são necessários para isso: o financiamento e o magistério. A questão docente é primordial, pois dela depende o alcance das metas voltadas para a melhoria da qualidade na educação básica.

O livro é direcionado especificamente aos professores que sofrem com a questão salarial, com constrangimentos morais e materiais; professores sobrecarregados de aulas, que atuam em situações de precarização na escola. Saviani coloca em pauta o debate crítico sobre as questões educacionais e convoca a união das forças representativas dos professores, alunos e pais, na busca de uma educação de qualidade para a transformação da realidade social, política e cultural da sociedade em que vivemos com tantas desigualdades. Trata-se de uma obra de referência, alicerçada em compromissos éticos e políticos sólidos, preocupada com a elevação da cultura científica para todos, no sentido da tranformação da sociedade e do universo educativo. Para tanto, o autor se fundamenta nas matrizes culturais e filosóficas clássicas e no marxismo, reafirmando a necessidade da luta, da resistência, para a construção de uma sociedade coletiva para todos.

Desiré Luciane Dominscheck – Doutoranda em Educação linha de Filosofia e História da Educação pela UNICAMP. Membro do Grupo de estudos e pesquisa: HISTEDBR, Professora do História da Educação- Centro Universitário Internacional-Uninter. E-mail: [email protected]

Sarah Maia Machado Silva – Doutora em Educação :Linha Filosofia e História da Educação pela Universidade Estadual de Campinas -Unicamp, membro do grupo de pesquisa Paideia. E-mail:[email protected]

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Jan Hus – cartas de um educador e seu legado imortal – AGUIAR (RBHE)

AGUIAR, T. B. Jan Hus – cartas de um educador e seu legado imortal. São Paulo: Annablume; Fapesp; Consulado Geral da República Tcheca, 2012. 444 p. Resenha de: NASCIMENTO, Renata Cristina de Sousa. Cartas de Jean Hus: Indícios de uma intenção educativa. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 2 (38), p. 309-314, maio/ago. 2015

Partindo da proposta epistemológica de Carlo Ginzburg (1989), no ensaio Sinais: raízes de um paradigma indiciário1, Thiago Borges de Aguiar procurou, em sua pesquisa, conhecer e interpretar a ação educativa de Jan Hus, pregador e importante intelectual, que viveu na Boêmia e morreu condenado pela inquisição em 1415. Ele procura os indícios de um educador, que esteve presente através de suas cartas. “Destas chegaram até nós cerca de uma centena, escritas no período de 1404 a 1415, com aproximadamente 80% em latim e o restante em tcheco” (AGUIAR, 2012, p. 39). Em que sentido essa documentação pode expressar a perspectiva educativa de Hus? É preciso ter em mente que a análise de fontes narrativas, como as cartas, sofre a interferência de nossos padrões conceituais, nem sempre compatíveis com a realidade em que foram concebidas. Presente, pois, esta ‘recomendação metodológica’, de aproximação com o passado medieval, dentro do que é possível ao pesquisador de hoje, o autor buscou por meio de dados, aparentemente negligenciáveis, remontar uma realidade complexa, seguindo pistas que poderiam elucidar a rede de relações em que o clérigo boêmio estava inserido, e o discurso educativo presente em seus escritos.

A primeira edição da correspondência de J. Hus foi realizada no século XVI, pelo reformador Martinho Lutero, intitulada Epistola Quadam Piissima et Eruditissima Iohannis Hus. Outras edições foram publicadas seguidamente. Destas Aguiar trabalhou diretamente com duas: a que chamou Documenta, editada por Frantisek Palacký no século XIX, e a outra Korespondence, publicada em Praga em 1920 por Václav Novotný. Tanto o Documenta quanto a Korespondence possuem traduções para o inglês. Grande parte das cartas foi escrita na prisão, no período em que Hus esteve cativo na cidade de Constança. Como a publicação de Lutero foi a precursora da preservação da correspondência, é preciso considerar que parte delas pode ter sido perdida.

O autor analisa a forma de se escrever cartas no século XV, destacando que, nessa época, o manuscrito deixou de ser um objeto quase sagrado, tornando-se um veículo de transmissão do saber. Essa mudança foi notória a partir do século XII com a organização das universidades. Outra importante transformação narrativa foi o aumento significativo da escrita pessoal, privada. Em relação à correspondência hussita, partes dessas cartas também podem ser consideradas pastorais, endereçadas a uma comunidade específica, ou seja, aos praguenses, especialmente os que frequentavam a Capela de Belém, espaço de pregação e vivência direta do clérigo boêmio. Outra parte considerável, um total de 107, é constituída por cartas pessoais que esperavam por resposta. Nessas fontes, o autor procurou indícios de uma intenção educativa em Hus, pois ele correspondeu-se com todas as camadas sociais da época. “Hus era professor da Universidade de Praga e pregador da Capela de Belém. Esses dois lugares marcaram os espaços a partir dos quais ele participou de uma rede de relações, por meio da correspondência.” (AGUIAR, 2012, p. 97). Suas cartas são consideradas pelo autor como artifícios de ensino. Nelas teria a intenção de aconselhar; continuar seu trabalho intelectual; elaborar uma refutação às diversas acusações que lhe foram imputadas; defender a verdade; dar continuidade à sua tarefa pastoral. A produção escrita de J. Hus é imensa, incluindo, além das cartas, diversos sermões, textos devocionais e teológicos. Entre estes, o mais conhecido e discutido no âmbito acadêmico é o Tratado sobre a Igreja (Tractatus de Ecclesia). Nesse texto, afirmou que o pontífice não seria o chefe da Igreja Universal, motivo fulcral em sua condenação à morte como heresiarca, pelo Concílio de Constança no século XV. Uma característica de seus escritos é o uso da língua tcheca e não somente do latim. Devido a isso, sua produção também possui grande valor linguístico. Na busca pelo educador, o autor afirma que Hus realizou ação educativa por meio de sua produção escrita e de seus sermões. Em sua feroz oposição à Bulla indulgentiarum Pape Joannis XXIII, construiu parte de sua argumentação por intermédio de seus sermões na Capela de Belém, e de debates realizados na Universidade de Praga, o que lhe valeu, mais uma vez, a excomunhão2. Outra aproximação discursiva é com Paulo de Tarso. Assim como Paulo, Jan Hus educava por meio de cartas, escrevendo por estar distante. Nelas também afirmava que poderia morrer por defender a verdade, assim como Cristo o fizera. “Ele precisa escrever para pregar e defender seus princípios” (AGUIAR, 2012, p. 168). Parte importante da produção das cartas hussitas, segundo o autor, foram suas narrativas de viagem. Em agosto de 1414, o clérigo da Boêmia anunciou sua decisão de aceitar o convite do rei Venceslau e ir à Constança. Em seu trajeto, enviava cartas detalhadas sobre as cidades pelas quais passava, e a forma como era recebido. Com sua prisão em Constança, seu estilo de escrita sofreu alterações. Aguiar analisa, então, como os temas prisão e morte tornaram-se constantes em sua correspondência. Sua concepção de ensino adquiriu, ainda mais, um viés religioso. Ao escrever ao povo da Boêmia, enfatizava a importância da salvação e do louvor a Deus.

Thiago Aguiar oferece importante contribuição de cunho histórico, quando analisa as cartas enviadas a partir do dia 18 de junho de 1415, data da formulação final da sentença de morte na fogueira. “Neste período entre 18 de julho, quando recebeu a versão final de suas acusações, até 6 de junho, quando ocorreu seu julgamento, condenação e morte, encontramos vinte e cinco cartas escritas por Hus” (AGUIAR, 2012, p. 205). Nestas narrou pormenores de seu julgamento e a impossibilidade de defesa, criticou a desorganização do Concílio, a incompetência e fragilidade intelectual de seus adversários. Elas serviram também como possibilidade de se defender, já que não obteve em Constança espaço real para explicar seu pensamento, expresso em seus escritos. Essas fontes singulares revelam a memória de seus últimos dias e sua convicção de luta pelo que considerava verdade.

Na terceira parte do livro, o autor desenvolve o que chama de construção de um educador por seu legado. Neste âmbito, demonstra como aqueles que foram influenciados por Hus reelaboraram seu legado em diferentes épocas e contextos. Um dos primeiros biógrafos de Hus foi Petr de Mladoñovice, também responsável pela preservação de suas cartas. Mladoñovice foi seu aluno na Universidade de Praga, tendo sido escolhido pelo nobre Jan de Chlum, a quem Hus dirigiu parte de sua correspondência, para acompanhar o clérigo da Boêmia até Constança. Após a morte de Hus, tornou-se professor na Universidade de Praga, assumindo aos poucos papel de destaque entre os Utraquistas3. Seu relato sobre J. Hus é intitulado Historia de sanctissimo martyre Johanne Hus4, primeiramente publicado em Nuremberg em 1528, também por influência de Lutero. Como o próprio nome revela, essa narrativa foi fundamental na construção de Hus como mártir. O mártir defensor da verdade. “Preservar a memória e a verdade por meio do fiel registro do que aconteceu durante o Concílio de Constança foi uma intenção e pedido do próprio Hus” (AGUIAR, 2012, p. 248). Em suas cartas, sempre repetia que não era um herege, e sim um defensor do que era a verdade. Petr de Mladoñovice é o responsável pela divulgação do que a tradição diz que seriam as últimas palavras do mestre Hus: “Tem piedade de mim, ó Deus, eu me abrigo em ti” e “[…] em tuas mãos eu entrego meu espírito”. Uma clara analogia aos últimos momentos da crucificação de Cristo, narrada no evangelho de São Lucas.

A partir da página 274, Aguiar passa a construir o trajeto da expansão da memória de Hus além de sua terra natal, ou seja, a Boêmia. Mesmo com as cinco cruzadas enviadas a essa região, após a eleição do papa Martinho V em 1418, a memória da vida e do sacrifício de Hus, e de seu companheiro e principal discípulo Jerônimo de Praga, também condenado à morte na fogueira em Constança, não parou de crescer. A igreja da Morávia, de influência hussita, é resultado do grupo conhecido como União dos Irmãos. Jan Amós Comenius (1592-1670), destacado educador, foi um de seus mais famosos bispos.

Sem dúvida, o mais importante divulgador do legado de Hus foi Martinho Lutero (1483-1546). Leitor dos escritos hussitas, ele o considerava um verdadeiro cristão. Foi, como já afirmado, o primeiro a publicar suas cartas. Essa divulgação da memória escrita de Hus ocorreu justamente na época do Concílio de Trento (1545-1563), claramente como uma advertência contra a injustiça. Os elogios de Lutero a Hus elaboraram, ao longo do tempo, outra imagem desse personagem, para além de mártir e defensor da verdade: a de precursor do protestantismo, ao lado de John Wycliffe (1328-1384). Lutero afirmou, no prefácio à segunda edição das cartas, que se Hus tivesse sido um herege, ninguém sob o sol poderia ser visto como verdadeiro cristão. Outro escritor protestante que contribuiu para a rememoração de Hus, como precursor reformista, foi John Foxe, que viveu na Inglaterra ainda no século XVI. Aguiar analisa a importância desse autor, entre outros, na introdução do pensamento hussita entre os protestantes. Foxe foi um dos primeiros a traduzir para o inglês os primeiros escritos sobre Hus, sendo também autor do Livro dos Mártires.

Na discussão sobre as traduções da obra de Hus, o autor diz que “[…] cada nova publicação das cartas de Hus é uma nova leitura, acrescentando interpretações e propondo mudanças na compreensão desta correspondência” (AGUIAR, 2012, p. 288). Na França, destaca a figura de Émile de Bonnechose (1801-1875), que publicou, em sua época, dois importantes livros sobre Hus. Entre eles, a biografia intitulada “Os Reformadores Antes da Reforma: Século XV”. Nessa obra, aparece uma nova imagem dos hussitas, como defensores da liberdade de consciência. O contexto da França revolucionária e anticatólica foi fundamental nessa nova reelaboração. Outra contribuição de Thiago Aguiar foi a apresentação de grande parte da historiografia tcheca sobre a reforma na Boêmia. Para ele, “[…] existiram muitos Hus, dependendo da época que se escreveu sobre ele” (AGUIAR, 2012, p. 301). As fontes são as mesmas, mas cada historiador reconstruiu o próprio personagem.

Outro destaque é o uso da figura de Hus como símbolo nacional, representação identitária para o povo tcheco. O nacionalismo do século XIX e a luta pelo fim da anexação ao Império Austro-Húngaro contribuíram para a rememoração do legado desse personagem. As várias mudanças políticas no mapa da região, a criação da Tchecoslováquia e da futura República Tcheca buscaram também em J. Hus uma simbologia, revelando a longa duração do imaginário sobre ele. Essa busca pelo Hus histórico o recriou através de um discurso laudatório e até apologético. Em relação à área da educação, ele também foi visto como o educador da nação tcheca. Outro viés do legado do clérigo da Boêmia foi a construção de sua primeira estátua em 1869 e de seu memorial em 1915. Por fim, o autor procura, no legado imagético de Hus, sua herança cultural. Dividindo a análise em rostos e cenas, Aguiar faz uma rápida discussão sobre algumas representações escultóricas, desenhos, gravuras e imagens construídas desde a idade média. Entre elas, destacou as de mártir, santo, intelectual pregador e defensor da verdade. Percebe-se a inter-relação da narrativa escrita com a imagética. De que maneira Hus é lembrado nos dias de hoje? É importante sua contribuição na área da educação?

Como um personagem é uma construção contemporânea, o livro em análise pode ser visto como um novo olhar, uma nova leitura sobre o clérigo da Boêmia, garantindo uma contribuição da historiografia brasileira, por meio de Thiago Aguiar, na rememoração e reconstrução discursiva de Hus, um indício de seu legado imortal.

Notas

1GINZBURG, C. Mitos, emblemas e sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

2O papa enviou a sentença de excomunhão maior, que foi tornada pública em 18 de outubro de 1412.

3 Utraquistas é um dos nomes atribuídos ao grupo dos Hussitas, posteriores à morte de Jan Huss, que defendiam o oferecimento da comunhão com o pão e com o vinho (sub utraque specie) também para os

leigos. O utraquismo foi condenado como heresia pelos Concílios de Constança, Basiléia e Trento (AGUIAR, 2012, p. 245).

4 O relato de Petr foi publicado na Boêmia apenas em 1869 por Palacký, sendo posteriormente revisto, a partir de novas fontes, em 1932 por Novotný. Esta última edição é base para a tradução de Matthew Spinka em 1965. Essa versão é a que foi utilizada pelo autor (AGUIAR, 2012).

Renata Cristina de Sousa Nascimento – Doutora em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Participante do NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos – UFPR). Professora da Universidade Federal de Goiás (UFG), da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Mestrado em História). E-mail: [email protected]

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Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – SOUZA et al. (RBHE)

SOUZA, R. F.; SILVA, V. L. G.; SÁ, E. F. (Org.). Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930). Cuiabá: EdUFMT, 2013. 326 p. Resenha de: ERMEL, Tatiane de Freitas. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 1 (37), p. 343-349, jan./abr. 2015.

A obra intitulada Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870- 1930), organizada pelas pesquisadoras Rosa Fátima de Souza, Vera Lúcia Gaspar da Silva e Elizabeth Figueiredo de Sá é fruto do projeto de pesquisa ‘Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – CNPq’, coordenado por Rosa Fátima de Souza. Publicada em 2013, consiste em um trabalho de fôlego, composto por nove capítulos, escritos por 23 autores, envolvendo 15 Estados brasileiros: Acre, Maranhão, Piauí, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso, Goiás, Rio Grande do Norte, Paraíba, Sergipe, Bahia, Rio de Janeiro, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O objetivo principal deste estudo visa compreender o processo de institucionalização das escolas graduadas em diferentes Estados, modos de circulação e apropriação de inovações e modelos pedagógicos.

No primeiro capítulo, ‘A escola modelar da República e a escolarização da infância no Brasil: reflexões sobre uma investigação comparada em âmbito nacional’, de autoria de Rosa Fátima de Souza, temos uma apresentação geral dos estudos, com explicação do projeto e as categorias de análise: o primeiro aborda os grupos escolares na História da Educação no Brasil e sua constituição como objeto de estudo. O segundo abarca questões teórico-metodológicas da história da educação comparada. No terceiro é apresentada a trajetória de pesquisa a partir dos quatro grupos temáticos organizados pelos pesquisadores: “[…] GT1 – Estudo do significado das iniciativas de adoção e das práticas geradas pelo método intuitivo e seus desdobramentos e inflexões a partir da difusão da escola nova; GT2 – exame da materialidade da escola primária graduada pelo estudo da cultura material escolar; GT3 – análise das representações sociais sobre os grupos escolares; GT4 – estudo da institucionalização da escola graduada nos vários estados do Brasil, considerando as reformas educacionais, a expansão das instituições escolares, a organização pedagógica e a relação entre os vários tipos de escolas primárias – escolas isoladas, reunidas, grupos escolares e escolas municipais, estaduais e privadas” (SOUZA, 2013, p. 38).

No quarto e último tópico, a autora coloca pontos importantes para a discussão da escola primária graduada e o desenho de uma nova agenda de investigação, privilegiando as análises comparadas, uma revisão das interpretações instituídas sobre o modelo de grupo escolar e a consideração do sentido de modernidade educacional, instituído na escola primária.

O segundo capítulo, ‘Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo comparativo das marcas de escolarização primária’, de autoria de Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, Antônio de Pádua Carvalho Lopes, Luciano Mendes Faria Filho e Fernando Mendes Resende, aborda os grupos escolares como acervo educacional brasileiro, priorizando os Estados de Minas Gerais, Piauí e Paraíba. Analisa essas instituições e seus movimentos de rompimento, modernidade e nova tradição educacional e escolar. Ainda, discute os grupos escolares enquanto foco nas pesquisas universitárias, na década de 1990, trazendo a necessidade de constituição de lugares de memória, de acordo com as reflexões propostas pelo historiador Pierre Nora.

Os autores buscam registros dos grupos escolares nos livros de história local e na perspectiva dos memorialistas. O material analisado compreende livros de história local (município, cidade) de 1910 a 2000 e livros de memória, de 1940 a 2000, totalizando 196 exemplares. O material aborda a fundação e a descrição física dos grupos escolares; seus primeiros professores; a memória de ter sido aluno; novas práticas pedagógicas; cultura material e cultura escolar; fiscalização do trabalho docente e eficácia do ensino; assim como a competição que os grupos escolares terminariam por estimular com outros tipos de escola. Os autores identificaram a fundação dessas instituições como momento marco na história da educação do município/cidade e a presença do nome lavrado nos prédios, que nem sempre eram adequados. Sobre os/as primeiros/as professores/as, eram descritos/as como exigentes, caprichosos/as, dedicados/as e eficientes. As memórias de alunos priorizaram os pioneiros, os nomes de colegas, os dias de prova, as transgressões às normas e idas à diretora. Com relação às práticas pedagógicas nos grupos escolares, destacam a formação e qualificação nas Escolas Normais, dentro dos princípios de inovação, modernização e atualização do professorado.

No terceiro capítulo ‘A escola primária e o ideário Republicanista nas mensagens dos Presidentes dos Estados (1893-1918)’, os autores José Carlos Araújo, Rosa Fátima de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto, analisam a relativa amplitude nacional a respeito da institucionalização dos grupos escolares no Brasil, a partir das mensagens dos presidentes das províncias. A investigação compara o ideário republicanista veiculado em dez Estados e um território (Acre), nos respectivos anos de instauração dessas instituições. Ainda, problematiza os modelos de república existentes e os princípios do federalismo. As mensagens analisadas entre 1895 e 1926, via de regra, são descritivas em relação ao andamento administrativo anual. A novidade escolar brasileira, desde o final do século XIX, foi a reunião de escolas em um só prédio, o ensino agrupado em centros populosos e a inadequação dos prédios e a falta de mobiliário. Os autores concluem que as mensagens apresentam os grupos escolares como modelo, a instrução primária como instrumento civilizatório, a necessidade de modernizar o método de ensino e o número elevado de escolas isoladas, apresentando um modelo de desigualdade e disputas entre poderes municipais e estaduais.

O quarto capítulo, ‘O Federalismo Republicano e o financiamento da Escola Primária no Brasil’, de autoria de Jorge Nascimento e Lúcia

Maria Franca Rocha, tem como objetivo analisar o financiamento da educação em 11 Estados, estabelecendo uma comparação entre cinco deles – Bahia, Goiás, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Sergipe. Salienta um silêncio dos estudos sobre financiamentos na historiografia, destacando que essa questão era central nos discursos sobre a instrução primária (edifícios escolares, pagamento dos docentes e outros servidores). A análise da documentação evidencia que os maiores gastos com a instrução pública eram com os edifícios escolares, sendo também significativos o com a inspetoria escolar (passagens/diárias). O financiamento da instrução pública também vinha de associações de homens entusiasmados, assinalando construções pelas associações de profissionais liberais, campanhas para arrecadações e doações de mansões, como, por exemplo, o Grupo Escolar Valadão, inaugurado em 1918, construído pela iniciativa particular e depois doado ao Estado.

O quinto capítulo, ‘A expansão da Escola Primária Graduada nos Estados na 1ª República: a ação dos poderes públicos’, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Elizabeth Figueiredo Sá e Maria do Amparo Borges Ferro, analisa a atuação marcante dos poderes locais (indivíduos, grupos sociais, familiares e municipalidades) nos processos de criação e implementação de escolas em suas diferentes modalidades. Foram 11 Estados abordados (Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Bahia, Rio Grande do Norte, Maranhão, Sergipe, Piauí, Acre), merecendo destaque a participação mais efetiva dos municípios de Pernambuco, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e São Paulo na criação dos grupos escolares e na manutenção de prédios próprios. Neste capítulo, as autoras não apresentaram claramente os Estados abordados, necessitando o leitor buscar ao longo do texto os marcos espaciais do estudo.

O sexto capítulo, de Elizabeth Miranda Lima e Maria Auxiliadora Barbosa Macedo, ‘A institucionalização do modelo de Escola Graduada’, analisa a institucionalização da escola graduada no Brasil em seu o processo de circulação, recepção e apropriação do modelo pedagógico nos Estados do Acre, Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais e Rio de Janeiro. As autoras destacam a força material e ideológica dos grupos escolares no Brasil, dividindo o estudo em quatro grandes eixos: a crença na instrução primária como instrumento de melhoria individual e de progresso econômico e social; a organização e a institucionalização da educação primária com modelos e modalidades de escola, prevalecendo a modalidade de escola primária elementar e escola primária complementar, distribuídas em áreas rural e urbana; as finalidades educativas e organização curricular na escola primária republicana visavam melhorar o ser humano e a sociedade, promovendo o valor unificador atribuído pela república à educação; as avaliações e exames como marcos de encerramento, ordenamento e homogeneização. A análise comparada dos Estados apresenta traços comuns, regularidades e particularidades, principalmente quanto à visão de educação como via de progresso social. Também, destaca o currículo ideal de nacionalidade: língua portuguesa, conhecimentos matemáticos, educação física, lições de coisas (saúde, higiene e ciências) e saberes vinculados ao mundo do trabalho (agricultura, marcenaria, jardinagem e artes domésticas).

O sétimo capítulo, ‘A criança, educação de escola (São Paulo, Nordeste do Brasil, 1890 1930)’, de Marta Maria de Araújo, examina a institucionalização da escola primária republicana em São Paulo, Sergipe, Maranhão Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia, a partir da leitura de fontes documentais diversas. Primeiramente, destaca o papel modelar atribuído ao Estado de São Paulo. Apresenta os diferentes modelos de escolas públicas – preliminar, primária, elementar, grupo escolar, escola modelo, escola reunida, escola isolada, escola singular, externato, escola proletária, escola superior, escola de leitura, escola rudimentar, escola ambulante, escola rural – como prolongamento da forma política republicana, ou seja, de reprodução, no plano da escolarização, da ordem social vigente (disciplina, ordenamento, hierarquia). Para finalizar, salienta a diferenciação dos programas, tempo de curso e formação do professor, criando a distinção em que cada tipo de escola recebia um modelo social de aluno, sendo a escola modelo e o grupo escolar exemplos de superioridade.

No oitavo capítulo, ‘Modernidade metodológica e pedagógica do método intuitivo: Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo (1906-1920)’, de Vera Teresa Valdemarin, Gladys Mary Ghizoni Teive e Juliana

Cesário Hamdan, são analisadas as reformas educacionais, a comparação ao modelo europeu e americano e a discussão e aplicação do método intuitivo em vários Estados do Brasil. As autoras apontam que o marco inicial da circulação de ideais e difusão de modelos foi protagonizado pelo debates de Leôncio de Carvalho e Rui Barbosa (1879 a 1886). É identificada uma dicotomia entre dois polos, ou seja, os indicadores de inovação versus as dificuldades para implementá-la. A situação compreendia novos atores, territórios e dispositivos legais, como, por exemplo, o Estado de São Paulo e a Reforma da Escola Normal. As autoras analisam o método intuitivo a partir de impressos, modelos, práticas e interpretações, como na revista Eschola Publica, de São Paulo; os relatórios dos grupos escolares, de Minas Gerais; as reformas de Santa Catarina e a filiação à pedagogia moderna e seus principais ícones: Pestalozzi, Compayré, E. Rayot, Jules Paroz, Horace Mann, Celestin Hippeau; Buisson, Spencer, Gustave Le Bon e, especialmente, Norman

Allison Calkins. Para concluir, salientam as tensões entre o pretendido e o realizado, sendo que o analfabetismo da maioria da população conduz para uma redução de tempo e programa, a obrigatoriedade e a autonomia didática.

O último capítulo, ‘Cultura material escolar (Maranhão, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) 1870-1925’, de César Augusto de Castro, Diana Gonçalves Vidal, Eliane Peres, Gizele de Souza e Vera Lúcia Gaspar da Silva, atenta seu olhar para o estudo da cultura material. Os autores mostram a conexão entre inovação pedagógica e inovação material que, desde o século XIX, atribui a aquisição de novos objetos à qualidade do ensino, descartando antigos para dar lugar aos novos. Os autores demarcaram cinco tipos de fontes: carta do professor e da escola; documentos administrativos (como lista de materiais, almoxarifado, inventários); relatórios; jornais; e legislação. Organizaram as categorias de análise em: mobília, utensílios de escrita, livros e revistas escolares; materiais visuais, sonoros e táteis; para ensino, organização/escrituração da escola; prédios escolares; material de higiene; trabalho dos alunos; indumentárias; ornamentos; honrarias; jogos e brinquedos. Dois quadros elaborados pelos autores são significativos para compreensão do estudo, o primeiro sobre instrumentos e suportes para o ensino da escrita (almofadas, borrachas, canetas, penas, tinteiro, entre outros) e o segundo sobre suportes para escrever (lousa, papeis, cadernos, quadros, entre outros). As conclusões mostram a existência de uma relativa uniformidade em relação à cultura material e os Estados pesquisados, no entanto, esse elemento faltou ser explorado na escrita como um todo, trazendo exemplos e discussões ao longo do texto.

No intuito de finalizar minha incursão e abordagem acerca da obra, como toda a resenha propõe, reforço a sua importante contribuição para a história da educação primária brasileira, no momento de sua construção física e ideológica. O direcionamento do olhar, não apenas para as escolas modelo e grupos escolares, mas para a permanência e significância numérica das escolas isoladas, por todo o território nacional, consiste em um movimento produtivo de pesquisa na área. O estudo comparado de 15 Estados, descrevendo uma relação constante entre unidade e diversidade, consiste em um desafio que deve ser encarado por mais pesquisadores, abarcando temas, teorias, metodologias, fontes e problemáticas que ainda silenciam ou pouco se comunicam nesse vasto terreno de possibilidades.

Sinalizo, ainda, a necessidade de avanços, no sentido de seconfigurar uma cartografia acerca da escola primária no Brasil, na perspectiva da longa duração. A publicação de uma obra como esta, ao contrário de um sentimento de fechamento, torna mais visíveis os vácuos existentes, as incompletudes e os caminhos que urgem serem percorridos.

Tatiane de Freitas Ermel – Doutoranda em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul/PUCRS e bolsista Capes-Prosup. Mestre em Educação PPGE/PUCRS; Licenciada e Bacharel em História FFCH/PUCRS. E-mail: [email protected]

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A formação de padres no nordeste do Brasil (1894-1933) – BARRETO (RBHE)

BARRETO, R. A. D. N. A formação de padres no nordeste do Brasil (1894-1933). Natal: EDUFRN, 2011. Resenha de: SANTOS, Laísa Dias Santos ; LIMA, Solyane Silveira. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 15, n. 1 (37), p. 335-341, jan./abr. 2015

Ao descortinar os fundamentos, bem como os modelos escolares que dirigiram e orientaram a formação sacerdotal, no Seminário Sagrado Coração de Jesus, criado em 1913 em Sergipe, e no seu precursor, o Seminário Nossa Senhora da Conceição, fundado em 1894 na Paraíba, o livro procura estabelecer um estudo comparativo entre os referidos seminários, as distintas etapas pelas quais passaram essas instituições e os produtos dessa formação. Nesta obra, produto da tese de doutoramento de Raylane Andreza Dias Navarro Barreto, dois personagens ganham destaque. O primeiro é Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques, primeiro bispo da Diocese de João Pessoa, fundador do Seminário da Paraíba e mentor intelectual do segundo personagem, Dom José Tomás Gomes da Silva, primeiro bispo da Diocese de Aracaju, bem como bispo fundador do Seminário Episcopal Sagrado Coração de Jesus.

Por meio do método histórico comparativo aplicado à educação, a autora investiga as ações de Dom Adauto e Dom José, como ficaram conhecidos, revelando que o modelo de formação dos seminários de João Pessoa e Aracaju constituiu não só sujeitos voltados para a catequização, ‘recrutamento de fiéis e solidificação da fé’, ou seja, padres que atuaram no púlpito da igreja, mas também padres-professores, padres-militantes, padres-jornalistas, padres-escritores, padres-políticos, enfim, intelectuais que atuaram dentro e fora da Igreja Católica Apostólica Romana.

O estudo detalhado, profundo e complexo, realizado por Barreto em sua obra, permite que o leitor adentre nos seminários, convidando-o a conviver com os padres de Dom José e Dom Adauto no período de 1894 a 1913. Para tanto, o leitor deve passar por cinco capítulos. Neles, a autora dialoga com o sacrossanto e ecumênico Concílio de Trento (1781),

Azevedo (1963), Leite (1945), Hansen (2001), Ratio Studiorum (1952), Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), Matos (2002, 2003, 2004), Hauck (1992), Pratta (2002), Alves (2001, 2002), Nogueira (1985), Sangenis (2004) e Miceli (1998). Além disso, utiliza as noções comparativas de ‘modelo escolar’, segundo Araújo e Barros (2004), para pensar a estrutura organizativa da instituição, e ‘intelectuais’, de acordo com Jean François Sirinelli (1996). Inspirada pelos estudos deste autor, Barreto considera que a noção de intelectual pode ser definida de duas formas. A primeira, mais ampla e sociocultural, envolve os criadores, sujeitos que participam da ‘concepção artística e literária ou do progresso’ e os mediadores, que contribuem na difusão e expansão do que foi criado. Já a definição mais estreita de intelectual refere-se aos engajadores, sujeitos que se unem a uma causa, sendo conhecidos pela sociedade por se colocarem a serviço dela. A própria consideração da autora sobre as noções de modelo escolar e intelectuais torna-se de grande relevância para pensar as questões propostas pelo livro, pois, como assevera Barreto,

[…] o modelo escolar aplicado nos Seminários brasileiros criados após a política de laicização tratou-se de um modelo com uma matriz única (com formação em seminários e objetivos predispostos pela Santa Sé), embora adaptada, em alguns pressupostos, à realidade local e que, por sua estrutura formativa (privilegiando não só o espiritual e o moral, mas também o intelectual), foram responsáveis por gerações de “intelectuais” (professores, jornalistas, escritores, etc.) que alavancaram a educação escolar no Brasil, nas três primeiras décadas da República, quando, na teoria, o Estado era laico, ou dentre outros fatores, não mais contava com o auxílio da Igreja para o ensino público no país (BARRETO, 2011, p. 49).

É com base em tal pressuposto que a autora elabora os capítulos que compõem a obra. Desse modo, no primeiro capítulo, intitulado ‘Ponto de partida para a investigação histórica da formação sacerdotal no Brasil’, ela realiza um apanhado histórico sobre a formação dos sacerdotes brasileiros a partir de momentos chave na definição e estruturação dessa constituição, enquanto no segundo, nomeado ‘Em que fundamentos doutrinários assentou-se a formação sacerdotal dos tempos modernos?’, são abordados os fundamentos doutrinários que sustentaram a formação de padres romanizados. ‘Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques e Dom José Tomás Gomes da Silva na construção de seus edifícios institucionais católicos’ é o terceiro capítulo. Nele, é construída uma análise dos perfis biográficos dos bispos Dom Adauto e Dom José, como também da identidade institucional, forjada pelos seminários de João Pessoa e Aracaju. No quarto capítulo, intitulado ‘O procedimento formativo no Seminário Nossa Senhora da Conceição de João Pessoa e no Seminário Episcopal do Sagrado Coração de Jesus de Aracaju’, Barreto revela os procedimentos de formação, implementados nos seminários, mostrando semelhanças e divergências entre os modelos e organização escolar. Por fim, no quinto capítulo, que recebe o título de ‘Os padres de Dom José e Dom Adauto’, a autora identifica, por meio do método prosopográfico (biografias coletivas), a identidade cultural e educacional produzida pelas duas instituições.

Ao fim dos capítulos, Barreto apresenta de forma singela e detalhada um conjunto de informações que traçam a biografia, a inserção nos seminários, as funções, as formações dentro e fora dos muros da Igreja Católica, a produção intelectual e a carreira sacerdotal dos 185 seminaristas (141 no Seminário de João Pessoa e 44 no Seminário de Aracaju). Vale ressaltar quão rica foi essa iniciativa para aqueles que se interessam pelas marcas deixadas por esses seminários nos campos religioso, formativo educacional e intelectual.

Inicialmente, a autora explica a conjuntura pela qual passou a Igreja Católica, acreditando que é da experiência que despontaram os alicerces para o melhor modelo de formação sacerdotal. Assim, ela chama a atenção para o ano I da Era Cristã, da qual emergem as raízes da Igreja Católica Apostólica Romana, iniciada por Cristo e dirigida por seus seguidores, em uma ordem que compreende os apóstolos como pioneiros, seus sucessores, os ‘padres apóstolos’, e mais tarde os papas. Entre os séculos II e V a igreja passou por um processo de expansão, tanto no que diz respeito à estrutura física quanto pela propagação na Europa da doutrina cristã elaborada pelos padres da igreja, como também pelo caráter mais intelectualizado dos seminaristas.

Ao adentrar o período que compreende os séculos V ao XV, a autora destaca os novos rumos que a Igreja Católica foi obrigada a tomar, acalorada por uma busca constante de poder, que começaria a ser disputado com a recém-fundada igreja de Martinho Lutero (1483-1546), idealizador da Reforma Protestante. Barreto ressalta que os intelectuais do Concílio de Trento estabeleceram uma reformulação no processo de formação de futuros padres. A proposta, segundo ela, ao citar Pierrard (PIERRARD, 2002, p. 256 apud BARRETO, 2011, p. 75), seria “[…] um ser isolado, embora colocado no coração do mundo, cuja perfeição deverá exceder a dos religiosos e cuja acção terá de estar constantemente associada à de Cristo”. Para tanto, essa nova formação inicial aconteceria em um seminário e seria complementada nas universidades, a exemplo do Colégio Romano, elevado à categoria de Academia em 1556.

Assim, outra importante contribuição trazida pelo livro é, decerto, a atuação dos padres incumbidos do ministério do ensino, em especial a Companhia de Jesus, que, atuando ao mesmo passo que outras ordens religiosas, intensificou a presença da igreja na Europa, na Ásia, na África e na América a fim de (re)conquistar os fiéis num período que se seguiu de grandes descobertas científicas, mudanças ideológicas, laicização e enfraquecimento/repartição da igreja. Como destaca a autora, não obstante, o Brasil do início de século XX também passou por essas mudanças ideológicas, políticas e religiosas, e, assim como no mundo, romanizado pela igreja, “[…] adere ao ultramontanismo e intensifica sua reforma que tem como principal ponto de partida a (re) formação de seus quadros eclesiásticos” (BARRETO, 2011, p. 90). Para liderar essa mudança, um novo perfil de padre deveria ser criado: ele deveria ser jovem, com competências evidentes, advindas de famílias de prestígio, a maioria delas de origem rural. O Seminário Nossa Senhora da Conceição, de João Pessoa, e o Seminário Episcopal do Sagrado Coração de Jesus, em Aracaju, dirigidos, respectivamente, pelos bispos Dom Adauto Aurélio de Miranda e Dom José Tomás Gomes da Silva, foram resultados desse processo de mudanças. Embora em tempos distantes, a autora destaca que ambos agiram como intelectuais criadores e engajadores, na medida em que operaram como estrategistas, disseminando os fundamentos teológicos doutrinários e proporcionando, dessa maneira, estabilidade à igreja romanizada.

Assim, sustentados pelos referenciais religiosos da época, Dom Adauto e Dom José pintaram os edifícios institucionais diocesanos com uma organização administrativa composta por reitor, diretor espiritual, prefeito e vice-prefeito, padres-professores e ecônomo, este último cargo encontrado apenas no Seminário de João Pessoa, como observou a autora. Outro aspecto bem abordado foi a organização escolar traduzida pelo rígido processo de admissão como também pelos saberes a serem perpassados e as condutas inculcadas nos cursos inferiores e superiores que em 1927 foram redistribuídos em três cursos: o Preparatório, o Filosófico e o Teológico; os espaços e os edifícios, ora construídos, ora incorporados a outras instituições; a imposição de severas regras comportamentais; e a precisão do tempo e horário. Além disso, a autora apresenta o método de ensino, marcado indistintamente pela mistura do método tradicional, que se dava por meio da decoração e repetição, com o método intuitivo, que consistiria na pedagogia dos sentidos e da observação, o qual, segundo o decreto n° 981, deveria prevalecer dentre qualquer outro.

Por tudo isso, o livro deixa uma forte contribuição para a História da Educação, pois possibilita um fértil caminho de problematização entre o real dos seminários e o idealizado pela Santa Sé e o Estado. Ao perceber que dentro dos seminários de João Pessoa e Aracaju havia uma cultura escolar que se adequava às peculiaridades locais e à ‘pedagogia do exemplo’, que por vezes se apresentavam semelhantes às prescrições religiosas e educacionais dispostas, a autora assevera que tais aspectos proporcionaram aos padres ordenados pelos seminários uma atuação intelectual multifacetada. Demonstrando, no capítulo cinco, que Dom José e Dom Adauto, como intelectuais, formaram, nos seminários em que atuaram, um perfil de padre, com funções múltiplas, em que a missão pastoral está associada a outros tipos de trabalho, fosse dentro ou fora da igreja, nas associações culturais ou educacionais, na impressa ou na política, no púlpito ou nos livros, conclui que

As similitudes encontradas na formação ministrada aos seminaristas e nas ações dos padres ordenados pelos dois Seminários diocesanos católicos com sua estrutura formativa, privilegiando não só o espiritual e o moral, mas também o intelectual, foram responsáveis por gerações de “intelectuais” que alavancaram a educação escolar no Brasil, nas três primeiras décadas da República, quando em teoria, o Estado era laico (BARRETO, 2011, p. 234).

Dessa maneira, a autora comprova que o método uniforme de organização pedagógica, vinculado à construção de uma pedagogia própria, constituiu-se no modelo escolar adotado pela Igreja Católica, que pretendia desenvolver uma educação integral (que coadunasse o intelectual, moral e o espiritual) para a formação eclesiástica. Portanto, comprova a tese de que os seminários diocesanos católicos, a partir da sua estrutura formativa e de uma educação integral, foram responsáveis por gerações de intelectuais que alavancaram a educação escolar no Brasil nas três primeiras décadas da república.

Com o estudo realizado, Barreto deixa importante contribuição para se avançar na reflexão sobre a formação de padres no Nordeste brasileiro, mostrando que a temática é muito mais complexa e vai além da questão religiosa: ela se projeta no campo das mudanças educativas, políticas, culturais e ideológicas, continuando como uma história inacabada, repleta de objetos de estudos a serem investigados. Desse modo, a formação de padres nos seminários de João Pessoa e Aracaju, da maneira com que foi abordada pela autora, aponta a necessidade de se repensar o papel dos padres, da Igreja, do Estado e da instituição educativa nas primeiras décadas do período republicano. Certamente, uma obra de referência para os que se interessam pelo tema.

Laísa Dias Santos – Mestranda em Educação pela Universidade Tiradentes com Bolsa Capes/FAPITEC/SE. Graduada em Serviço social pela mesma instituição. É membro do Grupo de Pesquisa Sociedade, Educação, História e Memória- GPSEHM, e sócia da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE). Tem experiência com Metodologia da História Oral, narrativas de histórias vida e memória. Atualmente vem consolidando pesquisas sobre a Escola primária sergipana no período entre 1930 e 1961. E-mail: [email protected]

Solyane Silveira Lima – Pós-Doutoranda em Educação na Universidade Tiradentes (UNIT). Doutora em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG (2013) com Estágio Sanduíche na Universidade de Lisboa (2012). Mestre em Educação (2009) e Graduada em Pedagogia (2005) pela Universidade Federal de Sergipe – UFS. Membro da SBHE (Sociedade Brasileira de História da Educação) e do GEPHE (Centro de Pesquisa em História da Educação/UFMG). E-mail: [email protected]

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História da educação indígena e colonialidade – PESOVENTO et al. (RBHE)

PESOVENTO, A; SÁ, N. P.; SILVA, S. J. História da educação indígena e colonialidade. Cuiabá: EdUFMT, 2012. Resenha de: QUINTERO, Sara Evelin Urrea. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 325-330, set,/dez. 2014.

Los pueblos indígenas, sus saberes, tradiciones, formas de ser, hacer y habitar el mundo han estado silenciados o nombrados desde voces occidentales en la mayor parte de la historia; fenómeno que hapermitido construirla en clave europea, desde sus tiempos y espacios constituyendo como lo señala Lander (2000 apud PESOVENTO 2012) una gran narrativa universal.

En la superación de la visión eurocéntrica/colonizadora de esta narrativa, han venido configurándose nuevos marcos teóricos que permiten una lectura desde otras ópticas, haciendo emerger estúdios tanto de los mecanismos de imposición y colonialismo de las culturas, como de las resistencias de las mismas.

El libro História da educação indígena e colonialidade1 de Adriane Pesovento, Nicanor Palhares Sá y Sandra Jorge da Silva (2012, p. 11), se presenta en esa perspectiva utilizando como “[…] fundamento os conceitos relativos à colonialidade, como defendido por Lander (2005), Castro Gómez (2005), baseado em Quijano (2005)”. Para hacer sobresalir la presencia y la resistencia de los pueblos indígenas en la Provincia de Mato Grosso del siglo XIX.

A través de 7 capítulos los autores discuten el proceso educativo colonizador que supera lo escolar, creando mecanismos de subyugación los cuales incluyen discursos, prácticas e imaginarios; legitimadores del modelo modernizador eurocéntrico, como el único posible y verdadero.

En el primer capítulo titulado ‘Saberes locais e o processo civilizatório pós-colonial’ los autores dilucidan un interés por comprender los saberes indígenas a través del reconocimiento de la marginalización a la cual fueron sometidos. Partiendo del concepto ‘gnosis fronteriza’ de Walter Mignolo (2005 apud PESOVENTO, 2012) se presenta un abordaje al conocimiento desde las ópticas historicamente subalternizadas, más que desde las lógicas colonizadores las cuales han opacado y despreciado los saberes diferentes al proyecto epistemológico occidental. Sin embargo, es reconocida la dificultad del acceso a las fuentes, pues estas, en el caso indígena, son dispersas y escasas, además, el silencio es latente en este asunto; es por ello que la búsqueda por comprender esa historia de la educación, inicia entrelazándola con la perspectiva occidental para hallar en registros (como el realizado por Antonio Pires de Campos) y discursos oficiales indicios o datos que posibiliten ampliar la mirada reconociendo la presencia y el saber indígena. Este primer capítulo se vincula con el segundo ‘Aspectos da educação e colonialidade indígena’ ubicado espacio-temporalmente en la capitanía de Mato Grosso, fundada en el año 1748, teniendo al frente a Don Antônio Rolim de Moura. Los estudios, a través de los escritos de Don Antônio permiten comprender los imaginarios construidos por los colonizadores frente a los indios, escritos que los describen como brutales, salvajes, y sin raciocinio por su desinterés frente a la adquisición de bienes propios (teniendo en cuenta que para los colonizadores lusitanos, la ambición y el deseo de vivir com ‘comodidades’ era símbolo de civilidad). Los autores describen algunas medidas educativas del momento, como la sugerencia de enviar índios para Europa, quienes aprenderían a comportarse civilmente, convirtiéndose a su regreso en maestros de los demás, y la catequización por parte de los Jesuitas (A pesar de esta sugerencia la presencia de la Compañía de Jesús no es muy significativa en Mato Grosso; según los autores lo anterior no implica que no hubiese religiosos en el área, por el contrario es posible encontrarlos aún hoy). En este capítulo se reconocen las intenciones políticas detrás de las educativas, en el marco de um período cruzado por las luchas de dominación y ocupación del território entre españoles y portugueses. Por lo cual, para la capitanía Matogrossense y el Directorio de los Indios era fundamental la utilización de

los indígenas como ‘guardianes de las fronteras’, tornándolos fieles al rey de Portugal.

Para el análisis de los aspectos de la educación, los autores recurren al documento donde se informa sobre la creación de comitivas para la búsqueda de Minas de oro y destrucción de Quilombos, organizado por el señor Luiz de Albuquerque de Melo Pereira e Cáceres.

Las descripciones de este viaje permiten conocer un modelo de educación de las comunidades próximas al Rio do Piolho, en donde moraban indígenas, cerca de viviendas de negros, generando relaciones y trocas culturas. Citando a los autores, es posible afirmar que fue “[…] na confluência de culturas que se dava a educação por meio de trocas apropriações e ressignificações dos diversos elementos próprios de cad povo, tecendo e tramando suas histórias para além dos domínios ocidentais e dos saberes coloniais” (PESOVENTO, 2012, p. 35) configurando una circularidad de significados, que pueden ser pensados como micro resistencias.

Finaliza el segundo capítulo reconociendo la permanencia de la colonialidad en el siglo XIX, a pesar de no existir ya el colonialismo com respecto a Portugal. Tal como lo define Mignolo (2004 apud PESOVENTO, 2012) el proyecto para la modernidad no existe sin colonialidad, por lo cual en Mato Grosso que camina hacia esta debieron ser aniquilados y sustituidos los saberes y tradiciones indígenas considerados como saberes incivilizados. Lo anterior sustenta la necesidad de educar al indígena a través de la Catequesis y el trabajo.

El tercer capítulo ‘Thereza Cristina: de colonia militar a colônia indígena’, presenta no sólo los mecanismos colonizadores, sino las resistencias que el pueblo Bororo-coroado generó frente a los processos educativos colonialistas tanto en manos de los militares como posteriormente de los salesianos. Los autores presentan un estudio de los informes oficiales de la época (presentados desde la dirección de la Colonia, la presidencia de la provincia de Mato Grosso, la dirigencia del Directorio de los indios, entre otros entes gubernamentales) que permiten encontrar en los objetivos de la creación de la Colonia (año 1887) um proyecto modernizador que garantizaría el progreso de la provincia de acuerdo con los imaginarios eurocéntricos, en el cual la integración del indígena como mano de obra, serviría en la explotación de la vasta riqueza natural mato-grossense; integración que se daría en tanto e pueblo indígena estuviese ‘civilizado’.

Bajo un ideal evolutivo los indígenas pasarían de un estado primitivo y bárbaro a uno civilizado y euro-céntricamente ‘adecuado’, proceso del cual el colonizador se sentía responsable, esto justificaba no sólo la fuerza utilizada sino la imposición de una cultura sobre otra. Sin embargo, tal como es señalado en el libro, este proceso de subyugación  subalternización no se dio pacíficamente en la colonia Thereza Christina, a pesar de las prácticas violentas y la vivencia al lado del colonizador ‘civilizado’, el proceso educativo (civilizador) era insuficiente; incluso con la posterior incursión de las misiones catequizadoras salesianas y la educación de los hijos indígenas, que servirían como intérpretes, no se consiguieron los objetivos planteados por las élites de la época.

En la misma línea de análisis, en donde el trabajo se constituye no sólo como el medio educativo sino como el objetivo mismo en el proceso civilizatorio, se presenta el cuarto capítulo ‘O trabalho como possibilidade de educar os indígenas’. A través del estudio de registros históricos (informes y correspondencias oficiales de la época) es realizada una reflexión teórica sobre el trabajo y la educación indígena como conceptos enlazados en la colonización de los pueblos indígenas mato-grossenses. Educación que no se limita al escenario escolar, constituyéndose en un fenómeno que permea discursos y prácticas cotidianas buscando inserir a los indígenas en el mundo occidental a través del trabajo y para este mismo, ya que era reconocida la necesidad de mano de obra en la explotación de la riqueza natural del estado. Sin embargo, los autores encuentran cautelas y silencios en los documentos frente al uso de mano de obra indígena, presentándose como uma recomendación que auxiliaría la ‘civilización’; permitiendo visualizar nuevamente el imaginario colonialista, que ubica a sus autoridades em estatus de héroes, redentores de la provincia, velando por el progreso y el buen curso de Mato Grosso hacia la modernidad.

La cultura tradicional indígena calificada como bárbara, primitiva, perezosa y salvaje, reforzaba la idea de inferioridad con respecto al colonizador, que era dotado por tanto de legitimidad para ‘civilizar’ estos pueblos a través de diversas formas: la fe cristiana, el trabajo, la fuerza e incluso la violencia, como lo relatan los autores en este capítulo.

Dichos procesos civilizadores poseen, además, un claro interés em borrar las huellas de las tradiciones indígenas que estuviesen en contra de las formas eurocéntricas, sin embargo algunas voces pueden ser descubiertas, aún, en registros oficiales, para desentrañar saberes y costumbres de los pueblos indígenas; es así como en el quinto capítulo ‘Imbuére: educação Apiaká’ , los autores recurren al documento Sobre los usos, costumbres y lenguaje de los Apiaccás, y el descubrimiento de las nuevas minas en la provincia de Mato Grosso, publicado por e Instituto Geográfico Brasileiro en el año 1844, para estudiar los mecanismos utilizados en la enseñanza, y el sentido que los Pueblo indígenas daban a la educación. Es importante señalar que la publicación de este documento se da en el marco de la búsqueda por crear uma identidad nacional, con la incorporación de los indígenas a través de su ‘civilización’.

Los autores, reconocen en el documento un proceso educativo que se da en la vida misma de los Apiaká, no se reduce a la idea occidental de control de los procesos de aprendizaje, pues este se genera en la cotidianidad, en la interacción, transmisión y recreación de sus sabere tradicionales, por lo cual describen las diversas prácticas educativas y la importancia de ellas en la permanencia de la cultura a través del tiempo.

La creación de imaginarios sociales se constituye, también, en uma herramienta educativa; es así como en el sexto capítulo ‘Um nome Occidental para un Terena: Alexander Buenose presenta la configuración de una imagen del indígena ‘civilizado’ que comprende su lugar en la jerarquía social y lucha por los intereses colonialistas en Mato Grosso de finales del siglo XIX. De acuerdo a los autores, el estúdio sobre este capitán, altamente influyente debido a su origen indígena y posteriores acciones militares, trasparece los mecanismos de construcción de modelos de comportamiento para los indígenas, que permitirían no sólo la ‘pacificación’ y ‘civilización’ de estos, sino la creación de un ambiente tranquilo para la sociedad no india, en tanto demostraría la capacidad de las élites en transformar los hábitos, costumbres y conductas indígenas.

El capítulo final titulado ‘A educação pós-colonial em O Selvagem’ cierra esta publicación presentando un estudio sobre la historia de la educación indígena a partir del documento O Selvagem de Couto de Magalhães (apud PESOVENTO, 2012) de finales del sigl XIX; el cual representa un registro valioso para la comprensión de la propuesta civilizatoria de este período. Los autores señalan cómo e amplio conocimiento de Magalhães sobre el territorio mato-grossense le permitía hablar con mayor facilidad sobre las características de los pueblos indígenas y por tanto de sus ‘necesidades’ educativas, visión que estaba dada desde un lugar colonialista y occidental, el cual, a través de una racismo epistemológico, negaba los saberes y mecanismos de transmisión y aprendizaje de los indígenas, para imponer las formas eurocéntricas de educación, que a su vez se presentaban como las redentoras de la cultura en el proceso de modernización de Mato Grosso.

Esta publicación consigue, a partir de los anteriores estudios, su propósito de hacer emerger la historia de la educación indígena desde dos ópticas diferentes, tanto la educación para el indígena como herramienta fundamental en los procesos ‘civilizatorios’ y colonizadores, como aquella propia de los pueblos indígenas que hacía resistencia a la imposición eurocéntrica, y velaba por la permanencia de la cultura y saberes locales. Es por ello que el libro Historia da educação indígena e colonialidade se hace relevante y cobra notable importancia para la historia de la educación mato-grossense y brasilera, y para la apertura investigativa hacia nuevos territorios y objetos de pesquisa.

Notas

1Estudio originado de las discusiones e investigaciones realizadas en el Grupo de

Pesquisa en Educación, Historia y Memoria (GEM) de la Universidad Federal de

Mato Grosso.

Sara Evelin Urrea Quintero – Licenciatura em Gestão Educativa pela Universidade de San Buenaventura –USB (2011). Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação na Universidade

Federal de Mato Grosso (PPGE/IE/UFMT) pelo Convênio Organização dos Estados

Americanos (OEA) Grupo COIMBRA. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), integrante do Grupo de Pesquisa História da Educação e Memória (GEM) da UFMT. Email: [email protected]

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Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930) – SOUZA et al. (RBHE)

SOUZA, R. F.; SILVA, V. L. G.; SÁ, E. F. Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930). Cuiabá: EDUFMT, 2013. Resenha de: SÁ, Jauri dos Santos. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 3 (36), p. 319-323, set,/dez. 2014.

Por uma teoria… reúne as reflexões de um grupo de pesquisadores de distintos estados brasileiros que se ocuparam da investigação em perspectiva comparada, com ênfase na escola graduada, no período compreendido entre 1870 e 1930. Às pesquisadoras Rosa Fátima de Souza, Vera Lucia Gaspar da Silva e Elizabeth Figueiredo de Sá coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra desse material, síntese de parte da produção desenvolvida ao abrigo do projeto de pesquisa Por uma teoria e uma história da escola primária no Brasil: investigações comparadas sobre a escola graduada (1870-1930), coordenado por Rosa Fátima de Souza.

O projeto original envolveu 15 estados brasileiros, interligando 27 pesquisadores doutores, organizados em 17 Programas de Pós- Graduação em Educação. Com tamanha pluralidade de experiências, a produção foi organizada em quatro grupos temáticos, que, reunidos neste livro, sistematizam a produção dos GTs, refletindo sobre a difusão da escola nova, a cultura material escolar, as representações sociais sobre os grupos escolares ou a institucionalização da escola graduada nos vários estados do Brasil.

O primeiro texto, ‘A escola modelar da República e  escolarização da infância no Brasil: reflexões sobre uma investigação comparada em âmbito nacional’, de Rosa Fátima de Souza, nos oferece uma análise comparativa sobre o processo de institucionalização das escolas graduadas nos diferentes estados brasileiros participantes da investigação, expondo ao leitor o universo da pesquisa. Ao “[…] inquirir sobre as características fundamentais desse tipo de escola, o modo pelo qual ele foi apropriado e se consolidou no Brasil, as alterações sofridas ao longo do tempo e os fundamentos de sua legitimidade” (SOUZA, 2013, p. 24), a autora nos propõe uma reflexão acerca da compreensão dos problemas educacionais e das soluções consideradas para os mesmos.

O segundo artigo, intitulado ‘Os grupos escolares nas memórias e histórias locais: um estudo comparativo das marcas da escolarização primária’, de autoria de Antonio Carlos Ferreira Pinheiro, Antonio d Pádua Carvalho Lopes, Luciano Mendes de Faria Filho e Fernanda Mendes de Resende, discute a questão do ‘acervo’ histórico educacional, particularmente o mineiro, o piauiense e o paraibano, relacionando, comparativamente, a ‘cultura histórica’ numa perspectiva analítica em torno da ideia da ‘cultura educacional’. O artigo trata da fonte escrita a partir das obras de memória e de história dos municípios, forjadas por ‘historiadores de não ofício’, que, no entanto, “[…] por estarem mais próximos do seu lugar de origem exercem papel relevante junto a sua comunidade” (PINHEIRO et al, 2013, p. 96).

José Carlos de Souza Araujo, Rosa Fátima de Souza e Rubia-Mar Nunes Pinto são os autores do terceiro artigo do livro, ‘A escola primária e o ideário republicanista nas mensagens dos presidentes de estado: investigações comparativas (1893-1918)’, que propõe uma ampla análise a respeito da institucionalização dos grupos escolares no Brasil, examinando o discurso político de diferentes estados da federação em relação à instrução pública. Para tal empreendimento, orientam-se pelas Mensagens dos Presidentes dos Estados, questionando sobre a relevância dessa modalidade de escola, sobre as distintas realizações educacionais ou, ainda, se é possível afirmar a existência de um projeto republicano de educação popular no período. As fontes investigadas pelos autores apontam para um processo não uniforme de organização e instalação dos grupos escolares nos Estados, resultado das particularidades políticoeconômicas e culturais, específicas de cada um deles.

‘O Federalismo republicano e o financiamento da escola primária pública no Brasil’, que constitui o quarto artigo, de autoria de Jorge Nascimento e Lucia Maria Franca Rocha, investiga o financiamento da Educação nos Estados durante a Primeira República. Para isso, utiliza, como fonte, as Mensagens Presidenciais de 11 unidades da federação, centrando a comparação em cinco deles. A primeira constatação apontada foi a de que houve uma diversidade de modelos de escolas implantadas em um mesmo Estado, sendo o dos grupos escolares gestado em São Paulo a principal fonte de inspiração. A partir daí, problematizam a questão do financiamento das escolas públicas, o impacto desse tipo de gasto nos orçamentos estaduais e, sobretudo, nos discursos produzidos no âmbito político. De caráter exploratório, o estudo primeiramente compara números, observando-se, como traço comum, o discurso do crescimento dos gastos com a educação na Mensagens, ainda que nem sempre os dados apresentem proporção uniforme. Não obstante, incorpora também as iniciativas privadas e associativas que abordam o problema do financiamento da educação.

O quinto capítulo, ‘A expansão da escola primária graduada nos Estados na primeira república: a ação dos poderes públicos’, de Alessandra Frota Martinez de Schueler, Elizabeth Figueiredo de Sá e Maria do Amparo Borges Ferro, registra que, apesar da paulatina centralidade adquirida pela escola primária graduada nos distintos estados da federação nas primeiras décadas republicanas, não se observou sua diminuição nas mesmas proporções em relação à hegemonia da escola isolada ou singular.

Em ‘Institucionalização do modelo de escola graduada’, o sexto capítulo do livro, as autoras Elizabeth Miranda Lima e Maria Auxiliadora Barbosa Macedo apresentam uma primeira aproximação comparativa do percurso de institucionalização da escola graduada no Brasil, especialmente referente ao processo de circulação, recepção e apropriação do modelo pedagógico. Tendo como base as pesquisas realizadas nos estados do Mato Grosso, Rio de Janeiro, Acre e Goiás, as autoras identificaram diferentes modelos de oferta e organização da instrução pública, onde predominou “[…] a modalidade de Escola

Primária Elementar e Escola Primária Complementar, distribuídas em áreas rural e urbana” (LIMA; MACEDO, 2013, p. 182). Embora materializada em distintos formatos, foi na monumentalidade e no funcionamento didático-pedagógico dos grupos escolares que  modernidade educacional do período republicano era visível, ainda que a oferta do ensino primário permanecesse, quantitativamente, com as escolas isoladas.

Marta Maria de Araújo é a autora do sétimo artigo do livro, ‘A criança, educação de escola (São Paulo e Nordeste do Brasil, 1890- 1930)’, que examina a institucionalização da escola primária republicana, em São Paulo e nos Estados do Nordeste – Sergipe, Maranhão, Piauí, Rio Grande do Norte e Bahia. As fontes investigadas centram-se em decretos, leis, mensagens governamentais, regimentos, relatórios de diretor-geral da instrução pública etc. Os propósitos da autora são de recompor as modalidades de escolas postas e repostas no período, assim como cotejar as similaridades nas suas propriedades gerais e nas suas particularidades e variantes.

O oitavo capítulo, ‘Modernidade metodológica e pedagógica: apropriações do método de ensino intuitivo nas reformas da instruçã pública de Minas Gerais, Santa Catarina e São Paulo (1906-1920): ideias e práticas em movimento’, de Vera Teresa Valdemarin, Gladys Mary Ghizoni Teive e Juliana Cesário Hamdem, registra o movimento de irradiação das ideias pedagógicas difundidas no Brasil ao final do século XIX, tendo o método de ensino intuitivo como o “[…] elemento pedagógico imprescindível para estabelecer diferenciações entre o futuro desejado e a realidade a ser modificada” (VALDEMARIN; TEIVE; HAMDEM, 2013, p. 240). Adotando a lógica comparativa, as autoras analisam a circulação do método intuitivo nos Estados de Minas Gerais,

Santa Catarina e São Paulo, considerando as diferenças como elementos constitutivos. As análises demonstram que o método de ensino intuitivo estabeleceu lugares de irradiação de ideias e práticas, apoio interpretações comuns, contribuindo para pôr em circulação ideias de distintos autores.

Em ‘Cultura material escolar: fontes para a história da escola e da escolarização elementar (MA, SP, PR, SC e RS, 1870-1925)’, nono artigo do livro, os autores César Augusto de Castro, Diana Gonçalves Vidal, Eliane Peres, Gizele de Souza e Vera Lucia Gaspar da Silva examinam algumas fontes indicativas da materialidade da escola primária brasileira. Variando o período eleito para a pesquisa, entre a segunda metade do século XIX até o ano de 1925, os autores definiram cinco tipos de fontes: carta de professor, da escola; documentos administrativos; relatórios; jornais e legislação, documentos com potencial de revelar pistas de determinados objetos escolares.

Buscando favorecer “[…] o entendimento das possíveis táticas de apropriação diversificadas e até discordantes dos múltiplos dispositivos da cultura escolar” (CASTRO et al, 2013, p. 295), os autores desse último artigo tratam de identificar os modos de produção e disseminação de um modelo de escolarização no Brasil, a partir da comparação entre os distintos estados, retratando, por meio da materialidade escolar, os investimentos que mantinham e faziam funcionar as escolas públicas.

O leitor interessado em conhecer as diversas experiências concretizadas nas muitas realidades do país encontrará nessa obra uma rica coletânea de artigos. O livro assume, conforme as palavras das organizadoras1, “[…] o desafio da comparação […]” (SOUZA; SÁ, 2013, p. 15), oferecendo um bom panorama das pesquisas sobre a história da escola primária no Brasil, orientadas por quatro grupos temáticos: representações, práticas, apropriações e materialidades.

Notas

1 Rosa Fátima de Souza é professora da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, no Departamento de Ciências da Educação e Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP/Campus de Araraquara. Vera Lucia Gaspar da Silva é professora do Centro de Ciências Humanas e da Educação (FAEd) e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). Coordenadora do Museu da Escola Catarinense entre 2004 e 2008. Elizabeth Figueiredo de Sá é coordenadora do grupo de Pesquisa História da Educação e Memória – GEM-IE-UFMT, pesquisadora na área da História da Educação no Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisa em História da Educação (NIEPHE) da FEUSP. Atua como professora adjunta no Instituto de Educação e no Programa de Pós-Graduação da UFMT

Jauri dos Santos Sá – Arquiteto. Doutor em Arquitetura pela Universidade Politécnica da Catalunha, Barcelona/Espanha. Atualmente desenvolvendo estagio Pós-Doutoral no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos. Participa do Observatório de Educação – projeto Núcleo em Rede na mesma instituição. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia: uma expressão religiosa, pedagógica e barroca no mundo colonial – CASMIRO (RBHE)

CASMIRO, Ana Palmira Bittencourt. A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia: uma expressão religiosa, pedagógica e barroca no mundo colonial. Campinas: Editora Librum e Navegando, 2012. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; BARBOZA, Marcos Ayres. Aspectos pedagógicos da procissão de cinzas da Ordem Terceira de São Francisco no Brasil colonial. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 2 (35), p. 301-307, maio/ago. 2014.

A primeira Custódia Franciscana no Brasil foi fundada em Olinda, em 1585; e a Ordem Terceira de São Francisco de Salvador, em 1635, constituída por representantes da alta sociedade colonial. As ordens terceiras, associações religiosas de leigos, caracterizam-se como confrarias ou irmandades, tendo sido constituídas para a prática da caridade. Dentre suas finalidades, no período colonial, destacavam-se: os fins espirituais e a aquisição, administração e a aplicação de seu patrimônio; funcionavam como agentes de solidariedade, congregando anseios comuns frente à religião e à realidade social. As irmandades agiam no sentido de integração e algumas delas desfrutaram de grande poder político.

O livro A Procissão de Cinza dos Terceiros Franciscanos da Bahia, escrito por Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro, resultado de seus estudos de pós-doutoramento realizados na Faculdade de Educação da Unicamp, em 2011, sob a supervisão do Prof. Dr. José Luís Sanfelice, analisa a Procissão de Cinzas da Ordem Terceira de São Francisco da Bahia, e mostra os aspectos estéticos, iconográficos e pedagógicos envolvidos no contexto histórico-cultural do Brasil Colônia.

No capítulo 1, O Altar, o trono e o ensino: os religiosos e a educação, a autora analisa a relação entre o poder do Estado e o poder eclesiástico na configuração do Brasil Colônia. Trata-se de dois poderes que, no campo das relações sociais, agiam mutuamente. O Estado apoiava-se na Igreja para legitimar o seu poder; e a Igreja visava conformar a ação do Estado. Este não desprezava o papel da religião para legitimar a classe dominante e a justificação de seus interesses, especialmente de sua prosperidade material por meio da Providência Divina.

De acordo com a autora, o Estado afirmou seu poder por meio da ação social das ordens religiosas, na medida em que a Igreja reservou para si o trabalho missionário, a catequese, o ensino religioso, o ensino escolar, a missa, os sacramentos, as procissões, a evangelização, entre outras atividades. Ficou responsável também pela educação: articulou a educação religiosa com a educação para as ciências e para as humanidades para subordiná-la à fé católica.

O capítulo 2, O Brasil Colonial como parte do Império Português, discute a organização social e econômica do Brasil Colônia. Destaca que as culturas açucareira, mineira e pecuária, entre outras, contribuíram para o surgimento de novas camadas sociais, baseadas em classes de interesses antagônicos, em que o tráfico e o comércio de escravos impulsionaram a produção de riquezas coloniais.

Segundo a autora, a preservação do status quo de uma pequena parcela da sociedade colonial configurou-se com base no sacrifício de indígenas e escravizados africanos. Os escravos, por exemplo, eram tratados como gado, inclusive, marcados com ferro em brasa; além disso, quando chegavam à colônia, eram separados de suas famílias, acorrentados, colocados em depósitos, tinham suas cabeças raspadas e vendidos nas ruas. Ao fugirem, após a captura, eram amarrados e chicoteados; muitos deles, diante da crueldade insuportável, cometiam suicídio.

Nas fontes pesquisadas, a autora entende que a classe dominante era formada pelos portugueses e seus descendentes, constituíam a nobreza metropolitana, com domínio do poder político e econômico. Por outro lado, a maioria da população, os escravos, era responsável pela produção de riquezas, submetida a trabalhos forçados e destituída de quaisquer privilégios. Nesse contexto, as ordens religiosas, além de serem detentoras de privilégios, agregavam muita riqueza e ostentação, inclusive, as classes dominantes patrocinavam as ordens religiosas para disseminação da cultura cristã e de seus interesses. O clero também pertencia à nobreza. Muitos deles eram oriundos da classe dominante, o que marcou o lugar social dos religiosos com características elitistas.

No capítulo 3, A expressão barroca e fé colonial, a autora assinala que a evangelização do Brasil expandiu-se a partir do Concílio de Trento (1545-1563), por meio da instalação de bispado, inúmeras paróquias, capelas rurais, missões, associações, irmandades e ordens terceiras. As diretrizes jurídicas e ideológicas do poder eclesiástico foram instituídas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, promulgadas em 1707, elaboradas por uma equipe de religiosos jesuítas cujos objetivos legitimavam e conformavam o caráter evangelizador e colonizador do Brasil.

Para ela, a ação ideológica e a mentalidade da Igreja e do Estado Português contribuíram para o processo de conservação da sociedade em classes. No que se refere à educação, a Igreja ofereceu oportunidades desiguais, expressou preconceitos, justificando-os em nome do Evangelho. As ordens religiosas, como os carmelitas, mercedários e franciscanos, proporcionavam aos não brancos o ensino de primeiras letras, o ensino profissionalizante, a catequese e a cristianização.

Para ingressar na carreira eclesiástica e em algumas irmandades, afirma a autora, era necessário que os candidatos fossem cristãos velhos e brancos legítimos. As ordens religiosas eram classificadas e, nas procissões, tinham lugares marcados, de acordo com a posição social; porém, o espaço das irmandades “[…] era o único lugar onde o cristão de qualquer cor ou etnia podia sentir-se seguro” (CASIMIRO, 2012, p. 81). As irmandades não se caracterizavam somente como uma forma de manifestação religiosa, mas também como a possibilidade de acesso à cultura dominante pela obtenção de privilégios, graças e indulgências, uma vez que a organização da Igreja naquele período era caracterizada por uma religiosidade informal fundamentada na intimidade com os santos, cultos exteriores, festas religiosas, procissões e romarias.

No capítulo 4, A Pedagogia barroca colonial: os franciscanos na dilatação da fé e do Império, a autora propõe que a religião e a educação tiveram papel determinante na formação cultural do Brasil, mediadas pelas manifestações artísticas barrocas. Essa relação ocorria por meio dos sermões, da literatura, da música e das artes plásticas. Para cada classe, existia um processo de evangelização e uma educação. Os filhos dos brancos estudavam em colégios e seus estudos eram complementados em Portugal. A maioria da população, os não brancos, recebia rudimentos das primeiras letras, o ensino profissionalizante, a catequese e a cristianização. Os franciscanos atuavam na educação missionária, na educação de primeiras letras e na formação de seus quadros.

De acordo com a autora, a partir de 1707, todas as ordens terceiras, dentre outras instituições religiosas, passaram a ser regidas pelas Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia. Havia uma série de pré-requisitos para fazer parte dos quadros da ordem: pureza de sangue, cor da pele e a situação socioeconômica. A enorme quantidade de bens adquirida pela Ordem estudada por ela, ao longo do período colonial, tornou complexa a administração de seu patrimônio, que se caracterizava de maneira centralizada, hierárquica e burocratizada. Os recursos vinham de duas fontes: uma de doações dos bens encapelados, esmolas, doações de joias e objetos sacros, profissões, promessas e coleta de dinheiro, e a outra, oriunda da aplicação desses bens em aluguéis, foros, juros, laudêmio etc. Nos atos litúrgicos, nas festas, solenidades e procissões religiosas, o que predominava era a estética barroca, luxuosa, de fausto e esplendor, tudo em conformidade aos propósitos pedagógicos da Igreja contrarreformista.

No capítulo 5, As procissões coloniais como fenômeno pedagógico, religioso e humano, a autora afirma que os atos litúrgicos, as festas e solenidades civis no Brasil Colonial apresentavam uma luxuosa estética de caráter barroco, em suas formas, fausto e esplendor. A riqueza decorativa e diversificada das procissões religiosas respeitava as formas de expressão da época, bem como o ordenamento e a sedimentação social que conformavam os poderes instituídos.

Ela destaca que as procissões tradicionais da Bahia sobreviveram até em torno de 1940, são elas: Senhor dos Navegantes; Nossa Senhora da Boa Virgem; Senhor dos Passos da Ajuda; Senhor Bom Jesus da Paciência; Senhor Bom Jesus dos Passos da Regeneração; Senhor da Redenção; Enterro do Senhor; Ressurreição; São José, São Benedito; São Francisco Xavier; Corpo de Deus; Nossa Senhora do Carmo; Nossa Senhora da Boa Morte; Nossa Senhora do Rosário das Portas do Carmo; São Pedro Gonçalves; Nossa Senhora da Conceição da Praia.

Em seus estudos, verificou que os fiéis eram obrigados a comparecer nos atos litúrgicos, nas festas e solenidades. Nos casos de desobediência, aplicavam-se punições pecuniárias, castigos, excomunhões e, em casos graves, açoites, degredos e galés. Os aspectos pedagógicos envolviam a educação do corpo e da espiritualidade, por meio de práticas que impunham medo, ameaças, admoestações e punições.

No capítulo 6, Aspectos religiosos e pedagógicos da procissão de cinza dos Terceiros Franciscanos, a autora propõe que as procissões na Bahia Colonial envolviam artistas e artífices de diversas naturezas na produção de imagens, roupas, joias, cabelos, pintores, andores, faixas, decoração das ruas, entre outras. Elas possuíam um caráter didático, destinavam a despertar a piedade e a fé cristã.

A procissão da penitência ou da ‘Quarta-feira de Cinzas’, segundo ela, caracterizou-se como um dos importantes eventos religiosos franciscanos do período colonial. O objetivo da procissão era penitencial; além disso, os aspectos pedagógicos da ordem eram vinculados à história da Ordem, que envolvia as virtudes teologais (fé, esperança e caridade) e cardeais (prudência, justiça, temperança e fortaleza).

Para ela, o declínio das ordens terceiras seguiu o mesmo fim das ordens primeiras, regulares e do poder da Igreja, ainda mais, pela expulsão dos jesuítas pelo Marquês de Pombal, em 1759. Pode-se afirmar que as procissões coloniais acompanharam o estilo estético da época. A procissão extinguiu-se em 1864, sendo que, aos poucos, aboliram-se os ornamentos e as alegorias luxuosas. A espiritualidade dos terceiros franciscanos caracterizou-se como uma espiritualidade de pessoas que vivem no mundo. Tinha como ideal a mensagem da pobreza franciscana; no entanto, aceitava toda a riqueza destinada aos altares, mediante vultosas quantias, joias e imóveis. Essa foi, segundo a autora, a pedagogia que se configurou no contexto da Bahia no período colonial.

Na Conclusão, ela defende que a mensagem pedagógica presente nas procissões objetivava persuadir os fiéis pelo seu aspecto teatral. Essa pedagogia suscitava a ideia do pecado, a penitência e a ideia de salvação. Configurou-se uma concepção de educação de conformação religiosa que subordinava a educação à fé para a ‘Maior Glória de Deus e da Igreja’. As imagens do ‘Senhor Morto’, de Santa Margarida de Cortona e do conjunto escultório de São Francisco de Assis recebendo as ‘chagas’ de Cristo Crucificado tinham um forte apelo pedagógico, confundindo obediência a Deus com obediência ao patrão.

A análise da Ordem Terceira de São Francisco da Bahia feita pela autora caracteriza-se como uma importante contribuição ao campo da História e da História da Educação no Brasil, ao relacionar religião, educação e arte, em um contexto social de interesses antagônicos. Nele, a religião configurou-se como um instrumento poderoso de dominação, em que a educação do fiel impunha a obediência pela penitência, com a diferença de que, para cada classe social, havia uma evangelização e uma educação, contraditoriamente ao espírito de pobreza idealizado pelo movimento franciscano em suas origens, por envolver espiritualidade, luxo e fé. O livro nos mostra que a indistinção entre religião e vida política tem uma longa história no Brasil. A leitura do livro nos fornece pistas para a discussão sobre as origens remotas da mistura entre vida religiosa e vida política.

Trata-se de uma leitura recomendada aos pesquisadores que pretendem aprofundar o entendimento das relações entre Estado e Igreja, entre religião e política, tão presentes em nossa história. A autora explora um corpus documental que é praticamente desconhecido dos pesquisadores da área. O livro apresenta um conjunto de documentos que podem ser mais amplamente pesquisados.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR, Líder do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

Marcos Ayres Barboza – Psicólogo no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná Câmpus Paranavaí, Mestre em Educação (2007) pelo Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Estadual de Maringá/UEM-PR Estudante do Grupo de Pesquisa sobre Política, Religião e Educação na Modernidade. E-mail: [email protected]

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História de la Educación Adventista: uma visión global – GREENLEAF (RBHE)

GREENLEAF, Floyd. História de la Educación Adventista: uma visión global. Forda: Editora: Associación Casa Editora Sudamericana, Adventus, 2010. Resenha de: CARVALHO, Francisco Luiz Gomes de; CARVALHO, Dayse Karoline S. S. de. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 2 (35), p. 295-299, maio/ago. 2014.

Floyd Greenleaf é doutor em História pela University of Tenessee e sua obra tem marcas indeléveis de alguém que tendo participado da história da educação adventista reflete a partir de um lugar especial, do participante, que busca na investigação escrever a história além de debater assuntos fundamentais.

A primeira parte (Los Comienzos 1872 – 1920) compreende os primeiros nove capítulos e indica que neste período a Denominação se institucionalizou de forma a ter êxito no cumprimento da evangelização que fundamentava sua missão. Destaca-se a importância atribuída aos escritos de Ellen G. White para o surgimento das instituições educacionais adventistas e estabelecimento dos princípios fundamentais que lançaram as bases para a organização, identidade e propósito deste empreendimento denominacional.

A primeira parte do livro discorre sobre o surgimento das primeiras escolas, as dificuldades enfrentadas no estabelecimento das instituições escolares com princípios singulares, bem como inventaria as direções tomadas pela administração eclesiástica a fim de fazer da educação adventista um empreendimento pragmático e idealista com marcas próprias. Pois que,

Nada podría ser más idealista en términos filosóficos que basar la educación en la creencia de que los seres humanos necesitan la redención espiritual porque han caído del estado perfecto en el que fueron creados por Dios y de que es preciso que las instituciones educativas sirvan a la missión de la iglesia, […]. (GREENLEAF, 2010, p. 51).

Fica assinalado nesta primeira parte que o projeto denominacional e suas marcas foram produto não somente da filosofia de Ellen G. White e da disposição administrativo-eclesiástica, mas também do contexto cultural dos Estados Unidos que no século XIX apresentava-se permeado por uma tendência pragmática que começou a ser filosofia prevalecente na educação estadunidense. Afinal de contas,

Apoyándose en la filosofia del francés Jean Jacques Rousseau, el suizo Johann Pestalozzi y el alemán Friedrich Froebel, una generación de educadores de los Estados Unidos, dirigidos por John Dewey, debatieron la naturaliza de la niñez, las necesidades de los niños y su función en la sociedade, todo lo cual dio lugar a nuevas prácticas educacionales (GREENLEAF, 2010, p. 82).

A segunda parte do livro congrega os capítulos de dez a catorze e intitula-se Los Años Intermedios (1920 – 1945). Atenção é dada às dificuldades enfrentadas pelas instituições educacionais no período entre as duas guerras mundiais nos mais diversos contextos. Habilmente sucinto, mas com esmero de historiador, Greenleaf flagra o impacto das tensões sociopolíticas no incipiente sistema educacional adventista. Assim que, “Las escuelas compartián elementos en común pero no eran uniformes porque reflejaban las sociedades en las que funcionaban y respondián a las necesidades de su contexto cultural” (GREENLEAF, 2010, p. 223).

Diversas informações são apresentadas acerca de como as importantes mudanças sociais, políticas, econômicas e filosóficas ocorridas neste período afetaram a concepção de educação acalentada pelos lideres denominacionais, bem como seus desdobramentos influenciaram os rumos do empreendimento educacional. Afinal, “[…] las instituciones educativas y los docentes adventistas no deberían aislarse del campo más amplio de educación que trasciende los límites de la iglesia” (GREENLEAF, 2010, p. 303).

A segunda parte da obra se fecha com os reflexos das tendências de modernização que impactaram a educação adventista em seus diversos níveis. À época, a educação denominacional tinha três objetivos que a distinguiam, a saber: a) manter “dentro” da igreja os filhos de adventistas; b) preparar obreiros denominacionais; e c) ser pioneira na evangelização em países não cristãos e em desenvolvimento.

Años de Realizaciones y Desafios (1945 – 2000) titula a terceira parte e encerra a obra. Nela o autor com bastante escrutínio capta os principais desafios da educação adventista no período acima demarcado e indica que o que sempre esteve como pano de fundo das provas enfrentadas era o conceito de sistema educacional e sua fundamentação filosófica confessional.

Para o autor, o grande crescimento da educação superior adventista no mundo se bem que foi supervisionado pelo Departamento de Educação da Denominação, se produziu especialmente segundo as disposições dos governos que, por sua vez atuaram balizados pelo marco nacionalista pós-guerra. Tal realidade demandou medidas denominacionais cujo principal objetivo era gerar “[…] una similitud de prácticas educativas en la educación denominacional […]” (GREENLEAF, 2010, p. 380).

Ao registrar as dificuldades enfrentadas pelas instituições educacionais adventistas em países governados por regimes socialistas, especialmente aqueles com perfil restritivo e intolerante ao Cristianismo, o autor apresenta que, mesmo em ambientes adversos a educação adventista conseguiu implantar-se e lograr aparente êxito. Para tanto, o empreendimento denominacional não protagonizou movimentos de vanguarda, mas se aproveitou de concessões governamentais, como também identificou as fissuras das politicas socioeconômicas para delas desfrutar. Em suma, “[…] la educación adventista había sido parte de una resistencia silenciosa y pacífica […] más poderosa que la filosofia y la política del autoritarismo y la exclusión” (GREENLEAF, 2010, p. 456).

Entre os assuntos que ocuparam a pauta dos debates denominacionais e que exerceram uma forte pressão externa sobre o controle denominacional da educação destacaram-se: a liberdade acadêmica e a ajuda financeira do Estado. Se por um lado, a administração eclesiástica adotou uma postura restritiva e regulatória a fim de manter sob domínio a pesquisa e publicação de conhecimento dos professores dos mais renomados Centros Universitários Adventistas, por outro promoveu a criação de Institutos de Pesquisa e fomentou encontros acadêmicos. Tal estratégia contribuiu para consolidar crenças fundamentais da Igreja, ratificar a limitação de liberdade acadêmica e formular uma cosmovisão bíblica segundo a qual se reconhece o valor dos estudos científicos para as aulas nas instituições educacionais adventistas, no entanto, nega “[…] a la ciencia el derecho de ser el árbitro final de la verdad cuando los investigadores percibían desarmonía entre la interpretación de la Biblia y la información empírica […]” (GREENLEAF, 2010, p. 465).

No que se refere à ajuda governamental, a Igreja ao longo do tempo oscilou em suas recomendações e posturas, em alguns momentos proibindo em outros autorizando. Tal oscilação só pode ser mais bem compreendida à luz das concepções escatológicas que os adventistas mantém em seu escopo doutrinário.

Ao fazermos um balanço avaliativo podemos indicar as contribuições da obra, bem como seus pontos deficitários. Entre as contribuições no campo da história da educação adventista e historiografia, destacamos as seguintes:

  1. a) Com acuidade primorosa o autor flagra como o paradigma norte-americano de matriz colonial se constituiu como modelo para as escolas adventistas ao redor do mundo apesar das adaptações empreendidas. Mas com louvor, assevera as nuances das mudanças do modus operandi que se afirmaram nas mais diversas partes do mundo;
  2. b) Indica-nos vários paralelismos que caracterizaram as instituições educacionais adventistas no seu berço de nascimento (Estados Unidos da América), todavia, destaca que, mesmo entre as similitudes há diversidade na aplicação da filosofia expressada por Ellen G. White.
  3. c) Especialmente significante é perceber o empreendimento denominacional estreitamente relacionado às teias complexas do processo histórico em curso na segunda metade do século XIX na sociedade estadunidense, especificamente no que tange às reformas educacionais implementadas na época.
  4. d) autor aponta as tensões do processo histórico da expansão mundial de uma educação fortemente calcada em processos civilizatórios de moldes coloniais.

Entre os débitos da obra e que se configura inerente àquelas que pretendem apresentar a história na perspectiva global é passar por alto personagens e eventos que se abordados na perspectiva da micro-história ou mesmo do paradigma indiciário, certamente teriam o protagonismo reconhecido.

A abordagem das questões referentes aos confrontos culturais, étnicos e religiosos típicos de uma empreitada evangelizadora de moldes coloniais é feita na perspectiva triunfalista dos princípios e valores ocidentais propagandeados pelo empreendimento denominacional.

O autor não entrega em ‘pratos limpos’ seu referencial teórico, no entanto, o leitor atento perceberá que a obra rompe com a concepção histórica de explicações fundadas somente nos argumentos de cunho espiritual e orientados pela força matriz do sobrenatural, típicas do fazer histórico do insider da Denominação religiosa. Ao exercitar a acuidade o leitor identificará que o livro é iluminado por uma concepção histórica que considera o ‘ir o devir’ e que se apresenta atenta às tensões recorrentes do processo histórico, além de questionar as fontes revelando suas contradições. Além da dialética que subjaz o fazer do historiador, é possível identificar as marcas de reverberações weberianas que se entremeiam na tessitura da história institucional adventista.

Francisco Luiz Gomes de Carvalho – Doutorando em Ciência da Religião (UFJF), Mestre em Ciências da Religião (PUC-SP). E-mail: [email protected].

Dayse Karoline S. S. de Carvalho – Mestre em Educação: Psicologia da Educação (PUC-SP) Especialista em Psicopedagogia (UNASP). E-mail: [email protected].

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Historia de la Educación en Chile (1810-2010) – SERRANO (RBHE)

SERRANO, Sol; LEÓN, Macarena Ponce de; RENGIFO, Francisca (Orgs.). Historia de la Educación em Chile (1810-2010). Santiago: Editora Taurus, 2012. Resenha De: GARRIDO, Felipe Andres Zurita. Revista Brasileira de História da Educação, Maringá, v. 14, n. 1 (34), p. 273-279, jan./abr. 2014.

Las publicaciones editadas bajo el nombre Historia de la Educación en Chile (1810 – 2010) son resultado de la investigación La educación ante el riesgo de fragmentación social: ciudadanía, equidad e identidade nacional (2008-2011) financiados por el Consejo Nacional de Investigación Científica y Tecnológica (CONICYT), como así también patrocinados por el Ministerio de Educación y la Pontificia Universidad Católica de Chile. La investigación fue realizada por un amplio y diverso grupo de investigadores dirigidos por la historiadora Sol Serrano.

A modo de consideración inicial, según las organizadoras, este trabajo no correspondería a una ‘historia general’ de la educación chilena, en tanto no tendría la pretensión de abordar todos los periodos y problemas de dicho fenómeno, por el contrario, declaran centrarse exclusivamente en identificar las motivaciones detrás de la instalación y extensión de la escuela, como así también del valor otorgado por diferentes actores a la destreza de la escritura, en otras palabras, su objeto de análisis central radica en responder el por qué y en qué circunstancias la escuela se fue haciendo ‘necesaria’. Por lo mismo la indagación se inicia ‘antes’ de que la escuela existiese fácticamente, apuntando así a recoger la ‘especificidad’ del fenómeno de la instalación y ampliación de la educación en Chile.

También es interesante informar que en este trabajo no hay uma intención por relevar a autores individuales en la elaboración de cada capítulo, de hecho estos no aparecen asociados a un o una autora em particular en gran parte del escrito, intentando así cuidar la idea de ‘obra unitaria’ a un trabajo realizado por varias personas.

En esta reseña se presentará y analizará el contenido de los dos primeros textos de esta colección publicados hasta ahora. El Tomo I Aprender a leer y escribir (1810 – 1880) aborda la características más sobresalientes de la educación desde la llegada de lo conquistadores españoles al actual territorio de Chile hasta fines del sigl XIX cuando lo educativo se mostraba como la política fundamental del Estado. El Capítulo I: Entre la oralidad y la escritura aborda el valor que tuvo la escritura en la ampliación y afianzamiento del Imperio Español em tanto poderosa ‘herramienta burocrático/administrativa’ vital en el control y organización del tiempo y el espacio colonizado, como así también ‘herramienta evangelizadora’ clave en el proceso de imposición del cristianismo. También se aborda la complejidad del encuentro de uma cultura letrada (española) y una cultura oral (indígena).

El Capítulo II: Una nueva comunidad política se centra en analisa el lugar que ocupó la educación en el contexto del proceso de independencia de Chile. Al instalarse un sistema político republicano qu concebía a su población como portadora de la soberanía popular, la educación pasó a ser considerada como la herramienta vital en la ‘formación moral del ciudadano’. Por esta razón, el naciente Estado jugó un claro papel en la organización y provisión educacional para la población. Esta es reconocida como la primera política propriamente pública del Estado chileno, que fue cimentando el camino de l instalación de un Estado Docente y un sistema nacional de educación, donde la Iglesia y la sociedad civil también tenían un espacio de participación importante.

El Capítulo III: Cuántos somos, cuánto saben. Estadística y alfabetización se centra en el análisis del rol jugado por la estadística como herramienta científica de cuantificación de la población y sus características. En ese marco, la escolarización y alfabetización como objetos de medición sufrieron cambios interesantes en la forma de ser abordadas.

En el Capítulo IV: Escuela, comunidad y Estado nacional se revisa la vinculación entre el Estado y la comunidad en torno a la figura de la escuela. Resalta en esta revisión la figura de un Estado que inicialmente más bien acompaña el esfuerzo y deseo de las comunidades locales por tener escuelas para sus hijos, autorizando el funcionamiento y financiando parte del costo de las mismas.

El Capítulo V: Hogar y estrategias familiares frente a la escuela s centra en la pregunta de por qué los niños y niñas no asistían a la escuela o lo hacían con mucha dificultad. A ojos del Estado y de los promotores de la escolarización esto se debía a una falta de compromiso de las familias con el desarrollo de sus propios hijos. Se plantea que la baja matricula y baja asistencia a la escuela se debía más bien a que esta se enfrentaba a la necesidad de las familias por sobrevivir económicamente, en tanto que su estructura precisaba del trabajo de los niños, mientras que por otra parte, el leer y escribir no eran habilidades necesarias aún para trabajar.

En el Capítulo VI: La escuela chilena en territorio mapuche se estudia el papel que jugó la escuela en el seno de dicha población indígena, desde las escuelas misionales creadas desde la época colonial hasta las escuelas del Estado chileno establecidas después de la intervención militar de este último en dicho territorio. En este proceso se muestra cómo la escolarización no fue identificada como una herramienta importante por las familias mapuches hasta antes de la ocupación militar, como así también se analiza cómo el Estado no construyó una política educacional específica para esta población debido fundamentalmente a que se esperaba una ‘integración’ que escondía un creciente proceso de invisibilización de la especificidad cultural del Pueblo Mapuche.

El Capítulo VII: Nuevos actores y nuevos vínculos trata de identificar las transformaciones que fueron realizadas en el proceso de ampliación de la escolarización y la alfabetización, centrándose en la emergencia de nuevos actores y dispositivos, tales como Preceptores, Visitadores e Inspectores, Textos Escolares, Aula. Estos nuevos actores y nuevos materiales son abordados en su complejidad interna y sus dificultades inherentes a un proceso fundacional y de incipiente expansión.

En el Capítulo VIII: Enseñar y aprender se abordan los diferente sistemas de enseñanza utilizados en esta etapa inicial de la escuela, poniendo énfasis en aquellos identificados como los más apropiados y más utilizados en la práctica pedagógica. También se aborda la estrutura curricular y características de los textos escolares entregados a los estudiantes en la escuela.

El Capítulo IX: El balance del siglo releva las características principales que tuvo la escolarización y la alfabetización hasta fines de siglo XIX. Dentro de estas resalta el carácter activo que jugó la población en la demanda social que hizo posible que el Estado levantara escuelas a lo largo del territorio. Se releva además el carácter diferenciado que tuvo la instalación de la escuela, tanto desde una perspectiva geográfica como social. También se identifica como algo importante el carácte centralizado que tuvo la dirección de la escuela en manos del Estado, tanto como oferente y a la vez como regulador. El Tomo II La educación nacional (1880 – 1930) aborda las características y problemas principales de la educación chilena en el passo del siglo XIX al siglo XX. En un contexto de grandes transformaciones económicas y sociales la escuela se comenzó a extender a lugares y sujetos nuevos. En dicho contexto la escuela creció y se institucionalizó, ayudó a democratizar al país en tanto se amplió su cobertura y permitió la emergencia de nuevos actores letrados, sin lograr transformar eso sí las estructuras de una sociedad económica y socialmente desigual.

En el Capítulo I: Liberalismo, democracia y nacionalismo de Sol Serrano se analiza el lugar que ocupó la educación en el contexto político de cambió del siglo XIX al siglo XX, caracterizado por la redefinición del Estado en un contexto de competencia regional y mundial, como así también por la ampliación y complejización del ordenamiento político marcado por la emergencia de nuevos actores. En esta línea, la educación asumió un lugar central en la discusión del tipo de país que se pretendia construir al cumplirse el primer Centenario de la Independencia.

El Capítulo II: Un Chile escolarizado y alfabeto de Macarena Ponce de León analiza las contradicciones y complejidades del importante proceso de ampliación de la cobertura escolar y alfabetización de la población, lo que contrastaba con los altos niveles de ausentismo y deserción escolar de los estudiantes de las familias más pobres del campo y la ciudad.

En el Capítulo III: Escuela y hogar de Francisca Rengifo se aborda la forma en que el Estado y la clase dirigente miró la pobreza de la población chilena. Frente a la situación de precariedad que impedía a las y los niños llegar a la escuela, se asumió el desafío de establecer política de carácter social viabilizadas a través de la institución escolar diversificando así las tareas de la misma. De esta manera, la acción estatal, en asociación a la iniciativa privada de corte caritativo, se reflejó en una limitada asistencia en salud, alimentación y vestimenta a una parte ínfima de los estudiantes más necesitados.

El Capítulo IV: Una nueva pedagogía: la lectura y los saberes de la escuela primaria de Rodrigo Mayorga recoge las discusiones en torno a los lineamientos pedagógicos a utilizar en la escuela, donde es posible observar la intención de ir avanzando desde una comprensión del aprendizaje en base a la memorización a un modelo más reflexivo y creativo. Esto se expresa de manera compleja y a veces contradictoria em la incorporación de lineamientos pedagógicos foráneos junto a la inclusión de nuevas asignaturas y herramientas de enseñanza de la lectoescritura.

En el Capítulo V: Institucionalización de la escuela primaria de Pilar Hevia se analiza el creciente proceso de diferenciación del especi educativo a través del establecimiento de normativas sobre la organización espacial y temporal del mismo. Junto a esto se analizan también transformaciones llevadas a cabo dentro de las escuelas mismas como la inclusión del mobiliario y el cuaderno, que marcaron el establecimiento de una organización material específicamente dedicada al proceso de enseñanza y aprendizaje.

El Capítulo VI: La fuerza de la patria: educación física y ritos cívicos de Josefina Silva y Alejandra Concha aborda las discusiones que acompañaron la incorporación y formalización de la asignatura escolar de Educación Física en la escuela. Estas discusiones se articularon d manera concreta con los proyectos de construcción de la nación y de la ciudadanía en boga.

En el Capítulo VII: El preceptorado como actor social de Iván Núñez y Julio Gajardo se analizan los cambios acaecidos en la formación, organización gremial, condiciones laborales y participación socio-polític de las y los docentes. En el cambio de siglo, este grupo tuvo la capacida de articularse y comenzar a influir en la orientación y elaboración d políticas educacionales, reflejando así su complejización y acumulació de poder en un contexto de ampliación y burocratización crecientes del sistema educacional.

En el Capítulo VIII: Sin tierras ni letras de Daniel Cano se aborda el papel de la escuela en el territorio mapuche apropiado por el Estado. Si bien la población mapuche sometida al nuevo orden político no asumió la escolarización de forma masiva, sí hubo un grupo minoritario que accedió a la escuela convirtiéndose en los primeros mapuches letrados. Estos, poseedores de la herramienta de la escritura, en el futuro y desde posiciones diferentes asumieron liderazgos dentro de su comunidad en la defensa de sus intereses.

En el Capítulo IX: La educación en el pensamiento del movimento obrero se aborda la mirada y valor de la educación que asumieron las organizaciones de trabajadores asociados de orientación anarquista y socialista. Se revisa la complejidad de la mirada hacia la escolarización por parte del movimiento obrero, como así también se reflexiona sobre el carácter letrado de muchos de sus líderes y de la mirada específica com que se evaluó la posesión de dicha destreza.

El Capítulo X: Liceo de hombres. El Estado de pantalones largos aborda la fundación, orientación académica/curricular, ampliación de la oferta, formación de docentes específicos e institucionalización de la escuela secundaria masculina. También se estudia el rol jugado por la misma en la formación de una reducida y a la vez significativa intelectualidad que actuó en el espacio público y productivo, mostrándose como ejemplo de un limitado proceso de movilidad social.

En el Capítulo XI: El liceo fiscal femenino se trabaja la especificidade que asumió la tardía y finalmente explosiva ampliación de la escuela secundaria femenina, marcada por la activa participación de las famílias en su dirección, como así también por el impacto sufrido a nivel social a partir de la emergencia de mujeres cada vez más educadas, tanto en e espacio profesional como político.

Finalmente en el Capítulo XII: La educación para el trabajo se analiza la compleja relación entre escolarización y trabajo, ressaltando principalmente la idea de que el sistema productivo de forma mayoritari no requirió de trabajadores instruidos, situación que favoreció a que la formación educativa no entregara una posibilidad de ascenso o mejoramiento social a los trabajadores, centrándose más bien en u ejercicio de alfabetización y moralización de estos sujetos, evidenciándose así el divorcio entre lo educativo y lo socioeconómico.

Desde una mirada panorámica, se puede afirmar que este trabajo presenta la fortaleza de lograr mantener la estructura de una obra unitária a pesar de ser el resultado de un trabajo colectivo, de esta forma, no se trata del agrupamiento de diferentes capítulos, sino que mantiene la coherencia y unidad necesarias para abordar aquello que es su foco de análisis: cómo y por qué la escuela y la escritura se fueron haciendo necesarias y qué circunstancias especificas la hicieron posible. Esta revisión se hizo a través de la consulta de un amplio e interessante conjunto de fuentes, donde resalta el riguroso y esclarecedor trabajo com indicadores estadísticos de una amplitud temporal importante. Por otra parte, este es un trabajo que presenta ideas e hipótesis propias, que se ponen en diálogo con parte importante de la producción historiográfica nacional e internacional. Si bien hay omisiones importantes, como uma revisión a la Educación Universitaria y a la Educación Pre-Escolar, lo que podría llevar a proponer una modificación del título de este trabajo a Historia de la Escolarización en Chile, se reconoce la calidad y profundidad de las ideas y reflexiones contenidas en el mismo, las que abren caminos de análisis y estudio muy interesantes, tanto para investigadores chilenos como de otros países.

Felipe Andres Zurita Garrido – Profesor de Historia y Ciencias Sociales y Magíster en Educación por la Universidad Academia de Humanismo Cristiano. Estudiante del Doctorado Latinoamericano en Educación de la Universidad Federal de Minas Gerais. Participa del Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Educação (GEPHE) de la UFMG. E-mail: [email protected]

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Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação – FRANCO (RBHE)

FRANCO, Sebastião Pimentel; SÁ, Nicanor Palhares (Org.). Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação. Vitória: EDUFES, 2011. (Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, 9) Resenha De: FORDE, Gustavo Henrique Araújo. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 2 (32), p. 249-255, maio/ago. 2013.

Há parcerias que apresentam resultados bastante profícuos: a Coleção “Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil” é um deles. Resulta de bem-sucedida parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em comemoração ao aniversário de dez anos de existência da primeira.

Publicada pela Edufes, a coleção comprova o êxito notável desse projeto editorial, que busca refletir parte das pesquisas realizadas na última década em História da Educação no Brasil, e leva o leitor a percorrer, de maneira ampla e profunda, diferentes temáticas localizadas em espaços-tempos diversos, sob análises a partir de variadas perspectivas teórico-metodológicas. O volume 9 da coleção, organizado pelos pesquisadores Sebastião Pimentel Franco e Nicanor Palhares Sá e intitulado Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação, é o objeto desta resenha.

O primeiro capítulo do livro, “Mulheres preceptoras no Brasil oitocentista: gênero, sistema social e educação feminina”, de autoria de Maria Celi Chaves Vasconcelos, investiga a construção social do gênero feminino a partir da educação doméstica, realizada por mulheres preceptoras no Brasil. A pesquisa analisa o sistema societário vivido pelas mulheres durante a segunda metade dos Oitocentos (1850-1889) e seus papéis sociais como preceptoras, professoras ou mães/mestras dos filhos, em diálogo com o tipo de educação permitida e/ou negada nessa modalidade educativa.

O artigo de Vasconcelos apresenta as diferenciações de gênero na educação e na infância de meninos e meninas do Brasil e identifica o perfil das mulheres preceptoras e as possibilidades que elas viam para a educação formal. As análises revelam que tais mulheres colaboraram para iniciar as primeiras rupturas na ordem estabelecida, no que diz respeito aos limites e às possibilidades femininas de trabalho, sustento e independência no Brasil dos Oitocentos.

O segundo capítulo, “Gênero e partilha desigual: a escolarização de meninas e meninos nas escolas mineiras do século XIX”, de autoria de Diva do Couto Gontijo Muniz, de boa inspiração poética, com epígrafe em que é citado poema de Carlos Drummond de Andrade, nos convida a questionar a lógica da partilha binária do sistema sexo/ gênero. Com esse fio condutor, a autora observa que as salas mistas constituem uma mudança ocorrida apenas no regime republicano do País.

As análises percorrem os conflituosos processos de instruções públicas, problematizando a lógica de partilha binária e desigual de gênero na instrução pública, que separava meninas e meninos com um atendimento escolar diferenciado, em conformidade com as legislações da época, dedicadas à organização e ao funcionamento das escolas mineiras. A autora finaliza o trabalho, concluindo que, mesmo que o percurso escolar dos meninos oferecesse possibilidades para o mundo do trabalho e da política e o percurso das meninas fosse destinado ao mundo do lar e da família, muitas mulheres não se sujeitaram plenamente às imposições educacionais e sociais da época, tendo optado pelo exercício profissional e pela autonomia financeira a partir do ingresso no magistério.

“O sistema coeducativo nas escolas protestantes em São Paulo (séc. XIX/XX)”, de Jane Soares de Almeida, é o terceiro capítulo do livro. Contextualizando os anos iniciais do século XX a partir dos princípios liberais e da educação marcada pelo conservadorismo dos anos pré-republicanos, a autora afirma que, a partir de 1870, escolas protestantes adeptas da coeducação buscavam ampliar a sua atuação no nosso país, pautadas em seus objetivos igualitários e democráticos, tendo como missão não apenas evangelizar, mas, igualmente, educar os indivíduos no âmbito da moral e da ética.

O artigo ressalta que as missionárias protestantes eram ativas defensoras de ensino igual para os sexos, tendo sido, inclusive, adotado o sistema de classes mistas sob o princípio da coeducação, o que favorecia a igualdade de oportunidades educacionais entre meninos e meninas. Todavia, finaliza concluindo que, apesar das classes mistas e da coeducação, meninos e meninas, na vida social, eram educados separadamente, e o lugar das mulheres seria o lar, fossem elas católicas, protestantes ou de qualquer outra orientação religiosa.

Com foco nos estudos de gênero, o quarto capítulo, “A instrução feminina na visão dos presidentes de províncias do Espírito Santo (1845 – 1888)”, de Sebastião Pimentel Franco, investiga a ação do Estado em favor da ampliação da oferta de escolarização para as mulheres no século XIX. A pesquisa estuda os primeiros passos dados na instrução pública do Espírito Santo oitocentista, pautada na garantia e na ampliação da oferta da escolarização primária às mulheres.

O artigo destaca que a ideia da submissão da mulher foi instalada na sociedade brasileira desde o início da colonização. A partir da terceira década do período oitocentista, com o advento da ideia de que a instrução tiraria o País do atraso e da incivilidade, diz o autor, a mudança desse cenário tornou-se favorável, uma vez que, para formar bons homens, era preciso formar boas mães. Na visão dos dirigentes dessa época, as mulheres eram a força motriz que impulsionaria a sociedade, sendo elas as formadoras e as educadoras das gerações futuras. Esse fato fomentou ações dos dirigentes da província do Espírito Santo, no sentido de garantir o acesso das mulheres à instrução e a ampliação do número delas no magistério. Assim, até o final do século XIX, o magistério primário se transformaria numa atividade feminina.

Em “Educação e perspectiva de gênero no novo mercado de trabalho vitoriense”, o quinto capítulo do livro, de autoria de Maria Beatriz Nader, é analisado o processo que favoreceu, em fins do século XX, que as mulheres vitorienses deixassem a vida doméstica em busca do mercado de trabalho. O artigo faz breve abordagem sobre a história da educação feminina na perspectiva dos estudos de gênero e descreve as alterações na formação instrucional e profissional das mulheres, no período pesquisado, com base no novo segmento profissional terciário representado pelas indústrias de base.

A autora destaca que, ao lado da modernização urbana, que trouxe novas oportunidades educacionais e profissionais às mulheres, impulsionando-as a saírem do âmbito doméstico e a lançarem-se no mercado de trabalho, o período de 1990 a 2000 foi marcado por um maior grau de escolarização feminina, o que contribuiu para que o trabalho doméstico se tornasse algo desprezível para as mulheres. Nader finaliza, concluindo que a qualificação profissional veio a ser significativa na vida das mulheres, na medida em que lhes permitiu maiores e melhores oportunidades no mercado de trabalho, que propiciaram a sua emancipação estrutural, financeira e familiar.

Marcus Vinícius Fonseca é o autor do sexto capítulo do livro, “Entre o cativeiro e a liberdade: a educação das crianças escravas nos debates sobre a Lei do Ventre Livre”, que trata das conexões entre o processo de abolição do trabalho escravo e a educação dos indivíduos oriundos do cativeiro, questão esta que, na análise do autor, mobilizou a sociedade brasileira durante o século XIX, possibilitando, inclusive, algum tipo de instrução para as crianças nascidas livres, de mulheres escravas, a partir da Lei do Ventre Livre, em 1871.

As fontes investigadas pelo autor apontam para a preocupação, na época, com a necessidade de os indivíduos oriundos do cativeiro serem submetidos a uma formação diferente daquela ocorrida no bojo da escravidão, sinalizando que os debates tratavam a abolição da escravatura e a educação dos indivíduos originários do cativeiro como ações paralelas e complementares, ou seja, indicavam que era necessário um processo de educação diferente daquele levado a efeito na escravidão, acompanhando a libertação do ventre; do contrário, as vítimas libertas da escravidão se converteriam em uma ameaça à sociedade.

“Entre a enxada e a caneta: a educação entre imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (Brasil)”, o sétimo capítulo, de autoria de Maria Catarina Zanini e Miriam de Oliveira Santos, investiga a importância da educação para imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, analisando o quanto a educação esteve presente na constituição das italianidades desse grupo étnico.

As análises demonstram que a família, vista como instância socializadora e compreendida dentro do contexto religioso e do mundo do trabalho, foi o elemento-chave para a sobrevivência desses imigrantes e descendentes, assegurando a transmissão do capital cultural e econômico e operando como espaço de socialização e preservação de práticas culturais e organizativas responsáveis pela existência cotidiana desses indivíduos.

Na época, o catolicismo de origem rural configurava-se como a religião trazida pelos imigrantes italianos, e muitas das ordens religiosas foram responsáveis por fundar escolas que ofereciam uma educação pragmática e positivista. O ensino, ali, desprezava o excesso de teorias, aproximando-se da visão expressa pelo ditado italiano “a enxada é o mais nobre instrumento do mundo, mais do que o livro e que a espada”.

O oitavo capítulo, “Uma escola luterana nas décadas de 1920 e 1930 no Rio Grande do Sul”, de Martin N. Dreher, registra que, no campo religioso, naquela época, a população estava dividida entre católicos romanos e evangélicos luteranos. Entre os luteranos, havia a instrução primária e a secundária. O ensino era bilíngue; a alfabetização se iniciava com a língua materna alemã e, posteriormente, sob a perspectiva do Estado Novo, as escolas comunitárias das colônias alemãs “desnacionalizavam” as crianças.

O artigo traz uma possível reconstrução do currículo da Escola Allemã de Montenegro, na qual grande importância foi dada ao estudo da organização social e política do Rio Grande do Sul; e, igualmente, apresenta uma possível reconstrução dos métodos de ensino utilizados nessas escolas comunitárias coloniais. No primeiro ano escolar, por exemplo, elas se pautavam no lema “escrever menos e falar mais”, evitando, assim, o método utilizado nas escolas brasileiras da época, que estava assentado em “desenhar” e “copiar”. O autor finaliza, apontando a riqueza dessas escolas, que formavam pessoas para o uso perfeito de dois idiomas e para uma futura vida profissional.

O nono capítulo, “Educação, negros e racismo em Mato Grosso na Primeira República”, de Nicanor Palhares Sá e Paulo Divino Ribeiro da Cruz, é uma importante contribuição para suprir a lacuna acerca da história da educação de negros e de mestiços indígenas com negros, em Mato Grosso.

Os autores revisitam conceitos como eurocentrismo, colonialidade do poder e racismo epistemológico. Afirmam eles que, na passagem do século XIX para o XX, o sistema escolar em Mato Grosso foi marcado pela discriminação contra negros, pardos e brancos pobres, ao hierarquizar a sociedade a partir de uma lógica racial e eurocêntrica, numa época em que a população mato-grossense era majoritariamente composta por mestiços de negros e indígenas – as duas raças inferiores, segundo esse pensamento europeu.

As análises dos autores indicam que essa bipolaridade entre brancos e negros influenciava a constituição dos materiais didáticos e das carreiras educacionais do magistério, contribuindo fortemente para o processo de subordinação cultural e simbólica do negro brasileiro.

Em “Educação e lutas populares na história mato-grossense”, décimo capítulo, Artemis Torres investiga a dimensão pedagógica das lutas e dos movimentos populares em busca de seus direitos. Apesar de possuírem um caráter educativo reconhecido, tais movimentos e lutas raramente estão entre os temas de interesse para pesquisa. O autor destaca que várias ações educativas vinculadas aos movimentos sociais estão presentes nos currículos das Faculdades de Educação.

Os movimentos sociais, nessa pesquisa, são compreendidos como instâncias formativas e organizativas potentes para as mudanças sociais. Em vista disso, o autor se debruça a investigar as lutas sociais dos trabalhadores em Mato Grosso, representados pelo movimento popular conhecido como “banditismo”, e outras lutas sociais, como as do movimento dos “sem-terra”, das associações de agricultores, do movimento dos “sem-teto” e dos sindicatos urbanos.

Marlúcia Menezes de Paiva é autora do décimo primeiro capítulo, intitulado “Movimentos de educação popular no Rio Grande do Norte (1958-1964)”. Ela investiga duas experiências educacionais populares. A primeira trata das Escolas Radiofônicas, uma experiência em educação e cultura popular de alfabetização pelo rádio, e a segunda trata da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, um movimento de educação voltado para as camadas populares; ambas as experiências foram realizadas na cidade de Natal. As Escolas Radiofônicas, destinadas prioritariamente à população rural, estavam assentadas no tripé: professoras-locutoras, monitores e rádio. Já a campanha “De pé no chão também se aprende a ler” esteve baseada na construção de escolas com cobertura de palha e chão de barro batido.

Esse último capítulo do livro ressalta que essas duas experiências de educação popular desenvolviam, ao lado da alfabetização, uma ação pedagógica conscientizadora. As análises priorizam os processos de formação dos professores, os materiais instrucionais e os conteúdos ditos conscientizadores, concluindo a autora que ambas as experiências representaram significativos movimentos sociais populares.

Por fim, o livro Gênero, etnia e movimentos sociais na História da Educação, organizado com maestria, reúne onze artigos que nos oferecem um bom panorama das pesquisas em História da Educação, orientados por três núcleos temáticos (gênero, etnia e movimentos sociais). Todavia, eles estabelecem conexões entre questões de gênero, classe, etnia e lutas sociais, conferindo significativa aderência aos trabalhos. Após a leitura do volume, é possível dizer, com tranquilidade, que se trata de obra imprescindível àqueles e àquelas que se dedicam ao estudo nesses campos de investigação que permeiam os “Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil”, título da coleção que resulta da parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Universidade Federal do Espírito Santo.

Gustavo Henrique Araújo Forde – Doutorando em Educação – PPGE/UFES. E-mail: [email protected]

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Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas – ALVES (RBHE)

ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia. Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: MAIA, Manna Nunes. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 261-266, jan./abr. 2013.

Nas últimas décadas, a produção em História da Educação expandiu-se consideravelmente”, como resultado do papel desempenhado tanto pela pós-graduação quanto por instâncias de organização, debate e divulgação da pesquisa histórico-educacional. Ao mesmo tempo, há um processo de inflexão dos modelos interpretativos, referenciais teóricos, objetos de investigação, objetivos, temáticas, fontes documentais, periodizações e metodologias de pesquisa da área.

Articulada a esses processos, houve a publicação de vários estudos que, ao analisarem aspectos da pesquisa histórico-educacional, têm permitido a problematização e (por que não?) renovação de categorias já consagradas. Entre elas, a categoria “intelectual” tornou-se objeto de investigação dos historiadores da educação, cujos trabalhos possibilitaram questionar o viés tradicional de abordagem histórica do tema. Propiciaram, portanto, superar análises que se centravam na exposição das ações e feitos dos considerados grandes personagens, de um lado, ou centradas em perspectivas que apagavam a ação dos sujeitos, de outro. Insere-se, nesses trabalhos, a publicação de Claudia Alves e Juçara Luzia Leite, intitulada Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas, que integra a coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, em comemoração aos dez anos de fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação.

A primeira parte da coletânea procura iluminar o debate teórico com base nas contribuições de pesquisas dos autores que a compõem. No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Vieira problematiza o conceito de intelectual a partir da análise das ideias e da trajetória do intelectual paranaense Erasmo Pilotto (1910-1992). A crença no protagonismo do Estado e no papel dos intelectuais, articulada à ideia de que o caminho para a modernidade seria trilhado por meio de investimentos na cultura e na educação, incentivou a militância de Erasmo Pilotto nos referidos campos, por meio da publicação de diferentes materiais, da ação enquanto educador, da criação de inúmeras instituições e grupos e, ainda, da ocupação de posições importantes na esfera política. Por meio do estudo dessa trajetória, o historiador põe em questão aspectos fundamentais do conceito em foco na coletânea, concernentes à construção da identidade dos intelectuais, envolvendo seu engajamento político e suas crenças na modernidade e no papel do Estado.

Em seu trabalho, Marlos Bessa Mendes da Rocha disserta sobre o Decreto-lei Couto Ferraz (1854) que instituiu, pela primeira vez, a educação como um sistema de política pública. Para analisar o referido decreto-lei, com foco na relação entre a história intelectual da política e a história institucional das práticas políticas, Rocha baseia-se em alguns pontos, dentre os quais: o vocabulário normativo da época; os axiomas herdados; os projetos de sociedade, Nação e Estado; a comparação entre o Decreto-lei Couto Ferraz e as leis que o antecederam e sucederam; a concepção de educação na época e a recepção da lei na sociedade. Além disso, o autor destaca a conjuntura da época, em especial o contexto intelectual em que as formulações do decreto-lei foram concebidas. Aqui, a questão conceitual margeia a história das ideias.

Na sequência, Claudia Alves analisa a formação da oficialidade do Exército no século XIX. Os sujeitos de pesquisa selecionados foram os intelectuais militares que desempenharam funções dirigentes e organizativas no Exército e em instâncias da sociedade e do Estado, atores não privilegiados na historiografia. Sem desmerecer o papel desempenhado pela Escola Militar e, a partir do conceito ampliado de formação (que englobaria a dimensão prática, dirigente e política), Alves demonstra que outros espaços no interior do Exército foram determinantes na formação da parcela intelectualizada da oficialidade durante o período investigado.

Amália Dias centra sua análise na dicotomia entre as funções de “intelectuais” e de “trabalhadores” que o magistério secundário enfrentou no pós-1930. De um lado, as leis e projetos implementados durante o Estado Novo puseram em marcha um projeto de profissionalização do magistério de ensino secundário, que o submetia aos parâmetros estatais, ao mesmo tempo que o requisitava como agente do “apostolado cívico”. Por outro lado, houve um movimento de reação organizada em sindicatos, efeito da condição de “trabalhadores do ensino” dos professores secundários, procurando garantir seus direitos e deveres. Nessa análise, Dias evidencia a defasagem entre o elevado prestígio social dos professores e a sua situação econômica, como trabalhadores assalariados, tratando de outra faceta da categoria intelectuais, associada à profissionalização do magistério.

A imprensa constituiu-se historicamente como locus de atuação dos intelectuais, estando fortemente imbricada à própria emergência social desse personagem no século XIX. Na segunda parte da coletânea, estudos que se debruçaram sobre a relação entre intelectuais e imprensa apresentam possibilidades de abordagem sobre esse aspecto. O capítulo de autoria de Bruno Bontempi Júnior aborda o Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, publicado em O Estado de São Paulo”, em que jornalistas e educadores teceram observações a respeito do ensino primário paulista. Uma série de aspectos validou a capacidade desses personagens de dissertarem sobre a situação educacional de São Paulo, que, somada à crescente influência do jornal mencionado, fizeram com que se produzissem e veiculassem discursos educacionais considerados legítimos acerca da situação e dos rumos da instrução pública nesse estado. Recorrendo à noção de expertos de Norberto Bobbio, o autor põe em questão a formação e o pertencimento dos respondentes ao Inquérito, que têm seus discursos potencializados pela ação do jornal.

Em seguida, Clarice Nunes reflete sobre como se tornou possível a afirmação de um grupo de mulheres como intelectuais na sociedade patriarcal do final do século XIX e início do XX. Em uma conjuntura de consolidação da imprensa como canal de difusão de ideias e de mudanças na indústria jornalística e literária, foram abertos espaços nas redações dos jornais e editoras para as mulheres. Por meio da publicação de seus escritos, algumas mulheres conseguiram ultrapassar as fronteiras da casa e da escola. Ou seja, ao se tornarem escritoras, as mulheres ganharam prestígio e visibilidade na sociedade, naquele período, constituindo um grupo novo, embora minoritário na categoria dos intelectuais, potencializado pelo trabalho no magistério.

Maria de Araújo Nepomuceno toma a revista Oeste como objeto de estudo e fonte de pesquisa. Iluminado pelos conceitos de Estado e intelectual de Antonio Gramsci, o estudo identificou que a citada revista foi, gradativamente, mudando sua proposta. Originalmente projetada no âmbito da “sociedade civil” para apresentar intelectuais goianos, a revista foi se constituindo em um veículo divulgador dos princípios político-ideológicos do Estado Novo e de propaganda de Goiânia e do interventor Pedro Ludovico. A ambivalência da atuação dos intelectuais, na sociedade civil e na sociedade política, transparece nas páginas do periódico.

Se a escrita é a forma de expressão evidente do intelectual, o livro é o objeto símbolo desse trabalho. A terceira parte da coletânea traz pesquisa que analisaram livros e seus escritores. André Luiz Bis Pirola faz uma reflexão sobre a obra didática Noções abreviadas de Geografia e História do Espírito Santo, escrita pelo professor Amâncio Pereira. Analisa-o como um documento privilegiado para compreender as disputas e as alianças em torno da correta leitura de história e de educação no esforço de forjar uma “identidade nacional”. Destaca os lugares de memória e os protocolos de pertencimento, em âmbito local, que organizaram a intelectualidade e os seus debates no processo de definição do cânone historiográfico.

No seu trabalho, Maria Arisnete Câmara de Morais estuda duas publicações da escritora Sophia Lyra: Vida íntima das moças de ontem e Rosas de neve. Nelas, Sophia Lyra exterioriza alguns questionamentos, costumes, linguajar, conflitos, problemas e a situação da mulher na década de 1930, assim como traça um painel dos hábitos, tradições e maneiras de ser da sociedade brasileira naquele período. Discorre, portanto, sobre vários assuntos latentes na sociedade na primeira metade do século XX. Por meio da análise desses ensaios, Morais consegue superar a recorrente noção de que as mulheres viviam alienadas da realidade do Brasil naquele período.

Dislane Zerbinatti Moraes toma como objeto de investigação os romances escritos por cinco professores-escritores entre os anos de l920 e l935. Apesar de terem interpretações e posições diferenciadas no campo do magistério, os autores analisados por Moraes têm em comum a utilização da ficção, mais especificamente do romance, como modo de expressão das tensões, expectativas e experiências desses intelectuais enquanto professores. Por conta disso, esses escritos destacam aspectos do contexto educacional da época, visando à produção de algum tipo de transformação na realidade escolar e à obtenção de reconhecimento profissional. O romance, como ferramenta intelectual, abre um campo de expressão de insatisfações, interditado no discurso pacificador dos historiadores da educação no mesmo período.

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira analisa o compêndio História da América, de José Francisco da Rocha Pombo, que inaugurou uma tradição de reflexões críticas à colonização europeia na América Latina, considerando o ensino de história fundamental para conhecer o passado de opressão dos povos latino-americanos, resistir aos padrões civilizatórios e reverter o quadro de atraso da América Latina. Entretanto, essa forma de conceber a colonização não se repetiu nas demais obras do autor. O texto de Taborda coloca, então, em cena, contradições que marcam uma trajetória de vida e produção intelectual, na qual, por vezes, a grande originalidade pode estar no ponto de partida.

As relações entre educação, civilização e modernidade dão o tom dos textos da última parte da coletânea. Em seu estudo, Juçara Luzia Leite assinala que o pós-Primeira Guerra fortaleceu a preocupação sobre a influência do ensino de história nas relações entre povos e nações. No caso dos livros didáticos, sua função educativa e moralizadora aparece nos cuidados de agências de Estado, tratados inclusive em convênios internacionais. A participação de intelectuais, políticos e professores, na construção desses convênios, permite observar o sentido de missão que se autoatribuíam na construção de um projeto civilizatório. Com isso, as reflexões de Leite permitem-nos perceber nuançes do uso social do trabalho intelectual, envolvido por questões que marcam uma época.

Em seu trabalho, Maria Helena Câmara Bastos analisa a atuação de Manoel Francisco Correia, intelectual representativo dos debates que propugnavam o progresso da sociedade brasileira, defendendo avanços na instrução popular. Membro da elite intelectual e política da época, Manoel Francisco Correia pretendia promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade, assumindo a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas no país. Para isso, organizou as Conferências Populares da Freguesia da Glória, espaços privilegiados de discussão de ideias educacionais na cidade do Rio de Janeiro no período de 1873 a 1890. Aspectos da Modernidade, que se anunciam em fins do século XIX, podem ser apreendidos na análise desse intelectual.

Iranilson Buriti de Oliveira estuda algumas imagens construídas por Belisário Penna sobre a educação sanitária, problematizando as aproximações entre os saberes médico e pedagógico. Em uma conjuntura em que os médicos assumiram a responsabilidade de remediar e educar a população, preocupados em mudar a nação a partir da escola, Belisário Penna denunciou as precárias condições sanitárias da maioria das unidades da federação brasileira e fundou a “Liga Pró-Saneamento do Brasil”, em 1918. Oliveira procura compreendê-lo a partir dos seus escritos, mapas de viagem, fotografias, retratos, buscando captar sua perspectiva crítica, mas, também, suas angústias, medos, tensões. O texto convida o leitor a perceber o que a produção de um intelectual projeta como imagem de si.

Ao final, Maria do Amparo Borges Ferro analisa a figura e a atuação do padre Marcos de Araújo Costa na primeira metade do século XIX, que teve grande influência nos diversos setores em Oeiras, antiga capital do Piauí. Embora não tenha ocupado cargos ou funções na burocracia estatal, esse intelectual piauiense lutou contra a ameaça de retorno do Piauí à condição de dependência político-administrativa da província do Maranhão e se dedicou à educação do povo, usando o patrimônio herdado na fundação e manutenção de uma escola para garotos, que se tornou referência para toda a região, entre 1820 e 1850. O texto da autora instiga a atenção para sujeitos que utilizam sua capacidade intelectual para fazer história por meio da educação.

Na presente resenha, tentamos assinalar a contribuição dessa coletânea para os estudos histórico-educacionais. São autores de diferentes regiões do país e de competência reconhecida no campo da História da Educação, que, com suas especificidades, clareza de objetivos e delimitação precisa de suas questões, proporcionaram-nos uma leitura rica e nos dão a oportunidade de pensar, questionar e enriquecer futuros estudos na temática. Ao mesmo tempo, as análises empreendidas em cada estudo são de grande valia para os interessados no passado educacional brasileiro, abordado pelo prisma da ação de um grupo específico de agentes, os intelectuais.

Ao traçar um espectro da pesquisa sobre o tema, Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas traz uma contribuição particular aos estudos sobre a categoria intelectuais, em uma conjuntura em que emergem, cada vez mais, discussões teóricas e metodológicas em torno dela. O livro incentiva os historiadores da educação a fazerem uma (re)leitura de seus trabalhos sobre intelectuais, assim como estimula aqueles que pretendem trabalhar com essa categoria. Para isso, os trabalhos nele publicados indicam vias que podem ser exploradas: itinerários de formação; redes de sociabilidade; escritos; ligações com a formulação de políticas públicas de educação; iniciativas de escolarização lideradas; representações e práticas culturais; contextos sócio-educacionais; itinerários pessoais e coletivos; ambiência cultural; constructos intelectuais de época; lugares frequentados; ideários, leituras e representações.

Manna Nunes Maia – Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestre em Educação também pela Universidade Federal Fluminense (UFF).  E-mail:[email protected]

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O ensino de História da Educação – CARVALHO (RBHE)

CARVALHO, Marta Maria Chagas de; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.). O ensino de História da Educação. Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, v. 6. Vitória –ES: EDUFES, 2011. Resenha de: LIMA, Geraldo Gonçalves de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 255-260, jan./abr. 2013

O Ensino de História da Educação, organizado por Marta Maria Chagas de Carvalho e Décio Gatti Júnior, é o sexto volume da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil. Dedica-se à história disciplinar da História da Educação e seu ensino nos cursos de formação de professores (graduação) e de pesquisadores (pós-graduação stricto sensu), sendo composto por doze trabalhos que proporcionam ampla visão acerca da situação do ensino da referida disciplina.

O primeiro capítulo, de autoria de Claudemir de Quadros (Universidade Federal de Santa Maria), “Ensino com pesquisa, educação digital e formação de professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da Educação”, retrata uma experiência específica de ensino e aprendizagem em História da Educação e a sistematização de algumas problemáticas que orientam o planejamento de ensino. A experiência acontece no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano (Unifra) em Santa Maria – Rio Grande do Sul, entre os anos de 2007 e 2009, e perpassa as seguintes questões: processo de ensino e aprendizagem; promoção da curiosidade e da capacidade criadora como princípios educativos; educação digital; profissão docente.

Um dos organizadores do volume, Décio Gatti Júnior (Universidade Federal de Uberlândia), elaborou o capítulo “Intelectuais e circulação internacional de ideias na construção da disciplina História da Educação no Brasil (1955-2008)”, no âmbito da história disciplinar da História da Educação. Consiste na constatação do emprego de autores estrangeiros de manuais de História da Educação traduzidos para o português e que atingiram um alto índice de circulação nos cursos de Pedagogia: Franco Cambi, História da Pedagogia (25 indicações, 1ª edição em português: 1999); Mario Alighiero Manacorda, História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias (20 indicações, 1ª edição em português: 1989); Luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1955); Francisco Larroyo, História Geral da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1970 – com dois tomos). O intuito da investigação consistiu em verificar a forma como esses quatro autores concebem a História da Educação e da Pedagogia, partindo do pressuposto de que esses manuais comportam posicionamentos historiográficos distintos, embasados em teorizações diversas, de ordem ontológica, epistêmica e política.

José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza, da Universidade Federal de Uberlândia, discutiram a problemática “Haveria uma historiografia educacional brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972?” Muito do que foi produzido a partir da expansão escolar, em meados do século XX, particularmente da formação de professores, sofreu grande influência de autores europeus. A produção de manuais didáticos, até os anos 1960, se caracteriza pela hegemonia do pensamento católico, embasada em orientação tridentina. Foram analisados dez diferentes manuais em circulação no período determinado, com a intenção de investigar a natureza, as interferências e as motivações, pelas quais foram produzidos. Os manuais explicitam os valores e o contexto da época em que foram produzidos, proporcionando a consolidação da ideologia, das concepções veiculadas e a construção de um conjunto de valores tidos como ideais, além de explicitar o público a que se destinam.

A seguir, José Roberto Gomes Rodrigues (Universidade do Estado da Bahia – campus de Juazeiro) discute “O ensino de História da Educação: um olhar reflexivo a partir da análise de planos e programas curriculares”, abrangendo a realidade de universidades de Belo Horizonte e da Bahia. A análise de planos e programas de ensino possibilita o entendimento de algumas questões referentes, destacadamente, ao papel que a disciplina História da Educação assume na formação de educadores em geral e de pedagogos em particular. O objetivo do capítulo consiste em contribuir para o debate em torno do processo instrucional da disciplina História da Educação e estimular questões relacionadas diretamente ao campo investigativo. Todo o conhecimento produzido na academia apresenta nova configuração ao ser ministrado de forma escolarizada. As atividades de ensino e aprendizagem exigem uma operacionalização diferenciada e institucionalizada conforme novos padrões. A disciplina História da Educação demonstra ser uma disciplina em constante embate entre a tendência à formalização e rigidez nos programas de ensino e a flexibilidade dos professores em tentar mudar a forma de ofertar a disciplina, com a introdução de novos temas.

Justino Magalhães, da Universidade de Lisboa, no capítulo “O ensino da História da Educação”, demonstra a necessidade de buscar as bases de uma reformulação do pensamento em torno da historiografia e a emergência de novos objetos de estudo a partir de determinadas influências ao longo do século XX. Surgem novos objetos, métodos e abordagens que proporcionam um diálogo entre a investigação historiográfica e o ato de ensinar. O ensino de História da Educação forma professores e pesquisadores, levando a uma gama de tendências, percebida no meio acadêmico e universitário. A História da Educação se manifesta, desde as décadas de 1960-1970, associada às ciências da Educação. A disciplina assume basicamente três naturezas possíveis: memória e patrimônio simbólico, discurso e prática historiográfica; disciplina de informação; componente epistemológico/domínio científico. Salienta-se a atualidade e a necessidade da História da Educação como componente de formação acadêmica, científica e profissional, no sentido de pensar a educação por meio da história.

Em seguida, Luiz Carlos Barreira, da Universidade Católica de Santos, apresenta o trabalho “Ensino de História da Educação na pós-graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada”. Trata-se de uma reflexão sobre o lugar da disciplina História da Educação como parte das disciplinas básicas e obrigatórias dos cursos de pós-graduação stricto sensu, com base em quatro programas de ensino elaborados por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na década de 1980. O autor traça, de forma panorâmica, as diversas tendências temáticas, metodológicas de ensino e pesquisa, percebidas no interior dos referidos programas. Assim, os citados programas de ensino demonstram a ideia de que, após a tomada de consciência dos processos de produção e de transformação da sociedade, é possível o empreendimento da reflexão acerca das condições sócio-históricas, destacadamente as de economia política.

O próximo trabalho, “Internacionalização de cânones de leitura: as Atualidades pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário e o ensino de História da Educação”, de autoria de Maria Rita de Almeida Toledo (Universidade Federal de São Paulo – campus Guarulhos), ressalta a relevância da coleção Atualidades Pedagógicas, da Companhia Editora Nacional, em bibliotecas destinadas à formação docente em Portugal. Sempre houve uma intensa relação entre os mercados editoriais português e brasileiro. A Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP) foi instalada em 1933 na Escola do Magistério Primário de Lisboa, sob a direção do intelectual escolanovista Adolfo Lima, com o objetivo de atender à formação de leitura dos professores primários. Entre os números que compunham o acervo da Biblioteca, estavam os livros da coleção Atualidades Pedagógicas, com significativa circulação de exemplares entre os docentes portugueses. Quanto aos exemplares de História da Educação da coleção Atualidades Pedagógicas em circulação no Brasil, apenas o volume de Paul Monroe foi disponibilizado no catálogo da BMEP, de Portugal, mesmo que Afrânio Peixoto tenha mantido estreita relação com o meio acadêmico português. Por ser um autor militante católico e, portanto, contrário aos interesses teóricos escolanovistas da BMEP, o volume de História da Educação de Theobaldo Miranda Santos não foi incluído.

A organizadora do volume, Marta Maria Chagas de Carvalho (Universidade de São Paulo), elaborou o trabalho “Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da Educação no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997)”. Trata-se do relato de experiência referente ao período de atuação docente da própria autora, envolvida diretamente na organização do ensino da disciplina História da Educação. Concentra-se no depoimento e caracterização a partir de anotações acerca da militância institucional, redefinição da identidade e da organização da disciplina no curso. Com a crescente mobilização acadêmica, houve a gradativa inclusão dos estudos históricos da educação no currículo oficial do curso. A disciplina História da Educação assume constante e gradativamente a função formativa, possibilitando a construção de uma identidade imaginária do estudante.

Mirian Jorge Warde (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – campus Araraquara) escreve “Brincando nos campos do senhor: anotações para uma história da formação dos professores e do ensino da História da Educação no Brasil”. Segundo a autora, nas duas últimas décadas, houve uma dinamização da produção acadêmica em torno da História da Educação, ressaltando-se o surgimento de associações acadêmicas especializadas, o crescente lançamento de periódicos, assim como a organização de eventos nacionais e internacionais. Outro indício de seu crescimento como disciplina acadêmica consiste na realização crescente do número de pesquisas e o interesse cada vez maior do público em seus resultados. A partir desses pressupostos, a autora promove a investigação do perfil dos docentes em História da Educação em atuação nos cursos superiores brasileiros, respeitando alguns critérios como: o doutoramento como titulação mínima; uma constante e significativa produção acadêmica voltada exclusivamente para a área; a participação em associações e entidades representativas da categoria; a consulta a bases de dados como a plataforma Lattes do CNPq. Como resultado da análise empreendida, a autora confirma a existência de um grupo bastante heterogêneo em relação aos cursos de formação inicial (graduação) dos docentes de História da Educação no Brasil. Além disso, ressalta o momento atual de intensa renovação temática e metodológica, assim como a mobilização em torno da consolidação da disciplina História da Educação no meio acadêmico.

O trabalho, “Qual História da Educação ensinar?”, de autoria de Norberto Dallabrida (Universidade do Estado de Santa Catarina), funda-se no questionamento de qual disciplina escolar voltada para a história educacional deve ser ensinada, haja visto o recente crescimento e desenvolvimento da área no meio acadêmico/científico, demonstrando uma dinamização em torno de novos e desafiadores objetos de abordagem, assim como novas perspectivas teóricas e metodológicas. Há uma tendência notável para a microanálise, destacando-se a cultura escolar, existente em instituições escolares, bem como o exame das disciplinas escolares prescritas oficialmente e suas repercussões na prática cotidiana. Outra temática de destaque é a investigação de trajetórias profissionais de docentes. O propósito do capítulo consiste em repensar a seleção e organização dos conteúdos veiculados pela disciplina História da Educação ministrada nos cursos de formação de professores e de pedagogia, sobretudo.

A obra traz também a investigação intitulada “O período colonial nos manuais de História da Educação brasileira”, de Thais Nivia de Lima e Fonseca (Universidade Federal de Minas Gerais). A autora afirma que a maior parte dos livros voltados para a formação de professores, usualmente, categoriza os períodos da História da Educação brasileira com base em critérios políticos, sendo a classificação mais conhecida e difundida: colonial, imperial e republicano. O texto tem como objetivo analisar um conjunto de obras utilizadas nos cursos de formação de professores, assim como as obras de referência para a História da Educação no Brasil, voltadas especificamente para o período colonial (o menos investigado diante dos períodos imperial e republicano). Ressalta o aspecto de que, mesmo com as mais recentes remodelações da historiografia educacional brasileira, o período colonial ainda se mostra bastante defasado em termos de análise perante os outros dois períodos tradicionais (imperial/ republicano). Além disso, alerta que é fundamental maior cuidado no tratamento dado ao período colonial, sobretudo durante as aulas de História da Educação, de modo a desfazer os preconceitos difundidos entre os educadores, assim como estímular novas investigações acerca deste importante momento histórico do Brasil.

Finalmente, Zuleide Fernandes de Queiroz (Universidade Regional do Cariri) realiza, em “Ensinando História da Educação no curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri”, uma análise da trajetória do ensino da disciplina no período compreendido entre 1998 e 2008. Seus objetivos são o registro, como historiadora da educação, da experiência de ensino da disciplina História da Educação e a análise dos efeitos de tal disciplina na formação acadêmica, demonstrando resultados voltados para o ensino e a pesquisa nas áreas de História, memória e políticas educacionais. A autora confirma a importância da constante renovação do ensino de História da Educação, ampliando os horizontes teóricos na formação acadêmica dos estudantes. Além disso, ressalta a necessidade do desenvolvimento de atividades de ensino articuladas à pesquisa.

Dessa forma, o volume seis da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil enfatiza a necessária reflexão acerca dos elementos da história disciplinar da História da Educação e do seu ensino nos cursos de formação de professores, de nível superior, abrangendo cursos de graduação, e de formação de pesquisadores, nos cursos de pós-graduação (stricto sensu). Demonstra-se a existência de uma vitalidade de pesquisa em História da Educação no Brasil em geral e, particularmente, nota-se o surgimento de estudos e pesquisas sobre sua trajetória histórica disciplinar. Por sua vez, percebe-se também a ênfase de análises sobre as finalidades e os procedimentos metodológicos usualmente empregados no ensino da disciplina em diversos cursos na realidade educacional brasileira.

Geraldo Gonçalves de Lima – Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. É membro do GEPEDHE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação. Atualmente é professor do quadro efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM – Campus Uberaba).  E-mail: [email protected]; [email protected]

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Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889) – GONDRA (RBHE)

GONDRA, José Gonçalves. Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889). Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: PAULILO, André Luiz. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 235-241, set./dez. 2012

As dificuldades da compreensão histórica do que foi a educação no Império brasileiro são muitas e vão desde o trabalho cotidiano nos acervos públicos e as dificuldades de acesso à documentação até a sofisticada crítica da memória, constituída posteriormente, que o tema exige. É verdade que atualmente a tradição historiográfica republicana, que produziu o enorme vazio a respeito da educação organizada e mantida durante o Império no Brasil, foi superada por um sistematizado esforço de pesquisa e análise. A articulação de grupos de pesquisadores, em torno do período em eventos, como os Seminários de Fontes para a Pesquisa em História da Educação do Século XIX, e a publicação das conclusões de estudos sobre o oitocentos brasileiro vêm mostrando, há mais de uma década e com muita intensidade, que a educação brasileira oitocentista é um período fértil tanto para a problematização de questões atuais do campo educacional quanto da produção historiográfica.

No entanto, ainda há bastante o que fazer, conforme atesta o livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822‑1889). O mais recente esforço para pensar a educação e a instrução nas províncias e na Corte é a obra organizada por José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, que reúne, em 15 artigos, uma plêiade de 23 especialistas no estudo da educação no tempo do Império, com o objetivo de “[…] visibilizar as experiências em termos de educação e instrução desenvolvidas na complexa malha provincial e na Capital do Império […]” (p. 13). Trata-se do terceiro volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, iniciativa da editora da Universidade Federal do Espírito Santo e da Sociedade Brasileira de História da Educação. Embora o título delimite o período 1822-1889 como recorte, e a proposta de organização dos capítulos tenha se efetivado em função da abrangência das iniciativas regionais então projetadas e desenvolvidas, as histórias que este livro traz não se prendem aos limites da história institucional e político-administrativa.

As orientações diversas da escrita e a própria diversidade dos autores preservam uma pluralidade de perspectivas que contribui para a compreensão das possibilidades de análise hoje presentes na historiografia. Entre outros, estão presentes investimentos de pesquisa sobre a educação dos índios amansados, sobre o uso dos métodos, dos espaços e dos tempos escolares e acerca das estratégias populares de educação ou de resistência ao modelo oficial de instrução. Cotejar esses diferentes interesses revela um importante trabalho com as categorias da análise histórica. Sob esse aspecto, perpassam o livro desde abordagens ancoradas na utilização de categorias como cultura escolar e forma escolar até a elaboração de instrumentos de análise muito próprios como o de processo escolarizador.

Outra chave de entrada para a leitura é o escopo dos textos. Nos estudos que estão reunidos em Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, há, por um lado, o esforço de síntese e interpretação e, por outro, a organização de inventários empenhados na discussão historiográfica da pesquisa acerca da educação no período. Sobretudo nos textos em que predomina o primeiro tipo de expediente, é possível acompanhar a construção de quadros compreensivos capazes de mostrar os principais resultados das iniciativas educacionais dos governos provinciais. Para as províncias do Amazonas e Pará, Ceará e Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os autores indicam formas de abordar o processo de escolarização das suas sociedades e, principalmente, tecem relações entre o político e o cultural. De outro tipo é o entendimento que os mapeamentos da produção permitem ter. O levantamento dos estudos a respeito da história da educação no Maranhão e Piauí, no Rio de Janeiro, no Paraná, em Alagoas, em Goiás e Mato Grosso, e em Santa Catarina informa sobre a profusão dos objetos de pesquisa e dos meios de análise que vem sendo utilizada no trabalho com o oitocentos brasileiro. Por se tratar de uma diferença de ênfase e não de uma opção entre um expediente e outro, os 15 artigos reunidos neste livro auxiliam na tarefa de compreensão histórica, senão das realizações dos governos provinciais e da Corte, ao menos dos mecanismos explicativos que lhes indiciam as interpretações possíveis. Dessa perspectiva, o texto escrito por Maria Lucia Hilsdorf acerca de São Paulo é exemplar.

Mesmo que, de fato, se beneficie dos diferentes interesses de pesquisa e da pluralidade das perspectivas de análise dos seus autores, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial é daqueles casos raros de coletânea cuja força está no conjunto, no arranjo obtido pelo livro. Conforme os organizadores esclarecem no prefácio, solicitou-se aos autores que procurassem contemplar a bibliografia existente sobre educação na região, mapear o tipo de documentação disponível e pensar as perspectivas e desafios para a pesquisa em história da educação e instrução nas províncias e na Corte. Outra orientação geral do livro foi observar o emprego dos termos educação e instrução à época. Considerando que, então, a distinção entre as ações sobre os variados aspectos da conduta dos sujeitos sociais e as medidas voltadas para organizar e legitimar a escola na sociedade brasileira pautaram o debate acerca das modalidades de intervenção educativa, sugeriu-se rever e observar o uso dos termos educação e instrução na literatura pedagógica do período. O resultado conseguido, efetivamente, contribui para melhor entendimento da organização do ensino nas províncias e na Corte Imperial e das premissas teórico-metodológicas da sua historiografia. Uma leitura transversal, articulada e integrada, das contribuições que o volume colige mostra-o bem, sobretudo nos quatro pontos indicados pelos organizadores.

Primeiro, a varredura que os artigos realizaram da bibliografia acerca da educação nas províncias e na Corte mostra um importante acúmulo de reflexões. Trata-se de obras que são já clássicos de referência, como nos casos do que José Veríssimo, José Ricardo Pires de Almeida e Primitivo Moacyr publicaram. Há, igualmente, um conjunto de obras que, provenientes do campo da história, tornaram-se referência fundamental para o trabalho com a história da educação, como O Tempo Saquarema de Ilmar Rhollof de Mattos e os trabalhos de Sidney Chalhoub e Eni de Mesquita Samara. No campo específico da história da educação, as produções de, por exemplo, Oscar Thompson, Archimiro Mattos, J. L. Rodrigues, João Craveiro Costa, José Calasans, J. B. Mello, José Mendonça e Abelardo Duarte constituem referências significativas para a historiografia das províncias. Principalmente, chama atenção a profusão das novas produções. Maria Stephanou, Maria Helena Câmara Bastos, Elomar Tambara, Luciano Mendes de Faria Filho, Heloisa Villela e Tarcísio Mauro Vago são nomes que, na última década e meia, vêm consolidando a pesquisa sobre a educação oitocentista com suas publicações. Seus estudos são amplamente referenciados nos artigos editados nesta compilação. Também as teses e dissertações elaboradas nos programas de pós-graduação das universidades de diferentes estados brasileiros vão contribuindo com novas perspectivas de estudo. Nesse aspecto, o levantamento realizado da produção aponta que, de Norte a Sul, há trabalhos representativos da renovação dos estudos sobre o Império. Além da rede de referências que articulam, é relevante dizer que as contribuições reunidas neste volume foram produzidas por autores que igualmente têm publicado trabalhos fundamentais para o entendimento da história da educação oitocentista. Junto aos organizadores, José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, colaboraram Adriana Feitosa, Adriana Maria Paulo da Silva, Alessandra Schueler, Berenice Corsetti, César Augusto Castro, Cynthia Greive Veiga, Elizabeth Siqueira, Fátima Neves, Ione de Souza, Irma Rizzini, José Carlos Silva, Leonete Schmidt, Maria das Graças Loiola, Maria Lucia Hilsdorf, Mauricéia Ananias, Samuel Castellanos, Sandra de Abreu, Sônia Maria Araújo e Terciane Luchese.

Depois, o mapeamento das fontes disponíveis para pensar a educação nas províncias e na Corte Imperial esclarece acerca dos caminhos da pesquisa histórica a respeito da escola oitocentista. Sob esse aspecto, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial constitui um testemunho do quanto têm sido diversificadas as estratégias dos historiadores para definir seus objetos de pesquisa. Todo seu conjunto repõe a profícua discussão sobre as fontes da história da educação que, da última década e meia para cá, orientou grande parte da renovação historiográfica no país. Por um lado, a cuidadosa lembrança dos limites impostos pelas fontes ditas oficiais, como o são os relatórios das inspetorias provinciais e suas comissões, as estatísticas e recenseamentos, as atas e a legislação, não deixa esquecer a necessária crítica das fontes. Por outro lado, acompanha a reflexão sobre o uso de outros tipos de documentação a necessária crítica dos métodos e das categorias de análise empregadas. Assim, mostra-se que o trabalho com impressos, inventários, prestação de contas, listas de compra e de despesas com educação, livros, utensílios e boletins escolares, cartões-postais, fotografias, abaixo-assinados, anais de congresso, entre tantas mais, não tem renovado apenas os temas de pesquisa e sua abordagem, mas a própria elaboração metodológica que a interpretação dessas fontes implica.

Há também a preocupação com as possibilidades e limites da pesquisa sobre os processos de escolarização durante o Império e os desafios que atualmente se impõem aos profissionais deste canteiro da história da educação. A varredura da bibliografia e o mapeamento das fontes que resultam do trabalho realizado para a composição do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial delineiam-se numa espécie de estado da arte da investigação sobre os processos de escolarização do Brasil oitocentista. O avanço sobre os limites impostos pela historiografia produzida pelos renovadores escolanovistas e por uma certa história das ideias pedagógicas fica marcado tanto pela abrangência e natureza das fontes mobilizadas nas análises, quanto pela prática insistente da crítica historiográfica. No entanto, outras lacunas aparecem e, conforme orientação dos organizadores, são consideradas pelos autores. Não obstante a especificidade dos interesses e das expectativas de pesquisa em cada região, há preocupações muito gerais e indicativas dos espaços para a inovação. É recorrente, por exemplo, a constatação de que ainda se sabe pouco sobre a cultura material das escolas oitocentistas, compreende-se mal a história das redes de ensino constituídas fora das capitais e de que o conhecimento histórico sobre os processos de educação não formais continua precário. De outra parte, a pesquisa sobre a educação e os processos de aprendizagem entre escravos e libertos, as questões relativas aos povos indígenas, as dinâmicas educativas instituídas pelo viés do gênero, da etnia e da geração são igualmente campos ainda pouco lavrados. Também é significativo o número de relações que, segundo os autores, demandam investimento. Precisamente nesse sentido, reconhece-se o pouco que foi feito para se compreender, por exemplo, as relações entre as práticas prescritas e a atuação dos agentes do processo de escolarização; as táticas das populações consideradas escolarizáveis e as estratégias governamentais; a escolarização, a maçonaria e o ensino laico; e as relações das famílias e tutores com a questão da formação.

Finalmente, quarto ponto. A concepção do período em que a educação era um importante instrumento civilizador e a escola seu principal veículo se impõe às principais conclusões das pesquisas. Mesmo diante dos reduzidos números de atendimento escolar, foi por um hábil discurso acerca da educação que se procurou “superar a selvageria pela civilização” (p. 18), articular uma “estratégia civilizadora do povo” (p. 272) ou “promover os progressos civilizadores, materiais e políticos” (p. 446) da nação. E não só nos resultados, os estudos reunidos neste 3º volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação expressam essa compreensão da época, a respeito das medidas tomadas para organizar as escolas e das ações efetuadas sobre a conduta de diferentes sujeitos sociais. Igualmente, os protocolos de leitura construídos pelos autores exploram o caráter civilizatório que então se queria dar à educação pública. A ênfase das análises nas iniciativas do poder público mostram sobretudo que a escola foi uma instituição constituída, justificada e disseminada no Brasil-Império como signo de civilização e progresso. Nesse sentido, além de delinear uma espécie de estado da arte da produção sobre a educação do período e apontar as ainda importantes lacunas da pesquisa, o livro organizado por Gondra e Schneider permite uma revisão das interpretações sobre as realizações da escola oitocentista no país. Trata-se, assim, de um livro útil tanto pelas referências de pesquisa e possibilidades de trabalho que sistematiza quanto pelas leituras que propõe.

A proposta deste volume determinou tarefas gerais a respeito do estudo da história da educação nas províncias e na Corte, que fizeram as análises individuais convergirem em pelo menos outros quatro aspectos. Por um lado, o trabalho de varredura e mapeamento se completa com a identificação dos grupos de pesquisa que atuam no estudo da educação no Império e dos arquivos e acervos que têm sido frequentados. Por outro, na reflexão sobre a história e a historiografia da educação à época, são insistentes a discussão da obra de Primitivo Moacyr e as preocupações com a distância entre o proclamado e prescrito em relação ao vivido e realizado. Assim, primeiro aspecto, o conjunto dos artigos compilados mostra uma rede de grupos de estudo e pesquisa, que indica a importância do trabalho coletivo na consolidação de um campo de investigação. Os relatos apontam que a atuação de pesquisadores vinculados ao GHIMEM/ MA, NEDHEL/MA, NEPHEPE/UFPE, GHENO/UFPB, HISTEDBR, CEDU/UFAL, GEPHE/UFMG, NEPHE/UERJ e GEM/UFMT, por exemplo, vem constituindo pontos de apoio e oportunidade de formação imprescindíveis para a consecução de investigações mais abrangentes e com capacidade comparativa. Decorre desse trabalho conjunto, um segundo aspecto das pesquisas sobre a educação oitocentista que os estudos demarcam com firmeza, o trabalho nos arquivos públicos estaduais. Os arquivos públicos de praticamente todos os estados do país são lembrados e têm uma parte do seu acervo analisada pelos autores. Terceiro aspecto: a obra de Primitivo Moacyr é presença marcante na análise de muitos dos artigos publicados neste livro. A compilação de fontes que ele produziu e as análises que articulou, num esforço de compreensão das iniciativas públicas na área da educação entre 1834 e 1889, são consideradas e discutidas em diferentes momentos e a propósito de diferentes províncias. Sobretudo, compreende-se, de diversas perspectivas, que as interpretações de Primitivo Moacyr precisam ser matizadas quando se quer analisar não só a história da educação no Império, mas também os programas a partir dos quais sua historiografia foi construída.

A respeito das preocupações com a sempre distante relação entre o prescrito e o realizado na educação brasileira, verificada em boa parte dos autores que colaboraram para as muitas realizações do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um último comentário. Essa grade de leitura acerca da instrução do oitocentos é o que me pareceu mais próximo dos instrumentos de interpretação de uma história vista do centro, institucional e político-administrativa, presente no livro. Pretender compreender o alcance das iniciativas do poder público e as alterações nas práticas educativas a partir da análise da legislação, dos discursos da prática legislativa e de toda a série de documentos administrativos é operação que continua produzindo resultados. Ao lado do estudo das práticas e instituições da educação nas províncias e na Corte Imperial, o trabalho de reexame e de reescrita da história da educação daquele período atualmente em andamento, e de que este livro é um testemunho, tem sido feito em meio à abordagem desse tipo de documentação. No entanto, o trabalho com esse tipo de fonte não impede a elaboração de outras operações de leitura e interpretação. Nesse sentido e a título de exemplo, a reflexão acerca da relação que os vários grupos sociais que frequentavam a escola mantinham com seu funcionamento e com os mecanismos que aí estavam à disposição, ou sobre os que lhe resistiam, também visibiliza elementos tão fundamentais da situação concreta do fazer ordinário da escola, quanto os que foram manejados sob as vistas das instâncias do poder administrativo. Uma vez mais se trata de evitar a produção de um vazio, agora a respeito das tensões que se estabelecem na sociedade entre as suas várias instituições, entre diferentes grupos sociais e entre os múltiplos sujeitos que vivenciaram o cotidiano escolar.

No momento mesmo em que é revista, a história da educação e da escola oitocentista recebe, com a publicação de Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um tipo de contribuição que é característica dos períodos de reformulação dos problemas de pesquisa. Ao mesmo tempo em que insiste nos estados da arte e balanços, pratica modelos híbridos de compreensão dos objetos de investigação e sugere novos protocolos de análise e crítica.

André Luiz Paulilo – Professor na Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected]

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Thompson: história e formação – BERTUCCI (RBHE)

BERTUCCI, Liane Maria; FARIA FILHO, Luciano Mendes de; OLIVEIRA, Marcus Aurélio Taborda de. Edward P. Thompson: história e formação.  Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010. Resenha de: MAYOR, Sarah Teixeira Soutto. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 229-234, set./dez. 2012.

Partindo do pressuposto de que a produção de Edward Palmer Thompson pode ajudar, de inúmeras maneiras, a “indagar o fenômeno educacional” na contemporaneidade (p. 10), e de que pouco se recorre às obras deste historiador para pensar a história da educação no Brasil, o livro procura desenvolver uma reflexão sobre a educação, a escolarização e a sua história.

Cabe ressaltar a inserção acadêmica no âmbito da história da educação dos três autores do livro e o diálogo com as obras de Thompson em seus trabalhos. Liane Maria Bertucci é doutora em história pela Universidade Estadual de Campinas e professora de história da educação na Universidade Federal do Paraná; Luciano Mendes de Faria Filho é doutor em educação pela Universidade de São Paulo e professor de história da educação na Universidade Federal de Minas Gerais; e Marcus Aurélio Taborda de Oliveira é doutor em educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professor do programa de pós-graduação em história da educação e em lazer, na Universidade Federal de Minas Gerais.

O livro é dividido em três capítulos. Neles os autores dialogam com as contribuições de Thompson como historiador, com as noções-chave de cultura e experiência, para pensar a escolarização, e com a noção de “fazer-se”, construída pelo autor a partir do estudo da classe operária inglesa, a qual se mostra como possibilidade para pensar a cultura escolar.

Assim, no primeiro capítulo, intitulado “Thompson historiador: Teoria, método e fontes – contribuições para a história da educação”, o leitor tem acesso a “[…] um quadro de possibilidades de Thompson para pensar a produção do conhecimento histórico, seja na educação ou não […]” (p. 13). Já no segundo capítulo, “Experiência e cultura em Thompson: Contribuições para uma história social da escolarização”, o leitor encontrará a problematização do processo de escolarização como “[…] experiência histórica ainda aberta, e não predefinida […]” (p. 13). E por fim, no terceiro capítulo, “Formação como fazer-se, um legado Thompsoniano: Contribuições para a educação”, o livro se volta para a compreensão das formas como a escolarização

[…] pode produzir um sujeito que é, de alguma maneira, formado […] para perpetuar a sociedade, ao mesmo tempo que adquire uma base cultural que permite produzir as condições de resistência a essa mesma sociedade […] (p. 14).

Nos três capítulos, é realizado um diálogo com autores importantes do campo historiográfico, como Peter Burke, Eric Hobsbawm, Marc Bloch, Lucien Febvre e Carlo Ginzburg, assim como com autores que problematizam os currículos e as culturas escolares, a exemplo de Osmar Fávero, Ivor Goodson, Maria do Carmo Martins, André Petitat, Fernando Alvarez-Uria, Julia Varela e Diana Gonçalves Vidal. Há também o diálogo com outros dois importantes autores, principalmente em se tratando das noções de cultura e experiência: Raymond Williams e Walter Benjamin. Dentre as treze obras e textos de Thompson abordados no decorrer do livro, podem ser destacados: “A miséria da teoria” (1981), “A formação da classe operária inglesa” (1987), “Costumes em comum” (1998) e “Folclore, antropologia e história social” (2001).

Ao fim dos capítulos, os autores apresentam um conjunto de trabalhos publicados no Brasil sobre Edward Palmer Thompson e sua produção historiográfica. Vale destacar a importância desta iniciativa para o aprofundamento do debate para aqueles que se interessarem pelas contribuições desse historiador para a pesquisa em educação.

Os autores começam a discussão lançando as seguintes perguntas: “é possível pensar na possibilidade de um Thompson educador? Se sim, em que sentido” (p. 10)? Tomando o cuidado necessário de não “pedagogizar” o historiador, como os próprios autores ressaltam, com o “[…] intuito de preservar o contexto que viu nascer determinado conjunto de reflexões motivadas por um inventário muito particular de problemas […]” (p. 10), há um reconhecimento de que várias são as possibilidades para se pensar o fenômeno educacional e os processos de escolarização por meio do legado de Thompson, destacando-se o que os autores consideram como duas das noções-chave de seu pensamento: a de cultura e a de experiência.

Essas noções, trabalhadas pelo historiador, permitem um alargamento da própria noção de formação, o que de fato, torna-se uma grande contribuição deste livro. Os autores destacam uma ideia bastante defendida por Thompson, de que os diversos sujeitos se formam e se educam “[…] nas mais diversas circunstâncias em que vivem, seja no mundo do trabalho, da família, da comunidade de pares, do lazer, entre muitos outros […]” (p. 11). Nesta perspectiva, Thompson procurou demonstrar, utilizando-se de seus estudos sobre a classe operária inglesa, que as pessoas se autorreconhecem como um grupo com interesses próprios, a partir de suas lutas cotidianas, costumes, leis, práticas religiosas, entre outras.

Interessante destacar que o entendimento da formação para além dos limites da escola torna-se fundamental para a compreensão da própria cultura escolar e dos processos de escolarização, permitindo, assim, a ampliação do olhar sobre o fenômeno educacional. Este entendimento demonstra também a necessidade de se ampliar os olhares acerca dos próprios sujeitos, aspecto bem abordado pelos autores ao se referirem à noção de experiência de Thompson e à sua preocupação em estudar a vida cotidiana de homens e mulheres simples (p. 22). Recusando a superioridade do econômico sobre o sociocultural, o historiador questiona como uma abordagem exclusivamente economicista compreenderia aspectos desse cotidiano, como “[…] os ritmos habituais de trabalho e lazer (ou festas), […] os ritmos intrínsecos ao próprio ato de produzir […]”, as diversas crenças religiosas, entre outras formas de experiência humana (p. 28).

A própria consideração de Thompson sobre a amplitude das fontes e dos problemas torna-se de grande relevância para se pensar as questões propostas pelo livro. Como apontam os autores (p. 35):

[…] o fazer histórico de Thompson é um permanente questionar de nossa compreensão sobre o que considerar documento para o estudo histórico da escola e dos processos educacionais. Da legislação, tradicional, locus de pesquisa dos estudos da área, aos jornais diários de uma cidade, a gama de fontes e a forma de interrogá-las ganham nova perspectiva: aquela que aponta para a necessidade imperiosa de se perceber as relações e tensões sociais que um documento expressa; as marcas muitas vezes sutis das derrotas, as exuberantes expressões das vitórias dos que viveram e lutaram para construir a vida em sociedade.

O trecho final da citação revela um aspecto importante ressaltado pelos autores em outro momento do livro, quando relatam o que, segundo eles, seria uma grande lição deixada por Thompson: “[…] toda regulamentação da vida em sociedade é marcada por conflitos, cuja intensidade deve ser analisada nos termos de quem as viveu […]” (p. 43).

Assim, uma importante contribuição de Edward Thompson pode ser pensada em qualquer processo de formação. Ao propor que a história não é predeterminada, considerando a ação criativa dos homens e mulheres, contribui para pensar a escola, na medida em que aponta que sua ação não ocorre em um “vazio cultural”. Apropriando-se das ideias do historiador, os autores observam que a escola, ao se estruturar como instituição, age “[…] numa situação de grande densidade cultural, na qual as pessoas são produzidas e reconhecidas como sujeitos na e da cultura […]”, sendo preciso reconhecer, assim, “[…] que o processo educativo posto em ação na e pela escola entra em tensão com processos educativos já existentes […]” (p. 46).

Ao abordarem essa densidade cultural, os autores chamam a atenção para os processos históricos que constituíram e constituem a instituição escolar e a escolarização, também culturais, assim como as suas estratégias formativas. Como exemplo, citam a mobilização da sociedade a favor da escola, empreendida pela elite letrada, por meio da qual “[…] as culturas dos pobres e do aprendizado na e pela experiência deveriam ser abandonadas a favor das racionalizadas e racionalizadoras culturas escolares […]” (p. 47).

Os autores ressaltam, assim, que a emergência da escola criou novas formas e padrões de socialização, que tendiam a “[…] afastar as novas gerações, sobretudo das camadas mais pobres, da cultura cultivada pelos ancestrais […]” (p. 52); interrogam “[…] as formas pelas quais os tempos escolares vão ganhando legitimidade e provocando um crescente tensionamento do conjunto dos tempos sociais […]” (p. 61). Chamam a atenção, desta forma, para um longo percurso que precisa ser estudado, dando destaque ao modo como instituições sociais

“[…] vão inventando ou desautorizando tradições culturais e políticas as mais diversas, e sobre as formas como as escolas são chamadas a contribuir com a formação cívica e, por que não, com a espetacularização da política […]” (p. 61).

Com estas reflexões, o livro contribui para pensar novas possibilidades de pesquisa na história da educação e também para desnaturalizar a instituição escolar e os próprios processos de escolarização, inseridos em diferentes contextos históricos, marcados por inquietações de um tempo específico. Traz elementos também para pensar as dimensões da formação como “intimamente relacionadas ao conjunto das experiências dos sujeitos” (p. 52), uma das grandes possibilidades oferecidas pelos trabalhos de Thompson para pensar os estudos em educação. A noção de experiência, cunhada pelo historiador, implica o reconhecimento dos sujeitos como reflexivos, capazes de, em suas ações, construírem continuamente o movimento da história (p. 49).

E, no entendimento de uma educação que se faz nas relações sociais e que extrapola os limites da escola e da sala de aula, dimensão fundamental para a compreensão da própria instituição escolar, os autores retomam a ideia Thompsoniana de “fazer-se”, ou seja, os indivíduos são sujeitos de sua própria formação, de um processo que permite a ideia de emancipação (p. 66). Como observam os autores, fala-se de homens e mulheres, “[…] em sua vida material, em suas relações determinadas, em sua experiência dessas relações, e em sua autoconsciência dessa experiência […]” (p. 69).

Assim, outra importante contribuição é trazida pelo livro a partir das ideias de Edward Palmer Thompson: as diferentes formas de reação dos agentes, no caso os escolares, que precisam ser reconhecidas não como adesão cega às intervenções de diversas instâncias normatizadoras, mas como diálogo. Priorizando a experiência do indivíduo, que, como já referido, não se encontra em “um vazio cultural”, o diálogo “[…] deve considerar tanto a dimensão racional quanto a dimensão sensível postas em prática no ato de formação […]” (p. 71). A experiência consistiria, assim, em um elemento mediador, uma conexão entre processo histórico, determinações culturais e ação humana individual, em permanente tensão.

Entre a determinação e a apropriação, entre a estrutura e o processo, entre a singularidade e a generalização, medeia a experiência. Logo, esse autor não descartaria uma análise ideológica da cultura, mas não a reduziria também à lógica da conspiração, leitura que marca ainda hoje grande parte dos trabalhos em educação no Brasil. Ao propor a dialética entre educação e experiência o autor caracteriza o segundo termo como uma “exploração aberta do mundo de nós mesmos” (p. 80).

Desta forma, experiência é compreendida pelos autores como “[…] própria de indivíduos singulares e é incompatível com os cálculos que reduz homens e mulheres a insumos […]”. Ela é dialógica e “[…] se funda no ser sensível, que está em tensão permanente com as estruturas econômicas, políticas e sociais sintetizadas na cultura […]” (p. 84).

Finalizando, o livro sugere a importância de considerar a tensão entre formas de dominação e resistência, fundamental para se pensar a escola e a escolarização, já que “[…] os indivíduos são partícipes dessa luta, por adesão ou omissão, resistência ou conformação, mas o são em situação […]” (p. 91). Os autores problematizam as possibilidades de formação postas pelo mundo contemporâneo, pautadas pelas ideias de autoconsciência crítica, autodeterminação, autonomia, reciprocidade e mutualismo, que remetem à noção de autoformação trabalhada por Thompson, mas que ainda contrastam com um mundo que parece

[…] marcado pela heteronomia, pela indiferença, pela atualização sem precedentes das formas de dominação, seja pela força das armas ou pela educação dos sentidos, ou simplesmente pela negação do direito à dignidade a grandes contingentes da população mundial […] (p. 92).

E, assim, concluem que a formação, “[…] entendida como processo de autorreflexão, de autoconhecimento, de contínuo fazer-se, inclusive escolar, teria um lugar fundamental para que a sociedade pudesse se organizar em outras bases […]” (p. 93).

Nesse sentido, o livro cumpre o objetivo proposto e revela grandes contribuições para pensar a educação e a escolarização na contemporaneidade, a partir dos estudos do historiador Edward Palmer Thompson. A ideia de formação como um contínuo “fazer-se”, as noções de cultura e experiência e de educação para além do limite escolar podem possibilitar novos olhares para a própria escola e para os sujeitos que dela fazem parte, assim como para as tensões de uma cultura sempre em movimento, que não abarca apenas perspectivas de conformação, mas, como lembram os autores, possibilidades de reinvenção.

Sarah Teixeira Soutto Mayor –  Mestre em Estudos do Lazer pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Integrante do NUPES/UFMG (Núcleo de Pesquisas sobre a Educação dos Sentidos e das Sensibilidades), e do CEMEF/UFMG (Centro de Memória da Educação Física, do Esporte e do Lazer).  E-mail: [email protected]

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Brasil arcaico, Escola Nova: ciência, técnica e utopia nos anos 1920-1930 – MONARCHA (RBHE)

MONARCHA, Carlos. Brasil arcaico, Escola Nova: ciência, técnica e utopia nos anos 1920-1930. São Paulo: Editora Unesp, 2009. Resenha de: PEREIRA, Lucas Carvalho Soares de Aguiar. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 2 (29), p. 267-280, maio/ago. 2012.

Carlos Monarcha é professor titular na Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, campus de Araraquara. Autor dos livros A reinvenção da cidade e da multidão: dimensões da modernidade brasileira (1990), Escola Normal da Praça: o lado noturno das luzes (1999) e Lourenço Filho e a organização da psicologia aplicada à educação (2001). Atualmente coordena pesquisas sobre as “figurações da infância deficiente”, interrogando as estruturas teórico-metodológicas da produção científica sobre o “problema do anormal”.

O livro em epígrafe consiste um ensaio dividido em cinco partes: “A caminho”, “Melancolia e mal-estar”, “Torvelinho da vida moderna”, “À procura do indivíduo perdido e solitário” e “O discurso do inconsciente”. Além de um belo epílogo intitulado “Por um bravo novo mundo”. A primeira parte trata de novos projetos pedagógicos no século XIX, desde a Europa até sua circulação mundial. Na segunda, encontramos interrogações sobre os projetos da Escola Nova no Brasil republicano. Já na terceira parte, os leitores se deparam com uma reflexão sobre o tempo moderno e as idealizações de modelos cognitivos para as massas. E, finalmente, na quarta e na quinta partes, o autor deteve-se sobre os processos de medidas e classificações corporais e mentais e de difusão da psicanálise, respectivamente, observando a construção da normalização dos sujeitos, bem como de seus desvios.

Brasil arcaico, Escola Nova poderia ser só mais uma leitura entre as inúmeras que temos à nossa disposição sobre o tema da Escola Nova, não fosse a capacidade de o autor construir uma representação sensível e arguta desse tema, além de apresentar uma visão de conjunto, conferindo-lhe outro sentido e contribuindo para o debate acadêmico e para os interessados em geral. É uma leitura cujo ritmo é lento, detalhado e refletido, tal como o autor anuncia em seu prefácio (p. 16). Justamente pela polifonia de sua narrativa, que incorpora diversos discursos, sonhos e desejos do período, mas que ainda nos são caros. Monarcha escreve um “ensaio documentado” (p. 16) de uma história de sensibilidades, de formas de conferir sentido ao mundo, de sonhos postos em práticas, fundidos a instituições, corpos e personalidades de várias gerações. Mas antes de tudo é uma história de um problema, o da Escola Nova. Não simplesmente um problema de pesquisa sobre o qual ele se debruçou, teceu, desmanchou e refez outros pontos com destreza. Mas sim uma história que procurou compreender como esse problema foi construído, proposto e revisto ao longo da primeira metade do século XX, especialmente no decorrer das décadas de 1920-1930.

O autor traça inicialmente um panorama das transformações ocorridas no pensamento pedagógico ao longo do século XIX e no início do XX, que teriam uma forte relação com o desenvolvimento técnico e científico e com as transformações econômicas e sociais daquele tempo. A chamada Escola Nova “armou-se com o rigor epistemológico próprio da ciência analítica, ou seja, observação dos fatos, manejo do método experimental, quantificação e generalização da experiência” (p. 32). Essa hipótese é apresentada no primeiro capítulo da primeira parte do livro e se desdobra ao longo desse ensaio, sem que o autor se refira a ela o tempo todo, pois ele o faz na própria narrativa, carregada dos discursos de diferentes atores.

Assim, Monarcha busca compreender como se pôde constituir uma série de saberes sobre a infância, atravessados e atravessando os saberes pedagógicos desde fins do século XIX. Dessa forma, é fácil entender sua preferência por perseguir discursos dos precursores de uma pedagogia de massa, e pelos autores e atores que, ao firmarem uma “concepção de educação como atividade pessoal, espontânea e ativa, mas também, e sobretudo, como alento necessário para reerguer o mundo” (p. 46), acabaram por promover e participar de uma expansão planetária dos ideais, sonhos, desejos e sensibilidades próprios do movimento da Escola Nova.

Falamos de sonhos, desejos, sensibilidades, pois não é disso que se trata quando grupos humanos se mobilizam por alguma causa? Os exemplos descritos pelo autor indicam que grupos de intelectuais brasileiros se organizaram com base em uma sensibilidade que foi construída e retroalimentada pelo próprio movimento de sua constituição. E a formação de uma sensibilidade política atenta à infância e à formação das futuras gerações é um dos pontos que pretende ser explicado pelo livro. Se a educação das sensibilidades não é exatamente o foco desse estudo, ela toma parte importante em sua constituição. Ao procurar entender como foi possível a formação de inúmeros saberes científicos sobre a formação ética, psíquica e física da infância, o autor aponta para as possibilidades da educação de um tipo específico de sensibilidades para as crianças, nos idos das décadas de 1920 e 1930. Essa é a leitura que Monarcha faz da inúmeras reformas e propostas de reformas da educação que surgiram diante da “I Grande Guerra” e suas repercussões mundiais; reformas essas que compuseram importantes realizações na constituição da escola de massa.

É assim que somos introduzidos às propostas de intelectuais envolvidos num chamado “mercado planetário de ideias” (p. 57), quando da criação da Liga Internacional pela Educação Nova, que se apresentava como um movimento cumpridor do seu dever histórico na trama teleológica do progresso. Desse panorama internacional e geral, mesclado com observações de processos ocorridos no Brasil, que é apresentado nos quatro primeiros capítulos da primeira parte, somos conduzidos ao “Espírito novo no redemoinhar brasileiro”, capítulo cinco dessa seção. Nele o autor constrói a hipótese de que a geração de 1920, composta por produtores de bens simbólicos preocupados com uma revolução cultural, amparados numa clássica luta entre o antigo e o moderno, possuía uma dívida significativa com a geração de 1870. Essa hipótese reforça outros trabalhos que indicam essa mesma dívida intelectual, mas sua importância deve-se à indicação das tensões observadas pelos próprios escolanovistas no projeto de passagem de um imaginado Brasil arcaico e atrasado para um tão sonhado Brasil renovado e desenvolvido. Tensões explicitadas por reiteradas propostas de mudanças que reatualizavam os desejos da geração progressista e liberal do final do século XIX.

Na segunda parte, “Melancolia e mal-estar”, o historiador analisa o mal-estar das elites políticas e intelectuais diante das ruínas históricas de uma “República desfigurada”, título do primeiro capítulo dessa seção. As frustrações dos republicanos acabaram alimentando incertezas e um chamado “horror moral” desses grupos sociais diante da “população brasileira”, que ocupava uma vasta e confusa região denominada sertão. O autor (p. 92) define essa noção, baseado em relatos originais, como “terra de ninguém, habitada por homens e mulheres dotados de força rude, porém, inconscientes de si, confins subjugados pelo caos da natureza e afastados da ordem nacional”. O sertão aparece, nos discursos analisados, como signo de doença, um grande desejo de construir a nação por meio da educação, que regeneraria e curaria o corpo doente do país, que se disseminou no campo político e pedagógico. O sanitarismo, como processo de intervenção médica no corpo social, passa a ser tomado pela pedagogia e por projetos pedagógicos brasileiros.

Essa seria uma das bases para formação de uma “ficção científica”, que percebia a sociedade humana como um organismo vivo, constituindo-se uma ambiência capaz de desenvolver uma sensibilidade intelectual e política que orientou novos projetos políticos e propostas pedagógicas. Para o autor (p. 112), “o clima mental dos anos 1920 pôs em movimento a mística de regeneração dos costumes do governo e do povo”, que seria um pressuposto geral das movimentações sociais e políticas dos anos de 1910-1920 e da chamada Era Getuliana. A consciência nacional, para diferentes grupos escolanovistas, “seria construída por esforço concentrado de cultura” (p. 119). E esses grupos acreditaram ser preciso tocar e verificar os corpos, “esclarecer a alma coletiva e formar o espírito nacional” (p. 121). Era o princípio de elaboração de uma formação discursiva totalizante, que procurava constituir um Estado forte. Essa incursão do autor nos discursos de diferentes intelectuais brasileiros é importante para revermos algumas construções historiográficas míticas do caráter totalitário do governo Vargas, pois suas reflexões indicam que a formação de um espírito nacional pautado numa ideia de um Estado forte, ainda que reforçando certo tipo de liberalismo, é anterior à consagrada era totalitária dos anos de 1930.

Ao apontar os grupos envolvidos nesses projetos, o autor lança mão da noção de intelligentsia sem, entretanto, explicitar seu entendimento a respeito desse conceito. Na historiografia, é comum nos depararmos com o uso dessa noção funcionando mais como uma simples adjetivação do que como conceituação, mas dificilmente encontramos uma definição mais precisa do termo, tampouco sua importância para os objetos em análise, o que contribuiria para o debate historiográfico – especialmente na obra em questão, uma vez que o autor se propôs, num desafio heurístico, a trilhar outros caminhos e indicar novas abordagens sobre o tema da Escola Nova. A despeito disso, o trabalho deixa uma forte contribuição para a historiografia, indicando um fértil caminho de problematização das propostas escolanovistas, entendidas como integrantes de uma ampla rede política e social – com variadas manifestações culturais – que teria integrado intelectuais diversos e estimulado a elaboração de diferentes projetos político-pedagógicos para a população brasileira, que se espalharam tanto nas relações escolares quanto nas dinâmicas urbanas, as mais diversas.

Um exemplo disso pode ser observado na argumentação que se segue na terceira parte, “Torvelinho da vida moderna”. Esse é o conjunto de capítulos que mais se aproxima da recente produção em história da educação preocupada com a educação das sensibilidades e dos sentidos. O autor (p. 128) traça um percurso dos modernistas, que criaram uma espécie de fé no futuro e supunham “ter a percepção da transitoriedade da duração das coisas e das ideias” em meio a uma propagada era da velocidade. A “superação do Brasil arcaico” teria se dado por meio da conjugação de “aspectos do organicismo medieval com a energia e racionalidade moderna”, o que, para o autor (p. 136), configurou-se como uma ideologia do conhecimento. A “confiança na educação para a criação de um ser humano dotado de um código de sentimentos e interesses à cultura de seu tempo” (p. 139), por meio da ciência e da técnica, assumiu função ideológica de modernização, com um caráter de formação de representações e sentimentos em comum.

A tríade ação, prática e experiência tornou-se importante para o desenvolvimento da educação dos sentidos, via lição de coisas. Assim, diversos autores passavam a ter a convicção de que os sentidos e as sensibilidades são educados e poderiam ser mais bem orientados por meio de projetos pedagógicos. Nada de novo no campo da educação se pensarmos na tradição das lições de coisas mas essa postura tomou outra configuração no início do século XX. A ânsia de unir escola, vida e trabalho levou à consagração do “modelo formativo destinado a imprimir nas massas um jeito de ser e viver feito de experimentação e realismo por estar envolvido com os afazeres do mundo” (p. 179). Apresentando essas originalidades, em virtude também do ritmo da cidade industrial – que criava “novo estados de consciência e de alma” (p. 180) –, Monarcha (p. 173) revê os feitos dos escolanovistas, defendendo a tese de que o “chamado ‘movimento do Estado Novo’ não iniciou, mas fechou um ciclo de especulações e realizações aberto pela geração ilustrada de 1870”.

Nas duas últimas partes, “À procura do indivíduo perdido e solitário” e “O discurso do inconsciente”, é retomada uma série de saberes que mediram, diagnosticaram, examinaram, testaram, nomearam e classificaram os corpos e a psique de milhões de pessoas, adultos e crianças. Concomitante ao desejo de “aumentar a eficiência e o rendimento da ‘machina escholar’”, havia um esforço de fazer com que as pessoas fossem “transmutadas em documentos vivos para extração de dados caracteriológicos” (p. 218). As enquetes disseminadas naquele momento serviram de base para identificação de uma variedade de tipos mentais, como avançados, atrasados pedagógicos, retardados físicos médios, indisciplinados natos e débeis orgânicos para constituir as classes homogêneas.

O autor argumenta que os diferentes trabalhadores da pedagogia atuaram ativamente na sociedade por terem suas sensibilidades educadas pela grandeza da razão científica; tida como chave para o sucesso na criação de mecanismos efetivos para educação dos sentidos e sensibilidades das crianças, já que poderia transformá-las em um eficiente tipo racial, mental e social de um tão sonhado Brasil. Esse seria o “sintoma da certeza que acometia os peritos-funcionários dispostos a transpor muros e operar nos meios sociais e reorganizá-los com critérios de ordem de grandeza” (p. 236), preparando os jovens para suas respectivas funções sociais e econômicas, uma vez que cada tipo mental constituiria um tipo de trabalhador.

Eis que entram em cena a psicanálise e as ciências psi, que circularam por diversos setores culturais, como planos editoriais de livros científicos, colunas de jornais e revistas, romances e programas de rádio, bem como blocos carnavalescos. A discussão dessa parte nos impulsiona a pensar novos problemas e projetos de pesquisa interessados na história da educação do gênero e da sexualidade na escola, como a educação sexual defendida por Porto-Carrero e Deodato de Moraes, tanto na I Conferência Nacional de Educação, de 1927, como em publicações e cursos realizados na Associação Brasileira de Educação (ABE), mas também em pesquisas interessadas na educação da sexualidade na dinâmica cultural e social, que se desenvolveram a partir da década de 1920.

Além disso, a psicanálise foi utilizada como arma contra as afecções neuróticas e doenças mentais da criança, fracassos escolares e possibilidades de desenvolvimento de condutas criminosas. Para o autor (p. 290), “esse imaginário cientista da vida e do corpo era produzido por influentes nomencladores às voltas com ensaios de individualização de condutas incriminadas”, incrustando “a subjetividade num férreo esquema teórico ao Leito de Procusto” (p. 270). Tudo isso é realizado com base na análise de uma vasta documentação sobre clínicas escolares, testes psicológicos e outros projetos que produziram um conhecimento científico sobre a consciência a inteligência e as possibilidades de desenvolvimento das pessoas comuns.

Assim somos levados ao epílogo, “Por um bravo novo mundo”, e a rever a problemática do livro. Partindo de debates sobre Huxley, o autor percorre as experiências pedagógicas de anarquistas e comunistas, bem como as empreitadas dos desejos liberais. Somos convocados a realizar uma leitura do empreendimento da Fordilândia na Amazônia brasileira, como a realização de uma utopia moderna, intimamente ligada aos desejos de Roberto Mange (apud MONARCHA, 2009, p. 246), para quem “o operário formado é uma roda dentada que se adapta a qualquer sistema de engrenagens de formação idêntica”. Esses desejos de um mundo novo, anunciados por diversos saberes políticos, científicos e sociais, perpassaram e  foram perpassados pela pedagogia.

O autor reafirma, enfim, a tese da importância da pressão da base material sobre a esfera da cultura, sem, entretanto, realizar uma análise mecanicista. Para ele, as ciências surgidas e fortalecidas nesse momento constituíram-se como possibilidades concretizadas pela política e na política (p. 302). Donde a formulação das noções de educação para o trabalho, para a vida, para o desenvolvimento moral, para a cultura e preparo da alma humana, tão disseminadas em diferentes, e por vezes antagônicas, tradições políticas. Donde a anexação pela pedagogia da “arte de explorar diferenças” (p. 303), legado ainda caro aos educadores do século XXI. Em tempos da Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva e da Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, esse livro possui um importante papel para reflexão da prática pedagógica contemporânea, uma vez que nos convida a compreender e observar problemas ainda por serem resolvidos. Pela relevância e atualidade do tema, pelo exemplo de tratamento metodológico da documentação e do problema, trata-se, pois, de importante publicação do campo da educação, da área da história da educação e, em especial, da história da educação das sensibilidades modernas, científicas e políticas.

Referências

Brasil. Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência. Brasília:

Secretaria Especial dos Direitos Humanos. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, 2007.

______. Política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva. Brasília: MEC/SEESP, 2008. Documento elaborado pelo Grupo de

Trabalho nomeado pela Portaria Ministerial n. 555/2007, prorrogada pela portaria n. 948/2007, entregue ao Ministro da Educação em 7 de janeiro de 2008.

Lucas Carvalho Soares de Aguiar Pereira – Mestrando do Programa de Pós-Graduação: Conhecimento e Inclusão Social em Educação, na linha de pesquisa de História da Educação – FAE – UFMG. Bolsista CNPq. E-mail: [email protected]

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Investigando Piero – GINZBURG (RBHE)

GINZBURG, Carlo. Investigando Piero. Trad. Denise Bottman. São Paulo: Cosac Naify, 2010. Resenha de: AGUIAR, Thiago Borges de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 2 (29), p. 267-280, maio/ago. 2012

Recomendar a leitura de uma obra escrita pelo autor de O queijo e os vermes para o público brasileiro pode ser facilmente justificável pela qualidade já consagrada de sua produção histórica. No entanto, fazê-lo para os historiadores da educação no Brasil justifica-se por dois motivos. O primeiro consiste em fugir do lugar-comum pelo qual Ginzburg é visto por aqui: um autor da micro-história que propõe uma leitura das fontes a partir de um paradigma indiciário e/ ou da circularidade cultural. O segundo é o caráter de “aula-passeio pela arte de se fazer história” que essa obra possui.

A tradução da obra Investigando Piero, lançada em 2010 pela Cosac Naify, foi baseada na edição italiana de 1994. Ela é diferente da tradução publicada pela editora Paz e Terra, que até então circulava no Brasil, visto que esta última foi traduzida de outra edição italiana, a do ano de 1982. A nova tradução para o português, em oposição à edição que circulava anteriormente no Brasil, traz diversas imagens em cores, maior quantidade de figuras, inclusão de quatro apêndices, além da revisão do próprio texto.

Ginzburg propõe com esse livro uma discussão do comissionamento das obras de Piero della Francesca e da iconogafia nelas presente, evitando a discussão de aspectos propriamente formais, questões que deixa o autor para serem respondidas pela história da arte. Três obras de Piero foram escolhidas para esse trabalho: o Batismo de Cristo, a Flagelação e o conjunto de afrescos da igreja de San Francesco, em Arezzo.

Por que investigar Piero della Francesca? Pode um estudo histórico sobre esse pintor renascentista italiano trazer resultados relevantes? É o que se questiona o autor no início de seu prefácio à edição de 1981. Ele entende que, apesar de suas limitações no campo da arte, as condições para a pesquisa sobre Piero (escassas referências biográficas e pouquíssimas obras datadas) são um rico campo de pesquisa histórica. Entendemos que, para Ginzburg (p. 15), está justamente na dificuldade de se trabalhar com esse artista a possibilidade de convertê-lo num “caso de grande importância metodológica, até independente de sua excelência artística”.

O livro de Ginzburg também estabelece um diálogo com a obra de Roberto Longhi, seu conterrâneo, cujo título é Piero dela Francesca (Florença: Sansoni, 1963/São Paulo: Cosac Naify,2007). Comenta o autor que, apesar de ser um trabalho de peso, digno de nota pela qualidade do exame realizado diante de tão parca documentação existente, é inevitável que a obra de Longhi apresente algumas falhas depois de tanto tempo de sua primeira formulação (1927).

Em uma aula que Ginzburg ministrou durante um seminário de estudos da Fundação Longhi, cujo ensaio foi publicado como “Apêndice IV” da edição aqui resenhada, o autor afirma que seu livro consiste em uma homenagem à obra de Longhi, da única maneira que é possível fazê-la: discutindo-a e criticando-a. De certa maneira, investigar Piero é investigar Longhi, e fazer dele um “modelo e um desafio constante”, mesmo quando as conclusões d ambos seguem caminhos diferentes.

A discussão que é praticamente o pano de fundo de todo o livro de Ginzburg é a datação das obras de Piero. Em diálogo com Longhi, Ginzburg (p. 11) afirma que para este “a datação era um momento decisivo na análise de uma obra”. É esse procedimento, porém, que recebe as críticas mais contundentes do historiador italiano. Uma datação estilística permite afirmar apenas que uma obra é anterior ou posterior à outra. “Só é possível converter esse ‘antes’ e esse ‘depois’ em indicações cronológicas absolutas – talvez até ad annum – se a análise estilística se enganchar com elementos de datação externa” (p. 13-14).

São os “ganchos” em documentações concernentes e relacionáveis ao comissionamento e à iconografia das obras que permitiram ao autor (p. 24) “entrar num terreno, o da cronologia das obras, que os conhecedores [da história da arte] sempre reivindicaram como área sua”. E a resposta de Ginzburg (p. 25) aos críticos de seu livro é categórica nesse sentido:

Sem dúvida, o estilo é um fenômeno histórico e, enquanto tal, está ligado a um contexto temporal, em princípio verificável. Mas a datação dos fatos estilísticos pode se prender a uma cronologia absoluta, de calendário, apenas por meio de fatos extraestilísticos, como a data inscrita no afresco de Piero em Rimini, por exemplo.

Não me cansarei de repetir que, sem essa data, o afresco não poderia constituir um “gancho”, um ponto de referência indiscutível (pelo menos até prova em contrário) para a cronologia absoluta das obras de Piero. Isso não significa que a história da arte seja uma disciplina à deriva ou que o juízo dos conhecedores seja mais frágil que o dos historiadores. Porém, o caráter relativo das datações puramente estilísticas coloca claros limites à sua capacidade demonstrativa.

Por que, então, um historiador trabalhar com Piero dela Francesca? A resposta de Ginzburg passa por uma retomada de Lucien Febvre. Se este sugeria examinar plantas, campos de lavoura, eclipses da lua, por que não examinar pinturas? Além disso, para Ginzburg (p. 20), já está na hora de reunir historiadores e historiadores da arte num trabalho interdisciplinar, “cada qual com seus instrumentos e competências próprias, a fim de chegar a uma compreensão mais aprofundada dos testemunhos figurativos”.

Essa interdisciplinaridade, já proposta por Ginzburg em obras como História noturna ou Mitos, emblemas e sinais (história e morfologia), bem como em Nenhuma ilha é uma ilha (história e literatura), tende, tradicionalmente, a se traduzir numa apregoada justaposição de resultados de áreas diversas. No entanto, o historiador italiano propõe fugir dessa prática pouco produtiva, visto que as divergências em relação a problemas concretos, como a questão da datação das obras de Piero, são mais frutíferas do que as convergências entre as áreas. É por meio das divergências que se pode “recolocar em discussão os instrumentos, as áreas e as linguagens de cada disciplina. A começar, sem dúvida, pela pesquisa histórica” (p. 21).

O livro de Ginzburg (p. 24) serviu-lhe também como alimento para “uma reflexão sobre um tema mais geral – o da prova” –, com o qual ele afirma ter-se ocupado “várias vezes na última década, e de diversos pontos de vista”. Investigando Piero, nesse sentido, fornece subsídios para o diálogo com outras obras de Ginzburg, como Relações de força e O fio e os rastros, ou ainda, mais especificamente, com o ensaio “De A. Warburg a E. H. Gombrich: notas sobre um problema de método”, publicado no Mitos, emblemas e sinais.

Vemos aqui como o Ginzburg investigador de Piero dela Francesa é muito mais do que o historiador que estudou a vida de um moleiro perseguido pela inquisição ou que reuniu Morelli, Freud e Sherlock Holmes num único texto, como ele aparece nos estudos de história da educação. É alguém que nos mostra que a construção histórica passa por uma discussão sobre o lugar da prova, diante de uma documentação escassa e da necessária interdisciplinaridade para a realização desse debate.

Mais do que isso, trabalhando com um assunto não tão próximo às temáticas mais recorrentes de sua obra, como os sistemas de crença e bruxaria, Ginzburg oferece, para quem está familiarizado com sua obra, uma oportunidade para ser enxergado por outro prisma. Visto trabalhar numa área na qual ele não circula com facilidade, Ginzburg, em seu livro, constrói sua argumentação com mais “cuidado”, deixando claramente à mostra as etapas do processo de elaboração de uma narrativa histórica valendo-se da análise de sinais que não saltam à vista num primeiro momento.

Investigando Piero está, portanto, recheado da metodologia indiciária e narrativa da escrita histórica de Ginzburg. Ao longo dos capítulos do livro, detalhes como o aperto de mãos de personagens nas obras de Piero são discutidos com historiadores da arte e documentos de época e analisados pela ótica de categorias como “convincente” e “implausível” (p. 38) à luz de critérios de análise como “exaustividade, coerência e economia” (p. 39). As conclusões que o autor (p. 140) constrói ao longo de quatro capítulos dividem-se entre comprovações e conjecturas, como comenta no final da análise do ponto mais controverso de sua obra, a identidade de um dos personagens de Flagelação:

a coerência interpretativa sem correspondências de fato sempre deixa uma margem de dúvida. Os documentos sobre a encomenda e a localização original, que no caso do Batismo permitiram que controlássemos a exatidão da interpretação iconográfica de Tanner, ainda não vieram à luz no caso da Flagelação; esperamos que algum dia apareçam. No aguardo de novas descobertas documentais, é preciso reconhecer que a interpretação acima apresentada é, em boa parte, conjectural. Tratando-se de um quadro anômalo em termos iconográficos, cujo destinatário e localização originais são ignorados, talvez seja difícil proceder de outra maneira.

Não apenas pela qualidade do exercício metodológico de Ginzburg e da ilustração de seu método indiciário de trabalho histórico vale a leitura de Investigando Piero. O exercício de autocrítica que o autor faz ao questionar seus próprios resultados com base em críticas externas é um rico exemplo de honestidade científica. No apêndice II de seu livro, Ginzburg (p. 245), ao discutir os limites da prova no campo dos estudos sobre a iconografia, apresenta “conclusões bastante autodestrutivas”, justificando que “a reflexão sobre um fracasso pode ser tão (ou talvez mais) instrutiva quanto a reflexão sobre um sucesso”. Embora termine afirmando que “preferiria de longe ter discorrido sobre um sucesso”, entendeu o autor (p. 259) que “conjecturas e refutações, ambas fazem parte da pesquisa”.

Seu fracasso constituiu num detalhe que descobriu mais tarde: a faixa vermelha que o autor (p. 258) demonstrou ser a “irrefutável e correta” interpretação de que Giovanni Bacci fora o comitente do quadro Flagelação e estava nele retratado não consistia numa faixa cardinalícia e sim num simples xale, ou um becchetto, “uma longa tira cujas pontas pendiam como uma espécie de turbante, amplamente usada na Itália quatrocentista”. O que Ginzburg pensava ser uma anomalia era, na verdade, uma série de elementos repetidos em outras obras da época. Embora essa descoberta tenha destruído boa parte de sua argumentação sobre a datação tardia do quadro, ela serviu ao autor como instrumento para novas descobertas a respeito de Piero e suas obras. Seu exercício de assunção de um erro apenas reforçou sua posição de que “a propensão a hipóteses arriscadas e o rigor na pesquisa das provas podem e devem coexistir” (p. 250).

Nesse sentido, Investigando Piero, obra que se poderia supor uma anomalia dentro do conjunto de escritos de Ginzburg, talvez um livro de deleite ou uma fuga para outra área, é um exemplo consistente do lugar da prova na pesquisa histórica e das amplas possibilidades de atuação do historiador que quer se arriscar a sair dos lugares-comuns.

Thiago Borges de Aguiar – Pedagogo e doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP). Pós-doutorando bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) na Faculdade de Educação da USP. E-mail: [email protected]

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História inacabada do analfabetismo no Brasil – FERRARO (RBHE)

FERRARO, Alceu Ravanello. História inacabada do analfabetismo no Brasil. São Paulo, SP: Cortez, 2009. Resenha de: RESENDE, Márcia Aparecida. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 1 (28), p. 243-250, jan./abr. 2012.

A presente obra faz parte de uma coleção da Editora Cortez dedicada à educação pública no Brasil – a “Biblioteca Básica da História da Educação Brasileira”, que apresenta duas séries temáticas envolvendo educação e escolarização nas pesquisas em história da educação. Alceu Ravanello Ferraro, doutor em ciências sociais, professor aposentado da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), dedicou-se, desde os anos de 1980, à pesquisa sobre analfabetismo e escolarização em perspectiva sociológica, tendo publicado inúmeros artigos em periódicos da área da educação, como também capítulos de livros. Ainda atua como pesquisador do CNPq em universidades do Rio Grande do Sul.

É com base nos indicadores do estado e da situação educacional, obtidos por meio dos censos demográficos e das Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNADs), feitos pelo IBGE, que o autor desenvolve seu estudo na referida obra, resguardando as limitações inerentes a indicadores obtidos por meio de censos demográficos que se baseiam em respostas tipo “sim” ou “não” que as próprias pessoas entrevistadas concedem às perguntas “sabe ler e escrever?” e “sabe ler e escrever um bilhete simples?”. Contudo, a informação censitária sobre a capacidade de saber ou não ler e escrever é a única característica educacional pesquisada para toda a população, desde o primeiro recenseamento nacional realizado no Brasil em 1872, permitindo traçar a trajetória de longo prazo do estado da educação brasileira. O autor fez a opção por trabalhar com taxas de analfabetismo para a população de 5 anos ou mais, por ser o único indicador comparável que pode ser construído desde o primeiro até o último censo demográfico, já que os censos de 1872, 1890 e 1900 levantaram dados para toda a população a partir de zero ano de idade.

Embora possa parecer, inicialmente, o estudo não se circunscreve à metodologia quantitativa de investigação, porque o autor trata as estatísticas como objeto de investigação, de questionamento, e não como algo dado. Assim também em relação às leis de reforma eleitoral, que suscitaram intensos debates sobre o voto dos analfabetos, Ferraro dedicou-se à análise dos discursos como forma de compreender os resultados em relação aos processos de alfabetização e escolarização.

Diante da reflexão sobre a pertinência ou não de ainda hoje se ocupar do analfabetismo absoluto, Ferraro (2009, p. 24) entende que “[…] este é o único indicador que permite traçar a trajetória secular do estado da educação no Brasil”. O analfabetismo absoluto refere-se à incapacidade de ler e escrever, enquanto processo de decodificação e codificação do sistema de escrita. A partir dos anos de 1950, o questionários do censo passaram a indagar se a pessoa era capaz de “ler e escrever um bilhete simples”, evidenciando uma preocupação com a prática social da escrita. Ferraro destaca a ênfase dada pela Unesco, desde 1970, ao conceito de “analfabetismo funcional”, que é a incapacidade de uma atuação eficaz do sujeito em sua comunidade, no que se refere aos usos da leitura, da escrita e da aritmética.

Nesse sentido, percebe-se uma visão ampliada do conceito de alfabetização, o que Ferraro define como “critério mais rigoroso de analfabetismo” (idem, p. 23), fazendo com que o número absoluto de analfabetos no Brasil seja duplicado. É o que ele caracteriza como “um novo tipo de analfabetismo”, associado às exigências do mundo industrializado em fins do século XIX, que estabelece padrões de distinção cultural e social pelo domínio ou não de certas capacidades vinculadas ao universo da leitura e da escrita. A esse respeito, Cook-Gumperz (2008, p. 13) afirma que “[…] a alfabetização é um fenômeno socialmente construído, e não a simples capacidade de ler e escrever”, acrescentando ainda que a literatura dos anos de 1990 trata de uma “multiplicidade de alfabetizações”, e passamos a compreender que a alfabetização tem muitas facetas” (idem, p. 14).

A obra está organizada em oito capítulos, que possuem relativa autonomia, podendo ser lidos e compreendidos de maneira independente. No primeiro, o autor problematiza a temática do analfabetismo na virada do milênio, mostrando que este ainda é um desafio do novo século. No segundo capítulo, é feito um retrospecto sobre o analfabetismo no Brasil, enquanto no terceiro o autor aborda a sua construção social como uma questão nacional e política. O quarto capítulo traz uma análise quantitativa do analfabetismo de 1872 a 2000, apontando o crescimento vertiginoso do número absoluto de analfabetos. No quinto capítulo, Ferraro aborda criticamente o Mobral como um projeto educacional do Regime Militar que cumpriu a função de difundir a ideologia oficial. Já o sexto capítulo trata do analfabetismo em uma perspectiva regional, apontando para o fenômeno das desigualdades. O sétimo capítulo procura responder a questão “quem são os analfabetos?”, analisando as relações de raça, classe social e gênero. Por fim, no oitavo capítulo, o autor discute a relação entre escola e analfabetismo, mostrando que este ainda é um fenômeno produzido pelos processos de exclusão na escola.

Inicialmente, Ferraro apresenta um breve diagnóstico quantitativo do analfabetismo no Brasil, no final do século XX e início do século XXI , tendo por base o censo 2000 e a Pnad 2005. De início, ele chama a atenção para o fato de que o número de analfabetos, em fins do século XX e começo do XXI, é preocupante: mais de 18,8% milhões de pessoas na população de 8 anos ou mais, segundo dados do IBGE, de 2000. Para se compreender melhor as dimensões desse número absoluto apontado pelo censo, é necessário analisar a distribuição regional do analfabetismo que, segundo o autor, ajuda a construir um significado social e político acerca da questão.

Considerando a dimensão regional, os dados apontam para uma acentuada desigualdade entre as unidades da federação, que o autor organiza em quatro grupos. O grupo 1, estados do Nordeste mais o Acre, reúne as taxas mais elevadas, superiores a 20%. Somente os estados da Região Nordeste somam 52,7% dos analfabetos no país. O grupo 2, Amazonas, Pará e Tocantins com taxas de 17,2 a 15,3%. O grupo 3, que compreende Espírito Santo, Minas Gerais, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, Amapá, Roraima, apresentou variações de 12% a 10,1%. Já o grupo 4, Distrito Federal, São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, as taxas mais baixas do país, de 8,6% a 5,2%. Pelo que se vê através dos dados, o fenômeno do analfabetismo no Brasil, no ano de 2000, mostra-se com uma forte desigualdade regional.

Na tentativa de compreensão da gênese da desigualdade regional, o autor faz uma análise da história quantitativa do analfabetismo. Assim, o primeiro censo, de 1872, revela uma taxa de 82,3% (para pessoas de cinco anos ou mais), o que no censo de 1890 se mantém, com um índice de 82,6%, demonstrando que a escolarização, até o final do Império, não tivera força para se instaurar como medida prioritária do Estado. A esse respeito Faria Filho (2007, p. 135) explica que a presença do Estado era muito pequena e pulverizada e que os investimentos feitos na instrução primária pelas províncias eram insuficientes para se alcançar os resultados desejados, embora houvesse um intenso debate em torno da necessidade de escolarização da população.

Sendo verdade que o Brasil ocupava, em fins do século XIX, a posição de “campeão mundial do analfabetismo”, como destaca Ferraro, também é fato que “[…] nem a própria escola tinha um lugar social de destaque, cuja legitimidade fosse incontestável” (idem, p. 135-136). Mas, para Ferraro, a instrução primária, que era uma necessidade fundamental do povo, foi pouco cuidada pelo Império, que “estava longe de corresponder a tão boa vontade”, citando Holanda (apud Ferraro, 2009, p. 126).

No período recenseado, 1872 a 1890, ocorre em todo o país uma generalização do analfabetismo, com pequenas variações nas taxas das províncias, não existindo, segundo o autor, qualquer disparidade acentuada entre as províncias, exceto os casos da província do Rio de Janeiro (sede da corte e da burocracia estatal) e das províncias do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, que apresentaram taxas mais baixas no censo de 1890, o que Ferraro explica como decorrente da imigração europeia, que implantou o sistema de propriedades familiares, e não do trabalho assalariado.

No esforço de compreender a gênese do processo de regionalização do analfabetismo, Ferraro analisa o censo de 1920, uma vez que no censo anterior (1900) houve uma subestimação do analfabetismo nas muitas unidades da federação e, por conseguinte, no país como um todo, em função do sub recenseamento de extensas áreas rurais.

No comparativo com os censos de 1872 e 1890, o censo de 1920 revela queda nos índices de analfabetismo chegando a 71,2%, porém com elevação da diferença entre a taxa mais alta (Piauí, 85,9%) e a mais baixa (Rio de Janeiro, 53,4%), o que já aponta para a desigualdade regional, sendo que as dez posições mais elevadas eram ocupadas pelos estados do Nordeste mais o estado de Goiás. Um grupo variando de 68,8% a 64,7% abaixo da média nacional, que abrange a Região Norte, Mato Grosso, São Paulo, Paraná e Santa Catarina, apresentou queda acelerada em relação aos censos anteriores, enquanto Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul continuaram se destacando com taxas bem mais baixas, 53,4% e 53,8%, respectivamente.

No período de 1920 a 1960, as taxas de analfabetismo no país continuaram em queda, passando da média de 71,2% para 46,7% entre pessoas de 5 anos ou mais. Contudo, a configuração regional mudou com a elevação dos índices nos estados e territórios da Região Norte, em função da crise da borracha na década de 1940/1950, e com o destaque para os estados de São Paulo, Santa Catarina e o novo Distrito Federal, que vieram juntar-se ao Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul nos índices de melhores taxas de alfabetização. A explicação para isso, segundo Ferraro, é a incorporação dos imigrantes europeus no sistema produtivo, na forma de propriedade familiar, principalmente em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul, diferentemente do sistema assalariado. O caso do novo Distrito Federal explica-sepela concentração da população urbana no setor terciário. O caso de São Paulo é diferente: manteve altos índices de analfabetismo nos períodos anteriores, embora tivesse uma economia forte garantida pelo café, configurando-se como centro econômico do país desde meados do século XIX, com uma sociedade latifundiária e escravocrata. O autor defende que o surto industrial e o crescimento urbano, posterior à crise do café, contribuíram para a redução das taxas de analfabetismo no estado de São Paulo.

Na configuração regional do analfabetismo, os censos de 1960 a 2000 revelam um sucessivo agravamento da desigualdade entre os estados, com uma distância significativa entre o Nordeste-Norte e o Sudeste-Sul, o que reforça seu caráter histórico e social.

Segundo os estudos feitos por Ferraro, pode-se concluir que há uma associação estreita entre analfabetismo e latifúndio, uma vez que as taxas mais baixas de analfabetismo registraram-se em regiões coloniais, onde predominou a pequena propriedade familiar.

Nesse sentido, Kreutz (2007, p. 348) em sua pesquisa sobre escolas étnicas ou escolas elementares de imigrantes, no período de 1820 a 1939, afirma que:

Parte dos imigrantes provinha de forte tradição escolar em seu país de origem, era alfabetizada e cônscia da importância da escola, porém, não encontrando escolas públicas nem muitas perspectivas para verem atendido seu pleito, os imigrantes puseram-se a organizar uma rede de escolas comunitárias.

A regionalização do analfabetismo nos parece também relacionada com a forma desigual com que se desenvolveu o processo de escolarização primária no Brasil, conforme estudo de Faria Filho (2007, p. 139), que aponta, no final do século XIX, a “[…] existência de sistemas provinciais, e posteriormente estaduais, sistemas de ensino cuja complexidade era bastante variada, apesar da ausência de um sistema nacional de ensino centralizado […]”.

Na análise da trajetória histórica do analfabetismo, Ferraro discute as origens do fenômeno como uma questão pública nacional estreitamente ligada ao processo eleitoral. No processo de reforma eleitoral, coloca-se em debate o voto dos analfabetos por meio dos projetos Sinimbu e Saraiva. O autor pesquisou os Anais da Câmara dos Deputados referentes aos anos de 1878 a junho de 1880, concluindo que houve retrocesso para a cidadania com a exclusão do direito dos analfabetos ao voto. A Lei Saraiva, lei n. 3.029, de 9 de janeiro de 1881, reduziu a cerca de 1/8 o número de eleitores: “Uma lei que acarretou um enorme retrocesso político em termos da própria doutrina liberal” (Ferraro, 2009, p.80). Outro aspecto de grande relevância se coloca nesse debate, que diz respeito ao que Rui Barbosa denominou como “vilipêndio” que se sobrepôs e aderiu aos analfabetos como uma segunda pele, marcando-os como portadores da cegueira, da ignorância, da incapacidade e da periculosidade decorrentes da condição de analfabetismo.

Ferraro lembra Paulo Freire que, em 1968, denunciava a persistência dessa visão “distorcida” acerca do analfabetismo, quase oitenta anos após a Lei Saraiva. Paulo Freire (2007, p. 15) critica a visão ingênua que encara o analfabetismo “ora como ‘erva daninha’ […] ora como enfermidade […] ora como uma ‘chaga’ deprimente a ser ‘curada’, […] como a manifestação da ‘incapacidade’ do povo de sua ‘pouca inteligência’, de sua proverbial preguiça”.

Dessa forma, Ferraro evidencia a mudança de significado que ganhou o termo analfabetismo com a conotação fortemente negativa atribuída aos analfabetos, desde fins do século XIX. Por isso uma questão foi levantada pelo autor e discutida no sétimo capítulo, “quem são os analfabetos?”, o que exigiu o esforço de uma análise da interrelação de classe, raça e gênero na produção das desigualdades, mostrando que os efeitos de cada uma dessas dimensões precisam ser considerados na sua especificidade.

Encerrando, o autor esclarece porque a história do analfabetismo é inacabada, ou seja, houve um processo de reprodução do analfabetismo, visto que a universalização da alfabetização não correspondeu às expectativas ao longo do século XX, sendo que novos contingentes de analfabetos foram surgindo ano a ano. Então, “[…] não basta superar a exclusão da escola mediante a expansão e até a universalização do acesso. Importa transformar a lógica de exclusão que historicamente veio regendo o processo de escolarização das camadas populares” (Ferraro, 2009, p.195).

Com a investigação realizada, Ferraro deixa importante contribuição para se avançar na reflexão sobre o analfabetismo como um problema nacional, que assume o significado simbólico, representando o fracasso da escola e da própria sociedade. A historicidade mostra que a questão é muito mais complexa e vai além dos números; o analfabetismo tem raça, gênero, classe social e território bem definidos, continuando como uma história inacabada e um objeto a ser ainda muito investigado.

Assim, a obra pode contribuir para a compreensão crítica do analfabetismo como uma questão política de universalização da alfabetização, que deve ser pensada considerando a regionalização das desigualdades das oportunidades nas diferentes unidades da federação, em função de questões políticas e econômicas. É uma leitura necessária a todos que se interessam pela educação de nosso país, especialmente pela superação da lógica da exclusão na escola, que ainda não foi resolvida, mas que pode estar silenciada pelos discursos e números da pretensa universalização do acesso à escolarização. Dessa forma, a história do analfabetismo, da maneira como foi abordada por Ferraro, aponta para a necessidade de se repensar a própria história da escola pública no Brasil, que, com seus avanços e fracassos, não deu conta de universalizar as oportunidades de alfabetização e apagar o estigma que marca a vida dos analfabetos no país.

Referências

Cook-Gumperz, J. et al. A construção social da alfabetização. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008.

Faria Filho, L. M. Instrução elementar no século XIX. In: Lopes, E. M. T.; Faria Filho, L. M.; Veiga, C. G. 500 Anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 135-150.

Freire, P. Ação cultural para a liberdade e outros escritos. 12. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2007.

Kreutz, L. A educação de imigrantes no Brasil. In: Lopes, E. M. T.; Faria Filho, M.; Veiga, C. G. 500 anos de educação no Brasil. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. p. 347-370.

Márcia Aparecida Resende – E-mail: [email protected]

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVESE NETO et al (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências bibliográficas

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

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História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI – XAVIER (RBHE)

XAVIER, Libânia; TAMBARA, Elomar; PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira. História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CARVALHO, Fábio Garcez de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

O leitor interessado em conhecer os caminhos que a pesquisa em História da Educação vem trilhando nesse curto século XXI encontrará nos dez volumes da Coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil uma rica coletânea de artigos representativos do debate intelectual no campo. Aos organizadores coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra dessa produção, que tem como marca identitária a pluralidade de abordagens teórico-metodológicas, fruto das mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas.

Tal tendência renovadora se faz representar na seleção e organização do volume 5, denominado História da Educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. O sumário é dividido em três partes que abrange o largo espectro de mudanças da historiografia da educação brasileira nas últimas décadas. A primeira parte é reservada às matrizes interpretativas. Nelas encontraremos os grandes sistemas de pensamento, que forjaram as tradições intelectuais que ainda hoje se fazem presentes no debate acerca da escrita da História em Educação. Na segunda parte privilegia-se o debate sobre métodos, onde são apresentados resultados de pesquisas em curso a partir do uso de diferentes fontes: oralidade, estatísticas educacionais e livro didático. Por último, a temática das novas abordagens se faz representar com a seleção de algumas pesquisas, representativas de tendências renovadoras.

No que se refere à primeira parte, o artigo Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil republicano, de Libânia Xavier, nos oferece um painel apropriado da trajetória da historiografia da educação em relação com o pensamento social brasileiro mediante a operacionalização da definição de matrizes, proposta por Wanderley Guilherme dos Santos. Assim, dispomos de uma grade interpretativa que se propõe a analisar a construção da disciplina História da Educação em sua relação com os intelectuais e sistemas de pensamento que influenciaram de alguma maneira o próprio campo da educação no Brasil, a saber: 1) matriz político-institucional; 2) matriz sociológica; 3) matriz político-ideológica; 4) matriz histórico-cultural (p.20). Além de servir como texto orientador para a organização e seleção dos textos da primeira parte, representa também uma iniciativa de contribuir para o debate acerca das relações da historiografia da educação com o campo educacional, propriamente dito.

Assim sendo, cada um dos textos refere-se a uma matriz específica, diferenciando-se entre si no tipo de abordagem, questão e recorte temático proposto. É o que podemos constatar na leitura de O centenário de Sérgio Buarque de Holanda diz respeito à história da educação, de Marcos Cezar de Freitas. O autor explora as possíveis conexões entre o pensamento educacional de Anísio Teixeira e a historiografia de Sérgio Buarque de Holanda, na concepção intelectual do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Proposta de análise fecunda uma vez que nos remete a uma reflexão acerca de quão complexas foram as imbricações intelectuais que percorreram a construção do campo da pesquisa educacional no Brasil.

Outra análise centrada no intelectual representativo de uma respectiva matriz está presente em Florestan Fernandes e a construção de um padrão científico na educação brasileira, de Marcelo Augusto Totti. Evidencia-se no artigo a função desempenhada por Florestan Fernandes em tornar a sociologia uma disciplina norteadora dos padrões de cientificidade a que carecia, a seu ver, o campo educacional brasileiro. Os artigos supracitados tratam, portanto, de tradições intelectuais que se forjaram no interior do campo da educação brasileira a partir da interseção entre diferentes áreas de conhecimento.

Já os dois artigos seguintes, espelham uma das vertentes de pensamento presente no campo da educação: o marxismo. Em Marxismo e culturalismo: reflexões epistemológicas sobre a pesquisa em História da educação, de Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Jr., o percurso do marxismo na pesquisa educacional – paradigma representativo da matriz político-ideológica – é abordado à luz de uma proposta interpretativa que leva em consideração a militância política e a formação teórica dos respectivos pesquisadores. Perspectiva que se evidenciou fecunda uma vez que os autores articularam a sua condição de testemunho da história com a sua prática de pesquisa no interior da Universidade. O marxismo, assim, torna-se um problema de pesquisa, conforme podemos atestar na própria opção em investigar a presença desse referencial teórico nas dissertações de mestrado da UFSCar entre os anos de 1976-1993. Tal pesquisa resultou no balanço crítico da produção fundamentada no corte temático das instituições escolares, que tem marcado intensamente o campo da história da educação no contexto da renovação historiográfica.

O leitor encontra outras considerações críticas acerca das tendências renovadoras da historiografia educacional em História cultural e educação: questões teórico-metodológicas, de Sérgio Castanho. O autor é claro em sua inquirição à influência da História Cultural na pesquisa em educação na medida em que sugere uma reflexão sobre os seus possíveis limites na abordagem de temas relativos “[…] à profissionalização docente, a temporalidade e a espacialidade escolar, o impacto da passagem da cultura ágrafa à alfabetização e outros âmbitos educacionais específicos” (p.109).

As questões propostas tornam-se instigantes em face da hegemonia da História Cultural nos estudos em História da Educação. Ao propor debater as relações entre os respectivos campos, o autor explicita a sua crítica às concepções que elevam a cultura à causa primeira dos acontecimentos sociais, subordinando o processo histórico a sua dinâmica. De modo geral, é uma questão teórica fundamental que tem colocado em lados opostos defensores e críticos da História Cultural.

Quanto à segunda parte da coletânea, dispomos de quatro textos representativos do impacto das tendências historiográficas renovadoras na escrita em História da Educação. O primeiro deles, Fontes e métodos na história da educação, de Elomar Tambara & Avelino Rosa Oliveira, segue na linha de questionamentos, a partir de uma abordagem marxista, à influência da Nova História. Concordando ou não com as concepções esposadas pelos autores sobre a construção do conhecimento histórico e as críticas às novas tendências historiográficas, o leitor tem em mãos os argumentos críticos às novas metodologias em história da educação que tem resultado na fragmentação do objeto de estudo e o ‘(…) relativo afastamento da idéia de totalidade”(p.160).

Por outro lado para demonstrar a vitalidade da renovação dos estudos em história da educação, o leitor dispõe de A História da Educação conjugada à história Oral em Imagem videográfica, de Bernadeth Maria Pereira. De acordo com a sua análise, a oralidade contribui para a renovação historiográfica sob três perspectivas: 1) destaca-se por sua especificidade metodológica à medida que problematiza a relação entre entrevistado e entrevistador; 2) a oralidade pode trazer à baila a voz dos “excluídos” e dos “esquecidos” para o âmbito da pesquisa acadêmica. Outrossim, a autora demonstra que a contribuição da história oral para a renovação da historiografia educacional não é tão recente quanto se parece, mas remonta aos anos 1970, a exemplo do trabalho de pesquisa de Zeila Dermatini (1979), que focado no estudo da memória de professores, “objetivou trazer à luz o conhecimento de um período ainda bastante desconhecido naquela época sobretudo no tocante ao aspecto educacional em áreas rurais no estado paulista” (p. 182)

Se uma das virtualidades do uso da história oral foi a deampliar o escopo documental dos pesquisadores para além dos dados quantitativos, no artigo Os limites das estatísticas educacionais por aqueles que os produziram, de Natália de Lacerda Gil, somos convidados a uma reflexão crítica sobre um tipo de fonte tradicional, que os historiadores de ofício denominam de fonte serial. No caso do estudo em questão, a autora se debruça sobre as estatísticas educacionais. As certezas quanto a sua objetividade e infalibilidade para orientar as políticas educacionais são postas em cheque a partir de uma investigação de alguns trabalhos estatísticos realizados pelo estado brasileiro no final do século XIX e a primeira metade do século XX. Ao explorar essa produção, a autora, tece a sua argumentação em duas direções: 1) as lacunas que envolvem os problemas técnicos de seleção e operacionalização de dados estatísticos; 2) analisa os discursos, fundamentados no universo simbólico de certezas científicas, que acompanha a construção do saber estatístico em sua aplicação na área da educação. As tensões advindas da interseção entre duas áreas distintas de conhecimento são exploradas com competência, a ponto de, ao final da leitura, ser possível refletir acerca da complexidade do campo educacional. Aliás, convite sugerido pela própria autora ao advogar uma postura crítica dos pesquisadores frente à “apropriação no meio educacional de qualquer conhecimento produzido no meio científico” (p.215).

A segunda parte da coletânea é finalizada com a apresentação de uma pesquisa de doutorado em andamento. O artigo: Pesquisa em História da Educação: localização e seleção de livros didáticos de história do Brasil no contexto republicano, de Kênia Hilda Moreira, é um relato de pesquisa cujo foco é a apresentação dos procedimentos metodológicos para a busca, seleção e construção do corpus documental que, no caso em questão, são os livros didáticos de História. Aliás, uma fonte que apresenta um enorme potencial a ser explorada, conforme defende a autora. Dispomos, então, de um artigo representativo da produção atual em história da educação que, por sua vez, segue os caminhos de renovação historiográfica a partir da incorporação de novas fontes.

Ao chegarmos à terceira parte da coletânea referente às abordagens, encontramos em As novas abordagens no campo da história da educação brasileira, de Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, um texto-síntese acerca dos percursos da renovação da História da Educação. Esta é relacionada às mudanças no campo historiográfico, em que despontam três segmentos: a Nova História Cultural, a História Social inglesa e a Micro-história italiana; lugares a partir dos quais os historiadores da educação brasileira têm buscado os seus referenciais teóricos. As experiências de pesquisa com a história oral, de acordo com o autor, têm contribuído para os estudos de história de vida, bem como possibilitado uma “aproximação com as temporalidades mais contemporâneas, ou seja, produzir na perspectiva da história do tempo presente’. (p.257). Este insight nos faz refletir acerca das possibilidades futuras que envolvem o diálogo com a História do Tempo Presente – território ainda inexplorado na comunidade de historiadores da educação.

Em seguida, nos deparamos com dois artigos que corroboram a tendência marcante do uso da oralidade na pesquisa em História da Educação nos últimos dez anos. Sem dúvida é uma metodologia que vem norteando o debate e configurando linhas de pesquisa na pós-graduação. No entanto, o que chama a atenção são os distintos usos a que foi submetida. Em Histórias de vida de destacados educadores no contexto espaço-temporal da história do Rio Grande do Sul, de Maria Helena Menna Barreto Abrahão, a História Oral serve como suporte para a construção da metodologia em História de Vida. Ao advogar a relevância teórico-metodológica dos estudos em História de Vida, a autora trata das implicações desses estudos para a própria formação e profissionalização de professores. Ou seja, a História da Educação imbrica-se com a pesquisa educacional, conforme se explicita no diálogo com a produção bibliográfica de estudos de currículo e de formação docente. Já no artigo História oral e processos de participação nas culturas do escrito, de Ana Maria de Oliveira Galvão, há o relato do desenvolvimento da pesquisa sobre osprocessos de inserção de indivíduos e grupos sujeitos à oralidade na cultura escrita, onde são tecidas algumas considerações críticas acerca das potencialidades e limites dos testemunhos orais. “Afinal, se a ‘história’ oral tem o poder de desmistificar, pode também ser objeto de mistificação, como qualquer outro tipo de fonte” (p. 316). A pesquisa em questão estrutura-se em torno de forte diálogo com a História Cultural.

Seguindo na trilha desse diálogo, o artigo A teoria sobre associações voluntárias como matriz interpretativa das instituições escolares protestantes no Brasil, de Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento, reafirma a riqueza de possibilidades que a História Cultural oferece ao realizar uma pesquisa inovadora sobre as escolas protestantes no Brasil à luz dos escritos de Norbert Elias. Tendo a preocupação de romper com uma visão excessivamente mecânica da circulação das missões protestantes na América latina – vistas como representativa da crescente hegemonia norte-americana no continente -, a investigação traz questões instigantes referentes às conexões entre a dinâmica do protestantismo nos Estados Unidos e a sua expansão no Brasil.

A abordagem em História Cultural, a partir do conceito de representação de Roger Chartier, se faz presente no artigo Arquivo pessoal como fonte para a História da educação: Coleção professor Jerônimo Arantes, Uberlândia-MG (1919-1961), de Sandra Cristina Fagundes de Lima. Nele, a autora discorre sobre a formação do arquivo histórico da cidade de Uberlândia a partir do acervo pessoal do professor Jerônimo de Albuquerque; acervo esse que abrange documentos iconográficos, impressos variados, correspondências e documentos escolares. Esta dimensão da pesquisa, relatada pela autora, motiva uma reflexão acerca da relevância dos arquivos públicos municipais em cidades médias e pequenas em sua tarefa de preservar e organizar documentos locais. Tarefa indispensável para viabilizar os estudos em História Local, ainda ser explorado no País, bem como ampliar as possibilidades de diálogo da História da Educação com essa área de pesquisa.

A despeito das diferenças teórico-metodológicas e de suas polêmicas, cada um dos artigos, a seu modo, contribui para uma reflexão mais ampla sobre os aspectos teórico-metodológicos da escrita em História da Educação. Da mesma maneira que nos permitem refletir sobre questões específicas que acompanham as diferentes matrizes interpretativas.

Por tudo o que foi apresentado, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que esta Coleção é um retrato da dimensão a que os estudos em História da Educação assumiram para a pesquisa educacional brasileira. Concordamos com Ângela de Castro Gomes, no prefácio da obra, quando afirma que este “[…] crescimento quantitativo e qualitativo é um ‘fato social’ a ser remarcado, seguindo-se a linha de se pensar a historicamente a História da Educação […]” (p. 13). Nesse sentido, é mister reconhecer a relevância da iniciativa editorial que cumpre o papel estratégico de apresentar para um público mais amplo um panorama do rico e complexo campo da produção intelectual realizada nos programas de pós-graduação em educação das universidades brasileiras.

No tocante ao volume cinco, este objetivo foi amplamente alcançado, pois algumas tendências podem ser destacadas após o término da leitura. A primeira refere-se ao estreitamento do diálogo com a produção historiográfica internacional como fato relevante na reconfiguração da escrita em História em Educação. Fato que se pode constatar de imediato após a consulta aos referenciais bibliográficos, geralmente vinculados à denominada Nova História, mas não exclusivamente. A segunda refere-se à vitalidade da produção nacional, oriunda dos programas de pós-graduação que tem servido como parâmetro para a elaboração de novos projetos, formulação de novas questões e uma reflexão sobre si mesma que demonstra o amadurecimento intelectual e a criatividade imperante nas pesquisas em curso.

Fábio Garcez de Carvalho – Doutorando em História da Educação na Universidade Federal do

Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVES NETO et al. (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências 

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

Antoniette Camargo de Oliveira – E-mail: [email protected]

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Estado e políticas educacionais na educação brasileira – SAVIANI (RBHE)

SAVIANI, Dermeval. Estado e políticas educacionais na educação brasileira. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CASTANHO, Sérgio. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011

Uma fecunda parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo, por sua editora, e a Sociedade Brasileira de História da Educação, para comemorar os dez anos de existência desta última, completados em 28 de setembro de 2009, resultou numa iniciativa editorial das mais importantes: uma dezena de volumes sobre dezeixos temáticos em torno da história da educação. O volume de número 6 é este de que aqui nos ocupamos. Organizado pelo renomado educador Dermeval Saviani, cuja contribuição à história da educação brasileira tem sido das mais relevantes, este livro acrescenta muito à reflexão histórica sobre o papel do Estado nas políticas educacionais no Brasil. Sem mais delongas, passemos ao conteúdo do volume.

Abrindo a coletânea, deparamo-nos com o capítulo de seu organizador, Dermeval Saviani, intitulado “O Estado e a promiscuidade entre o público e o privado na história da educação brasileira”. O autor revela essa “promiscuidade” (termo que ele próprio questiona, mas defendendo sua utilização) entre as esferas pública e privada na educação brasileira. Isso é feito rastreando a simbiose público-privada desde o período da “Educação pública religiosa (1549-1759)” até o atual, objeto da indagação “Educação pública: dever de todos, direito do Estado? (1961-2007)”, passando pelos momentos da “Educação pública estatal confessional” (1759-1827)”, da “Instrução pública e ensino livre (1827-1890)”, da “Instrução pública para os filhos das oligarquias (1890-1931)” e da “Educação pública e industrialismo: o protagonismo das três trindades (1931-1961). Ao chegar à atualidade, Saviani mostra o paroxismo dessa promiscuidade “assumindo novas e variadas formas que estão em curso”. O autor é incisivo na sua crítica: “Tudo se passa como se a educação tivesse deixado de ser assunto de responsabilidade pública a cargo do Estado, transformando-se em questão da alçada da filantropia”. Na conclusão, o caminho aventado por Saviani é o de radicalizar o caráter da educação como coisa pública (res publica): “Republicanizando a educação, estaremos radicalizando uma das promessas da burguesia liberal e, com isso, explorando seu caráter contraditório tendo em vista a superação dessa forma social”.

O segundo artigo, “Estado e cristandade nos primórdios da colonização do Brasil: implicações para a política educacional”, é assinado por José Maria de Paiva, autor clássico no estudo desse período de nossa história da educação. O capítulo traz a marca registrada de Paiva, que imprime a seus trabalhos invulgar profundidade de reflexão e análise, a par de um extremo cuidado no trato com as fontes. A gênese do Estado, na passagem do medievo para a modernidade, é estudada a partir de textos de Tomás de Aquino e John Locke. Referência central no pensamento histórico do autor é a necessidade de partir da cultura social para o entendimento do Estado. É por esse caminho que Paiva chega ao Estado português no período da colonização americana, ininteligível fora do âmbito da cristandade – que é o “modo de ser social” conformador da esfera pública. Como era a relação entre o Estado e a educação? Talvez uma passagem do texto em foco possa contribuir para responder a indagação: “Pela tradição, a escola refletia o religioso, como toda a vida social, mas tinha como objeto o cultivo do que então se entendia por ciência. Pelo papel que lhe cabia – de assegurar a manutenção da cultura – era ofício real; em termos atuais, ofício do Estado”. Realeza, Igreja, Educação – tudo fazia parte de um mesmo bloco, eu quase diria um “bloco histórico”, marcado ademais pela prática mercantil, que na modernidade passou a reclamar o tipo de conhecimento que a escola podia fornecer, basicamente a leitura e a escrita. Do geral o autor passa para o específico, o colégio jesuítico no Brasil. Os jesuítas, no entender de Paiva, foram a única ordem religiosa a estabelecer colégios no Brasil, o que se deve a que a eles, e a mais ninguém, o rei delegou a tarefa de evangelizar os índios e preparar os futuros evangelizadores. Trabalhando com a categoria histórica de “experiência”, o autor mostra que os colégios foram organizados tendo por base a experiência das universidades que os antecederam cronologicamente. Conjugados, os conceitos de cultura social e de experiência dão conta, no trabalho de Paiva, de explicar a política educacional na América colonial portuguesa a cargo dos agentes inacianos.

Ainda trabalhando com esse tema, com fundamentos e propósitos que ora se aproximam ora se afastam do precedente, o artigo terceiro tem o timbre de Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro, intelectual atuante na docência e pesquisa da UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O título do capítulo é “O Estado e a política educativa dos jesuítas na história da educação brasileira”. Iniciando por evidenciar as raízes da ordem jesuítica no cenário mundial marcado pelo concílio tridentino, Ana Palmira detém-se no estabelecimento e expansão da Companhia em Portugal e seu posicionamento no contexto da Igreja e da Realeza nessa parte da Ibéria. Só então estuda os jesuítas no Brasil, suas províncias, suas casas de profissão, seus colégios e seus seminários. Taxativa, para ela a “história da companhia de Jesus confunde-se com a própria história da educação brasileira colonial”. Alargando a mirada, Ana Palmira afirma que “os jesuítas palmilharam todos os espaços d território colonial: o campo econômico, pacificando e adestrando a mão de obra indígena e negra; a seara política, exercendo forte influência na Coroa Portuguesa e participando das mais importantes decisões de caráter político e religiosa da época; as diversas instâncias da vida cultural, veiculando ideologias literárias, imagéticas e religiosas; e, finalmente, o terreno prático, mediante o exercício do apostolado missionário da educação formal, ministrada nos colégios, e do sermonário religioso, pregado no púlpito das igrejas”. Não resisto à tentação, para usar uma expressão que cabe à talha ao tema em foco, de uma citação final, em que Ana Palmira sintetiza o sentido da educação jesuítica no Brasil: “Nesse sentido, especialmente o ensino religioso, compreendido no seu sentido lato (a catequese, as normas religiosas impostas e obrigatórias, a doutrinação, os castigos, as representações imagéticas, os rituais, os cultos e, principalmente, a pregação), foi a forma mais eficiente de educação daquele tempo, pois doutrinava, simultaneamente, os senhores e os escravos, os possuidores e os despossuídos, os poderosos e os subjugados. Os jesuítas educaram para o êxito da empresa colonial, para a manutenção do status quo de um pequeno grupo e para a instauração de formas de mentalidades peculiares, que ultrapassaram as barreiras daquele período e que perduram, até hoje, como traços característicos da sociedade brasileira”.

O quarto artigo é da uspiana e pesquisadora do CNPq Carlota dos Reis Boto, tendo por título “Pombalismo e escola de estado na história da educação brasileira”. Para a autora, é preciso deixar de lado a ideia de que o ensino público no Brasil foi obra dos republicanos, pois remonta à ação do Marquês de Pombal, bem antes da eclosão da República no país. Boto não se restringe a mapear os feitos pombalinos. Ad astra per aspera: ela procura o caminho mais penoso, pesquisando o iluminismo português, de que Pombal foi adepto e coautor. Vendo uma das características desse iluminismo, a secularização, como “um modo de ser mundo”, ela esclarece por que a educação pombalina, no contexto iluminista, não poderia deixar de ser secularizada, ainda que não laicizada. Em seguida, ela destrincha a vida e obra de três pilares do iluminismo português que estiveram intimamente vinculados à política educacional desencadeada por Pombal: D. Luís da Cunha, Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação da mocidade e Verney com seu Verdadeiro método de estudar. Passando das bases teóricas às diretrizes práticas, Boto mostra o que foi e como foi a escola pública traçada por Pombal. Nas conclusões, revisita o legado pombalino, considerando-o como “um modo de ser escola do Estado-Nação”. E considera, fechando o artigo, que a escola pública é “o lugar mais progressista em matéria de educação”.

O capítulo seguinte é de Maria Cristina Gomes Machado e versa sobre “Estado e políticas educacionais no Império brasileiro”. A autora é especialista em educação no Império e já nos havia brindado com seu indispensável Rui Barbosa: pensamento e ação. O problema que Machado coloca e procura resolver no artigo é o de como a educação atuou no período imperial para constituir o Estado-nação no Brasil. Para isso vasculha a política educacional imperial, desde as primeiras iniciativas sob D. Pedro I até o desfecho republicano. Grande destaque é dado às reformas Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1879), esta última com mais amplidão por ter ensejado os pareceres de Rui Barbosa. No ocaso do Império – mostra Machado – dá-se a emergência das questões da liberdade de ensino e do caráter religioso ou laico do ensino conduzido pelo Estado.

Segue-se o capítulo de Luís Antônio Cunha sobre essa última questão: “Confessionalismo versus laicidade no ensino público”. Cunha – ou LAC como ele se autorrefere utilizando suas iniciais – principia com uma bem centrada conceituação de “laico” em confronto com “leigo”. Depois disso volta-se para os primórdios da educação na América portuguesa: a educação religiosa no Estado confessional. Nas três décadas finais do século XIX LAC vislumbra o surgimento da laicidade como superação da incomodatícia “simbiose Igreja-Estado”. Essa laicidade (“de elite”, acentua LAC) acaba por marcar a institucionalização do Estado republicano. A despeito da laicidade, o ensino religioso acaba por retornar à política educacional, como forma de “controle político-ideológico”. Entre outras pontuações históricas interessantes, LAC mostra que o manifesto dos “pioneiros” de 32 não teve consequências práticas no tocante à laicidade do ensino público, pois a Igreja Católica saiu-se amplamente vitoriosa na Constituição de 1934. Passando em revista a questão após a era Vargas, atravessando o debate ocasionado pelas vicissitudes da nossa primeira LDB (1961) e a problemática da “religião, moral e civismo na ditadura militar”, Cunha chega aos dias atuais percebendo algo de novo, a “emergência do movimento laico”, que se distingue do laicismo republicano.

Chegamos assim ao sétimo artigo, a cargo da dupla Geraldo Inácio Filho e Maria Aparecida da Silva. Seu título: “Reformas educacionais durante a Primeira República no Brasil (1889-1930)”. A primeira constatação dos autores é que as reformas imperiais deixaram intocado o panorama educacional que vinha do período pombalino: “Dessa forma, a nascente República herdou as escolas isoladas e o descaso com a instrução pública”. A partir desse ponto de partida, não é difícil à dupla mostrar os avanços na política educacional da Primeira República, que implanta os grupos escolares, garante a laicidade do ensino público, promove reformas estaduais significativas e dá ênfase ao ensino primário, vale dizer, ao que na ocasião se poderia entender por “educação popular”. Tópicos especiais do artigo são dedicados à educação de adultos, ao ensino secundário e à educação superior. Nas conclusões, não deixa de causar impacto a constatação dos autores de que as políticas educacionais da Primeira República “não eram formuladas como um projeto de Estado, mas como iniciativas de governo, sem continuidade, após as eleições substitutivas dos governantes”.

O oitavo capítulo, de autoria de Marcus Vinicius da Cunha, tem por título “Estado e escola nova na história da educação brasileira”. O artigo é inovador por não se contentar com as análises correntes da escola nova, que por vezes datam-na do manifesto de 1932, mas aprofunda-se na questão, buscando as origens e bases teóricas do escolanovismo. No Brasil Cunha localiza, na esteira de Antunha, em Oscar Thompson o primeiro ato da cena escolanovista, apesar de seu caráter elitista, que não chega a impressionar o professorado. O interessante é que o autor vê no escolanovismo uma expressão educacional do ideário liberal. E é com esse fundamento que analisa as contribuições de Sampaio Dória, de Lourenço Filho, de Anísio Teixeira, de Francisco Campos e de Fernando Azevedo. Maior destaque vai para Anísio Teixeira, apesar da ressalva de que seus argumentos e conceitos eram “extraídos diretamente da filosofia de Dewey, filha do mesmo ambiente que deu à luz Jefferson”. O último parágrafo é imprescindível: “As iniciativas e as ideias de Anísio Teixeira redefiniram as relações da Escola Nova com o Estado: a realização do Estado Educador exigia, antes de tudo, manter contato íntimo com a sociedade (…). Restava saber se, até que ponto ou até quando o Estado seria sensível essa proposta. A resposta veio em 1964”.

“A política educacional do Estado Novo” é o trabalho com que José Silvério Baia Horta comparece a esta coletânea. Trabalho de historiador, o artigo de Baia Horta garimpa os discursos oficiais do varguismo. E encontra, na política educacional que tais documentos revelam, uma constante: “colocar o sistema educacional a serviço da implantação da política autoritária”. É com essa ótica que o autor repassa a política educacional do Estado Novo (1937- 1945), examinando a reforma do Ministério da Educação e Saúde empreendida pela dupla Getúlio Vargas-Gustavo Capanema e em seguida a legislação de ensino do período, detendo-se nos seus níveis primário, médio e superior. Deixando de lado a identificação fácil e nem sempre convincente entre o varguismo e o fascismo mussolinista, Baia Horta conclui: “(…) a não concretização das diferentes propostas oficiais mostra que o regime nunca chegou a impor à escola um papel político idêntico àquele instituído na Itália fascista. Assim, a escola no Brasil pôde conservar, durante todo o período, uma relativa autonomia”.

José Luís Sanfelice, que já havia percorrido algumas salas e muitos porões da ditadura militar com seu trabalho sobre o movimento estudantil no período, volta ao tema de sua predileção com o décimo capítulo deste volume, intitulado “O Estado e a política educacional do regime militar”. Revolução? Golpe? Sanfelice não se furta a responder a tais perguntas, mas inova mesmo ao caracterizar o Estado pós-64 como “Estado de Segurança Nacional e Desenvolvimento”. Qual foi a política educacional a cargo desse Estado? De imediato, responde Sanfelice, falou mais alto a Segurança Nacional. Nesse sentido, a política do início da ditadura foi de repressão, tanto ao movimento estudantil quanto às universidades e aos profissionais que atuavam no seu âmbito. Paulatinamente, porém, passou a falar alto a outra face, a do Desenvolvimento, e foi assim que medidas de financiamento do ensino primário via salário educação foram implantadas, juntamente com outras como a da Reforma Universitária (1968), a do MOBRAL (1967) e a da reforma do ensino de 1º e 2º graus (1971, Lei 5.692). Sanfelice, em parágrafo abrangente, sintetiza: “A política educacional dos governos militares pode então ser definida como a política da modernização conservadora e que expressou: o autoritarismo dos mandatários (os docentes, as resistências das universidades, o movimento estudantil foram calados); a subordinação a um modelo econômico excludente e, portanto, elitista, de privilegiamento do grande capital; o tecnicismo burocrático (as medidas em geral não contaram com a participação dos educadores); a mentalidade empresarial no campo da educação, assaltada por princípios de eficiência, produtividade, racionalidade e economia de recursos”.

O volume se encerra com um instigante artigo de Carlos Roberto Jamil Cury sobre “Reformas educacionais no Brasil”. Antes de entrar no mérito, Cury investiga o significado de “reforma” em geral e de “reforma educacional” em particular. Ao conceituar a reforma da educação, o autor considera-a como uma decisão de autoridade para mudar, com base em lei, a política educacional, tornando “a situação considerada mais congruente com a realidade”. Como é preciso, segundo essa conceituação, uma base legal, Cury passa em revista as principais leis sobre matéria educacional no país, dadas sob as diferentes Constituições que aqui tivemos. Como a primeira Constituição foi a imperial de 1824, o estudo abarca as leis a partir desse marco. São revistas as reformas no Império, na Primeira República, na Era Vargas, no Regime Militar e enfim no atual Estado Democrático de Direito. Encerrando o artigo, Cury aposta: novas reformas virão. E deixa no ar uma pergunta: “Será que elas serão de molde a serem inovadoras de modo a conduzir a uma verdadeira mudança social?”.

Em conclusão, trata-se de uma visão panorâmica, porém profunda, sobre o Estado e as políticas de educação na história educacional brasileira. Cobrindo todos os períodos em que essa relação entre Estado e educação se dá no Brasil, o livro traz inestimável contribuição para todos aqueles que se dedicam a seu estudo, apresentando, ademais, preciosa colaboração ao contemporâneo debate sobre os rumos da educação brasileira.

Sérgio Castanho

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História das Culturas Escolares no Brasil – VIDAL (RBHE)

VIDAL, Diana Gonçalves; SCHWARTZ, Cleonara Maria. História das Culturas Escolares no Brasil. Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 1. Vitória- ES: Editora Edufes, 2011. Resenha de: PAULILO, André Luiz. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011

A reflexão acerca do conceito de cultura escolar e seu uso na abordagem histórica do campo educativo foi a primeira beneficiada com a iniciativa da Sociedade Brasileira de História da Educação, em associação com a Edufes, de mapear o que vem sendo produzido na área durante a última década. A publicação do livro organizado por Diana Gonçalves Vidal e Cleonara Maria Schwartz, compondo o volume de abertura da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação”, sintetiza muito deste propósito no que diz respeito ao emprego de uma categoria de análise. Os estudos então reunidos sob o título História das Culturas Escolares no Brasil abordam, de diferentes perspectivas, vários dos aspectos que constituíram a escola e legitimaram-na como instituição social de características muito próprias e marcantes. Nesse sentido, é bastante clara a ênfase do empreendimento na compreensão das “formas de produção, circulação e apropriação de saberes operadas na/pela escola brasileira” e das “práticas de diferentes sujeitos que, ao (re) produzirem gestos, ações, fazeres, em seus espaços de atuação, ilustram formas diferenciadas com que o contexto educacional fora pensado e apropriado” (p. 11). Parte importante dos protocolos de leitura que organizam o livro são indicativos disto. No prefácio e em muitos dos títulos dos capítulos, o foco nessas formas e práticas explicita o investimento dos autores na análise da “cultura que se constrói na escola” (p. 21).

O leitor que se deixar fiar por esses protocolos será bem conduzido. O livro é “armado” de modo a dar visibilidade aos esforços de entendimento das práticas instauradas no interior da escola e das tensões entre as expectativas de diferentes grupos sociais sobre a função desta instituição ao longo da história. Sobretudo aquilo que as organizadoras definem como as questões e os eixos articuladores da obra, no capítulo inicial, vão sendo esmiuçados pelos outros catorze estudos. Assim, as cinco principais questões de pesquisa que são delineadas – espaços escolares, sujeitos da educação, tempos escolares, disciplinas escolares e cultura material escolar – incidem sobre a análise: da cultura material da escola paraibana no Oitocentos e dos processos de escolarização no Rio Grande do Norte no início do século passado, da escola graduada no Rio Grande do Sul, dos patronatos agrícolas de Sergipe e da educação rural e da escola técnica agrícola, das práticas de higienização em São Paulo, de disciplinamento em Belo Horizonte e de formação moral e cívica no Mato Grosso. O estudo das características das escolas de imigrantes em Campinas, das festas escolares no Paraná, da formação de professores em Santa Catarina, do ensino da educação física em Minas Gerais e dos cadernos escolares completa os veios de trabalho explorados no livro.

Ainda conforme o que fica esclarecido desde o capítulo inicial deste volume, as abordagem das questões são articuladas em torno de dois eixos. Por um lado, o funcionamento interno das instituições é principalmente estudado a partir da materialidade da escola e dos dispositivos que empregava para instaurar suas práticas de ensino e educação. Por outro, as relações que a escola estabelece com a sociedade têm diversas das suas facetas investigadas, com ênfase especial na atuação dos sujeitos sociais. Assim, as organizadoras têm razão quando afirmam que ao longo dos capítulos “a própria unidade conferida à escola foi desconstruída no reconhecimento de que as práticas instauradas no seu interior eram permeadas por conflito e que a cultura escolar não era estável” (p. 25). Não obstante a especificidade de níveis e modalidades de ensino analisadas, a leitura de História das Culturas Escolares no Brasil adverte que a escola foi uma construção difícil e cheia de tensão. Sobretudo nesse sentido, trata-se de uma história de interpretações e apropriações das demandas político-administrativas e de constituição dos fazeres ordinários das escolas. O empreendimento problematiza as reformas educativas tanto quando escrutina sua imposição pelas autoridades, como ao perguntar a respeito da sua recepção pelos sujeitos. Também sugere que a escola e o seu entorno se enlaçam em mais de um modo na forma pela qual “os sujeitos sintetizam, acolhem e subvertem os preceitos pedagógicos e os conteúdos prescritos” (p. 27).

Outro aspecto de compreensão deste primeiro volume da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação” que fica esclarecido desde a leitura da introdução do livro tem a ver com os limites da utilização de uma categoria de análise. Com razão, argumenta-se que como fórmula, esvaecida em seus significados e vazia de conceituação, cultura escolar pode transformar-se em um mero slogan (p. 33). A advertência alerta sobre a capacidade que uma categoria de análise deve ter de “oferecer índices para o entendimento da ação dos homens no seu trânsito histórico pelo mundo”. A operacionalidade da noção de cultura escolar é, assim, viabilizada de modo exemplar em cada novo estudo, a partir das suas questões específicas e em torno de perspectivas adequadas ao tema abordado. Muitas análises, partindo de fontes resultantes da administração e controle da educação pública, elaboram formas de ler essa documentação capazes de escapar das amarras da versão oficial, buscando nos jornais e em textos memorialísticos uma nova possibilidade de interpretação. Os estudos sobre as instituições escolares, e acerca dos momentos estruturantes da cultura escolar e de consolidação dos seus principais dispositivos têm alargado suas fontes de pesquisa de modo a experimentar outros olhares sobre a história da escola. Também no caso das análises a respeito da elaboração de saberes e disciplinas escolares e da materialidade associada às práticas do ensino e da educação, as operações de leitura das fontes é constitutiva das investigações. Vistos como parte decisiva das soluções aos desafios da vida escolar ou das demandas por regulação, as festas, os cadernos, as práticas de higiene e toda sorte de recursos de organização dos fazeres ordinários da escola definem áreas de interesse e pesquisa que não só valorizam a ação dos sujeitos da educação como levam em conta a materialidade com que convivem.

Tudo isso dá força de conjunto ao livro, revelando êxito na articulação do propósito de mostrar algo dos processos pelos quais a escola se reinventou em diversos momentos da sua história no país. No entanto, há mais do que se tirar proveito. Depreende-se da leitura uma história da vida cotidiana na escola, com as nuanças locais e as realidades que a modelaram. Do mesmo modo que, assim, é possível se aperceber dos dispositivos em ação no dia a dia da escola, testemunha-se a variedade dos atores responsáveis pela configuração das culturas escolares no Brasil. Nesse sentido, os estudos que História das Culturas Escolares no Brasil reúne não só esclarecem acerca do funcionamento interno de diferentes instituições educativas, mas, sobretudo, enfatizam os aspectos do fazer de diferentes segmentos dos contingentes escolares.

As análises se valem de tipos variados de fontes para perceber a escola no detalhe das práticas. Vestígios de atitudes e processos muito comuns às atuais representações que temos sobre a escola têm sido apreendidos nas pesquisas compiladas por Vidal e Schwartz. O ir e vir de pedidos, a divisão dos alunos em classes, os preconceitos que sustentam as práticas de avaliação, as festas, o tempo balizado pelo relógio, os jogos de esporte e as lições e práticas de escrita são o foco de uma detida atenção aos usos e costumes da escola. Também há a preocupação com os indícios de iniciativas que já não são as da escola atual, embora sejam parte importante das representações do que ela já foi um dia. Entre descrições dos artifícios didáticos do disciplinamento dos alunos, das práticas de inspeção médica, da mobilização de métodos de ginástica e da presença dos jogos na escola, todo um conjunto de referências da história da escolarização é esmiuçado. A participaçãonas atividades de ginástica e nos exercícios militares, as práticas cívico-nacionalistas, a medição do peso, da estatura e da capacidade respiratória e o uso dos cadernos de caligrafia estão entre as experiências que os estudos problematizam. Também as operações mais rotineiras das escolas do país permitiram apurar algo de como os conhecimentos eram transmitidos em aula. Principalmente, a cópia, os exercícios de enumerar e completar, as atividades de composição, as questões para relacionar e as tarefa de definir, analisar, resumir, redigir, calcular e resolver deixaram registros cuja relevância histórica o emprego da noção de cultura escolar permite apurar e compreender melhor.

Dessa perspectiva de pesquisa, o interesse pela atuação das autoridades de ensino passa ao largo da história político-administrativa e a história da profissão docente e a da infância mostram ter outras facetas quando pensadas a partir da cultura escolar. Na leitura não se vai obter notícias das autoridades, propriamente, ou de seus feitos, mas do mais cotidiano dos seus encargos. Assim, ficar-se-á principalmente sabendo que permitir ou indeferir licenças, designar professores ou indicar seus substitutos, controlar o cumprimento dos horários e, sobretudo, descrever e relatar foram aspectos constitutivos do exercício da autoridade no dia a dia da escola. Do mesmo modo, a prática da docência é compreendida nos seus fazeres de todo dia, nas suas táticas para superar descontentamentos. Observa-se então o vai e vem de pedidos, os usos e apropriações dos novos dispositivos educativos das escolas e das pautas pedagógicas da ocasião e a inventividade das formas de punir que os professores impunham à rotina e aos constrangimentos do seu ofício. Por outro lado, as análises reunidas por Vidal e Schwartz em História das Culturas Escolares no Brasil mostram alguns detalhes das rotinas das crianças na escola. Os interesses de pesquisa cobrem desde as adversas condições sociais em que viviam os alunos até os seus brinquedos, brincadeiras e traquinagens e a precariedade do mobiliário e instalações das escolas que frequentavam para compreender a experiência escolar das crianças. A leitura informa sobre os tipos de castigos infligidos às crianças pelos professores, os dispositivos de exame e registro das características individuais do aluno e os objetos que se manipulava em sala de aula. As análises também alcançam parte daquilo que os castigos repreendiam, os dispositivos de controle procuravam conformar e a cultura material da escola rejeitava. A desobediência e algazarra, as moléstias e a falta de asseio, assim como a vara de marmelo, cascas de frutas ou aparas de lápis foram aspectos da vida cotidiana da escola que essas análises não deixam de assinalar.

Quanto aos fazeres dos sujeitos que contribuíram para a história das instituições escolares e dos seus espaços, temporalidades, ritos e rotinas, os estudos compilados nesse volume suscitam ainda outro tipo de reflexão. A história que os textos apresentam não só mostra a variedade cultural das escolas, mas, fundamentalmente, adverte que a cultura escolar é obra coletiva e plural. Nessa direção, compreender a atuação cotidiana das autoridades de ensino e professores e as formas da criança estar na escola confere outro sentido à análise dos propósitos de reforma do ensino e das carreiras construídas na área da educação. Por um lado, como, aliás, sublinham as organizadoras, o desafio que se apresenta é tanto descortinar “os modos como os sujeitos compreendem o processo de escolarização e atuam conferindo sentido às suas experiências no âmbito da escola e sua relação com a sociedade” (p. 32) quanto construir “inteligibilidades sobre o passado e o presente da escola, seus sujeitos e a materialidade com que convivem” (p. 33). Por outro, trata-se de interrogar o modo como os mais diversos grupos sociais produziram e negociaram sentidos, práticas e horizontes próprios de atuação no interior da escola. Sob essa perspectiva, além das autoridades de ensino, dos professores e dos alunos, vê-se que as análises igualmente percebem os papéis de médicos, religiosos, engenheiros agrônomos, estatísticos, psicólogos e sociólogos na definição das formas adotadas pelas escolas no país. Os referenciais teóricos que orientam os estudos reunidos neste primeiro volume da coleção fundamentam análises capazes de fornecer boas coordenadas sobre as redes de compromisso, as expectativas e os processos de interação organizados em torno do cotidiano das instituições escolares. Não obstante as dificuldades metodológicas de pensar as ligações das pessoas com a escola e o mundo material que as cercam, também a relação que diferentes segmentos sociais da população mantiveram com a educação é uma questão levantada pelos estudos reunidos em História das Culturas Escolares no Brasil.

A propósito dos referenciais teóricos que articulam os quinze textos do livro, uma última consideração. Na construção da noção de cultura escolar como categoria de análise e como objeto de estudo, predominam as referências francesas e espanholas às anglo-saxãs. Esse traço adverte acerca do tipo de inserção que tem sido realizado pela pesquisa a respeito da cultura escolar no país, sobretudo atenta à corporeidade dos sujeitos e ao papel da organização do tempo e do espaço institucional na configuração da escola. Os resultados apresentados neste primeiro volume da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil” apontam a inventividade das interpretações e mostram que, principalmente, o recurso a Julia, Chervel, Forquin, Viñao Frago e Escolano foi profícuo para a compreensão de uma série de questões da história da escola e da escolarização postas pela historiografia da educação no Brasil. No entanto, isso não ocorreu sem implicações. A ênfase nas inflexões da operacionalização das práticas escolares e, assim, na apreciação das mudanças, ainda que as de escala reduzida, são características do modo como se têm indagado as relações da escola com a sociedade e a cultura que os estudos compilados por Diana Vidal e Cleonara Schwartz refletem. Tanto pelo que tematiza acerca do passado e do presente da educação no país quanto por aquilo que esclarece a respeito dos limites do atual mergulho da historiografia no funcionamento interno da escola, o livro História das Culturas Escolares no Brasil é um útil alerta aos pesquisadores da área, um esforço sério de divulgação de pesquisa e um caprichado convite à leitura.

André Luiz Paulilo – E-mail: [email protected]

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Jörn Rüsen e o ensino de história – SCHMIDT et al. (RBHE)

SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão de Resende Martins. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora da UFPR, 2010. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Consciência histórica, mudança social e ensino de história. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 11, n. 2 (26), p. 191-197, maio/ago. 2011.

A obra de Jörn Rüsen começa a ser traduzida com maior regularidade no Brasil. Isso se deve a vários fatores, dentre os quais, a formação de grupos que se preocupam com a introdução da teoria da história e da história da historiografia de cunho alemão no país, ao amadurecimento da pesquisa histórica, a maior preocupação com questões de método, ao fortalecimento de um diálogo interdisciplinar, e, no interior dessas questões, a própria contribuição que traz a obra desse autor.

Até agora o leitor brasileiro tinha acesso a um pequeno conjunto de artigos traduzidos e publicados em revistas especializadas do país, a partir do final dos anos de 1980, e a sua trilogia sobre teoria da história (2001, 2007a, 2007b). Com a publicação desse livro, o leitor tem a oportunidade de verificar que as contribuições desse autor se estendem para além do campo da teoria, metodologia e história da historiografia, e conjugam também o campo da didática e do ensino de história. Para os menos próximos do conjunto dos textos e da trajetória de Rüsen, isso talvez possa parecer um tanto quanto estranho. No entanto, nada mais articulado do que também tratar da didática e do ensino de história. Como Estevão Martins nos informa, sua bibliografia articula história, filosofia, antropologia e historiografia “de modo comparativo, debruçando-se sobre as grandes linhas culturais do mundo comtemporâneo – em seus contatos e em seus estranhamentos” (p. 7). Além disso, a própria condição docente nas universidades alemãs vinculava a cadeira que ocupou, entre os anos de 1970 e 1990 – de 1974 a 1989 na Universidade de Bochum e de 1989 a 1997 na de Bielefeld –, na conjugação de parâmetros reguladores, para o de teoria, metodologia, historiografia e didática da história. Em virtude disto, para Martins, sua proposta de reflexão quanto aos critérios de orientação do agir humano no tempo, de modo que se viabilize suprir as carências existenciais, que constata serem corriqueiras entre nós, fá-lo propor linhas de análise quanto à expressão narrativa nas suas três versões mais comuns: a da linguagem do quotidiano, a da historiografia e a da linguagem do ensino (p. 9). Leia Mais

História da profissão docente no Brasil: representações em disputa – VICENTINE; LUGLI (RBHE)

VICENTINE, Paula Perin; LUGLI, Rosário G. História da profissão docente no Brasil: representações em disputa. São Paulo: Cortez, 2009. Resenha de: ALMEIDA, Cíntia Borges de; VILAÇA, Murilo Mariano. História da profissão docente no Brasil: representações em disputa. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 11, n. 1 (25), p. 243-250, jan./abr. 2011.

A presente resenha, uma arriscada prática de seleção sintetizadora é uma análise do livro História da profissão docente no Brasil: representações em disputa, de Paula Perin Vicentini e Rosário Silvana Genta Lugli. Professoras da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), respectivamente, ambas se doutoraram naquela universidade, com teses que tematizaram a profissão docente. Uma, através das imagens e representações sociais; a outra, pela constituição do campo de trabalho denominado magistério.

O livro focaliza a história do professorado primário e secundário do ensino público brasileiro, que é identificado como “[…] um grupo tão diverso em seu interior e submetido a condições tão distintas por todo o país […]” (Vicentini; Lugli, 2009, p. 24). Assim, fazer uma história da profissão docente é, para elas, lidar com processos profissionais e não profissionais que variam quanto aos lugares e públicos atendidos.

A perspectiva teórico-metodológica adotada é, por um lado, a sócio-histórica, fundando-se em António Nóvoa. A partir do conceito de profissionalização de Nóvoa, elas analisam a complexidade de relações, internas e externas à categoria, que concorreram para a formulação de estratégias de formação, o estabelecimento do espaço de atuação, das práticas e dos valores atinentes à docência. Por outro lado, é adotada uma metodologia de análise de fontes (leis, textos impressos, jornais) para construção de narrativas históricas, atentando para o conteúdo e para o lugar “de onde o discurso é produzido” (idem, p. 24). Utilizam fontes para apresentar a materialidade cotidiana do trabalho docente (os materiais escolares, a arquitetura escolar, os uniformes). Também são usados instrumentos como tabelas, iconografias e recortes de jornais. A partir dessas fontes, o livro expressa sua preocupação em elaborar uma narrativa sobre “o processo de organização e desenvolvimento da profissão docente no Brasil sem incorrer no equívoco de generalizar características de um determinado segmento para toda a categoria, ou de um estado para todo o país” (idem, p. 24).

A preocupação supra é pertinente, mas foi relativamente descumprida pelas próprias autoras. O esforço em historicizar o campo docente no Brasil ficou comprometido, ante o fato de terem dado especial lugar e largo destaque às experiências ligadas a São Paulo. Há, de fato, algumas referências a experiências em outros estados (Bahia, Sergipe, Minas Gerais etc.), mas elas geralmente aparecem para corroborar aquilo que fora identificado no contexto paulista. Essa é uma marca geral do texto, o que, a nosso ver, expressa um olhar bem específico sobre a história da profissão docente, que parece exprimir mais certa visão sobre São Paulo do que sobre o Brasil.

O período recoberto pela obra compreende marcos temporais diversos. Parte das Reformas Pombalinas do século XVIII, pois, segundo as autoras, em razão do inédito vínculo que estabeleceu entre a formação docente e o Estado, representariam um divisor de águas. Passa pelo século XIX, com aquilo que elas denominam de início das preocupações oficiais com o preparo docente e do movimento docente, haja vista, nesse caso, o surgimento das primeiras associações docentes, chegando ao XX, nos limites do qual analisam as imagens sociais do magistério.

O primeiro capítulo, intitulado “Como se preparavam os professores para o ensino? As instituições de formação”, analisa as instituições destinadas à formação docente, a partir do século XIX. Dentre as estratégias de formação docente, as autoras ressaltam as iniciativas das Escolas Normais, do Curso Primário Complementar (CPC), do curso superior de pedagogia e a Preparação dos professores secundários. No texto, as autoras dedicam-se à análise, sobretudo, das Escolas Normais (EN).

No que tange às EN, o trajeto analítico das autoras envolve os seguintes passos: (1) a abertura das primeiras EN na primeira metade do século XIX; (2) as dificuldades encontradas para a manutenção dessas escolas; (3) as estratégias de formação de professores, a discussão sobre os conteúdos pedagógicos e a lenta organização de estruturas burocráticas; e (4) o estabelecimento de um currículo próprio a partir da década de 1850.

Quanto aos empecilhos à manutenção das EN, destacam-se a precariedade das estruturas e a baixa procura, o que tornou frequente a notícia de fechamentos. Acerca do reduzido interesse, os motivos citados são o desprestígio da profissão, a baixa remuneração e a desnecessidade do diploma da EN para o exercício docente.

Os problemas da manutenção das EN foram apresentados como determinantes para que o CPC servisse como uma modalidade acessória de formação docente. Num aparente paradoxo com a supracitada ideia de baixa procura pelos Cursos Normais, afirmam que os CPC supriram os escassos cursos de formação de professores. Ora, se havia baixa procura, sobretudo em virtude dos motivos elencados, como falar em escassez?

O último registro sobre as estratégias de formação docente que julgamos pertinente ressaltar diz respeito à relação que as autoras sugerem entre Lei Orgânica do Ensino Normal (1946) e a decadência dessa modalidade de ensino, o que capitaneou um posterior investimento na formação em nível superior, através da criação dos cursos de pedagogia, especialmente a partir da década de 1930.

No capítulo seguinte, intitulado “Professores e escolas: as condições de trabalho”, defende-se a importância de se compreenderem as condições concretas em que ocorre o trabalho dos professores, para que se possa refletir sobre os processos de profissionalização docente no Brasil.

Nesse capítulo, são quatro os eixos. Primeiramente, elas abordam como os concursos para o ingresso à carreira docente foram paulatinamente constituídos e regulamentados. Envolvendo critérios diferenciados dos critérios tipicamente “morais” do século XIX, os concursos usariam critérios “mais” técnico-profissionais. Tal mudança é decorrente, por exemplo, do regulamento de 1936, que instituía provas escrita, oral, didática e prática. Em segundo  lugar, quando analisam as condições materiais do exercício da docência, são citadas a condição do mobiliário escolar e dos prédios, passando pela alteração nas punições físico-morais dos alunos, chegando à questão da obrigatoriedade escolar. No terceiro eixo, sobre o controle do ofício docente, chama a atenção a ideia de que o início do período republicano seria um marco no processo de racionalização do sistema de ensino e do trabalho docente, o que é questionável, haja vista as iniciativas já vigentes no período anterior (Império). Por fim, analisam os salários no registro de um constante empecilho ao melhoramento das condições da docência.

Ainda nele, tratando-se da questão do funcionamento das instituições e mais especificamente, da seleção de professores para cargos públicos no período anterior a República, chamou-nos a atenção a seguinte afirmação: “tratou-se de um processo longo e difícil, uma vez que os cargos de professores sempre foram ‘moedas de troca’ valiosas entre os políticos e suas comunidades de origem” (idem, p. 69, grifo nosso,), sugerindo a inexistência de concursos. O uso do termo “sempre” remete-nos à ideia de que no Império não houve concursos, sendo o favoritismo ou apadrinhamento o modo de selecionar um professor. Tal assertiva é inverossímil e representaria uma aparente contradição interna ao próprio texto, já que as autoras afirmam que, já no século XVIII, havia processo de seleção de docente. De acordo com elas, “o processo de seleção de professores iniciou-se em 1760” (idem, p. 70), como o estabelecimento de critérios mais específicos para os concursos durante o século XIX.

O terceiro capítulo, “Movimento docente: pluralidade e disputas”, tem como objetivo traçar um percurso do movimento docente e das possíveis tensões e disputas ocorridas. É dedicado um esforço considerável à análise da organização do campo docente, com o intuito de observá-lo em âmbito nacional, posicionando o modo como as disputas aconteceram no cenário brasileiro. Para isso, realizou-se um levantamento de fontes primárias, como propagandas jornalísticas, e uma revisão bibliográfica de autores que pesquisaram a mesma temática. Posteriormente, o texto sugere que pensemos no movimento docente como algo que envolve os diferentes segmentos de ensino, ou seja, primário, secundário, profissional e superior. Todavia, pode-se notar que as experiências colocadas em destaque se referem, em grande maioria, ao magistério primário, dando pouco lugar para o secundário e nenhum para os demais segmentos de ensino, o que contradiz aquela tese da importância de uma visão, por assim dizer, holística.

Esse capítulo permite pensar as configurações do movimento de organização dos professores em algumas cidades do Brasil, tendo assinalado as principais características do modelo associativo, numa tentativa de percorrer o final do século XIX até a década de 1970. Apresenta pontos importantes, como a luta pela escola pública (idem, p. 136) e a tentativa de articulação nacional dos professores, apesar das questões relativas à tensão entre centralização/descentralização administrativa (idem, p. 138), questão já abordada em outros trabalhos, como as obras de Faria Filho (2000) e Faria Filho et al. (2000). Em virtude do seu caráter pragmático-panorâmico, outro ponto que merece destaque é a tentativa de organizar em tabelas as associações de professores em algumas cidades do Brasil (idem, p. 145-153).

No quarto capítulo, “Imagens sociais da docência: a multiplicidade dos pontos de vista”, é destacada a imagem de um profissional mal preparado e mal remunerado, de uma carreira vista como missionária, mas também aborda a luta desses profissionais e seus diferentes movimentos e manifestos em torno do prestígio da classe. Dentre os enfoques, ressaltamos a citação da data comemorativa do dia dos professores, em razão dos diferentes sentidos atribuídos a ela, como, por exemplo, a sua utilização como marco para as campanhas reivindicatórias dos docentes (idem, p. 169).

Há, também, a tentativa de relacionar o tempo de prática docente ao ânimo profissional, através de uma inusitada comparação de fotografias. Contrapondo a imagem de uma professora que, no início da carreira, é apresentada como “jovem e feliz”, à de uma professora “experiente e austera”, dá-se a entender que as dificuldades enfrentadas por esta no decorrer da vida profissional comprometeram a sua felicidade (idem, p. 183). Sobre esse ponto, entendemos que outros fatores deveriam ser explorados, a fim de evitar conclusões pouco fundamentadas acerca da relação supracitada. Além disso, questionamos o uso do termo felicidade como um índice mensurável, sobretudo do modo restrito operado pelas autoras.

Ainda sobre esse capítulo, surpreende o modo como o tema dos conflitos e tensões é tratado. Embora recorrente, o texto não evidencia, explicita ou demonstra tais conflitos e tensões, o que, mais uma vez, deixa o leitor na dúvida, a saber, sobre quais foram as tensões, onde aconteceram, quando aconteceram, quem envolveram e quais as suas consequências para a profissionalização docente.

O capítulo 5, como o título “História da profissão docente no Brasil: uma síntese fragmentada” sugere, é um esforço de síntese do que fora feito nos capítulos anteriores. Para isso, as autoras analisam as condições nas quais os professores praticaram seu ofício. Elas, mais uma vez, ressaltam uma ausência de preocupações pedagógicas no Império (idem, p. 209), embora, mais tarde, tentem notificar, com um tom aparentemente crítico, que a oposição entre Império e República é comum nos manuais de história da educação brasileira. Todavia, é possível observar em diferentes momentos do texto justamente tal prática de demarcação de uma passagem temporal, como se a República trouxesse inovações que não fizessem parte de um contexto anterior e como se o Império fosse um conjunto de ausências.

É de suma importância compreender que não há um rompimento radical entre Império e República. Mais que pensar a educação no registro de uma separação das contribuições dos diferentes momentos abordados, é preciso considerar a relevância de cada um para a compreensão da profissão docente. É fundamental entender que as iniciativas ocorridas no século XIX serviram de pano de fundo, num processo marcado por continuidades e descontinuidades, para diferentes rumos de políticas públicas pensadas para a educação no período republicano. A própria escola isolada, que resistiu por muito tempo na República, é um exemplo de prática imperial que não será rompida nas primeiras décadas republicanas. A EN, criada nos moldes imperiais, também fará parte das políticas educacionais por um longo período. Outro exemplo é a obrigatoriedade do ensino, política defendida em importantes projetos do Império, por exemplo, pelos Pareceres de Rui Barbosa, de 1882 (Barbosa, 1947).

Para pensarmos o papel do Império como construtor de ações e discursos em prol da instrução, deve-se ressaltar a variedade de segmentos que contribuíram para os projetos e iniciativas voltadas para o ensino, que, inclusive, repercutiram diretamente sobre o período posterior. As contribuições estatais, a atuação da população e dos professores em busca de voz e reconhecimento são exemplos da efetiva e diversificada movimentação em prol da educação e da profissionalização docente no Império, sendo fundamentais para compreender o que se viu na República.

Se o ato de tomar a história da profissão docente, a sua diacronia, a partir do registro de uma linha de continuidade entre Império e República constituiu um erro, supor uma descontinuidade absoluta, uma superação radical, também nos parece equivocado. As políticas educacionais republicanas são fruto de uma tentativa de estabelecer algo novo, em busca da construção de uma nova nação, mas que em absoluto se pautou pela completa negação de todo o investimento feito anteriormente.

A obra resenhada, apesar dos problemas apontados, cumpre uma função acadêmica importante, a saber, promover o debate acerca de um tema. As controvérsias devem servir mais como provocação do que como demérito. Assim, merece ser lida, considerada e criticada pelos que se interessam pelo tema especificamente ou pela educação brasileira em geral, pois, ao mesmo tempo em que incorre em interpretações falíveis, traz contribuições para o campo de estudos histórico-educacionais.

Referências

Barbosa, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. In: . Obras Completas de Rui Barbosa. Volume X, Tomo I-IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1947.

Faria Filho, Luciano M. Dos pardieiros aos palácios. Passo Fundo: Editora da Universidade de Passo Fundo, 2000.

Faria Filho, Luciano M.; Veiga, Cynthia Greive; Lopes, Eliane Marta T. et al. (Org.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 2000.

Cíntia Borges de Almeida – E-mail: [email protected]

Murilo Mariano Vilaça – E-mail: [email protected]

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Política social e racial no Brasil – 1917-1945 – DÁVILA (RBHE)

DÁVILA, Jerry. Diploma de brancura. Política social e racial no Brasil – 1917-1945. São Paulo: Unesp, 2006. Resenha de: GONÇALVES, Mauro Castilho Gonçalves. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010

O tema da eugenia marcou as discussões educacionais no Brasil desde a segunda metade do século XIX quando começaram a chegar aos trópicos as primeiras ideias relacionadas ao branqueamento da população brasileira. Esse arcabouço ideológico influenciou polí­ticas e práticas, chegou à escola pública, decidindo o futuro, não muito promissor, da população negra. Nessa linha, direciona-se o livro Diploma de brancura. Política social e racial no Brasil – 1917-1945, escrito por Jerry Dávila, traduzido por Cláudia Sant’Ana Martins e publicado pela Unesp no ano de 2006. Historiador porto-riquenho, Dávila é professor associado na Universidade da Carolina do Norte em Charlotte. É especialista no tema relações raciais e tem lecionado no Brasil, especialmente na Universidade de São Paulo e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

No prefácio à edição brasileira, o autor destaca, num primei­ro momento, as transformações nas políticas raciais brasileiras, particularmente em função das ações afirmativas lideradas por movimentos negros, desde a emergência do Movimento Negro Unificado, criado em oposição ao regime militar. Sabemos, hoje, o quanto esse debate se fortaleceu no Brasil até consolidar-se, por exemplo, na questão das cotas, objeto de muitas discussões travadas no âmbito da política e da sociedade civil.

O livro em tela é o resultado das pesquisas que o autor efetuou, nos anos de 1995 e 1996, nos arquivos do CPDOC da Fundação Getúlio Vargas, da Iuperj, no Arquivo Geral da Cidade (RJ), dentre outros. A tese foi defendida na Brown University. Ainda no prefácio, Dávila expõe os argumentos que o motivaram a pesquisar seu tema no Brasil, especialmente no período que compreendeu as primeiras  décadas do século XX, “quando as instituições educacionais con­temporâneas foram formadas, o pensamento racial ajudou a guiar as políticas públicas” (p. 12). Dois momentos da história contemporâ­nea brasileira são analisados pelo autor: a chamada República Velha e a Era Vargas, o que justifica o recorte cronológico apresentado no subtítulo do livro, pois, segundo o historiador porto-riquenho, nessas conjunturas foram desenvolvidas “políticas públicas tanto inspiradas nas correntes intelectuais e científicas internacionais quanto em sua leitura das mazelas do povo brasileiro” (p. 12).

O campo pesquisado pelo autor foi o Rio de Janeiro das pri­meiras décadas do século XX e suas escolas públicas e o impacto que sofreram a partir da implementação de reformas educacionais lideradas por Afrânio Peixoto, Anísio Teixeira e Fernando de Azevedo. Oautor analisa as contradições internas das reformas: de um lado, realizadas para expandir o ensino público e de outro, provocando fortes desigualdades no tratamento dos alunos pobres e negros e as formas como os reformadores, especialmente na década de 1930, aproveitaram a oportunidade histórica de, à luz das ciências eugênicas e da lógica da indústria moderna, colocar em prática a crença de que pela educação o Brasil alcançaria seu pleno desenvolvimento.

O livro está dividido em seis capítulos. No primeiro, o autor discute as articulações e projetos oriundos do Ministério da Edu­cação e Saúde (MES) na gestão de Gustavo Capanema em torno do tema “Educando o homem brasileiro”, um conjunto de ações inspiradas no nacionalismo, na ciência eugênica, sob o comando de um Estado forte. De início, é apresentada a correspondência trocada entre Gustavo Capanema e Oliveira Viana, datada de 30 de agosto de 1937. O conteúdo refere-se aos questionamentos de Capanema quanto à constituição física do homem brasileiro. Estava na pauta a encomenda de uma estátua do “Homem Brasileiro”, feita para ornamentar a entrada do novo prédio do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, símbolo da arquitetura mo­derna, projetado por Charles Le Corbusier, Lúcio Costa e Oscar Niemeyer. Tal encomenda gerou uma polêmica no Ministério. O escultor Celso Antonio apresentou um projeto que Capanema discordou: o “Homem Brasileiro” segundo a perspectiva do artista era um caboclo, de raça mestiça, ou seja, “tudo o que Capanema esperava que o Brasil deixasse para trás” (p.49). Para o ministro, o futuro do Brasil era branco e forte. Oartista recusou-se a seguir as orientações do ministro e a escultura foi cancelada. Com esse preâmbulo, o autor inicia o primeiro capítulo analisando as políticas de educação empreendidas na gestão Capanema, sob a inspiração da teoria eugênica. Ainda nesse capítulo, Dávila discorre sobre o que ele denomina “eugenia brasileira”, liderada por nomes como Renato Kehl, Fernando de Azevedo (secretário da Sociedade Eugênica de São Paulo), Edgar Roquette Pinto, Afrânio Peixoto, dentre outros. Nesse particular, em se tratando do tema da eugenia em São Paulo nas primeiras décadas do século XX, Dávila não explora uma produção do período relevância histórico-educacional: os Annaes de Eugenia, organizados pela Sociedade supracitada e publicados pela Revista do Brasil no ano de 1919. Dali poderia retirar outras importantes interpretações sobre a problemática da eugenia brasileira.

Uma problematização é levantada pelo autor para guiar sua reflexão neste capítulo. Para ele, os projetos educacionais dos eugenistas, que se firmaram na década de 1920 e ganharam ple­na expressão durante a Era Vargas, lançam luzes sobre uma das questões mais paradoxais do Brasil moderno: como a ideia de que o Brasil era uma democracia racial se tornou o mito orientador da nação durante a maior parte do século XX, principalmente diante de desigualdades raciais visíveis de tamanha proporção? Questão que o autor responde a partir da análise das relações de interde­pendência entre educação e saúde, presentes nas políticas públicas engendradas nas primeiras décadas do século XX, em especial no governo Vargas e materializadas em reformas do sistema escolar em capitais como o Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, Salvador e Belo Horizonte, por intermédio de um revezamento efetuado pelos principais representantes do escolanovismo brasileiro: Fernando de Azevedo, Anísio Teixeira, Lourenço Filho, Carneiro Leão e Afrânio Peixoto.

As reformas deram ênfase à educação higiênica, e à formação física e moral das crianças, utilizando-se do referencial teórico-metodológico da psicologia moderna em emergência nos círculos intelectuais e acadêmicos brasileiros. Ocaso mais exemplar foi o da criação, no Rio de Janeiro, do Instituto de Pesquisas Educacionais (IPE), instituição arquitetada por Anísio Teixeira, quando diretor do Departamento de Educação. OIPE passou a produzir pesquisas a partir de seus quatro setores: Testes e Medidas, Rádio e Cinema Educativos, Ortofrenia e Higiene Mental e Antropometria.

No segundo capítulo intitulado “Educando o Brasil”, o leitor encontrará a apresentação e a análise de como se efetuou a conso­lidação do uso da ciência estatística no interior dos quadros gover­namentais, especialmente no MESpara a produção de amostragens quantitativas sobre a situação educacional brasileira. Nessa linha, o resultado mais emblemático foi a criação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na sequência, Dávila discorre sobre a estrutura do MES, sob a direção de Francisco Campos e Gustavo Capanema e conclui apresentando a situação da cidade e da educação pública no Rio de Janeiro dos anos de 1930, dando ênfase à configuração do espaço urbano e o lugar social das elites e das populações menos abastadas, em especial da raça negra.

No capítulo “O que aconteceu com os professores de cor do Rio?”, o autor discute o que ele denomina “processos históricos que levaram ao gradual branqueamento do quadro de professores do Rio de Janeiro” (p. 147). Utilizando-se de fontes iconográficas, pesquisadas especialmente no arquivo de Augusto Malta no Rio e nos anuários do Instituto de Educação, Dávila defende a tese segundo a qual para os reformadores o “professor moderno” era branco, feminino e de classe média (p. 148), paradigma que con­trastava radicalmente com a situação do sistema público de ensino carioca no início do século XX. Para o autor, esse quadro inicial foi, aos poucos, se modificando na medida em que os reformadores passaram a defender uma visão diferenciada do novo professor. Além disso, as políticas de formação dos novos quadros de docentes baseavam-se em metodologias consideradas avançadas e modernas, “uma elite moderna treinada cientificamente, muito bem-educada, refletindo as normas rigorosas da saúde, temperamento e inteli­gência, e dotada de um senso corporativo de identidade e classe social semelhante ao dos militares” (p. 165), ou seja, a caminho da profissionalização.

Na sequência, o tema tratado é o da “Educação Elementar”. Aqui Dávila analisa a principal reforma do sistema escolar carioca, reali­zada por Anísio Teixeira entre os anos de 1931 e 1935. Segundo o autor, a ação reformista desse pioneiro “combinou as principais ten­dências científicas que governavam a política social: o nacionalismo eugênico, racionalização sistemática e profissionalização” (p. 42). Segundo o autor, Teixeira projetou uma reforma do sistema de ensino adotando princípios e técnicas emprestadas dos Estados Unidos. Para Anísio Teixeira, os grandes obstáculos da modernização da educação pública eram os pais e o currículo existente. Para tanto, criou um sistema de ensino racionalizado, dividido em quatro departamentos: “Curricular, Matrícula e Frequência, Promoção e Classificação de Alunos e Prédios e Aparelhamentos Escolares” (p. 213). Dávila detalha com precisão e crítica as funções e as principais realizações desses setores durante a gestão de Anísio Teixeira.

O quinto capítulo apresenta uma interessante discussão sobre o que o autor denomina “A Escola Nova no Estado Novo”, período em que Anísio Teixeira foi afastado do sistema escolar por intermé­dio da pressão dos oponentes católicos e, em seu lugar, assumiram militares sob forte influência da Igreja católica. Após a exclusão de Teixeira e sua equipe, o Departamento de Educação foi ocupado pelo ex-ministro da educação Francisco Campos, por pressão do prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto Batista. Porém, logo de­pois, com a consolidação do golpe do Estado Novo, Campos passou a ocupar o cargo de Ministro da Justiça de Vargas. O interessante nesse capítulo está relacionado com a leitura de Dávila acerca da participação e influência dos militares e dos grupos católicos na condução das políticas de educação no Rio de Janeiro, fortemente influenciadas pelo paternalismo e nas relações entre educação, raça (eugenia) e nacionalismo. Essa discussão, segundo nossa avaliação, pode ainda ser explorada no campo das pesquisas em História da Educação, a partir, por exemplo, das publicações católicas veicu­ladas no período da ditadura Vargas.

No último capítulo, é apresentada a situação do ensino secun­dário no Rio de Janeiro no período, por intermédio de um estudo de caso: o Colégio Pedro II, instituição modelo que treinava uma reduzida elite no sentido de adotar “a linguagem do nacionalismo eugênico” (p.43), posto que a grande maioria da população era impedida de avançar no processo de escolarização. Para o autor, o referido Colégio materializava, via escola, o projeto de Vargas, especialmente no período mais radical de ditadura.

Para analisar a questão da raça no interior do Colégio, Dávila pesquisou dois jornais estudantis, Pronome e O Arauto, esse úl­timo investindo quase sempre no tema da educação física e sua importância na formação do caráter dos alunos. Além disso, o jornal divulgava atividades promovidas pelo Colégio, dentre elas uma conferência sobre eugenia. Outra fonte de difusão da eugenia, segundo o autor, encontrava-se em livros escritos por professores do Pedro II, destaque para Raja Gabaglia e Jonathas Serrano, len­tes de Geografia e História, respectivamente. “Os dois principais livros de Jonathas Serrano, História da civilização e Epítome de história do Brasil adotavam uma perspectiva nacionalista, católica e eurocêntrica” (p. 323).

Jerry Dávila, por fim, apresenta uma relevante discussão te­mática, contribuindo, sem dúvida, na ampliação das fontes e no aprofundamento teórico da abordagem escolhida. A partir de sua opção histórica e historiográfica, o autor expõe ao público leitor novos conhecimentos sobre eugenia e sua relação com as políticas públicas de educação nas primeiras décadas do século XX, forne­cendo um mapeamento de fontes de pesquisa alternativas e pistas a serem exploradas e analisadas pelos pesquisadores da área.

Mauro Castilho Gonçalves – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. E-mail: [email protected]

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O Imperial Collegio De Pedro II e o ensino secundário da boa sociedade brasileira – CUNHA JUNIOR (RBHE)

CUNHA JUNIOR, Carlos Fernando Defferira da. O Imperial Collegio De Pedro II e o ensino secundário da boa sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Apicuri, 2008. Resenha de: GOELLNER, Silvana Vilodre; CARVALHO, Marco Antônio Ávila de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

Elaborado tendo como ponto de partida a tese de doutoramento em educação produzida pelo autor, o presente livro percorre os corredores e arredores de uma tradicional instituição escolar no período compreendido entre 1837 e os anos finais do Império. Suas páginas permitem identificar rastros de um modo de educar os jovens da elite imperial brasileira cujo objetivo primeiro estava direcionado para a formação da boa sociedade brasileira. Trata-se, portanto, de uma obra ímpar cujas fontes arroladas fornecem dados fecundos para melhor conhecermos a atmosfera político-intelectual de um período no qual se buscava a formação dos corpos e sub­jetividades de homens representados como potenciais dirigentes do mundo imperial.

O livro é dividido em cinco capítulos. No primeiro deles, no qual o foco é a constituição do quadro de profissionais que atuavam no Colégio Pedro II(CPII), Carlos Fernando desenvol­ve uma interessante narrativa ao destacar os atributos, valores, funções e responsabilidades necessárias para tornar-se, tanto um professor, como um inspetor de alunos. Boa formação acadêmi­ca, erudição e notoriedade revelam-se como alguns dos critérios basilares para a contratação de docentes; já para os inspetores, exige-se o nível de instrução/formação com domínio de língua estrangeira bem como uma moral ilibada. Aos docentes cabia a tarefa não só de ensinar aos alunos as Letras e as Ciências como, também, lembrá-los de seus deveres perante Deus, Pais, Pátria e Governo. Aos inspetores, responsáveis pela ordem, disciplina e preservação da moral, era indicada a missão de vigiar, controlar e cuidar da boa conduta dos colegiais, assim como zelar pelo seu bom proveito nos estudos.

Ao dialogar fontes de diferente natureza (regulamentos, atas, ofícios, entre outras), Carlos Fernando faz ver que esse “perfil ideal” nem sempre era aquele que compunha o quadro profissional da instituição pois, não raras vezes, se depara com reprimendas e exonerações decorrentes de atitudes consideradas não apropriadas. Com relação aos docentes, identificou registros que apontavam para a falta de assiduidade, ofensas à moral e corrupção; no que respeita aos inspetores, além dessas falhas percebeu, ainda, denúncias con­tra mau tratamento aos alunos, bigamia e sodomia. Atos estes que feriam, sobremaneira, os princípios cristãos, a moral elevada e a construção da masculinidade desejada no e pelo Colégio.

Projetado para formar um determinado modelo de homem: “fiel, honrado, culto, disciplinado, católico e eloquente” (p. 37), o CPIInão aceitava mulheres como alunas nem mesmo integran­do o seu quadro profissional. O processo de masculinização lá desenvolvido deveria seguir regras viris evitando, sobretudo, a contaminação pela feminilidade. Nesse sentido, como afirma o autor, ao dificultar o ingresso das jovens ao universo letrado, “os dirigentes imperiais preservavam o monopólio do poder público dos negócios, da política e do poder em suas próprias mãos, ou seja, sob o controle masculino” (p. 47).

O segundo capítulo é dedicado a identificar o perfil dos alunos que ingressavam no Colégio considerando dois fatores: a origem socioeconômica e a naturalidade dos estudantes. Da análise docu­mental empreendida, o autor indica a existência de vários critérios tanto para o ingresso quanto para a permanência na instituição, o que não significa desconhecer que existiam, também, alguns apa­drinhamentos e predileções. Para entender essa afirmação deve-se levar em conta que, em função dos custos, apenas uma minoria da população poderia ter seus filhos matriculados no Colégio da Corte, reduzindo, sobremaneira, a formação da elite.

Ao desenvolver seus argumentos, Carlos Fernando destaca a existência de duas classes de alunos: Internato e Externato, explicitando ser a segunda delas a mais “acessível” às classes menos favorecidas. Nos primeiros anos após 1857, percebeu um significativo aumento no número de matrículas de alunos exter­nos e internos e um indício de que, pelo menos no Externato, esse acréscimo deu-se em função de um corte nas aulas avulsas de instrução pública secundária que eram ministradas na cidade do Rio de Janeiro. A diminuição da oferta de vagas dificultou a aquisição de conhecimentos mínimos por parte dos jovens menos favorecidos, razão pela qual, muitos dos alunos que ingressavam no Externato, frequentavam apenas os primeiros anos, o que era suficiente para realizarem os exames preparatórios. Em decorrência dessa situação, ainda que houvesse a presença de alunos vindos das escolas públicas, o ensino ministrado no CPII, acabou por facilitar o acesso ao ensino superior apenas para filhos da boa sociedade imperial.

Com relação à naturalidade e à carreira seguida pelos cole­giais após concluírem seus estudos, o autor aponta que a grande maioria dos alunos era natural do próprio Rio de Janeiro, fazendo ver que o CPII destinava-se, prioritariamente, à formação dos fi­lhos dos Saquaremas, grupo que circulava na Corte e região. Para analisar as atividades profissionais daqueles que ingressaram nas Academias Superiores, utilizando-se de um método semelhante ao de José Murilo de Carvalho (1980), Carlos Fernando destaca três grandes grupos: Governo: profissionais ligados ao Estado imperial e ocupantes de cargos políticos; Profissões liberais: médicos, advogados, poetas, jornalistas e engenheiros que não tinham relação profissional com o Estado imperial; e Economia: proprietários rurais, negociantes, comerciais e banqueiros. Revela, ainda, uma alternância na predileção da carreira a ser seguida, inicialmente voltada para o Governo e, partir de 1870, para as Profissões liberais. Essa alteração, segundo o autor, proporciona a formação de uma outra elite, menos comprometida com os in­teresses dos Saquaremas e, de certa forma, menos interessada nas ocupações do governo imperial. Esse período coincide, também, com as influências positivistas sofridas pelo Colégio, onde houve a abertura de espaços para uma maior divulgação e aplicação de conhecimentos de cunho científico.

O capítulo 3, inicia com uma descrição do entorno do CPII: a cidade do Rio de Janeiro, o crescimento populacional, o comér­cio, a urbanização, o sistema sanitário etc. A partir de relatos de professores e alunos, o autor expõe, também, as características estruturais do Colégio, a divisão de sua sede, o interno de seus prédios cuja precariedade acabou sendo evidenciado pela imprensa local. Precariedade essa que parece explicar os poucos registros iconográficos da instituição, uma vez que revelar suas deficiências poderia macular a imagem que se queria construir do Colégio como um símbolo da educação pública no Império.

Apesar dessa contextualização, o foco de análise recai em dois espaços que poderíamos denominar de lugares da memória: a cafua e o Salão Nobre. Carlos Fernando chama a atenção para esses espaços por perceber que é neles que se desenvolvem os minucio­sos e sutis processos de educação do corpo e do caráter revelado na aplicação das punições e recompensas. A cafua era destinada àqueles que não cumprissem as normas vigentes na instituição; já o Salão Nobre era ocupado pelos melhores alunos, o local no qual recebiam prêmios, destaques, honrarias e visibilidade. Ambiência simbólica construída a partir de dicotomias entre “o escuro e o luminoso; o fechado e o aberto; o escondido e o visível; o sujo e o limpo; o privado e o público; o vergonhoso e o célebre” (p. 85). Enfim, espaços pedagógicos nos quais aplicavam estratégias disciplinares que educavam para a formação de homens da boa sociedade brasileira.

No quarto capítulo, o autor analisa a instrução ministrada no CPII, instituição construída como modelar do governo imperial. Perscruta os planos de ensino, o projeto pedagógico, os decretos, as disciplinas ministradas e os conhecimentos valorizados, dentre os quais destacam-se, até o final da década de 1860, as letras clássicas e o ensino religioso. Essa orientação pedagógica, gradativamente, começa a perder força, cedendo espaço para a afirmação de uma cultura mais racional e científica, peculiar ao movimento positivista e à instauração da República. Oconhecimento, antes centrado nas letras, voltou-se também para o científico, o que não significa afirmar que a instituição tenha adotado uma função propedêutica destinada a preparar candidatos para os cursos superiores. Pela sua história e configuração, o Colégio da Corte era identificado como um local a formar e recrutar a elite nacional, “local em que os virtuais dirigentes imperiais deveriam aprender mais do que o conhecimento exigido nos preparatórios, mas um amplo conjunto de saberes, vivências e atividades” (p. 103).

Aprendizado esse que passaria pela educação do corpo, con­forme podemos observar no quinto e último capítulo. Nele ganha destaque a gymnastica, introduzida no Colégio em 1841, sob a orientação Guilherme Luiz de Taube, ex-Capitão do Exército Im­perial. Nos documentos analisados é recorrente a ideia de que a adoção da ginástica inspirava-se nos colégios europeus, nos quais tal prática era recorrente e recomendada como um importante elemento de educação da juventude.

Conhecida como científica, a ginástica ali aplicada estava pautada pelo modelo médico-higienista, oriundo da tradição eu­ropeia, a qual consolidou-se como um meio de controle social, de formação moral e disciplinar, de regeneração e aperfeiçoamento da raça, de construção de um sentimento de identidade nacional, de desenvolvimento e aprimoramento do físico e da saúde. Prática regular no CPII, este capítulo focaliza a gradativa consolidação deste elemento da cultura corporal no qual são evidenciados os seus principais mestres, os dias e horários das aulas, a construção do ginásio e do pórtico de ginástica, o regulamento que a oficiali­za, os planos de ensino e seus conteúdos, enfim, o seu acontecer dentro da instituição.

Inspirada inicialmente pela conduta militar, a ginástica passa a ser justificada e incentivada na sociedade brasileira em função de argumentos de ordem médica e higiênica, visto que a ciência positiva estava a alastrar-se e, com ela, a ideia de que a construção de um corpo forte e sadio seria obtida mediante a prática sistemática de exercícios ginásticos. Vale ressaltar, conforme aponta Carlos Fernando, que a ginástica desenvolvida no interior do CPIInão esteve orientada apenas por uma escola ou método. Da análise das fontes emergiram diálogos entre autores de diferentes tradições indicando certo ecletismo no seu fazer dentro do Colégio da Corte, ora ressaltando a prática da esgrima, ora de exercícios oriundos da escola francesa ou, ainda, outras filiações compondo, assim, um modo de educar o corpo masculino e, por consequência, de formar a elite imperial brasileira.

Feita essa síntese, gostaríamos de registrar que, muitas são as razões pelas quais a leitura desse livro é tarefa necessária e, diríamos também, prazerosa para quem se interessa pela história da educação no Brasil. Afora o fato de tratar-se de uma importante e tradicional instituição tomada como referência para tantas outras, o desenho metodológico e a densidade teórica aqui presentes mostram-se exemplares para investigações dessa natureza. A produção das fontes e os diálogos estabelecidos entre elas, a urdidura da trama e a construção narrativa proposta por Carlos Fernando são revela­dores de um investimento pessoal e, também, coletivo na medida em que indica novas abordagens sobre temas e fontes já outrora visitados. É exatamente esse tom que nos permite, ao folhearmos suas páginas, sentir os cheiros e as texturas, ouvir as vozes e os sussurros dos corredores e arredores do Imperial Collegio Pedro II. Ao tocar nossa sensibilidade, identificamos vestígios de um projeto político-pedagógico de educação da elite cujo desenrolar promoveu encantamentos e desencantos, liberdades e interdições. E, nesse sentido, não há como ler esse livro sem lembrar de O Ateneu, obra magistral de Raul Pompéia publicada em 1888, cuja narrativa focaliza uma instituição escolar destinada a formar meninos da e para a boa sociedade brasileira. Resguardadas as especificidades de cada um dos livros, vale lembrar a retórica de Aristeu Argolo dos Santos, seu diretor, quando relata o árduo trabalho de educação da mocidade:

Um trabalho insano. Moderar, animar, corrigir esta massa de carac­teres, onde começa a ferver o fermento das inclinações; encontrar e enca­minhar a natureza na época dos violentos ímpetos; amordaçar excessivos ardores; retemperar o ânimo dos que se dão por vencidos precocemente; prevenir a corrupção; desiludir aparências sedutoras do mal; aproveitar os alvoroços do sangue para os nobres ensinamentos; prevenir a depravação dos inocentes; espiar os sítios obscuros; fiscalizar as amizades; descon­fiar das hipocrisias. Ser amoroso, ser violento, ser firme; triunfar dos sentimentos de compaixão para ser correto; proceder com segurança para depois duvidar; punir para pedir perdão depois… (…) não é o estudo dos rapazes a minha preocupação… É o caráter! Não é a preguiça o inimigo, é a imoralidade! [Pompéia, 1967, p. 30]

Sem pretender analisar o componente da imaginação e da ficção presentes na obra literária e na investigação historiográ­fica, importa identificarmos o Ateneu e o Colégio Pedro II como instituições escolares destinadas à formação da elite Oitocentista. Ou melhor, a elite masculina, a qual se inferia a expectativa de representar, nos corpos e subjetividades de seus integrantes, um modo viril e qualificado de ser, atributos considerados necessários a futuros dirigentes. Por fim, os vestígios revisitados por Carlos Fernando permitem que, em pleno início do século XXI, possamos compreender o conselho de Aristarco aos ingressantes no Ateneu “faça-se forte aqui, faça-se homem. Os fracos perdem-se” (idem, p. 37). Palavras essas também pronunciadas e ouvidas nos corre­dores e arredores do Imperial Collegio Pedro II.

Referências

Carvalho, J. M. de. A construção da ordem – a elite política imperial. Rio de Janeiro: Campus, 1980.

Pompéia, R. O Ateneu. Rio de Janeiro: Editora Letras e Artes, 1967.

Silvana Vilodre Goellner –  E-mail: [email protected].

Marco Antônio Ávila de Carvalho

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História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil) – SOUZA (RBHE)

SOUZA, Rosa Fátima de. História da organização do trabalho escolar e do currículo no Século XX (ensino primário e secundário no Brasil). Coleção Biblioteca Básica de História da Educação Brasileira, vol.2. São Paulo: Cortez, 2008, 320 p. Resenha de: BORGES, Aline D. B. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

Com a imagem de uma sala de aula, Rosa Fátima de Souza inicia sua obra, com a perspectiva de que nenhum outro lugar simboliza mais “a finalidade cultural da escola e sua representação social”. Na introdução, a autora persuade-nos a desnaturalizar o espaço escolar, posto que ele nem sempre foi do modo como o concebemos hoje.

Para analisar a organização do trabalho escolar e o currículo no decurso do século XX, abrangendo da Primeira República aos anos de 1970, nas escolas primárias e secundárias do Brasil, mas, de um modo particular, a paulista, Souza menciona algumas questões que serão respondidas ao longo do seu texto, tais como: o que mudou ao longo desse século? Quais elementos da cultura foram considerados legítimos e válidos para transmissão nas escolas? Por que alguns conteúdos se mantiveram e outros não? Quais fatores implicaram a determinação do currículo escolar ao longo do tempo? Que tipo de homem e cultura foram privilegiados na sociedade brasileira? Como as transformações na história do currículo repercutiram na organização interna da escola? Para tal, opera com dois eixos norteadores: o currículo e a organização do trabalho escolar, e se apropria de diversos autores1, que, segundo ela, “têm ressaltado a necessidade de conceber o currículo como uma construção social e histórica”.

Aborda a organização do trabalho escolar, considerando a “diversidade das instituições educativas, a graduação do ensino, a ordenação do tempo, a constituição das classes e séries e a siste­mática de avaliação”. Para realizar esse empreendimento, faz um recorte espacial para sua pesquisa, analisando a escola primária paulista e a escola secundária em âmbito nacional, recorrendo a diversas fontes, principalmente à legislação de ensino em âmbito federal e estadual, periódicos nacionais, currículos prescritos, programas de ensino, anais de eventos, publicação de época e imagens fotográficas.

O livro encontra-se dividido em três partes: Escola Primária, Escola Secundária e Escola Básica. É relevante apontarmos que a autora defende a tese de que a escola primária serviu à formação do cidadão brasileiro, destinada, portanto, à maioria da população. Já a escola secundária, atendendo a elites dirigentes e à classe média em ascensão, permanecia como a guardiã da cultura geral de caráter humanista.

Em “A escola primária e a formação do cidadão brasileiro (1890-1960)”, primeiro capítulo do livro, a autora discute as trans­formações ocorridas nos currículos da escola primária na Primeira República. Para ela, a formação do cidadão republicano apoiava-se na possibilidade de integrar socialmente tais indivíduos, por meio da inculcação de valores essencialmente cívico-patrióticos e na constituição de culturas escolares distintas. Busca quais são os “novos” conhecimentos úteis, ressaltando que o que ensinar ao povo se tornara assunto em voga nos debates da época. Nessa discussão, percebemos as ciências como ponto “chave”, pois era a expressão do desenvolvimento do capitalismo, e, nesta sociedade imbuída pelo progresso, a educação primária deveria ser a mais prática possível.

A principal finalidade da escola primária foi, segundo Souza, a educação integral da criança (intelecto, corpo e alma), visando forjar um novo ser social e um cidadão adaptado à nova sociedade. A adoção do método intuitivo (ícone da escola primária moderna) e de novas matérias2, a dotação material das escolas, a formação científica e prática dos professores e a criação de um serviço de inspeção técnica para a orientação do ensino tornaram-se as preocu­pações centrais dessa escola republicana. Para a autora, a mudança do regime político acarretou uma série de reformas educacionais que consolidaram outro modo de organização administrativa e pedagó­gica nessa modalidade de ensino. Sinaliza as condições lastimáveis, seja material ou organizacional, das escolas na época do Império, caracterizando os moldes dessa escola (método misto, apelo à me­morização, repetição diária das lições e disciplina garantida por meio de castigos), mostrando ainda como os primeiros governos do estado de São Paulo deram à educação popular centralidade política e como o projeto republicano foi mais ambicioso. Contudo, essa dicotomia entre Império e República, que parece ser defendida pela autora, necessita ser problematizada, pois, apesar de usualmente o tema da modernidade ser vinculado ao progresso republicano, é importante desviarmos de uma perspectiva dualista que prevê o moderno em oposição ao tradicional. Observarmos que o discurso difundido pela esfera do Estado defendia o ensino primário público como uma possibilidade de superação do atraso e da apatia de outrora, intentando conferir à escola um caráter modernizador, civilizador e moralizador. Todavia, sinalizamos que as recém-chegadas propostas não anularam a coexistência de outros modelos de educação. É fundamental percebermos as dissonâncias existentes entre práticas e discursos, permanências e mudanças das formas escolares, entre o que é propagado pelas fontes oficiais e as micropráticas cotidianas estabelecidas nos interiores das instituições escolares.

De acordo com a autora, as reformas educacionais paulistas iniciaram-se pela Escola Normal, e em seguida (1892 e 1896), alguns dispositivos legais consolidaram a reforma da instrução pública, articulando os três níveis de ensino: primário, secun­dário e superior. Em 1893, contrastando com a escola unitária, foram implantados os primeiros grupos escolares organizados em moldes das escolas graduadas. A autora afirma que a organização comparado às escolas unitárias, visto que reduzia a dispersão das tarefas de ensino. É preciso adicionar a esta análise a não aceitação pacífica dos professores, as heterogêneas opiniões, tendo em vista as resistências por parte destes, indiciando que talvez não fossem tão amplamente favorecidos como a história oficial alude.

Para aproximar-nos da cultura escolar dessas instituições, Souza propõe-nos um olhar sobre as práticas de ensino, buscando analisar a função cultural da escola, seu intento em formar um modelo de homem cidadão, utilizando-se de saberes, habilidades, códigos e valores.

Souza aponta para as funções ampliadas da escola elementar revistas no Código de 1933: a gratuidade estendida para cinco anos e a obrigatoriedade instituída para crianças na idade entre 8 e 14 anos, a duração de três anos nas escolas isoladas e quatro anos nos grupos escolares e prevalência do rol de matérias do início da República3. Por esse código, as escolas públicas seriam organizadas em escolas isoladas, grupos escolares, cursos populares noturnos e escolas experimentais. Percebemos, assim, as permanências e as rupturas, seja no currículo como no próprio modo de organização escolar. A autora sugere-nos a necessidade de refletir como se deram, na prática, no interior das escolas, todas essas regras prescritas, essa seleção cultural e as alterações de programas.

“Educação secundária, cultura humanista e diferenciação so­cial na Primeira República”, segundo capítulo do livro, delineia a diferença mais marcante entre os dois ensinos, pois, para Souza, os estudos secundários “significavam a manutenção de uma alta cul­tura assentada sobre a conciliação precária entre estudos literários e científicos, prevalecendo, não obstante, os primeiros”.

A autora indica as disputas e os conflitos que estiveram em jogo pela estruturação do ensino e do currículo, a precariedade do ensino secundário brasileiro ao fim do Império e a proliferação dos colégios particulares, reafirmando que “se manteve no país a finalidade eminentemente preparatória do ensino secundário”. Esse ensino teve, no Brasil, nas primeiras décadas do século XX, dois sistemas paralelos de organização: os ginásios e os estudos parcelados. Tenta apreender, em linhas gerais, “como determina­dos conteúdos da cultura mantiveram ou ganharam legitimidade com valor educativo enquanto outros foram perdendo relevância, sendo secularizados e eliminados gradativamente dos currículos”. Para ela, a educação recebida nesses colégios e ginásios era uma formação mais literária do que científica.

Assim, somos levados a refletir sobre outras reformas ou modi­ficações que, de alguma forma, dizem respeito a esse ensino, como a reforma protagonizada por Benjamin Constant, em 1890, que buscou ampliar a formação científica, o exame de madureza – aferição do desenvolvimento intelectual dos estudantes e sua maturidade –, e a divisão do ensino secundário, pelos idos de 1898, em curso realista e clássico. Dentre outras disputas, indica os conflitos acirrados em torno do estudo do latim, apontando-nos para a seletividade que marcou o ensino secundário brasileiro na Primeira República. No que tange ao público atendido, sinaliza a ausência dos negros, índios e das camadas populares. Há indícios que podem aquilatar essa discussão, mas essa ainda é uma temática pouco explorada, devido aos limites das análises das fontes historiográficas.

Retomando a longa discussão sobre as disciplinas que resistiam ou foram suprimidas do currículo, Souza afirma que essa seleção cultural servia para diferenciar e atender um grupo específico, o seleto grupo social que utilizava a educação secundária como es­tratégia de reconversão do capital econômico em capital cultural. Souza aprofunda-se na temática dos ginásios paulistas à medida que se apropria dos estudos de Nadai (1987) e Cunha (2000), analisando quem eram os alunos que frequentavam esses espaços. Destacando vários estudos que abordam colégios ou escolas em diversas regiões do Brasil4, a autora busca alguns traços comuns entre essas instituições secundárias, o que nos fornece um horizonte mais amplo de discussão.

No terceiro capítulo, “Entre a vida, as ciências e as letras: transformações da escola secundária entre as décadas de 1930 e 1960”, Souza indica que esse período foi o de consolidação e, ao mesmo tempo, de redefinição da educação secundária no Brasil, tendo organicidade, racionalidade e padronização como bases que “alicerçaram a expansão contínua das oportunidades educacionais nesse ramo de ensino médio”. Aponta ainda para esse período his­tórico como o de democratização do ensino, ou seja, aparecimento de outros sujeitos frequentadores da escola.

Durante o governo de Getúlio Vargas5, segundo a autora, “passaram a ser exigidos dos estabelecimentos de ensino estudos regulares, seriação, frequência obrigatória, aprovação em todas as disciplinas da série para a série seguinte e habilitação nos dois ciclos para realização do vestibular e entrada no ensino superior”, visando estabelecer uma organicidade em âmbito nacional, e ainda eliminar definitivamente o curso preparatório. A regulamentação do docente destinava-se à inscrição do ensino secundário público e particular. Desta forma, afirma que esta imposição de uniformidade visava “o ensino particular, responsável, na época, por mais de 75% das matrículas do ensino secundário”. Essa reforma continuou a exigir o exame de admissão para alunos e a avaliação como forma de seleção. Quanto ao currículo, obteve uma distribuição mais equilibrada entre estudos científicos e literários. Souza indica que todas essas discus­sões e disputas no período do Estado Novo estavam no bojo de uma discussão mais ampla, de cunho político e social, resultando em mais uma reforma educacional, dessa vez identificada com os interesses conservadores, instituindo as Leis Orgânicas do Ensino6.

Ainda tratando de ginásios e colégios de 1930 a 1960, tenta compreender, apoiada em alguns autores7, as múltiplas experiências dos sujeitos que passaram por esses locais, as práticas educativas, o exercício profissional do magistério, bem como seus saberes, as atitudes apreendidas pelos alunos, as sociabilidades constituídas e a cultura juvenil crescente nessas escolas. Dialogando com o texto de Jayme Abreu, a autora revela-nos sobre quais premissas se firmava o modelo de educação defendido por Fernando de Azevedo. A disputa entre uma base utilitária e cultural para escola secundária foi longa e tensa, mas, no final dos anos de 1950, a seleção cultural posta no currículo apontava em outra direção e a primeira se sobrepôs.

Na terceira parte, A Escola Básica, Souza afirma que, a partir da década de 1960, esse segmento “estaria mais em conformidade com as características do público escolar e da moderna sociedade in­dustrial brasileira”. Em contraponto, os mecanismos de seletividade continuaram a existir e a operar, “expondo de maneira veemente os problemas do fracasso e exclusão escolar”. No ensino secundário, foi profunda a substituição das humanidades pela cultura científica e técnica orientada para o trabalho.

Já na parte final do livro, Souza analisa a modernização dos currículos nas décadas finais do século XX, ressaltando que nos anos de 1960 os movimentos sociais, as reformas de base e os golpes teriam marcado vários setores da sociedade, inclusive o educacional. Faz uma análise da escola e do seu currículo a partir da lei n. 4.024/19618, e, segundo ela, “pela primeira vez, a União abria mão do forte controle que exercera sobre o ensino secundário desde o Império”. Já o curso secundário passou a fazer parte do ensino médio, juntamente com os cursos técnicos e de formação de professores, e ressalta ainda que “a hegemonia das humanidades caía definitivamente em ruína”, tornando clara qual era a predo­minância da época: a cultura científica e técnica.

Reflete sobre as mudanças educacionais a partir da LDB n. 5.692 de 1971, que “ao contrário da tendência liberalizante e flexibilizadora característica da Lei de Diretrizes e Bases de 1961, […] promoveu o recrudescimento da centralização curricular”. Para o 2º grau, devido ao fracasso da profissionalização obrigatória, houve o reforço da formação geral, especialmente as disciplinas científicas. Porém, as línguas clássicas (latim e grego) e a filosofia foram abolidas do rol de disciplinas desse segmento.

O livro constitui-se, enfim, numa leitura amplificada e necessária sobre a educação brasileira no século XX, que aborda seus processos, suas demandas, seus projetos, suas tensões e conflitos, e os desafios da educação e da sociedade brasileira no limiar do século XXI.

Notas

[1]Kliebard (1995), Goodson (1995, 1997), Gimeno Sacristán (1998a), Forquin (1993), Popkewitz (2000). Cf. Souza (2008, p. 11).

2 Ciências físicas e naturais, história, geografia, música, instrução moral, educação física, desenho, instrução cívica e trabalhos manuais.

3 Leitura, linguagem oral e escrita, aritmética e geometria, geografia, história do Brasil e instrução cívica, ciências físicas e naturais, trabalhos manuais, desenho, caligrafia, canto e ginástica.

4 Alves (2005), Cabral (2005) e Barros (2000), respectivamente (Cf. Souza, 2008, p. 122).

5 Em especial, com a reforma empreendida pelo ministro Francisco Campos.

6 A estas leis, a autora chama de “mais uma vitória da educação humanista”, recupe­rando a tradição humanista e as finalidades das disciplinas, ou seja, os dois ciclos, padronização do estabelecimento, exame de admissão, fiscalização e avaliação, tudo que fora solapado pela reforma de Campos. Com duas inovações: a orientação educacional e os trabalhos complementares.

7 Nadai (1991), Barroso Filho (1998), Fonseca (2004), Camargo (2000), Amaral (2003) e Perez (2006). Cf. Souza (2008, p. 188). Tais trabalhos versam sobre as representações e o imaginário consagrado na sociedade brasileira em torno da qualidade da escola secundária existente até a década de 1970.

8 Primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que tramitou durante 13 anos no Congresso Nacional.

Aline D. B. Borges – Graduanda em Pedagogia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

Ligia Bahia de Mendonça – Mestranda em História da Educação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.E-mail: [email protected]

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O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940) – BICCAS (RBHE)

BICCAS, Maurilane de Souza. O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940). Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008, 216 p. Resenha de: GUIMARÃES, Paula Cristina David. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, n. 24, p. 193-219, set./dez. 2010.

O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940), livro publicado em 2008 pela editora Argvmentvm, é resultante da pesquisa de doutoramento empreen­dida por Maurilane de Souza Biccas, pós-doutora em Educação e professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, onde integra a coordenação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em História da Educação (Niephe).

Com sólida experiência em trabalhos sobre impressos peda­gógicos que, recentemente, vem crescendo no Brasil e muito tem contribuído para os estudos em história da educação, Biccas realiza, neste trabalho, uma investigação sistemática sobre o impresso pe­dagógico mais representativo na história de Minas Gerais, a Revista do Ensino. A autora não se restringe somente à Revista; utiliza outras fontes documentais como jornais, decretos e leis da época pesquisada no intuito de complementar e esclarecer as informações obtidas da fonte principal de sua investigação.

Composto de seis capítulos, o trabalho destaca aspectos re­lacionados à materialidade, produção, circulação e distribuição da Revista do Ensino, “impresso pedagógico oficial de educação direcionado aos professores, diretores e técnicos da rede pública de ensino do estado de Minas Gerais” (p. 15), entre os anos de 1925 e 1940. A obra tem por objetivo “descrever e analisar os aspectos relacionados à materialidade da Revista aos conteúdos nela vei­culados, às mudanças ocorridas nos seus primeiros dezesseis anos de circulação e à produção de sentidos desencadeada por essas transformações editoriais” (p. 15). Para a realização do trabalho, autora fundamenta-se no campo de análise da “nova história cultural”, campo que vem impactando a produção historiográfica contemporânea e, de modo particular, a história da educação.

Quanto à materialidade da Revista, Biccas dispensa aten­ção especial à análise de capas, versos de capas, contracapas e quartas-capas dos números publicados. Como Marta Maria Chagas de Carvalho chama a atenção na apresentação do livro, a Revista do Ensino “não foi tratada como um veículo neutro para a comuni­cação dos conteúdos dos textos que edita, mas como performidade da ordenação da significação deles na materialidade mesma das diversas formas aplicadas à sua edição” (p. 13). Nesse sentido, Biccas recorre a autores que investem nesse mesmo pensamento quanto à importância da análise da materialidade dos impressos, tais como Roger Chartier e Michel de Certeau.

No primeiro capítulo do livro, “Ciclo de vida de um impresso oficial: Revista do Ensino 1925-1940”, a Revista é analisada dentro do seu momento histórico de constituição e circulação. A autora retorna ao momento de criação da Revista do Ensino, 1892, des­tacando que, após a publicação de apenas três números, a Revista foi desativada. Seu relançamento aconteceria em março de 1925, sendo interrompida entre os anos de 1940-1946 devido à Segunda Guerra Mundial, voltando a circular até 1971.

A Revista também é analisada como parte integrante e depo­sitária das mudanças educacionais ocorridas em Minas Gerais, como a Reforma Francisco Campos (1927). Na ocasião, o go­verno mineiro fez das páginas da publicação um valioso meio de apresentação, discussão, avaliação e estímulo à utilização das ideias pedagógicas renovadoras pretendidas por essa reforma. Esse impresso pedagógico também se revela como arena de disputas e acordos de diferentes interesses políticos e educacionais travados, por exemplo, entre católicos e “liberais”. Desse modo, e com as conexões que a autora realiza do momento histórico pesquisado, é possível perceber as relações de força que compunham o projeto editorial da Revista do Ensino.

Já no segundo capítulo, “Processos de produção e circulação”, a autora observa as formas de produção e as condições de circulação do periódico. Para tanto, faz uma descrição material e apresenta, de maneira detalhada e organizada, informações acerca de cada um dos 16 primeiros anos de circulação da Revista, relacionando: publicações, páginas por publicação, seções utilizadas, fotografias e ilustrações veiculadas, formato, presença ou não de propagandas, sumário e índice. Além disso, tendo em vista as diferentes formas de manipulação da Revista, a autora também analisa aspectos da dinâmica de apropriação que os professores faziam do periódico.

No capítulo três, “A dinâmica das formas e dos sentidos”, a pes­quisadora analisa as capas, versos de capas, quartas-capas e páginas finais que compõem a Revista do Ensino, a fim de explicitar como “conformam e se articulam os procedimentos de composição e de textualização” do periódico (p. 95). Nessa análise, Biccas percebe a capa como item de suma importância na composição da Revista, na medida em que atuava como um chamariz para a leitura. Para a autora, a capa representa um “espelho” dos diferentes projetos políticos e educacionais pelos quais a Revista passou, refletindo tensões, contradições e ambiguidades de tais projetos. Os diversos suportes que o periódico recebeu também foram objetos de análise para Biccas. Assim ela foi analisada, primeiramente, como anexo do Jornal Minas Gerais, depois como suplemento do mesmo Jornal e, finalmente, como Revista autônoma ao se desvincular do referido jornal. Oobjetivo dessa análise foi perceber como o suporte que veiculou a Revista marcava o modo como esta se apresentava para seus leitores.

No quarto capítulo, “Propaganda, publicidade e informação”, são analisadas a forma, o lugar e a intenção dos editores da Revista ao destinar um espaço para esse tipo de divulgação em um impresso educacional. Segundo a pesquisadora, 1929 foi o primeiro ano em que se veicularam propagandas na Revista de Ensino, além de ter sido o período de maior incidência propagandística. Nesse mesmo ano percebe-se que a maior parte dos anúncios de publicidade eram direcionados ao público-alvo da Revista do Ensino, os professores e diretores de escola. Os espaços destinados pelos editores a esses e outros tipos de anúncios foram as quartas-capas e, em alguns números, as páginas internas da Revista.

No capítulo cinco, “A Revista dada a ver: fotografias e ilustra­ções”, Biccas analisa as imagens veiculadas pelo periódico, para compreender a relação construída pelos editores ao apresentar fotografias e ilustrações como textos e também observar a atuação destes como elementos constitutivos do próprio periódico. Uma vez que a Revista do Ensino de Minas Gerais era um periódico oficial, os traços das políticas educacionais mineiras são evidentes em suas páginas. Por conseguinte, as imagens não são tratadas de forma periférica, mas analisadas como estratégias de transmissão de “mensagens que se pretende divulgar e inculcar” (p. 149). As fotografias e ilustrações utilizadas buscavam exprimir uma “men­sagem”, produzir um significado e um efeito junto aos leitores, chamando-lhes a atenção para uma nova concepção de educação que estava sendo forjada e deveria ser assimilada por eles. Nesse sentido, as imagens foram responsáveis pela divulgação de festas, prédios escolares, métodos pedagógicos e atividades escolares de crianças.

No sexto e último capítulo, “A síntese e difusão de modelos: esquadrinhando as seções”, a autora apresenta e analisa as seções que compõem os números da Revista, e observa que as seções sofreram processos importantes de constituição, permanências e rupturas dentro do projeto editorial. Para essa análise, Biccas apresenta dados sobre as seções, evidenciando o período em que elas foram criadas, o tempo de permanência e a que tipo de temá­tica se referiam. As seções também são analisadas tendo em vista a “política editorial adotada no período, procurando perceber que representação de professor-leitor os editores tinham e que propostas de formação foram traçadas a partir dessa concepção”.

Ao final da obra, Biccas conclui que os principais enfoques que guiaram a análise em sua pesquisa permitem considerar a Revista do Ensino “como um dispositivo de normatização pedagógica e de ampliação da cultura educacional dos professores” (p. 197). A Revista, ao mesmo tempo em que difundiu ideias e preceitos, promoveu determinados hábitos de leitura, modelados por suas indicações, configuração e forma como dispôs e organizou seus textos. Assim, a autora destaca que “ao mesmo tempo em que a Revista foi sendo produzida, também produziu e foi construindo o próprio campo educacional mineiro” (p. 200).

O livro resenhado expressa seu valor pela riqueza de detalhes, tais como a veiculação de gráficos e tabelas de informações, bem como pelos cruzamentos e comparações dos dados obtidos. Oolhar que a autora lança sobre seu objeto de pesquisa é, simultaneamente, singular e plural, ou seja, ao mesmo tempo em que isola os dados da Revista, Biccas os confronta e os articula, percebendo, assim, novos indícios de informações para suas análises.

No sentido empregado por Foucault (2002), a Revista do Ensino pode ser analisada como uma “tecnologia de poder”, na medida em que atuou como objeto de ação e de controle do gover­no mineiro sobre a atuação docente, sendo um suporte para leis, normas e recomendações das diretrizes educacionais durante seu período de circulação.

O impresso como estratégia de formação: Revista do Ensino de Minas Gerais (1925-1940) é tema relevante para a história da educação na medida em que nos leva a uma reflexão sobre as diferentes possibilidades de pesquisa oferecidas pelo impresso pedagógico, principalmente no que tange às ideias em formação no campo educacional de um determinado período.

É possível perceber, ainda, o processo em que se deu a pesquisa com a materialidade do objeto quando a autora expõe, de forma clara e objetiva, a forma como lidou com os processos de orga­nização da Revista para a realização do trabalho. Demonstrando sua posição sobre a importância de análise do material impresso, Biccas apresenta, durante sua obra, análises meticulosas da Revista do Ensino, evidenciando sua riqueza de indícios dos aspectos pe­dagógicos no contexto histórico do período analisado. Por isso, ao ler a obra, é possível perceber que, ao voltarmos nosso olhar para um objeto de pesquisa como o impresso pedagógico, acabamos por decifrar complexos processos educativos que permearam a educação brasileira em determinado tempo e espaço.

Com uma multiplicidade de dados, análises minuciosas e com um convite para novas pesquisas, o livro resenhado constitui um rico material de referência para historiadores da educação que pesquisam ou desejam pesquisar acerca de im­pressos pedagógicos.

Referências

Foucault, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). São Paulo: Martins Fontes, 2002.

Paula Cristina David Guimarães – Mestranda em Educação pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). E-mail: [email protected]

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Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita – MIGNOT (RBHE)

MIGNOT, Ana Chrystina Venancio (Org.). Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: Eduerj, 2008. Resenha de: PETRY, Marília Gabriela Petry; MOREIRA, Glória Cristina Maciel Moreira. Revista Brasileira de História da Educação, n. 23, p. 261-267, maio/ago. 2010.

Conforme anuncia o título, o propósito da obra é trazer os cadernos escolares à nossa vista. Objeto ordinário da educação escolar, o caderno é reconhecido como elemento fundamental da escolarização moderna, mas muitas vezes passa despercebido aos nossos olhos, já tão acostumados à sua presença. O subtítulo da obra – Escola, memória e cultura escrita –, destaca o objeto “caderno escolar”, as memórias nele incrustadas bem como a reflexão acerca da cultura escrita que perpassará boa parte dos textos.

Organizado por Ana Chrystina Venancio Mignot, o livro possui 272 páginas divididas em 14 artigos escritos por autores brasileiros e estrangeiros. Sua editoração é impecável, sendo grande parte dos artigos ilustrados com fotografias que representam fontes das pesquisas.

Os 14 artigos que compõem o livro estão estruturados em quatro eixos, propostos por Mignot. São eles:

1) Balanço dos estudos feitos no âmbito da historiografia da educação;

2) Produção e circulação dos suportes e utensílios da escrita escolar;

3) Usos dos cadernos escolares;

4) Iniciativas pessoais e familiares de salvaguarda desses documentos produzidos durante a trajetória escolar.

Em “Os cadernos escolares como fonte histórica: aspectos metodológicos e historiográficos”, Antonio Viñao faz um mapeamento desses materiais pedagógicos ao longo da história, tomando-o como produto da cultura escolar, e discorre acerca das dificuldades metodológicas que perpassam as pesquisas debruçadas sobre essa temática. Discute, ainda, a utilização dos cadernos escolares como instrumento de conhecimento e reconhecimento da escola e seu cotidiano, abordando a importância de um entrecruzamento de fontes.

Em “Os cadernos de classes como fonte primária de pesquisa: alcances e limites teóricos e metodológicos para sua abordagem”, Silvina Gvirtz e Marina Larrondo apresentam um estudo, realizado em alguns países da Europa e da América do Sul, no qual evidenciam quanto os cadernos escolares dizem a respeito dos sistemas educativos e são produtores de saberes, além de transmissores. Saberes esses que devem ser incorporados pelos alunos, sendo, portanto, produtores de efeitos.

Dentre os trabalhos que apontam para um estudo da origem, produção e disseminação do uso dos cadernos escolares, bem como da importância e do sentido que esse suporte tomou em sala de aula, encontra-se o capítulo escrito por Rogério Fernandes, “Um marco no território da criança: o caderno escolar”. O autor faz uma genealogia dos cadernos escolares, os quais, aos poucos, substituíram as caixas de areia e as ardósias, que eram aparatos de baixo custo da cultura escrita. Remete o olhar para o âmbito da indústria e do mercado, os quais deram suporte para a disseminação do uso do caderno individual. Para Rogério Fernandes, não obstante o mercado estar atento às mudanças e contribuir para o uso em massa do caderno, foram necessárias também mudanças nas práticas escolares. Os alunos passaram a ser protagonistas no processo de ensino e aprendizagem, por meio da teorização e individualização, o que facilitou a difusão do caderno como principal instrumento de escrita do aluno, refletindo naquele o trabalho do professor.

Ana Chrystina Venancio Mignot, em seu capítulo “Antes da escrita: uma papelaria na produção e circulação dos cadernos escolares”, fala da trajetória da Casa Cruz, que passou de mercado de artigos de pesca a uma renomada papelaria, atendendo à elite do Rio de Janeiro, em fins do século XIX e início do século XX, estando em funcionamento até os dias atuais e atribuindo seu enorme sucesso ao ecletismo com que trabalhava. Afirma que o caderno há muito não é mais um conjunto de folhas cosidas juntas. Utilizando-se de exemplares de coleções de cadernos, anúncios em periódicos e entrevistas com antigos proprietários, Mignot faz uma relação entre os processos de escolarização, industrialização e comércio que contribuíram para a massificação do uso dos cadernos, elevando-os de objetos de desejo a objetos de consumo. Observou, ainda em seu estudo, como os cadernos contribuíram para a transmissão de valores e ensinamentos que deveriam ser perpetuados: “mensagens introjetadas de amor à pátria, de obediência à ordem e amor ao trabalho” (p. 72). Por fim, conclui que esses suportes da escrita foram banalizados, mas ao longo da história afetaram as práticas de escrita, os processos de ensino-aprendizagem e os uso do tempo nas salas de aula.

No capítulo “Instrumentos da escrita na escola elementar: tecnologia e práticas”, Márcia de Paula Gregório Razzini fala de uma demanda por outros instrumentos que começaram a servir de suporte ao papel com o crescente uso dos cadernos escolares e se consagraram ao longo do tempo, como penas, tintas e, posteriormente, lápis, canetas, entre outros. Ao utilizar várias fontes para seu estudo, entre elas anúncios, dicionários, manuais pedagógicos e inventários de escolas, a autora aponta que, além da substituição da caixa de areia ou da ardósia pelo caderno, se operou também a substituição de seus aportes, o dedo ou o lápis de pedra pelas canetas de pena, lápis e canetas de madeira. Ao concluir, a autora chama a atenção para que façamos uma reflexão sobre os usos excessivos das canetas e lápis em sala de aula, o que poderia contribuir para um empobrecimento da oralidade escolar, a qual é peculiar, uma vez que possui padrões formais que só a escola poderia e pode oferecer à maioria da população, de acordo com a autora.

Rosa Maria Souza Braga, no capítulo “A boa letra tem grande importância: Orminda Marques e as prescrições sobre a escrita”, versa sobre os cadernos de caligrafia e discute a importância que estes adquiriram no período em questão. Em seu estudo, Rosa Maria utiliza o livro escrito por Orminda, cujo intuito foi unir ciência e educação, tendo como título A escrita na escola primária. Nesse livro, Orminda defende a incorporação de uma metodologia da escrita por parte dos alunos, a qual contempla graciosidade no traço, ou seja, a necessidade de um senso estético desde cedo, além de economia do tempo na tarefa de escrita e disciplinamento do corpo.

“Aprendendo com cadernos escolares: sujeitos, subjetividades e práticas sociais cotidianas na escola”, capítulo escrito por Inês Barbosa de Oliveira, mostra como supostos consumidores não são apenas passivos de uma ação, mas usam o que lhes é oferecido para consumo e imprimem subjetividades, tornando esses objetos muito particulares e diversificando seus usos. Inês Barbosa de Oliveira defende que é possível, partindo desse pressuposto, colocar como sujeitos de um estudo não somente os alunos a quem esses cadernos pertencem, mas também os demais sujeitos da cultura escolar, como os professores e as metodologias por eles aplicadas, o que permite compreender uma “pluralidade de redes tecidas entre alunos e escola”.

No texto “Aprendendo a usar cadernos: um caminho necessário para a inserção na cultura escolar”, Anabela Almeida Costa e Santos, pela ótica da psicologia escolar e da pesquisa etnográfica, analisou cadernos de alunos de uma turma de 1ª e outra de 4ª série de uma escola pública paulista. Segundo a autora, essas duas séries marcam momentos distintos da escolarização e apropriação do objeto “caderno”, a 1a como fase de iniciação quanto ao seu uso e, no caso da 4a série, de autoria, uma vez que nesta os alunos passam a criar novas formas de se apropriar do caderno, revelando co maior ênfase características pessoais. Conclui que, ao longo dos anos, os estudantes começam a ter domínio das regras do uso desse material, o que possibilita que seja utilizado efetivamente como auxiliar de estudo.

María del Mar del Pozo Andrés e Sara Ramos Zamora, no texto “Representações da escola e da cultura escolar nos cadernos infantis (Espanha, 1922-1942)”, têm como objeto de estudo uma coleção de 300 cadernos oriundos de escolas públicas espanholas. A análise desse material permitiu um aprofundamento acerca das práticas escolares de cultura escrita dessas instituições. O foco do texto está nas “percepções da escola e dos valores educativos que se refletem nos cadernos escolares” (p. 162).

De acordo com as autoras, um dos aspectos mais interessantes da prática de escrita era a redação de cartas pelos alunos, atividade muito esmerada e presente nos cadernos. O estudo concluiu que nesses cadernos coexistiam os escritos disciplinados e dirigidos pelos professores e uma principiante forma de expressão infantil espontânea. Entretanto, as autoras não se propuseram a responder se os escritos refletiam exclusivamente a personalidade do professor ou da criança.

Em “Cadernos escolares: memória e discurso em marcas de correção”, Isa Cristina da Rocha Lopes trabalhou com uma coleção de 45 cadernos da 1a a 4a séries do ensino fundamental, originários de acervos pessoais. O estudo propôs-se a delinear tendências visíveis nesses cadernos e pode-se perceber o quanto a marca da presença do professor no período estudado (1951-2003) esteve aparente nos cadernos dos alunos, por meio de registros escritos, sinais gráficos e imagens constituintes de um discurso escolar indicador de identidades. De acordo com a autora, conclui-se que produções discursivas semelhantes podem cumprir funções diferentes, pois dependem de quando aparecem e de quais sentidos estão impregnados.

No texto “O conteúdo emocional de três cadernos escolares do franquismo”, Kira Mahamud Ângulo fala-nos da educação de meninas na Espanha, a partir da análise de três cadernos pertencentes a uma professora. Esses cadernos são conhecidos como “cadernos de circulação” ou “de aula” e são assim chamados porque todos os alunos participavam de sua escrita; destinavam-se ao registro da memória das aulas, uma espécie de diário. O objetivo do trabalho centrou-se em enfatizar o conteúdo emocional desses cadernos, a partir de três elementos: transparência da professora na expressão dos seus sentimentos, referências ao amor pátrio e religioso nas lições de comemorações e recurso à poesia para o ensino. Os cadernos continham várias poesias favoráveis ao regime franquista e serviam como impregnadores da nova ideologia. A autora concluiu, entre outras coisas, que a professora concebia o caderno de circulação como um recurso e material educativo, que exercia função de introjeção da cultura escrita, de doutrinação de uma visão de mundo a partir do conhecimento e sentimentos, não se caracterizando apenas como dispositivo de controle e inspeção.

Eurize Caldas Pessanha, no texto “Entrevendo o currículo: um estudo sobre cadernos escolares de normalistas”, usa como fonte de pesquisa dois cadernos de duas normalistas da década de 1930, um de higiene e outro de rascunho (anotações rápidas). A autora considerou esses cadernos frestas para enxergar parte do processo de negociaçãodo currículo e pretendeu analisar quais práticas de transmissão de conhecimentos poderiam ser deduzidas a partir deles. O texto está estruturado em três partes: na primeira, a autora situa os cadernos a partir da história das escolas frequentadas pelas normalistas; na sequência, descreve-os materialmente; e, por último, explicita os conhecimentos e práticas possíveis de serem visualizadas.

Em “A estética e as ilustrações nos cadernos escolares: o caso de uma escola de meninas na Espanha franquista”, Ana María Badanelli Rubio analisa cadernos pertencentes à mesma professora mencionada no artigo de Kira Mahamud Ângulo, porém de períodos diferentes. Estes “cadernos de rotação”, que relatavam os acontecimentos escolares, continham ilustrações de qualidade excepcional feitas pelas alunas. Além de servirem como diário, a professora selecionava atividades que as alunas deveriam desenvolver, o que indica que eram meticulosamente planejados. Sendo assim, esses cadernos não eram um espaço de fruição, imaginação e fantasia. A autora conclui que os cadernos não eram apenas um meio para aquisição de conhecimentos, mas também um local de registro do cotidiano escolar e de informações a respeito dos atores envolvidos. Ana María pontua, ainda, questões a respeito da estética presente nos cadernos, devido à inspeção pela qual passariam, questões de gênero e de religiosidade.

Para finalizar, em “Velhos cadernos, novas emoções”, Mirian Paura Sabrosa Zippin Grinspun dá voz às próprias lembranças a respeito dos cadernos de família e os motivos que a levaram a guardá-los. Pela análise dessa coleção, evidencia permanências e rupturas ao longo da escolarização da sua família.

Da leitura desta obra, retiramos algumas reflexões acerca do objeto “caderno”, hoje consagrado e tornado quase invisível, banalizado por aqueles que o usam.

Conforme os autores dos artigos sublinham, os cadernos são, pela especificidade que os sujeitos lhes emprestam, passíveis de serem compreendidos para além de sua materialidade, uma vez que nos falam, de modo próprio, de características de uma época. Versam sobre currículos e métodos de ensino e de como e em quais circunstâncias esses métodos foram empregados. Falam-nos de subjetividades, não somente de alunos e de professores, mas de atores envolvidos no processo de escolarização, de uma cultura específica e de processos naturalizados e internalizados por quem passa pelos cadernos escolares e deixa suas marcas escritas nas linhas e nas entrelinhas.

Os textos enfatizam a importância dos cadernos como fontes de pesquisa ocupadas de investigações que ajudam a compreender a complexa construção da cultura escolar (ou culturas, como têm preferido alguns autores). Escrevendo a partir de espaços geográficos diferentes, mas tendo em comum esse suporte material tão marcante da vida escolar, os autores remetem a diferentes abordagens e possibilidades de leitura de um mesmo objeto.

Marília Gabriela Petry – E-mail: [email protected]

Glória Cristina Maciel Moreira –  E-mail: [email protected]

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Cinco estudos em história e historiografia da educação – OLIVEIRA (RBHE)

OLIVEIRA, Marcus Aurelio Taborda de (Org.). Cinco estudos em história e historiografia da educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007. Resenha de: BORNATTO, Suzete de Paula. Revista Brasileira de História da Educação, n. 23, p. 253-259, maio/ago. 2010.

Cinco estudos… é o terceiro título da coleção História da educação, iniciada pela Editora Autêntica em 20061, e organiza-se como um programa de formação em pesquisa, ao condensar discussões pertinentes sobre o estágio atual da pesquisa em história da educação no Brasil e reunir exemplos de abordagem de diferentes temáticas a partir de um repertório diversificado de fontes.

A obra supõe, conforme as palavras do organizador, Marcus Taborda de Oliveira, a necessidade de “unificar em alguma medida a narrativa historiográfica como crítica da cultura”; portanto, propõese a articular diferentes pesquisadores e projetos, “portadores de perspectivas distintas, mas que têm como horizonte comum a crítica permanente dos modos de fazer a história da educação no Brasil e, por corolário, as formas de organização da cultura neste país” (p. 7).

O primeiro artigo, de Carlos Vieira (UFPR), trata das “característica e potencialidades dos jornais diários” como fonte e como tema de pesquisa, destacando a importância do jornal como suporte de sentidos, lugar em que se pode vislumbrar a “experiência citadina”, mas também seu protagonismo como agente social.

Antes de entrar no detalhamento da pesquisa, em torno da presença de temas educacionais nos diários paranaenses Gazeta do Povo e Diário da Tarde na década de 1920, com o intuito de “interpretar os projetos dos intelectuais e da imprensa em relação à educação” (p. 36), o texto problematiza a natureza dessas fontes e sua produtividade para a escrita da história dos intelectuais. Assim, além de apresentar alguns contornos da história da imprensa no Paraná, propõe um modo de ler e entender o jornal, tendo em vista a identificação de estratégias discursivas e a investigação de possíveis efeitos de sentido.

“Para além do registro e do comentário político, os homens de imprensa ocuparam os espaços públicos legitimados pelas suas trajetórias como redatores, analistas e críticos da moderna ágora” (p. 20). Nos anos 1920, o desejo da imprensa empresarial moderna de

[…] permanecer atuante na esfera política levou-a a engajar-se em projetos sociais, com base na produção de slogans e de campanhas […]. É nesse contexto que verificamos a adesão da imprensa à causa educacional, bem como a presença da elite letrada nos quadros do jornalismo na condição de arautos da inserção do País na modernidade com investimento em educação [p. 21].

A segunda metade do texto traz uma grande tabela em que estão classificados, em nove categorias primárias e 43 secundárias, 2.702 registros de temas educacionais, veiculados em 2.555 exemplares de jornal. Essa tabela é desmembrada em outras sete, conforme as grandes categorias localizadas: cenário educacional e educação; profissão docente; experiências e modelos educacionais; modalidades e níveis de ensino; cotidiano escolar; temas da modernidade e da educação. As análises que seguem cada tabela sugerem o extenso trabalho de que são a breve amostra e podem instigar o leitor interessado no tema e/ou no período a um maior contato com essas fontes, ou à exploração de novos recortes e objetos, o que é um grande mérito nesse tipo de texto.

Tanto a tese que permeia o estudo, da afirmação gradativa do intelectual como agente político na cena pública brasileira, como a discussão em torno do “projeto da modernidade” são oferecidas ao leitor a partir de reflexões teóricas que costuram adequadamente os resultados da pesquisa. Pode este se ressentir apenas da falta de referências relativas aos “efeitos de sentido”, à análise discursiva, de que a nota número 10, remetendo à reflexão de Pocock sobre a linguagem política, constitui exceção.

O segundo artigo reúne pesquisadores ligados à UFMG – Luciano Faria Filho, Maria Cristina de Gouvêa e Matheus da Cruz e Zica –, em torno do difícil tema da literatura como fonte para a história – no caso, história da infância, tomada como entrada analítica para a história cultural da sociedade.

O título já anuncia “possibilidades, limites e algumas explorações”. Entretanto, o caráter formador do texto revela-se na forma como os autores (que, às vezes, se singularizam, outras vezes se assumem como coletivo) recapitulam os cuidados necessários para a abordagem da literatura como fonte – desde a questão do maior ou menor compromisso com a realidade e com a verossimilhança, a historicidade própria dos textos literários e das práticas de leitura, até as diversas vertentes teóricas de análise (Chartier, Williams, Prost). Assim, o cruzamento de perspectivas analíticas “indica um adensamento da análise da produção e circulação histórica do escrito, rompendo-se com hierarquias advindas da crítica literária, e sinaliza a importância de uma análise interdisciplinar na interpretação historiográfica do texto literário” (p. 47).

No terceiro tópico do artigo, que discute a pertinência da fonte literária para a construção da história da infância, aconselham os autores a não se tomar “como absolutas as fronteiras que delimitam os espaços da literatura infantil e adulta”. Em seguida, no entanto, são problematizadas questões referentes à literatura “infantil” (que alguns especialistas preferem hoje chamar de literatura “para crianças”), considerada em sua própria historicidade como objeto cultural:

[…] analisar a produção literária destinada à criança permite-nos não apenas ter acesso às representações sobre a criança e aos modelos de comportamento infantil num determinado período e contexto histórico, mas também às representações sobre os modelos de ação social e conhecimento de mundo ali legitimados [p. 49].

O exemplo de abordagem, entretanto, não é da literatura “infantil”, mas enfoca as imagens de infância construídas na obra de Bernardo Guimarães, escritor mineiro do século XIX, qualificado como “um autor atento à história de seu tempo e reflexivo sobre a experiência de sua gente” (p. 54). Defendem os autores que “é na descrição/produção dos sentimentos e ações das crianças que a narrativa cria melhores condições para que adentremos outros territórios das culturas oitocentistas” (p. 55), que não os temas “clássicos” da educação e da ocupação infantil.

A conclusão parece um pouco deslocada, ao sugerir maior investimento na pesquisa de literatura “infantil”, uma vez que esse não é o caso do exemplo apresentado, porém ressalta o que merece atenção nesse gênero de pesquisas: a investigação em torno das “experiências dos sujeitos infantis” (tão difíceis de serem flagradas em seu momento histórico), sujeitos “que insistem em interpelar e interpretar as culturas adultas e dominantes e a fazer disso uma forma de estar-na-história, de fazer a história” (p. 63).

Também na linha da investigação da experiência dos sujeitos está o terceiro estudo, de Marcus Taborda de Oliveira e Sidmar Meurer (UFPR), mas este toma forma a partir de textos de leitura, aparentemente, bem menos aprazível: relatórios da instrução pública paranaense da primeira década do século XX.

A investigação nesses documentos visa perceber as “tensões entre o prescrito e o realizado” nas experiências de professores primários. Combatendo as generalizações de certa historiografia, segundo a qual a legislação impõe “determinado modo de organizar a cultura”, privilegia-se aqui a experiência dos indivíduos ou grupos na “dinâmica de apropriação” dos documentos oficiais:

[…] antes de considerar os relatórios como parte de um esforço conformador isento de dissenso, procuramos localizar nos registros […] tanto a retórica da confirmação daquilo que foi anunciado pelo legislador quanto a crítica explícita ou velada àquele esforço. […] a legislação aparece aos nossos olhos como um esforço de organização racional da realidade social, esforço que pressupõe tanto filigranas ideológicas quanto reação do Estado às demandas oriundas da sociedade, nem sempre coincidentes com o que esperava a autoridade pública [p. 73].

Nesse sentido, os diversos excertos dos relatórios são ricos e emblemáticos das questões discutidas. Em relatório de 1806, por exemplo, a professora Carolina Moreira escreve: “Sinto dizer que, infelizmente, em nossas escolas os preceitos de hygiene estão bem longe de ser observados”. Adiante, avalia:

No meu franco modo de entender, acho que o nosso Regulamento é defeituoso e mesmo pernicioso na parte referente a matricula das escolas publicas primarias, pois é claro que um professor por mais trabalhador e esforçado não poderá, em absoluto, ministrar conhecimentos a 70 e 80 alumnos diariamente, com grande proveito, sem o concurso de um auxiliar;… [p. 83].

Os relatórios, tanto de professores quanto de inspetores, vão oferecendo, assim, uma ideia da rotina, mas também das carências e perplexidades que compuseram o cotidiano desses profissionais, em carreiras de organização incipiente, e dos conflitos entre a operacionalidade (ou a falta de) prevista na legislação e o funcionamento possível das instituições, permitindo reconhecer que “nada é mais equivocado do que supor que aqueles homens e mulheres simplesmente corroboravam o existente, fosse no plano das proclamações oficiais, fosse no plano das preocupações com os limites e as possibilidades de suas ações” (p. 84).

O quarto estudo, de Marta Carvalho (Uniso) e Maria Rita Toledo (Unifesp), trata da “análise material” das coleções de Lourenço Filho (Biblioteca da educação) e Fernando de Azevedo (Atualidades pedagógicas) voltadas à formação de professores. Para as autoras, as investigações sobre impressos de destinação pedagógica e seus usos escolares propiciam sólido suporte “a uma história cultural dos saberes pedagógicos interessada na materialidade dos processos de difusão e imposição desses saberes e na materialidade das práticas que deles se apropriam” (p. 89).

Aparece aqui, novamente, o perfil formador da coletânea: o estudo recupera conceitos de Chartier e Certeau imprescindíveis ao pesquisador iniciante – orienta quanto à necessidade de atenção à materialidade do impresso, às estratégias que conduziram sua produção e às táticas de apropriação que podem subverter os usos previstos.

O impresso destinado aos professores é tomado como produto de estratégias pedagógicas e editoriais de difusão dos saberes pedagógicos e de normatização das práticas escolares – as coleções de livros “organizam e constituem o corpus dos saberes representados como necessários à prática docente, constituindo, concomitantemente, uma cultura pedagógica” (p. 92). Referência importante para a análise é a Histoire de l’edition française, de Isabelle Olivero, que caracteriza as coleções como “uma nova classe de impresso cuja função essencial é a de conquistar e atender um público maior de leitores” (idem). No Brasil, o desenvolvimento do mercado editorial nas décadas de 1920 e 1930 favorece o investimento na “invenção” de um leitor-professor ou professor-leitor.

A identidade das coleções será produzida a partir da padronização de formato, estrutura, estratégias de seleção de textos e autores, e de divulgação. Contudo, é seu “aparelho crítico” (prefácios, notas, comentários de especialistas) que vai propor uma orientação, um “modo de usar” ao leitor e, ao mesmo tempo, permitir ao historiador, nas palavras de Carvalho e Toledo (2001), “entrever o leitor destinatário, desenhado pelo editor” (p. 93).

Apesar das semelhanças, as duas coleções analisadas diferenciam- se, e sua organização revela concepções diversas quanto à formação de professores. Assim, é identificado na coleção de Lourenço Filho um perfil mais prescritivo, com maior presença de prefácios e notas de tradução, em torno de um “conjunto fechado e ideal de saberes”, ao passo que a coleção de Fernando de Azevedo remeteria à ideia de pluralidade de perspectivas e saberes e à sua “eterna renovação” (p. 106).

O trecho que encerra o artigo ressalta o fato de que essas coleções são “partícipes” do processo de estruturação da rede escolar do país, assim como dos debates sobre a formação de professores e sobre o significado da educação para a modernização brasileira, o que sintetiza, de algum modo, a importância deste e de novos estudos voltados a esse objeto.

Finalmente, em “Desafios da arquitetura escolar: construção de uma temática em história da educação”, Marcus Lévy Bencostta (UFPR) procura costurar algumas reflexões sobre as “possibilidades interpretativas da linguagem arquitetural nos estudos em história da educação”, com o intuito explícito de fomentar o interesse de pesquisadores brasileiros pela arquitetura escolar. Bencostta refaz o itinerário de seu interesse pelo tema, aponta autores que educaram seu olhar para a linguagem da arquitetura e do espaço escolar, e destaca a importância metodológica do exame da própria concepção de espaço escolar bem como da percepção das relações deste com os projetos políticos, educacionais e urbanísticos.

Sugerindo fontes que vão desde contratos de construção, textos de cronistas e jornalistas sobre as transformações da cidade, tratados de arquitetura, até biografias e projetos de arquitetos, o autor defende a utilidade da diversificação de leituras, dos estudos comparados e da aproximação com diferentes áreas, como a geografia e a semiótica, para a compreensão dos sucessos e insucessos da “gramática arquitetônica” em meio à dinâmica urbana.

Dada a existência de estudos, tanto na área de arquitetura como na de história[1], sobre as construções escolares, talvez não seja ocioso ressaltar, nas proposições, o que distingue a investigação do historiador da educação – a intenção de entender a escola: “para se entender a escola e suas transfigurações, é significativo também compreender como as linguagens arquiteturais penetram nesse espaço permeado pelos discursos ramificados na sociedade e na história” (p. 122).

O livro cumpre, assim, seu projeto de articular perspectivas que, explorando diferentes objetos culturais, indicam e orientam possibilidades para a escrita da história da educação no Brasil. Apenas os muitos descuidos de revisão textual por parte da editora não condizem com a qualidade dos textos, nem com o bonito acabamento da edição.

Notas

[1] Os outros títulos são História da educação – Ensino e pesquisa, Cultura escolar –

Prática e produção dos grupos escolares em Minas, de 2006, Para a compreensão histórica da infância, de 2007, Escolas em reforma, saberes em trânsito – A trajetória de Maria Guilhermina Loureiro de Andrade (1869-1913) e Livro didático e saber escolar – (1810-1910), de 2008.

Suzete de Paula Bornatto. E-mail: [email protected]

[1] Exemplo recente é “Grupos escolares de Curitiba na primeira metade do século XX”, livro e CD de autoria de Elizabeth Amorim Castro (2009), arquiteta e doutoranda em história pela UFPR.

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Adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico – ZUIN (RBHE)

ZUIN, Antonio A.S. Adoro odiar meu professor: o aluno entre a ironia e o sarcasmo pedagógico. Campinas: Editora Autores Associados, 2008. Resenha de: SANTANA, Jeová. Revista Brasileira de História da Educação, n° 21, p. 207-213, set./dez. 2009

A escola não sai de cena. Aqui dois aspectos permanentes: as estatísticas sobre os múltiplos fracassos na esfera pública e a mercantilização na área privada na qual os alunos se transformam em clientes, e os conteúdos são dirigidos unicamente para fins vestibulares. E estamos conversados. Lá fora, os banhos de sangue promovidos por jovens desajustados, os quais a escola e a sociedade não conseguiram demover os distúrbios psíquicos. Suas ações, timbradas por lances cinematográficos, alimentam, por algumas horas, a síndrome do espetáculo que rege a imprensa nossa de cada dia, com a devida participação de educadores e psicólogos de plantão.

Antônio A. S. Zuin tem direcionado suas baterias acadêmicas para alguns assuntos espinhosos em relação à escola: o ritual do trote, o erotismo entre docentes e discentes, a aplicação da teoria crítica e da psicanálise para entender os fenômenos sanguinolentos em “terras civilizadas”. Neste novo livro, ele não perdeu o tom e analisa um tema ainda morno nas pesquisas acadêmicas: a utilização das sendas cibernéticas, mais particularmente as páginas do Orkut, como o mais novo espaço para que estudantes desovem ressentimentos e frustrações em relação a seus professores.

São apenas três capítulos de uma obra que soa como introdutória para que outros educadores tomem tento para essa nova recusa à convivência que, originada na sala de aula como resultante de uma perspectiva individual, adentra a esfera pública, mais precisamente “nessa terra de ninguém” chamada internet. Para isso, o autor centra sua análise entre duas palavras: “ironia” e “sarcasmo”. Pergunta-se por que a primeira, que sempre esteve nas relações de ensino-aprendizagem como um estímulo para o exercício da crítica e da curiosidade, num pacto entre mestre e discípulo no qual se estabeleciam limites para não haver opressão de um lado, nem fúri do outro, pôde ser substituída pela segunda. Isso possibilitou que os principais atores envolvidos na esfera escolar acumulassem perdas em relação às práticas de afeto e respeito.

Antes de chegar a uma resposta, Zuin mergulha na história e va buscar em Sócrates o primeiro grande exemplo do uso da ironia como instrumento de superação, a qual aparece nos diálogos registrados em A república, de Platão. Mesmo não apresentando argumentos convincentes, Rousseau o considera um “paradigma educacional”. A força do argumento platônico residiria na extrapolação dos limites da decifração impostos pela esfinge: “a interpretação ou a morte do raciocínio daquele que se motiva a decifrá-la” (p. 2). A opinião do autor de Emilio remeteria para a análise da educação formativa presente nos escritos socrático-platônicos. Essa vertente não pode ser apartada do potencial irônico presente nos diálogos entre dois ícones do pensamento grego, haja vista o fato de a ironia ser caracterizada como mola propulsora de obras filosóficas e literárias. A substituição da ironia, em tempos modernos pela presença massiva do sarcasmo, implica o empobrecimento do exercício dialógico estabelecido pela primeira, pois se “o foco da investigação dos diálogos socráticos” revela “a dimensão pedagógica da ironia, nota-se a importância de tal conceito” (p. 10).

A substituição de um recurso usado como forma de elevação das relações dialógicas entre professor e aluno resulta numa prática que só contribui para o aumento da tensão e da desconfiança entre ambos. Quebra-se, assim, o pacto entre os principais agentes do processo educacional para que o período da aprendizagem resultasse no aprimoramento das relações sociais fora do âmbito escolar:

Quando há sarcasmo solapa-se a possibilidade de desenvolvimento do processo educativo/formativo, pois o interlocutor é obrigado a ‘ingerir’, de forma humilhante, determinado significado do conceito que se transforma numa palavra de ordem (p. 10).

Para ilustrar essa transição, Zuin busca dois exemplos socráticos. O primeiro nos diálogos do filósofo, com Trasímaco, sobre o conceito de justiça; o segundo, com Protágoras, em relação ao desafio de saber se a justiça poderia ser ensinada ou não. Esses contrapontos, contudo, não foram realizados sem ranhuras, pois é a lembrança do “humano demasiado humano”, marca do pensamento nietzscheano, que vem à tona nos diálogos socráticos. Eles nos incomodam, pois ficamos sabendo que não “correspondemos ao modelo idealizado – em que detínhamos as prerrogativas da verdade na elaboração de conceitos, e portanto, do modo que eles são objetivados na realidade” (p. 13).

Essa prática, porém, montada entre raciocínios, argumentações, réplicas e tréplicas, permitia que o discípulo se tornasse mais preparado para enfrentar as misérias do mundo. Nesse caso, o educador funcionaria como uma espécie de “parteiro espiritual que estimularia o interlocutor a parir o conhecimento que lhe era inerente” (p. 16). Esse movimento ultrapassou instâncias e tem ecos na força reflexiva de Kant e seus imperativos categóricos e sua recomendação para o indivíduo “ousar saber”.

É essa herança “do aspecto educacional/formativo da Paidéia socrática” que, segundo o autor, não pode ser apagada da base educacional em nossos tempos. A linha tênue entre ironia e sarcasmo, que se depreende dos diálogos entre o filósofo e seus discípulos, estabeleceu a ideia de um educador ideal, criada à sua revelia. Mas o discurso filosófico questionava esse princípio ao criticar os sofistas, que se viam como detentores da “essência da virtude”. Infelizmente só a última destas palavras-chave ocupa lugar no cotidiano das salas de aula:

[…] a ironia socrática pode suscitar os novos princípios que se desvelam no jogo da alteridade entre significados e significantes das palavras, como também pode ceder espaço à fala sarcástica que consagra a vontade de poder daquele que destrói a argumentação do outro por meio da humilhação e do destrato [p. 23].

É no segundo capítulo que Zuin demonstra como essa separação se tornou mais aguda. Para isso, ele volta outra vez no tempo e observa que o domínio do discurso centrado no professor esteve atrelado a outras formas de dominação: a exigência da disciplina e da submissão motivadas pela “aplicação de instrumentos punitivos”. Esse dispositivo está na base da rejeição à imagem do professor cuja gênese, na Grécia antiga, se deu na formação da palavra pedagogia, vinda de paidagogos – o escravo vencido nas batalhas que tinha por missa controlar e guiar o aluno.

O desprestígio atravessa o tempo. Mais tarde é a valorização do guerreiro que, segundo Adorno, terá maior prestígio entre as crianças em lugar daquele que detém o conhecimento, mas não se destaca nas manifestações da força física. O professor sente-se, então incomodado por perceber que é submetido à manipulação de quem verdadeiramente pode mudar os rumos da sociedade. Aí se instaura o conflito, pois o professor recebe o aval para punir os alunos, mas sem o uso da força física, “atribuição esta dos aparelhos repressores e que é internamente invejada por ele” (p. 41).

O autor amplia o raio da discussão para ver, nesse paradoxo, o reflexo da própria condição da sociedade contemporânea ao estabelecer relações de dominação que produzem as discrepâncias sociais. A liberdade e a igualdade prometidas pela sociedade capitalista não se cumprem, e o reflexo disso se espalha em todas as instâncias em que se deem as relações humanas. Nesse sentido, as escolas d massa, consolidadas durante o período manufatureiro, cumpriram o papel de sedimentar a submissão por parte do aluno mantido sob as marcas da disciplina, da pontualidade e das ordens dos professores. É nesse período, ainda, que acontecerá uma mudança substancial na ordem escolar, mas não menos problemática: a substituição do castigos físicos pelos psicológicos.

Essa mudança já tinha sido enfocada por Comênio em sua obra A didática Magna, ou Tratado Universal de ensinar, ao destacar que o elogio, a repreensão, o medo da humilhação perante os colegas surtiriam mais efeito que todas as pancadas. Não havia, contudo, nenhuma intenção pueril na proposta desse pioneiro das causas educacionais, “pois o vexame era justificado em nome da busca da eficiência, ou seja, a palavra de ordem do capitalismo incipiente e que (sic) ressoava tanto nas relações materiais quanto na filosofia” (p. 45). Essa perspectiva fica mais clara no pensamento de Bacon ao destacar que o conhecimento humano deveria ser canalizado para algo prático, útil, “em detrimento da metafísica e do silogismo aristotélico” (idem, ibidem, p. 45).

Ainda nessa linha produtivista, encaixa-se a forma como objetos e alunos viriam a ser dispostos em sala de aula, a qual permitiria “o olhar ‘classificador’ do professor que pode rotular o aluno” (idem, ibidem, p. 46), e assim dimensionar melhor o tempo de aprendizagem, o que transformaria escola, segundo Foucault, numa “máquina de ensinar”. Na prática isso resultou no clima de desconfiança e indiferença entre os elementos envolvidos na sala de aula. Os professores preocupados apenas com a racionalidade de seus ensinamentos e com a objetividade das questões; os alunos marcados pela frustração ao perceberem o desaparecimento da imagem inicial que tinham de seus mestres. Para ilustrar essa tensão, o autor retoma o  exemplo literário analisado por Adorno no ensaio “Tabus a respeito do professor”: o livro Professor Unrat, que foi traduzido como O anjo azul em virtude da adaptação para o cinema, a qual teve a atriz Marlene Dietrich como destaque.

Nessa perspectiva crítica, Zuin abre mais um tópico crítico ao abordar o resultado dessa tensão: o aluno que se identifica com o “professor-agressor”. Busca o auxílio de Freud para iluminar uma questão que extrapola os limites do universo escolar, já que é resultante das próprias condições do estágio “civilização” em que nos encontramos. Nessa linha, o fundador da psicanálise questiona a ação pedagógica que pretende levar o jovem para o caminho da ética, sem que a ele seja dada a chance de se manifestar perante “ sensação do mal-estar vinculada a um tipo de imperativo religioso: ‘amarás o teu próximo como a ti mesmo’” (p. 53).

Essa crítica tem o reforço do pensamento sempre aguçado de Adorno em relação às práticas educacionais. Ele questiona a condição prerrogativa para que alguém possa decidir os destinos da educação alheia. Nesse caso, Zuin mostra afinidade com esse expoente da escola de Frankfurt, mas imprime a marca de um estilo crítico, resultante do embrenhar-se nas muitas veredas da escola moderna.

Essa crítica remete à lembrança de que é inútil traçar modelos padronizados relativos aos desejos de que a experiência formativ se desenvolva mecanicamente nos alunos. Ora, se a experiência formativa não pode ser garantida pela mera frequência nos curso, tampouco pode ser obtida por meio de qualquer tipo de atitude impositiva por parte do mestre (idem, ibidem, p. 56).

Esse conflito, tema do último capítulo, originou um novo fenômeno as comunidades nas páginas do Orkut que têm como alvo atingir professores. O autor afirma ter encontrado mais de mil delas, a grande maioria com uma característica em comum na agressividade verbal e no chamamento para que outros façam parte dessa “ação coletiva”. É nesse novo espaço, amparados por uma margem de liberdade única e protegidos pelo anonimato, que os alunos encontrara o meio de manifestar, à sua maneira, o sarcasmo presente n discurso do professor na ambiência da sala.

Para o autor, porém, esse fenômeno não está desligado, mais uma vez, das condições dos jovens nas sociedades em que estão inseridos: suas dificuldades de identificação, perdas de valores, inversões, tais como “adultização” da infância e “infantilização” do adulto (no caso brasileiro, tem-se na “marca” Xuxa o melhor exemplo dessa hibridização).

Em meio ao tom da violência verbal, Zuin encontrou pequenas ilhas em que são manifestas intenções de afeto, ou mesmo eróticas, na relação entre professores e alunos. Num dos depoimentos recolhidos, percebe-se a complexidade da questão e, quiçá, também a porta de saída para revertê-la: “Não temos nada contra o nosso professor querido, mas se ele fosse mais humano talvez nós iríamos gostar mais dele!” (p. 102).

Há algumas questões que não estão no livro, mas que podem suscitar novos trabalhos, tais como o de se identificar a classe social dos alunos que criam essas comunidades; incluir na pesquisa os pertencentes a outras instâncias educacionais – por exemplo, os de curso técnico em relação aos seus professores; mapear essas mesmas relações em concentrações urbanas de menor porte. O trabalho de Antônio A. S. Zuin contribui para chamar a atenção para um problema que surgiu sob o frêmito das novidades midiáticas e vem se somar às muitas mazelas da educação contemporânea. Afinal, mudam-se os tempos, mas o mal-estar em relação à escola só muda de endereço.

Jeová Santana – Professor da Universidade Estadual de Alagoas, da rede  estadual de ensino em Aracaju e doutorando no Programa de Estudos Pós-Graduados: História, Política, Sociedade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: [email protected]

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Educação, história e cultura no Brasil Colônia – PAIVA (RBHE)

PAIVA, José Maria de; BITTAR, Marisa; ASSUNÇÃO, Paulo de. Educação, história e cultura no Brasil Colônia. São Paulo: Editora Arké, 2007. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; BARBOZA, Marcos Ayres. Revista Brasileira de História da Educação, n° 19, p. 227-234, jan./abr. 2009

A presente obra é o resultado do trabalho de pesquisa de nove pesquisadores de universidades públicas e privadas brasileiras, ligados ao Grupo de Pesquisa “Educação, História e Cultura: Brasil, 1549-1759”, liderado pelo pesquisador José Maria de Paiva, professor da Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).

O grupo de pesquisa, criado em 2000, está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UNIMEP, com núcleos de pesquisa na Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR, São Carlos-SP); na Universidade Estadual de Maringá (UEM, Maringá-PR); no Centro Universitário Assunção (UNIFAI, São Paulo-SP) e na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ, Rio de Janeiro-RJ).

O objetivo do livro é apresentar ao campo científi co da área de ciências humanas, notadamente da educação e da história da educação, o resultado de pesquisas e debates promovidos nos encontro de apresentação e discussão de trabalhos do grupo de pesquisas, ocorridos em sua trajetória. Para tanto, está organizado em sete capítulos da seguinte maneira: capítulo um, “Religiosidade e cultura brasileira – século XVI”, escrito por José Maria de Paiva; capítulo dois, “Educação jesuítica no império português do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”, escrito por Célio Juvenal Costa; capítulo três, “As relações epistolares: humanistas e jesuítas”, escrito por Edmir Missio; capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”, escrito por Paulo Romualdo Hernandes; capítulo cinco, “Educação e cultura na América portuguesa: as reformas de Sebastião José de Carvalho Melo”, escrito por Paulo de Assunção; capítulo seis, “A pesquisa em história da educação colonial”, escrito por Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Júnior e, por último, capítulo sete, “Educação jesuítica no Brasil colonial: estudo baseado em teses e dissertações”, escrito por Maria Cristina Innocentini Hayashi e Carlos Roberto Massao Hayashi.

No capítulo um, “Religiosidade e cultura brasileira no século XVI”, José Maria de Paiva afi rma que não se pode compreender a religiosidade brasileira sem que se faça referência à cultura, considerada como a maneira de ser da sociedade e, na qual, as pessoas se expressam por meio das relações. Na primeira parte, “A religiosidade nas práticas sociais”, analisa documentos ofi ciais de um período histórico em que a cultura portuguesa, como um tudo, tinha um único objetivo, o cuidado da religião. A religiosidade cristã era a forma de ser da sociedade portuguesa. A existência humana em conformidade com a fé era uma exigência cultural e, como tal, uma obrigação pública e social. A vida em sociedade era regida pela “nossa santa fé”; os comportamentos considerados de  “bons costumes” fundamentavam-se na doutrina da Igreja e, também, na legislação do Reino. Aqueles que se desviavam dos “bons costumes”, aos olhos dos indivíduos e da sociedade mereciam reprovação social e punição pelos seus pecados. Na segunda parte, “A religiosidade na sua expressão devocional”, o professor José Maria de Paiva analisa a prática devocional e cultural dos portugueses na colônia, visando demonstrar a formação da subjetividade portuguesa alicerçada sobre a religiosidade. Ser cristão, nesse período, significava ir a missa e comungar; além disso, uma maneira de apreender e pregar os “bons costumes”. A devoção era caracterizada como o novo modo de vida que se assumia, por meio de jejuns, abstinência e disciplina para a renovação ou reformulação da espiritualidade. A fé cristã, na sociedade portuguesa, não implicava na conformidade com os ensinamentos dos padres, mas no viver uma vida em que Deus se põe presente. Assim, para não se cair em contendas com a figura do poder sagrado, a solução era ganhar as boas graças pelo cumprimento da obediência.

No capítulo dois, “Educação jesuítica no império português do século XVI: o colégio e o Ratio Studiorum”, Célio Juvenal Costa afi rma que o objetivo inicial da Companhia de Jesus era a reconquista da cidade de Jerusalém para os cristãos, mas, no decorrer dos primeiros decênios de sua existência, por infl uência dos fundamentos teológicos e fi losófi cos da escolástica, igualmente pela austera formação dos clérigos, contribuíram com os objetivos da Igreja que visavam lidar com questões novas, como a expansão do comércio e a descoberta do novo mundo. Para discutir o papel do colégio e do Ratio Studiorum no trabalho jesuítico de formação escolar no século XVI, dividiu o trabalho em quatro partes: a primeira, “O jesuíta como instrumento da Reforma Católica”; a segunda, “A racionalidade educacional jesuítica”; a terceira, “O colégio” e, por último, a quarta, “Ratio atque Institutio Studiorum Societatis Iesu”. Segundo o autor, os colégios e o programa de formação elaborado pelos jesuítas, disponíveis aos jovens em geral, desenvolviam uma educação séria e exigente, o que se observa na análise dos cursos de humanidades, fi losofi a e teologia do Ratio Studiorum. Nas colônias, os colégios não se restringiam somente à formação, eram responsáveis também pela administração de povoações, cidades, igrejas e fazendas. Desse modo, conclui que tanto o plano de estudos como os colégios foram a expressão de experiências históricas que, avaliadas e reavaliadas, instituiu a forma de ser da Companhia de Jesus.

No capítulo três, “As relações epistolares: humanistas e jesuítas”, Edmir Missio analisa o papel exercido pelas cartas como instrumento de formação, que contribuía para a educação dos filhos da família Sforza, futuros governantes do ducado de Milão. Nas cartas, os filhos relatavam suas experiências e, também, serviam como um instrumento à manutenção das relações e hierarquias. A escrita das cartas exprimia as ações e os pensamentos, exigindo um grande esforço argumentativo, com o qual se verificava a formação recebida. Tratava-se de “uma técnica de composição e elaboração [dos] estudos de retórica e poética” (p. 46); elas eram avaliadas como um instrumento, “[…] de propaganda política e difusão cultural” (p. 46). Desse modo, o aprendizado das cartas passou “[…] a fazer parte do currículo das escolas fundadas pelos humanistas, as quais proverão quadros administrativos dos governos, como secretários e diplomatas” (p. 49). Assim, no decorrer do século XVI, a expansão do comércio e a descoberta do novo mundo, transformaram as relações sociais e culturais, e exigiram o desenvolvimento de uma educação mais apropriada aos desafi os da época, isto é, uma educação de caráter utilitário.

Capítulo quatro, “Os exercícios espirituais e o teatro”, Paulo Romualdo Hernandes discute a importância histórica dos exercícios espirituais, entendidos como um exame mental criado por Inácio de Loyola que, depois de aperfeiçoado, tornou-se um manual de educação e ensino da religiosidade cristã católica. Tratava-se de um método rigoroso, constituído por quatro semanas de exercícios; na primeira, o exercitante era convidado a realizar orações, colóquios, penitências e arrependimentos para se livra de seus pecados e, assim, purgado e penitenciado, o exercitante passa para a segunda semana de exercícios. A principal característica desse período chamado de semana era a iluminação divina; nela, o exercitante seguia a Jesus em todos os seus passos. As tarefas do diretor espiritual, como um mediador pedagógico, era possibilitar as condições necessárias para que o exercitante chegasse a experiência interior. Imitar Cristo significa “morrer para a vida que se tem, realidade real, para ressuscitar e viver eternamente espiritualmente” (p. 64). Ao aceitar o caminho de imitação de Cristo, o exercitante entra na terceira semana que também é iluminativa. Nela, ele vivia intensamente a Paixão de Cristo com todas as implicações que ela pudesse causar. Segundo Hernandes, “o que faz a plástica e a didática dos exercícios são o sentir interiormente trazendo para a memória, entendimento e vontade as dores da Paixão” (p. 65). Pelo renascer com Cristo, o exercitante entrava na quarta semana, caracterizada como um momento de União com Deus. Os exercícios espirituais não eram simples experiências místicas mas, também, uma dramatização, representações interiores que possibilitaram aos que não viveram na época de Jesus, conhecer a história da salvação do povo de Deus. Enfi m, as dramatizações tinham como objetivo tornar possível, por meio das representações, o conhecimento das verdades do sofrimento de Cristo e, notadamente, viver a alegria de Cristo Ressuscitado.

No capítulo cinco, “Educação e cultura na América portuguesa: as reformas de Sebastião José de Carvalho Melo”, Paulo de Assunção analisa o contexto histórico de Portugal após a morte do monarca dom João V, em 31 de julho de 1750, com a nomeação de Sebastião José de Carvalho e Melo, como primeiro-ministro de Portugal. Ele, ao assumir suas funções, implementou um conjunto de medidas para ampliar o poder do Estado, por meio da centralização do poder monárquico em relação ao poder exercido pela Igreja e pela nobreza. O rompimento com a Igreja ocorreu entre 1760-1770, período em que o Estado português delegou aos tribunais civis poderes para legislar sobre assuntos de ordem pública, revogando o cumprimento dos documentos oficiais da Igreja. A reformulação institucional “procurou atuar por meio de leis que clarificassem o papel das instituições, bem como das relações entre elas” (p. 76). A reorganização do império português visava o saneamento das contas do Estado, debilitada pelos acordos celebrados entre Portugal e a Inglaterra. As transformações repercutiram também no campo subjetivo e social, influenciadas pela efervescência das idéias iluministas. “O pensamento iluminista foi profícuo na discussão da liberdade e autonomia do Estado em relação à Igreja” (p. 78). Esses debates ainda repercutiram na educação e nos sistemas pedagógicos, já que a afirmação do poder do Estado evidenciou um ideal progressista que exigia o estabelecimento de uma educação de base científica, sobretudo da formação recebida nas escolas e universidades, que se encontravam sobre a influência da educação jesuítica.

No capítulo seis, “A pesquisa em história da educação colonial”, os autores, Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Júnior discutem a produção científica no campo da educação, referente ao período colonial em que os jesuítas tiveram o domínio sobre a sistematização do trabalho pedagógico na colônia brasileira. A criação de um grupo de pesquisa, intitulado “Educação Jesuítica no Brasil colonial”, desenvolvido na UFSCAR, ligado ao Diretório de Pesquisa “Educação, História e Cultura Brasileira: 1549-1759”, liderado por José Maria de Paiva, possibilitou a análise de lacunas temáticas sobre essa produção, o que objetivou o desenvolvimento de pesquisas para ampliar a historiografia da educação brasileira desse período. Os autores, para analisarem a produção científica sobre a educação colonial, entre 1549 a 1759, estabeleceram seis categorias analíticas: a primeira, “A hegemonia dos jesuítas e a presença de sua ação pedagógica nos eventos científi cos”; a segunda, “As correntes interpretativas sobre a ação pedagógica dos jesuítas”; a terceira, “O tema nos manuais didáticos”; a quarta, “O tema em artigos e capítulos de livros”; a quinta, “O tratamento teórico-metodológico” e, por último, a sexta, “A questão das fontes”. Na conclusão, afirmaram que ainda existe uma enorme gama de assuntos não pesquisados, relacionados ao tema, sendo que as chances de estudos inéditos são maiores, porém, essa temática atrai um número restrito de profissionais em razão da necessidade de afeição com a história de nossos primeiros séculos; da disciplina de estudo para trabalhar com documentos históricos, da abrangência do campo de pesquisa em educação e a exigência de um tratamento epistemológico que dê materialidade a totalidade histórica dos primeiros séculos da formação social brasileira.

E, por fim, no capítulo sete, “Educação jesuítica no Brasil colônia: um estudo baseado em teses e dissertações”, Maria Cristina Innocentini Hayashi e Carlos Roberto Massao Hayashi analisam a produção científica sobre a educação jesuítica no Brasil colônia. Omaterial de estudo constituiu-se de teses de livre docência e doutorado e dissertações defendidas em programas de pós-graduação de instituições de ensino superior; para a coleta de materiais elegeu-se as bibliotecas digitais de teses e dissertações como fonte de pesquisa com base em uma abordagem bibliométrica. Essa abordagem consiste no estudo da atividade científi ca, visando o desenvolvimento de indicadores de avaliação da produção de conhecimento. De acordo com o levantamento bibliográfi co disponibilizado em diversas fontes de dados na Internet, das instituições de ensino superior, os resultados demonstraram que a maior parte da produção científica relacionada ao tema encontra-se em programas de pós-graduação da Região Sudeste do Brasil. A distribuição das 275 teses e dissertações realizadas possibilitou verifi car que a maioria dos trabalhos encontra-se vinculados a programas de história (119 trabalhos); educação (46); letras (16) e antropologia social (12). A análise bibliométrica da produção científica relacionada ao tema da educação jesuítica no Brasil colônia possibilitou a afirmação de que, a partir dos anos de 1990, houve um aumento significativo do número de trabalhos acadêmicos sobre a temática, sendo que a maioria desta produção concentra-se nas áreas de história e educação.

O trabalho desenvolvido pelo grupo envolve pesquisas relacionadas à presença jesuítica no Brasil colônia. Tem como centro a história da educação, defi nida como a aprendizagem da maneira de ser, a qual se constitui pela formação da identidade dos indivíduos e da sociedade. A educação e a cultura são compreendidas como dois elementos de análise do mesmo processo social; nele, a educação é ligada à aprendizagem e a cultura às formas de ser. A história, nesse contexto, é analisada com base na ação dos homens, que transformam e são transformados pelo produto de sua própria atividade material.

A disponibilização das pesquisas realizadas pelo grupo de pesquisa tem o mérito de abordar uma área de pesquisa que não tem recebido a devida atenção na área de educação. A tarefa de revisitar as fontes já conhecidas e de tratar temas também conhecidos, além de descortinar novas possibilidades interpretativas, pode apontar novos rumos e novas fontes para a pesquisa acadêmica. O livro é bem apresentado e cumpre uma importante função de apresentar, de forma acadêmica, temas e assuntos conhecidos.

A editora Arké traz ao público brasileiro uma importante referência temática da história da educação no Brasil, uma vez que a história da educação colonial é uma área pouco estudada entre os pesquisadores brasileiros que, nos últimos anos, tem ganhado expressividade com o trabalho realizado pelo Grupo de Pesquisa “Educação, História e Cultura: Brasil, 1549-1759”. Além disso, contribui para a divulgação do trabalho desenvolvido por pesquisadores da área. O livro destaca especialmente a atuação dos jesuítas no Brasil e, esse destaque, mostra a proeminência incontestável da Companhia de Jesus no campo da educação e mesmo da religião.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em educação pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP, 1996), professor no Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da UEM

Marcos Ayres Barboza – Mestre em educação (2007) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo. E-mail: [email protected]

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História da Educação | SBHE | 2001

Historia da Educacao SBHE Golpe Militar de 1964

Revista Brasileira de História da Educação – RBHE (Maringá, 2001-) é a publicação oficial da Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE).

O periódico adota a publicação contínua de artigos inéditos resultantes de pesquisas, que abordem temas associados à história e à historiografia da educação.

A RBHE tem como objetivos a ampla circulação do conhecimento e a promoção da discussão em torno dos diferentes problemas que permeiam o campo de pesquisa e ensino da história da educação, a partir de uma perspectiva interdisciplinar e plural em termos teóricos e metodológicos.

O periódico publica, também, dossiês, resenhas e entrevistas com personalidades de destaque nacional e internacional.

Periodicidade contínua.

Acesso livre.

ISSN 2238-0094 (Online)

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