Cavalaria e Nobreza: Entre a História e a Literatura | Adriana Zierer, Álvaro Alfredo Bragança Junior

As relações entre História e Literatura já não são novidade nos corredores das universidades pelo mundo e no que diz respeito ao prazeroso ofício da medievalística, entendemos que ela se apresenta como condição sine qua non para uma percepção mais ampla dos poderes e das culturas do Ocidente e Oriente medievais. Ao mesmo tempo, é inevitável não afirmar que refletir sobre o medievo sem se atentar para os discursos historiográficos e literários seria o mesmo que partir para uma batalha desguarnecido de proteção.

Adriana Zierer, reconhecida pesquisadora e medievalista, docente da Universidade Estadual do Maranhão, e Álvaro Alfredo Bragança Jr., um dos mais importantes germanistas brasileiros e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, fizeram justiça as suas longas caminhadas acadêmicas e trazem a público este fundamental Cavalaria e Nobreza: Entre a História e a Literatura (Eduem, 2017). Mais do que um apanhado revisto e aprofundado de suas reflexões sobre cavalaria e nobreza, os autores vão além e possibilitam aos seus leitores – pesquisadores formados e em formação e, por que não?, o grande público – uma pertinente abordagem que faz dos temas cavalaria, nobreza, história e literatura um laboratório de profícuo diálogo entre conceitos, métodos e teorias.

O serviço prestado na reunião de alguns trabalhos que, até então, encontravam-se em veículos diversos e a exposição de outros inéditos, é algo que deve ser exaltado e, ao mesmo tempo, uma última característica de fundo necessita de luz: a contribuição que este livro traz a um campo cada vez maior em nosso país: O estudo da guerra!

Mesmo que os professores Adriana Zierer e Álvaro Bragança Jr. não tomem a guerra como objeto principal da publicação, é inevitável não reconhecer que suas investigações a respeito das representações da cavalaria medieval e, consequentemente, da nobreza, tanto na historiografia quanto na literatura são pilares importantes para, cada vez mais, pesquisadoras e pesquisadores interessados na guerra medieval tenham uma bussola, um Norte que os guie.

Dividido em três partes, Cavalaria e Nobreza: Entre a História e a Literatura foi pensado de modo que a Idade Média não soasse como um aspecto distante da nossa própria cultura, é possível até afirmar que os textos, e seus resultados, apresentados na primeira parte, intitulada A formação da Cavalaria no Ocidente – Ethos de uma ordem e ordens para atos, são um exemplo marcante de uma arqueologia da cultura cavaleiresca. Como não aprender e apreender com as conclusões expostas por Bragança Jr. em Do guerreiro germano ao cavaleiro do século XIII – personagens históricos e modelos civilizacionais no mundo germânico continental: faces e interfaces (p. 43-56)? Ou com as reflexões de Zierer nos textos O modelo pedagógico de cavaleiro segundo Ramon Llull (p. 137-154) e O mundo da cavalaria no século XIII na concepção de Ramon Llull (p. 175-200)? Os leitores mais atentos perceberão a cada parágrafo a preocupação dos autores com o método e a teoria, logo, nos diálogos possíveis entre a História e a Literatura. A interdisciplinaridade pulsa e nos arrasta ao desafio de encarar a primeira parte do livro como um modelo a ser seguido. Ao mesmo tempo, o manejo documental e o arcabouço do estado da arte nos temas tratados servem aos mais jovens como um atalho às boas e necessárias revisões historiográficas e de literatura cobradas nas monografias e pré-projetos de mestrado e doutorado.

Como dito anteriormente, mesmo que o fazer a guerra stricto senso não tenha sido objeto de larga reflexão, isso não significa que as atuações, estratégias e mesmo a pedagogia bélica não façam parte de suas preocupações. A experiência dos autores demonstra muito bem que a mesma impossibilidade de se pensar o medievo sem a Igreja Cristã também é encontrada ao se analisar os aspectos da própria cultura política e literária oriundas da Cavalaria e que legaram para a posteridade modelos comportamentais que viajaram pelos mares e desaguaram em terras distantes de suas origens (para o bem ou para o mal).

Mas antes de partirmos para a análise do elo cultural que a publicação nos demonstra muito bem, vale relembrar que o mundo da cavalaria seria opaco sem as relações entre homens e mulheres e a isto, de certo modo, se dedica a segunda parte do livro, intitulada Entre cavaleiros e damas.

Nos quatro capítulos que a compõem, mais uma vez temos o pertinente exemplo de manejo documental e do exercício prático entre a História e a Literatura. Dessa vez, parte do leque de documentação gira em torno da Demanda do Santo Graal, conhecida novela de cavalaria redigida na França do século XIII. Zierer, tanto no primeiro como no segundo capítulos, presentes nessa segunda parte, faz valer sua afirmativa sobre o documento em questão:

Através deste livro [A Demanda do Santo Graal] podemos observar os aspectos da cavalaria, seu papel na sociedade e uma tentativa de suavização nos seus costumes, através da imagem de um cavaleiro perfeito, modelo a ser mostrado à nobreza da época, envolvida em disputas por territórios e guerras privadas (p. 233).

De fato, a literatura cavaleiresca produzida durante a Idade Média é um dos mais importantes – não o único – para podermos entender melhor as ações dos agentes históricos dedicados ou não à guerra. Não podemos nos esquecer que, no que tange às relações de poder naquele período, a tentativa de contenção do poder de violência é um tema que se arrastará continuamente e que estava presente insistentemente na literatura medieval.

Por outro lado, além da violência, a sexualidade e a religiosidade pulsantes na Idade Média eram outra margem de preocupação de tais agentes (eclesiásticos, sobretudo). Não há como ignorar que a misoginia medieval se constituía como o mote que impulsionava grande parte dos escritos religiosos cristãos. Contudo, Zierer demonstra em Entre Ave, Eva e as Fadas: as visões femininas na Demanda do Santo Graal (p. 251-273) que:

Apesar de imaginarmos que só existe a imagem feminina negativa no relato, ao analisarmos mais detidamente a visão sobre elas, percebemos que as mesmas possuem um caráter ambíguo, mesmo as consideradas pecadoras, como Guinevere (Genevra), Iseu (Isolda) e Morgana (Morgaim), em virtude de sua valorização em outras narrativas medievais e do fundo céltico do texto (p. 252).

A autora parte então para um interessante estudo de História do Imaginário aprofundando a importância da mulher na Demanda do Santo Graal e nos apresentando resultados que não deixam de ser surpreendentes.

Seguindo na mesma linha de inserção do feminino como preocupação para um melhor entendimento da cultura cavaleiresca, Álvaro Bragança Jr. se debruça analiticamente no texto Der arme Heinrich, romance em versos redigido por Hartmann von Aue. Para o germanista, Der arme Heinrich, talvez seja, a seu ver, “dentre toda a produção romanesca do autor, aquela que melhor sintetiza a união perfeita do homem d’armas ao homem de espírito cristão” (p. 276). Seguindo de perto a herança dubyniana, Álvaro Bragança Jr. vai além do que foi o tradicional e importante estudo apresentado pelo medievalista francês em O cavaleiro, a mulher e o padre (1988). O medievalista e germanista brasileiro traz luzes à uma “melhor compreensão do fazer literário em terras germanófonas, em especial no tocante aos pontos convergentes entre a vida ideal e a representação da realidade através da arte da palavra” (p. 275).

Ao mesmo tempo, ele está preocupado em entender e explicar a lógica literária e, consequentemente, a representação social da mulher no documento analisado juntamente ao masculino, neste caso, o cavaleiro. Por esse motivo o modelo de estudo de Georges Duby é importante para suas reflexões, porém, como dito, o autor abre um leque que vai muito além ao conhecido modelo da França feudal. Mais uma vez, um pertinente exemplo de embasamento metodológico é exposto aos leitores.

Em se tratando de metodologia, no último capítulo da segunda parte, intitulado Der arme Heinrich, de Hartmann von Aue – Introdução à proposta de tradução (p. 285- 329), o autor nos brinda com uma tradução sua desta riquíssima fonte do médio-altoalemão, língua que muitas vezes grande parte dos escolares, infelizmente, não domina. É uma oportunidade ímpar aos leitores de terem acesso ao documento em português.

Como procurei insistir, em Cavalaria e Nobreza: Entre a História e a Literatura, Adriana Zierer e Álvaro Bragança Jr., não se limitam apenas em dar mostras da erudição que carregam como pesquisadores reconhecidos no campo, sob suas mãos a Cavalaria vai além do que um elã histórico, ela é um verdadeiro objeto de reflexão numa longa duração sobre a Idade Média, como tão bem nos apresentou um dia Jacques Le Goff.

Seguindo em marcha os autores fecham o livro com uma terceira parte intitulada Cavalaria e Contemporaneidade.

A atenção prestada por eles ao impacto da representação cavaleiresca na sociedade contemporânea é a mostra do papel social que os historiadores devem procurar exercer. Ao mesmo tempo, é a comprovação acadêmica do quanto a História e a Literatura caminham de mãos dadas.

Os dois capítulos que finalizam o trabalho – ratifico – são a demonstração cabal da importância do estudo da Idade Média nas escolas e universidades brasileiras. Um medievo que não se limita ao seu próprio passado, mas que se reapresenta, é manuseado, refeito, redescoberto constantemente e que nos lega a nos questionarmos constantemente os limites entre o passado e o presente. Ou melhor, os passados e os presentes!

Em O Germano e os Ritter a serviço do Nacional-socialismo – Propaganda e reapropriação política dos germanos e dos cavaleiros medievais na Alemanha dos anos 40 (p. 333-349) e Coração de Cavaleiro (2001): Uma visão contemporânea do guerreiro medieval (p. 351-377), Álvaro Bragança Jr. e Adriana Zierer, respectivamente, adentram a seara do contemporâneo deixando aos leitores importantes exemplos dos usos e desusos, da mitologia e dos mitos relacionados ao período medieval, especificamente no caso da Cavalaria e dos cavaleiros.

A conclusão a que chegamos é que a pergunta colocada pelos autores em sua Apresentação: “Por que estudar a cavalaria é importante em nossos dias?” (p. 15), é devidamente respondida sem rodeios por eles. A(s) resposta(s), o(s) motivo(s), etc., nos são apresentados com a receita infalível do bom uso da erudição através da análise documental; da teoria, por meio das demonstrações do apurado conhecimento dos métodos da História e da Literatura… Mas, principalmente, por uma segurança na narrativa que somente os bons professores carregam em suas bagagens e esse tipo de característica só é possível de ser alcançada com o tempo de muito esforço e dedicação.

Cabe agora ao público leitor, com o cuidado que a obra merece, mergulhar profundamente em cada um desses capítulos e ir além, sempre.

Bruno Gonçalves Alvaro – Professor Adjunto IV de História Medieval do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Sergipe. E-mail: [email protected]


ZIERER, Adriana. BRAGANÇA JUNIOR, Álvaro Alfredo. Cavalaria e Nobreza: Entre a História e a Literatura. Maringá: Eduem, 2017. Resenha de: ALVARO, Bruno Gonçalves. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.18, n.2, p. 131- 135, 2018. Acessar publicação original [DR]

Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média | Adriana Zierer

Os estudos históricos sob a perspectiva do imaginário vêm se revelando uma tendência cada vez mais presente nas investigações sobre o medievo, incentivada, sem sombra de dúvida, pelos trabalhos de Jacques Le Goff acerca do imaginário medieval, que ele aborda em obras como O imaginário medieval, O nascimento do Purgatório e, mais recentemente, Heróis e maravilhas da Idade Média. No seu entender, entre as fontes passíveis de serem utilizadas pelos historiadores, são as obras literárias e artísticas que despontam como documentos privilegiados para o estudo do imaginário.[1]

Tal influência se encontra em Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média, livro da Prof. Dra. Adriana Zierer, docente da UEMA e professora colaboradora do Mestrado em História Social da UFMA. O subtítulo, ao fazer alusão à obra coletiva anterior, publicada em 2010 sob sua coordenação, é indício de sua constante jornada pelos caminhos do maravilhoso e das representações simbólicas e imaginárias da Idade Média, uma vez que as fontes literárias e artísticas constituem o ponto de partida da autora. O livro reúne 21 trabalhos publicados em periódicos e livros diversos entre 2000 e 2011, que estão distribuídos nas seis grandes temáticas sobre as quais Adriana Zierer se debruçou ao longo desse período, a saber: Ilhas Míticas e Paraíso Terreal; Viagens Imaginárias ao Além; Diabo na Idade Média; O Rei Artur, o Graal e o Uso Político; Simbolismo do Rei Medieval; e Santidade, Guerra e Paganismo na Antiguidade e Idade Média. Do total de artigos, dois foram escritos em coautoria com o Prof. Dr. Ricardo da Costa, da UFES, e um foi realizado em conjunto com Solange Pereira Oliveira, mestranda da UFMA.

E o que era a Ilha dos Bem-Aventurados que dá nome ao livro? Segundo a mitologia de povos de fundo céltico, era o local da abundância e da imortalidade (p. 25), sendo que alguns sinônimos também desfilam ao longo do livro. Ilha Afortunada, noção que já existia entre os gregos, explicada depois por Isidoro de Sevilha e na Baixa Idade Média, se fundiu com a noção da Ilha Céltica de Avalon, a Ilha das Maçãs (Insula Pomorum) (p. 26). Ou Ilhas Abençoadas (p. 38); ou, ainda, Outro Mundo – terra dos seres feéricos e da abundância infinita (p. 38). Quanto ao Paraíso Terreal, a concepção cristã o situava em algum lugar do Oriente, mas em local inacessível aos seres humanos (p. 31).

A preocupação com a morte era uma constante, e os modelos de salvação estão exemplificados através das narrativas sobre São Brandão (Navigatio Sancti Brendani Abbatis) e Santo Amaro (Vida de Sancto Amaro), ambas permeadas pela influência dos imrama, relatos irlandeses de navegação pelo mar (p. 43). Igualmente preocupada com a salvação da alma estava a viagem imaginária Visio Tundali (Visão de Túndalo), obra produzida no século XII em latim e traduzida para o português no século XV. Ao explicar os tormentos do Além através do diálogo entre o nobre cavaleiro Túndalo e o anjo, o caráter didático da obra fica evidenciado, levando Adriana Zierer à conclusão de que a salvação “[…] era a preocupação fundamental dos medievos mais pelo pavor do castigo que pelo anseio do Céu. Quanto a atingi-la, representava uma árdua batalha para a alma humana, que se debatia entre o desejo dos prazeres e o terror do abismo infernal”. (p. 103). Esse Além cristão, inicialmente dividido em Paraíso e Inferno (p. 32), foi ampliado no século XII quando da criação de um lugar intermediário, o Purgatório (p. 33). A salvação da alma realizava-se, portanto, através de deslocamentos espaciais, e estes incluíam as peregrinações em busca de relíquias (p. 31). Mas a incerteza quanto ao destino final – Paraíso ou Inferno – de cada indivíduo também podia se fazer representar pela Roda da Fortuna, metáfora medieval da instabilidade e da fugacidade do tempo, e objeto do artigo escrito em conjunto com Ricardo da Costa a partir de um estudo comparado entre a Consolatio Philosophiae de Boécio (séc. VI) e a Ars de Ramon Lull (séc. XIII), e que conclui com a afirmação de que “[…] todas as glórias do mundo terrestre serão um dia julgadas pelo Juiz Supremo, e os que estavam no alto da Roda, poderão cair no Inferno, ao passo que as almas dos bons viverão na eterna bemaventurança, ao lado de Deus” (p. 329).

Mas o personagem que ocupa uma parte bastante significativa nos trabalhos de Adriana Zierer é aquele que, no entender de Jacques Le Goff, foi, entre os séculos VI e XVI, um personagem novo e específico da história: o rei medieval.[2] De fato, este personagem é objeto de nove artigos, dos quais oito giram em torno do que a autora identifica como a “lenda do rei perfeito” (p. 156): o rei Artur. Seu uso político estaria vinculado aos reis anglo-normandos, em especial Henrique I (1100-1135) e, principalmente, seu neto, Henrique II (1154-1189), conhecido como Plantageneta. Muito embora a figura de Artur possa ser encontrada já no século VIII, na Historia Brittonum, de Nennius, foi no século XII, a partir da Historia regum Britanniae, de Geoffrey de Monmouth, que Artur recebeu um papel de destaque na literatura ocidental (p. 157). Adriana Zierer sustenta que tal obra, realizada por encomenda de Henrique I, passou a ser usada para fins políticos, uma vez que objetivava estabelecer uma associação entre os reis anglonormandos e a antiga linhagem bretã através de Artur, seu mais nobre representante (p. 158). Quanto à cristianização do mito arturiano, esta tem no Graal seu elemento mais expressivo. Introduzido por Chrétien de Troyes no romance Perceval, o Graal, inicialmente uma escudela, foi cristianizado ainda no final do século XII por Robert de Boron, que o transformou no cálice usado por Jesus na Última Ceia, e onde José de Arimatéia recolheu o sangue de Cristo na cruz (p. 161). Apenas Galaaz, o cavaleiro perfeito, porque puro, consegue encontrar o Graal, que para Zierer era “[…] ao mesmo tempo um alimento corporal e espiritual, uma visão indescritível banhada de luz, que ascendeu ao céu, juntamente com Galaaz, após a visão dos seus mistérios” (p. 162).

A santidade, crença tão marcante no medievo, também recebeu a atenção de Adriana Zierer, que juntamente com Ricardo da Costa, se dedicou ao estudo da Vida de Macrina, em artigo que analisa o conceito de santidade e de ascetismo feminino, bem como a importância da virgindade para o Cristianismo do século IV. Mas a Antiguidade também fornece elementos para outros estudos de Adriana Zierer sobre o período medieval, como no artigo sobre a imagem do herói no poema Waltharius, produzido entre os séculos IX e X, e no qual Zierer identifica atributos de heróis clássicos – como Ulisses e Enéias – nos principais personagens masculinos, Valtário da Aquitânia e Hagen, guerreiro franco. Ou, ainda, através das analogias entre a simbologia da cabeça cortada entre os celtas e o mito grego da Medusa, no artigo que encerra a publicação.

A par dos documentos literários, vários artigos incluem imagens, cuja inserção não se restringe a um caráter meramente ilustrativo, uma vez que são utilizadas como fontes de cunho artístico para a análise das temáticas abordadas, como por exemplo, no artigo sobre os significados medievais da maçã, cujo ponto de partida consiste em documentos iconográficos, no caso duas obras de Lucas Cranach, o Velho, ambas do século XVI: Adão e Eva e A Virgem e o Menino (p. 20 e 22). Entre as imagens selecionadas, predominam as produzidas no século XV, tais como Os Sete Pecados Capitais, de Hieronymus Bosch (p. 92); O Juízo Final, de Fra Angelico (p. 96 e 99); Túndalo e o Anjo com os fiéis no casamento (p. 121); e O Santo Graal na corte do rei Artur (p. 223), só para mencionar algumas, confirmando a permanência de imaginários medievais sobre o Além e sobre o ciclo arturiano no alvorecer da cultura renascentista.

As análises de Adriana Zierer contém, ainda, um viés comparativo, sintetizado pela autora em forma de quadros bastante elucidativos, como O Além em Obras dos Séculos II e III (p. 80), no qual compara os Apocalipses de Baruch, Esdras, Pedro, Paulo e o IV Livro de Esdras; ou no quadro sobre Artur como Guerreiro e Rei Cristão (p. 168), onde compara a trajetória dos atributos do referido rei nos séculos VIII, XII e XIII na Historia Brittonum, na Historia regum Brathair Britanniae e em La Queste del Saint Graal, respectivamente; ou o papel de Artur nas fontes ibéricas medievais, através de comparações entre o Libro de las Generaciones e o Nobiliário do Conde Dom Pedro (p. 245, 246, 247, 253 e 259).

Da Ilha dos Bem Aventurados à Busca do Santo Graal alcança, portanto, o intuito de sua autora, para quem o livro “[…] contribui com a constante necessidade de formação e aperfeiçoamento dos pesquisadores dos estudos medievais e que contribuirá com o surgimento de novas pesquisas na área” (p. 18).

Notas

1. LE GOFF, Jacques. L’imaginaire médiéval. Paris: Gallimard, 1985, p. III.

2. LE GOFF, Jacques. Rei. In: LE GOFF, Jacques; SCHMITT, Jean-Claude (coord.). Dicionário temático do Ocidente medieval. Bauru, SP: Edusc, 2006, v. II, p. 395.

Maria de Nazareth Corrêa Accioli Lobato – Doutoranda em História Comparada – UFRJ [email protected]


ZIERER, Adriana. Da Ilha dos Bem-Aventurados à busca do Santo Graal: uma outra viagem pela Idade Média. São Luís: Editora UEMA, 2013. Resenha de: LOBATO, Maria de Nazareth Corrêa Accioli. Brathair – Revista de Estudos Celtas e Germânicos. São Luís, v.13, n.2, p. 129-132, 2013. Acessar publicação original [DR]