Uma introdução à história da Historiografia brasileira 1870-1970 / Thiago Nicodemo, Pedro Santos e Mateus de Faria

NICODEMO Thiago Lima historiografia brasileira
Thiago Lima Nicodemo / Foto: Jornal da Unicamp /

NICODEMO T et al Uma introducao a historia da historiografia brasileira 1 historiografia brasileiraO título é chamativo: Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). O texto oscila entre o inventário das concepções de historiador ideal e a transmutação do objeto “historiografia” ou “história da historiografia”, na duração de um século: de reflexão dispersa em necrológios e artigos de jornal à disciplina curricular da formação universitária em História.

Thiago Lima Nicodemo (Unicamp), Pedro Afonso Cristovão dos Santos (UNILA) e Mateus Henrique de Faria Pereira (UFOP), os autores, são jovens pesquisadores da área de Teoria e História da Historiografia. Tentaram se livrar da história da historiografia brasileira como inventário de homens e livros em ordem cronológica, mas enfrentaram dificuldades comuns entre os que, em grupo, querem conciliar pensamentos e práticas historiográficas díspares na exposição de um discurso sobre a matéria. Leia Mais

Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970) – NICODEMO et. al (A)

NICODEMO, Thiago Lima; SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro: FGV, 2018. 238p. Resenha de: ALMEIDA, Letícia Leal de. História da historiografia brasileira: uma apresentação do percurso historiográfico. Antíteses, Londrina, v.12, n. 23, p. 850-857, jan-jul. 2019.

A História da Historiografia é um campo de discussão que se preocupa com a profusão dos discursos historiográficos, que visam compreender as relações que se estabelecem entre os historiadores, as instituições e a História. Buscando compreender as tensões entre o passado e as representações construídas na historiografia, os historiadores que se dedicam a essa perspectiva visam refletir sobre a emergência dos discursos, preocupações, critérios de validação e confiabilidade da historiografia.

O livro Uma introdução à história da historiografia (2018) foi construído a partir dos debates travados nos encontros do Seminário Brasileiro de História da Historiografia, bem como no Núcleo de História da Historiografia e Modernidade da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP).

Em conjunto, Nicodemo, Santos e Pereira são historiadores que se têm dedicado à História da Historiografia, participando da organização dos encontros na UFOP, bem como na problematização da História da Historiografia enquanto campo de produção. Thiago Lima Nicodemo é professor de Teoria da História da Unicamp, com pesquisas desenvolvidas em torno da produção historiográfica de Sérgio Buarque de Holanda. Pedro Afonso Cristovão dos Santos é professor de Teoria da História da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA), com pesquisas sobre intelectuais do século XIX, com destaque a Capistrano de Abreu.

Mateus Henrique de Faria Pereira é professor associado de História do Brasil da Universidade Federal de Ouro Preto, com estudos em Historiografia no Tempo Presente, Intelectuais e Teoria da História.

O recorte temporal do livro visa contemplar discussões a partir da emergência da História da Historiografia no Brasil, desde o surgimento do moderno conceito de História no século XIX, além das apropriações e ressignificações das matrizes europeias no Brasil. Buscando compreender o percurso da História da Historiografia até a institucionalização da História nas Universidades e ao refletir sobre a elaboração da Cultura História brasileira e dos estudos desenvolvidos acerca desse tema, visa instaurar um lugar para as produções brasileiras na História da Historiografia. A maior parte do livro se centra no contexto após a institucionalização das Universidades.

No que se refere à História, a partir da estruturação dos cursos nas Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, partir de 1930 (FERREIRA, 2013). O mérito do texto está em apresentar um fio condutor na emergência do historiador de ofício: a partir da preocupação dos historiadores em situar-se em relação às produções anteriores, problematizando a organização da Historiografia brasileira a partir de suas próprias tensões e especificidades, rompem, assim, com a perspectiva da relação centro-periferia, discutindo a produção dos autores na organização de conceitos e de critérios para a Historiografia no Brasil.

No primeiro capítulo, os autores constroem o percurso da Historiografia enquanto campo, ou seja, relacionando problemas, aportes teóricosmetodológicos, nos quais diversos autores buscaram compreender o passado brasileiro. Utilizando um recurso do Google, o Ngram Viewer2, buscaram localizar a palavra Historiografia e seus correlatos em outros idiomas, com destaque para o inglês, espanhol, francês, italiano e alemão, ressaltando, assim, a ascensão no uso da palavra Historiografia a partir do século XX, enquanto fenômeno transnacional. O crescimento, segundo os autores, se deve à estruturação dos primeiros cursos de História nas Universidades, o que ampliou consideravelmente a produção em História (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 23 – 25).

Nos capítulos seguintes, segundo e terceiro, destacam os primeiros esforços de se pensar a Historiografia Brasileira, como os livros de José Honório Rodrigues, desde a Teoria da História do Brasil, de 1949, até História da História do Brasil e a Historiografia colonial de 1979. José Honório Rodrigues é um dos autores basilares para se compreender o processo organização do ofício do historiador, do caráter amador-ensaísta ao historiador acadêmico (IGLÉSIAS, 1988).

Desde o gênero ensaístico, que misturava História e Política, os autores apresentam a emergência de novas formas de apreensão do tempo. A divisão da Historiografia no Brasil deveria considerar a produção desde o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, em 1838, até a organização das Universidades, momento em que a História iniciou o processo de organização disciplinar, definindo seus limites, enquanto uma tradição especializada.

A partir do processo de consolidação da disciplina e da emergência do historiador profissional, os autores discutem sobre a transição entre o intelectual polígrafo e o historiador acadêmico. Nesse sentido, referenciam a produção de Capistrano de Abreu, no Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, publicado em 1878.

Nesse texto, se discutiu sobre o caminho da História Nacional, apresentando um protótipo de historiador: Transparecem as qualidades que comporiam o historiador ideal: a erudição, o conhecimento em primeira mão das fontes, aliados a uma capacidade de fazer reviver, pela escrita, os eventos estudados e de ter empatia com o objeto (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 23-25).

Varnhagen, aos olhos de Capistrano, ao apresentar preocupações com as fontes e metodologias, próprias do métier do historiador, foi destacado pelos autores como precursor da Historiografia, compondo um estilo e uma escrita.

Desse modo, a História foi tecendo uma legitimidade enquanto produção de conhecimento. Em vista disso, a produção do século XIX se deu através da acumulação de informação e de fontes, além da crítica documental (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 64).

Ao retratar Varnhagen, Capistrano apresenta uma visão mais refinada do processo metodológico, enviesado pela perspectiva de verdade em História. Os autores esclarecem que, devido à essa produção, a partir do acúmulo exaustivo das fontes, marcada pelo viés cronológico, possui uma natureza diferenciada que visava articular presente, passado e futuro.

Outro texto fundamental, destacado pelos autores, publicado em 1951 por Sérgio Buarque de Holanda, foi O pensamento histórico no Brasil nos últimos 50 anos. Para Holanda, Capistrano seria o ponto de partida para a Historiografia, enquanto processo de definição dos estudos históricos. A contribuição desse texto é de incidir sobre os anos 20 e 30, momento em que vigorou a produção ensaística.

Sérgio Buarque de Holanda produziu ensaios interpretativos, enquanto uma preocupação desse período, contemporâneo aos estudos de Gilberto Freyre e Caio Prado Júnior, que analisaram as heranças coloniais, esses escritos visavam transformar a realidade brasileira. O gênero ensaísta-síntese visava articular instrumentos teóricos, influenciados por matrizes diferentes: americana, alemã e francesa, momento em que o meio de inserção dos intelectuais se dava através da crítica literária ou do serviço público. Os autores dão destaque a Sérgio Buarque de Holanda como um intelectual de transição, entre o intelectual polígrafo e o historiador universitário (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 74 – 75).

No terceiro capítulo, a organização das primeiras Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras no Brasil, com destaque à criação da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, criada em 1934 a partir da missão francesa, e da Faculdade Nacional de Filosofia de 1939, marca o início da organização da produção acadêmica.

Porém, a consolidação dessa produção só começaria a aparecer a partir de 1950, momento em que a pesquisa em História adquire um novo sentido orientada por problemas mais delimitados e mais aprofundados (FERREIRA, 2013).

Ainda nesse capítulo, os autores aprofundam as proximidades da produção acadêmica com a produção dos ensaístas. Nas Universidades, o processo de reflexão sobre o que fora produzido desde o século XIX apresentava rupturas e continuidades.

Holanda foi um dos intelectuais que defendeu a institucionalização universitária e a valorização do trabalho acadêmico. A partir da sua produção, de Raízes do Brasil de 1934, Monções, de 1945, até Caminhos e Fronteiras, de 1957, é possível compreender a preocupação do autor com as condições sociais da produção, bem como o refinamento de uma erudição em história. A produção de Holanda refletiu sobre a mudança na concepção de métodos e dos instrumentos teórico-metodológico, para além das generalidades, e visou afirmar uma cultura acadêmica a partir do discurso do historiador profissional, atento aos dilemas do presente.

A partir da institucionalização das Universidades, no quarto capítulo, os autores buscaram compreender a repercussão da produção acadêmica, com o aumento substancial da produção em História, tanto a partir da estruturação de instituições de fomento às pesquisas, quanto com a criação de cursos universitários e de um mercado editorial que permitiu a circulação dessas produções, como a criação de revistas acadêmicas, com destaque à Revista de História da Universidade de São Paulo. Dentro dessa dinâmica, vale ressaltar que a organização das Universidades estava alinhada à preocupação com a formação de professores e não de pesquisadores, por isso o cuidado estava centrado no ensino de História e na Didática da História.

No quinto capítulo, os autores aprofundam as discussões centrais do livro, sobre a organização da História da Historiografia como campo, no I Seminário Internacional de Estudos Brasileiros de 1971. Nesse seminário, Francisco Iglésias apresenta uma das primeiras concepções de História da Historiografia, enquanto exame exaustivo dos livros sobre História do Brasil e de um roteiro de textos importantes, reafirmando o papel de Capistrano de Abreu, como marco desse tipo de reflexão.

Segundo os autores, a História da Historiografia já havia sido mobilizada em 1961, a partir da publicação da Iniciação aos estudos históricos, de Jean Glenisson, com a colaboração de Pedro Moacyr Campos e Emília Viotti da Costa, ao referirse aos desafios da relação entre Teoria da História e História da Historiografia.

História geral da civilização brasileira, lançado em 1960, é outro livro central para História da Historiografia e foi organizado por Pedro Moacyr Campos e Sérgio Buarque de Holanda, com ênfase aos estudos sobre o Brasil imperial.

A partir da afirmação da Universidade como centro de produção em História, o quinto capítulo visou compreender o reconhecimento do trabalho do historiador, bem como as preocupações dos primeiros professores universitários. Desde a organização do primeiro simpósio da Associação Nacional de Professores Universitários, que aconteceu em Marília em 1961, bem como na produção das coletâneas de José Honório Rodrigues e das produções de José Amaral Lapa, até a inserção da História da Historiografia nos currículos universitários, os autores discutem sobre as implicações políticas e teórico-metodológicas desse processo nas produções acadêmicas a partir de 1960, a partir da inserção da História da Historiografia nos currículos universitários, que conciliava tanto a análise da produção dos historiadores quanto a História da História, esta como sinônimo de História da Historiografia.

Foi a partir de 1970 que se deram os embates em torno da inclusão da História da Historiografia enquanto disciplina separada da Teoria da História, presente nas produções de José Roberto do Amaral Lapa. Para este, a História da Historiografia deveria analisar criticamente a produção dos historiadores e a transformação do pensamento histórico, o que significava afirmar que a História da Historiografia possuía um objeto próprio, teorias e metodologias. A reafirmação desse campo rejeitava uma análise centro-periferia, pois buscava construir marcos a partir da própria produção historiográfica, não mais marcos políticos, como a fundação do Instituto Histórico Geográfico Brasileiro ou das Universidades. Além do mais, propunha uma investigação sobre métodos, pressupostos teóricos e formas de se escrever a Historiografia brasileira.

Isto posto, os autores buscaram compreender a organização do campo da História da Historiografia, embates e dilemas, expressos desde os primeiros textos reflexivos como em Capistrano de Abreu e Sérgio Buarque de Holanda, a organização das coletâneas como as de José Honório Rodrigues, até a institucionalização da disciplina nos currículos universitários. Enfim, o processo de composição de uma cultura histórica que aos poucos se tornou universitária, a partir do adensamento de projetos políticos, compreendendo sua dimensão prática e política. Como destacado pelos autores: Os tempos são de disputas intensas pelo passado e a dimensão ético-política da escrita da história volta a ser central. Também é hora de pensar nas práticas dos historiadores do passado, incluindo nossos mestres, como práticas arqueologicamente investigáveis. Também é hora de pensar se não é momento da história da historiografia e da teoria da história irem além (NICODEMO; SANTOS; PEREIRA, 2018, p. 186).

Tal permite-nos compreender o processo de transformação da escrita em História no Brasil, bem como a organização de métodos e conceitos que consolidam a História da Historiografia.

A História da Historiografia, nesse sentido, permite compreender os balanços do fazer histórico, a partir da investigação sistemática acerca dos discursos produzidos sobre o passado, refletindo sobre as memórias construídas pelos autores em suas obras, suas posições teórico-metodológicas, tensões em torno da escrita da História, que, sob uma perspectiva presentista após os anos 70, visam compreender as novas experiências de apreensão do tempo.

O livro traz uma importante contribuição à historiografia, desde o recorte temporal realizado pelos autores, de 1870 a 1970, que permite compreender o percurso da História da Historiografia no Brasil. Por tratar-se de um balanço do tema, possibilita aos pesquisadores principiantes se inteirar dos debates, conhecer autores referenciais, enfim, compreender a especificidade da escrita da História no Brasil, além de vislumbrar um campo de pesquisa em plena expansão, como muitas fontes inéditas, novos problemas de pesquisa, à luz de novas perspectivas teórico-metodológicas.

Referências FERREIRA, Marieta de M. A História como ofício: a constituição de um campo disciplinar. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2013.

IGLÉSIAS, Francisco. José Honório Rodrigues e a historiografia brasileira. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 55 – 78, 1988.

NICODEMO, Thiago Lima; SANTOS, Pedro Afonso Cristovão dos; PEREIRA, Mateus Henrique de Faria. Uma introdução à história da historiografia brasileira (1870-1970). Rio de Janeiro: FGV, 2018. 232 p.

Notas

2 O Google Ngram Viewer é um recurso do Google que mapeia a frequência da palavra pesquisada a partir de fontes de 1500 a 2008.

Letícia Leal de AlmeidaProfessora na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Doutoranda no Programa de Pósgraduação em História da Universidade Estadual de Santa Catarina. Email: leticialeal.[email protected].

Acessar publicação original