SerTão Plural | Revista Historiar | 2021

“(…) como o sertão é grande”.

Guimarães Rosa

A categoria Sertão foi durante certo tempo uma das tendências interpretativas do Brasil – o Sertanismo, que se pretendia capaz de dar conta do que seriam as múltiplas realidades identitárias do país, de forma considerada mais realista, substituindo o lugar do índio pelo do sertanejo, ainda que mantendo basicamente um mesmo discurso de afirmação e busca por uma identidade romântica, costurando imaginação e tradição, especialmente na trama literária. Espaço tenso de debate e afirmação de contrastes – rural, urbano, civilizado, incivilizado, acossado ora pela tradição, ora pela modernidade, o sertão já sofreu o impacto do determinismo, do romantismo, do modernismo, do tradicionalismo. De todo modo, sua pujança excede suas (in)certas fronteiras e abre caminhos para reflexões quase sempre originais, mas também espinhosas. Talvez uma das mais percucientes dessas reflexões tenha sido a de Euclides da Cunha com Os Sertões. Desde então compreendemos que não há sertão, mas sertões. Leia Mais

Sertão: espaço de fronteiras, convergências e mundo divergente / Outros Tempos / 2013

A Revista de História Outros Tempos, em seu número 15, volume 14 continua sua reformulação iniciada no número anterior. Canal de diálogo permanente de pesquisadores, esta edição trás artigos de quase todas as regiões do país, além de um do Canadá e outro do Caribe.

Com a diversidade que lhe é peculiar, a Outros Tempos publica artigo de Márcia Medeiros e Tânia Zimmermann que nos mostram a representação da figura feminina em uma análise do Conto do Homem do Mar, da obra Os Contos da Cantuária de Geoffrey Chaucer. Já Roberval Santiago e Mariléia dos Santos Cruz nos conduzem ao universo da Escola. O primeiro autor desvela as tramas da (con)vivência no pátio escolar, e Mariléia dos Santos investiga a expansão escolar em Imperatriz, o segundo município maranhense mais importante, enquanto Roberto Borges nos mostra a importância da manihot esculenta crantz ou, simplesmente, a farinha de mandioca, presente na dieta de milhões de brasileiros, e expõe a implicância de João Daniel contra o plantio da maniva e a intransigente defesa do cultivo de trigo na Amazônia.

A sequência dos artigos que compõem o dossiê deste número dedica-se ao estudo do sertão. Verbete intrinsecamente ligado à nossa história, ao cancioneiro popular, às artes cênicas, consolidado na literatura, este termo esteve presente no imaginário de viajantes e catequéticos. Sertão, sempre em oposição ao litoral, à ordem, à civilização, em outras palavras, ao que estar por ser ocupado e dominado pelos saberes. Conceito presente em documentos oficiais relativos à América portuguesa pelo menos desde 1534, a exemplo da Carta de doação da Capitania de Pernambuco.

Este Dossiê é aberto por Albertina Vicentini com artigo O sertão em Inocência de Taunay que, em 1872 apresentava o sertão como uma categoria do pensamento social brasileiro. Rafael Chambouleyron escreve sobre a polissemia dos termos sertão e sertanejo na Amazônia colonial. Marcos Clemente se utiliza da expressão euclidiana “Terra Ignota” para falar das representações elaboradas sobre o cangaço e o sertão na primeira metade do XX. Gustavo Alonso chega ao sertão por meio da sonoridade, analisando a distinção entre música caipira e música sertaneja. Elaine Pereira Rocha biografa a “sertaneja Leolinda Daltro”, como a denominou Dunschee Abranches (1959). Leolinda catequizou índios pelo sertão de Goiás e os hospedou quando estes iam ao Rio de Janeiro. Tal acolhida lhe causou desafetos como Lima Barreto que se inspirou na professora para criar a personagem Florinda. Fátima Oliveira e Marcelo de Melo viajam pelo sertão a partir do olhar de um viajante, Auguste de Saint Hilaire. Analisando um sertão não cartografado e do que há para além dessa ideia geográfica Robson William Potier mostra a construção do sertão segundo os cordéis de João Martins de Athaíde, poeta e editor. Encerrando o dossiê, Nielson Bezerra analisa um sertão próximo ao Rio de Janeiro, na passagem do Império para a República, a partir de um corpus documental da Casa de Detenção. Apresentamos ainda nossa entrevista com o professor doutor da Universidade do Vale do Rio Doce, Haruf Salmen Espíndola, autor da obra Sertão do Rio Doce, publicada pela edusc / univale. Daniel Rincon Caires resenha o livro O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico negro (c.1822- c.1853), escrito por João José Reis, Flávio dos Santos Gomes e Marcus Joaquim Maciel de Carvalho, em 2010.

Por fim, a capa desta edição é uma homenagem a todos (as) que fazem o Curso e a Pós Graduação de História. Após treze anos recebemos a tão sonhada sede.

A todos boa leitura!

Alan Kardec Gomes Pachêco Filho.

Helidacy Maria Muniz Corrêa.


PACHÊCO FILHO, Alan Kardec G.; CORRÊA, Helidacy Maria Muniz. Apresentação. Outros Tempos, Maranhão, v. 10, n. 15, 2013. Acessar publicação original [DR]

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