Trabalho livre e trabalho escravo na Antiguidade e na Idade Média e outros estudos / Varia História / 1988

Quando, em 1983, realizava-se, na Universidade Federal da Paraíba, o 1º Simpósio de História Antiga, a avalização geral da situação do ensino e da pesquisa nessa área do conhecimento no Brasil era bastante sombria, o que parece bem resumido pela Profª Vânia Leite Froes, ao afirmar: “reduzida no currículo do curso de História, praticamente eliminada do 1 º e do 2º graus pela reforma do ensino e finalmente deixada do lado pelo vestibular, onde se exige o adestramento do aluno a partir da crise do feudalismo, o papel da História Antiga no Brasil precisa ser repensado”. Palavras que podem ser aplicadas também ao domínio da História Medieval, o que provocou a proposta de que o âmbito da própria série de simpósios que então se iniciava fosse ampliado também para esse domínio, no esforço efetivo de criar os meios para repensar o papel dessas disciplinas não só nos quadros curriculares do sistema de ensino nacional, mas ainda, e principalmente, como legítimos representantes de uma esfera de produção do saber sistematicamente marginalizada desde várias décadas nas escolas, nos institutos de pesquisa e junto dos órgãos oficiais de fomento à produção científica.

Diversas propostas foram debatidas naquela ocasião, apontando para a necessidade de uma ação permanente, junto da comunidade científica e das instâncias dirigentes, o que supunha antes de tudo que os próprios professores, pesquisadores e estudantes da área se articulassem. Constatava-se como a dispersão impedia uma estratégia conjugada: professores do Aio de Janeiro desconheciam quase totalmente o que se fazia em São Paulo e vice-versa, o que fica patente, para citar um exemplo marcante, no fato, registrado nos Anais, de os primeiros ignorarem a existência, na Universidade de São Paulo, do Museu de Arqueologia e Etnologia, que conta com _um significativo acervo relativo às culturas antigas médio-orientais e clássicas. Como expressou o Prof. Ciro Flamarion Cardoso na ocasião, “a única alternativa seria que os especialistas da área se unissem em algum tipo de associação, com a finalidade de lutarem pela solução institucional (e não individual) dos problemas de sua área de atuação, entre eles o do acesso às fontes primárias e em geral aos instrumentos de pesquisa”.

O primeiro passo nesse sentido teria lugar no ano seguinte quando, por ocasião do 1º Congresso Nacional de Estudos Clássicos, promovido pela Universidade Federal de Minas Gerais, se articulou a fundação da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos, restrita não apenas a historiadores, mas englobando todos os especialistas, estudantes e estudiosos das culturas clássicas e de outras culturas com elas relacionadas. A SBEC foi fundada em 1985, iniciando um trabalho cujos frutos já se fizeram sentir desde logo. No interesse de ampliar os contatos, na busca conjunta de soluções, assumiu, quando da realização do 2ª Simpósio de História Antiga e Medieval, promovido pela Universidade Federal Fluminense, a organização do evento seguinte. Para isso, contou imediatamente com a colaboração do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, o que tornou possível a realização, em Belo Horizonte, do programa, cujos anais constituem o corpo do presente número especial da Revista do Departamento de História.

O balanço dos acontecimentos dos cinco últimos anos pode, de fato, fazer renascer a esperança. De um lado, está em processo o almejado repensar o papel da História Antiga e Medieval no Brasil, graças aos encontros periódicos dos que atuam nessas áreas e ao contato permanente proporcionado por instituições como a SBEC. Por outro lado, como conseqüência dessa mesma articulação, os órgãos de fomento à pesquisa têm dado apoio efetivo a projetos do setor, tendo sido criados mesmo programas emergenciais, como o patrocinado pela CA· PES. Finalmente, a exemplo do que aconteceu no campo das ciências da Antigüidade, formou-se e organizou-se, durante o último Simpósio, a Sociedade Brasileira de Estudos Medievais e Renascentistas. Tudo isso tem levado a uma paulatina recuperação do espaço dos estudos antigos e medievais no contexto da comunidade científica nacional, sob a égide do debate e da avaliação permanentes, requisitos indispensáveis para o desenvolvimento de trabalhos deveras sérios e cuja contribuição seja efetivamente relevante no contexto da produção não apenas brasileira, mas internacional.

Há ainda um longo caminho pela frente. O perfil de um encontro abrangente como o 3ª Simpósio constitui um retrato do que já se obteve e do que resta por conquistar. As disparidades regionais são grandes. É urgente a questão do ensino básico e médio. A situação da transmissão e da produção de conhecimento nas Universidades exige uma ação decidida e continua. O problema da formação de profissionais competentes não pode ser descurado. Não se trata, contudo, de uma avaliação pessimista. O sentimento generalizado é de que existe um largo caminho a ser percorrido, mas que o percurso é viável. Mas ainda: de que tal percurso não poderá ser vencido isoladamente por pessoas ou instituições, mas depende de um esforço conjunto capaz de dar sentido e perenidade às realizações das pessoas e instituições. Trata-se de criar tradição de trabalho científico, de fazer escola, de caracterizar um tipo de contribuição brasileira para as ciências da Antigüidade e da Idade Média sem bairrismos, sem concessões no que respeita à qualidade e sem perda da perspectiva crítica que, felizmente, vem animando esse repensar de que o presente volume dá uma mostra.

Jacyntho Lins Brandão – Universidade Federal de Minas Gerais


BRANDÃO, Jacyntho Lins. Editorial. Varia História, Belo Horizonte, v.4, n.7, set., 1988. Acessar publicação original [DR]

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