Relações entre crime e gênero: um balanço | História (Unesp) | 2019

O presente dossiê reúne artigos que discutem crime e gênero em diferentes perspectivas, espaços e temporalidades. Recentemente, estudos que buscam problematizar as questões de gênero nas pesquisas históricas com fontes criminais têm ganhado destaque, significando a retomada de trabalhos que foram pioneiros na década de 80 do século XX. A importância de análises sobre os delitos femininos no cotidiano dos grupos populares, os papéis femininos, a constituição das masculinidades e o controle por parte das instituições estatais foram temas que ganharam destaque em pesquisas que hoje são consideradas referências sobre crime e gênero.

Nesse sentido, um dos primeiros trabalhos que pensou a relação entre tais temas através das fontes criminais foi o de Martha de Abreu Esteves (1989), Meninas Perdidas. Este estudo, bastante inovador na utilização das fontes criminais, analisa os padrões normatizadores da conduta sexual sugeridos por juristas e médicos, bem como os valores e normas presentes no cotidiano das relações amorosas dos grupos populares no Rio de Janeiro do início do século XX. Além do citado livro, destacam-se também, no campo da história e antropologia, os estudos de Raquel Soihet, Sidney Chalhoub, Magali Gouveia Engel, Sueann Caulfield e Marisa Corrêa. Todos eles já indicavam para a participação das mulheres nas ocorrências criminais, centrando a análise nas situações de controle da sexualidade, uma vez que apareciam com mais frequência em fontes desta natureza. Soihet (1989), no clássico Condição feminina e formas de violência, aborda as mulheres pobres e a questão da ordem urbana nas primeiras décadas da República. Com uma proposta inovadora para a época, a autora buscou analisar os aspectos variados do cotidiano das mulheres trabalhadoras, prostitutas, homossexuais e criminosas, questionando os estereótipos e apontando novas dimensões do comportamento das mesmas. Para além de apenas apresentar as vítimas enquanto objeto de controle e dominação, Soihet aponta para o exercício de poder feminino, suas perspectivas e resistências cotidianas, colocando em xeque os conhecimentos “científicos” sobre as mulheres e “desmitificando” representações universais acerca da passividade, docilidade, dependência e a natureza maternal das mesmas. Leia Mais