A Marinha Brasileira na era dos encouraçados/ 1895-1910. Tecnologia/ Forças Armadas e política | João Roberto Martins Filho

Até o outono da marinha veleira o Brasil podia ser considerado uma potência naval. O arsenal da Marinha e outros armadores empregavam madeiras e saberes há muito disponíveis para construir e manter grande variedade de navios. O avanço da Revolução Industrial trouxe o vapor e as estruturas metálicas; já a Revolta da Armada, no início da República, destroçou boa parte da Marinha brasileira, de modo que o seu poder naval no final do século XIX tornou-se uma sombra do que fora cinquenta anos antes. O livro do João Roberto Martins Filho investiga os caminhos, motivações e implicações do processo de modernização naval brasileiro, que, em meio à febre tecnológica dos encouraçados, procurou reposicionar a Marinha brasileira entre as potências mundiais.

A obra é resultado de ampla pesquisa em diferentes acervos no Brasil e na Inglaterra, país que recebeu as encomendas brasileiras, bem como de uma extensiva e enriquecedora revisão dos debates a respeito do impacto da tecnologia nas marinhas da virada do século XIX para o XX e das doutrinas navais da época. O estudo chama atenção para o efeito desestabilizador sobre a política que os processos tecnológicos podem assumir. No caso, trata-se dos dreadnoughts, poderosos, modernos e caríssimos encouraçados que representaram uma ruptura tecnológica e estratégica. E o Brasil, imediatamente após o lançamento do primeiro navio da classe pela Marinha britânica, assumiu a compra de nada menos que três deles e de uma considerável frota de navios de menor porte. O impacto do programa naval de 1906 afetou seriamente as relações com a Argentina, cujas tensões acentuaram-se fortemente. Alterou o equilíbrio naval na região, uma vez que Argentina e Chile retomaram os gastos com suas Marinhas de guerra e também encomendaram dreadnoughts. Além disso, João Roberto assinala a importância da tecnologia importada na eclosão e no desenlace da Revolta dos Marinheiros de 1910, ocorrida poucos meses após a chegada dos encouraçados Minas Gerais e São Paulo à baía da Guanabara.

O primeiro capítulo realiza um diagnóstico da Marinha brasileira no final do século XIX, no qual a debilidade de meios e pessoal fica bastante clara. Contudo, sua principal contribuição é a recuperação do animado debate movido na imprensa nacional a respeito da modernização naval brasileira. A recepção da obra de Mahan, a percepção dos protagonistas do que se passava nos demais países, inclusive as chamadas “potências menores”, revelam a sintonia do debate doméstico com as diferentes doutrinas da época, mostrando que não era tributário apenas do debate naval britânico.

O segundo capítulo aborda os programas navais de 1904 e 1906 dos almirantes Julio César Noronha e Alexandrino de Alencar. Mais do que descrever os programas, suas contradições e controvérsias, o autor avança em relação à historiografia ao apontar o papel desempenhado pelos estaleiros e seus agentes, sobretudo na inflexão em favor da compra dos poderosos dreadnoughts. O papel dos estaleiros e do mercado de navios de guerra é desdobrado no capítulo seguinte, no qual é assinalada a importância das compras de países como o Brasil para a economia de escala da indústria naval das grandes potências e para a corrida armamentista do início do século XX.

O quarto capítulo analisa o impacto da encomenda dos encouraçados na política externa. De um lado havia a suspeita de que os “misteriosos” dreadnoughts brasileiros fossem vendidos a alguma das grandes potências ou que simplesmente o Brasil estivesse servindo de fachada, o que certamente romperia o delicado equilíbrio entre elas. Por outro lado, a simples divulgação da encomenda desestabilizou as relações de poder entre os países da região e gerou uma aguda crise com a Argentina. Havia ainda uma disputa entre a Inglaterra e a Alemanha por contratos militares com o Brasil, momento em que oficiais do Exército brasileiro começaram a estagiar nas forças do Kaiser e que se chegou a cogitar a contratação de uma missão militar alemã.

O último capítulo narra, inicialmente, a festiva chegada dos encouraçados ao Rio de Janeiro e sua calorosa recepção pela imprensa e pela população. Difundia-se a ideia de que um novo mundo de modernidade se descortinava à nação; no entanto, o autor assinala o abismo que se abria entre as modernas máquinas importadas e a precária formação de oficiais e praças da Marinha. O Brasil adquirira uma frota moderna, mas em nada investira no pessoal e pouco mudara os violentos métodos disciplinares a bordo. Chega a ser espantoso que em toda a obra só há referência a um único oficial da Marinha que, somente em 1910, tenha sido designado para estagiar na Marinha britânica. A revolta que eclodiu neste ano, por sua vez, é abordada pelo prisma do “peso dos símbolos”, no qual a imagem de modernidade, o poder destrutivo e o custo dos navios teriam influenciado tanto a eclosão junto aos marinheiros quanto o seu desfecho com a anistia concedida pelo governo.

Como não poderia deixar de ser, a pesquisa de João Roberto suscita novas indagações ao tema, como, por exemplo, o impacto da renovação naval no Exército e nas relações entre as forças. Permanece ainda obscuro quantos, por quanto tempo e o que fizeram os marinheiros brasileiros que permaneceram na Inglaterra. Amparado em extensa pesquisa, o livro apresenta também algumas imagens do lançamento dos navios e dos anúncios dos estaleiros em revistas da época. A obra é redigida de forma concisa e direta, proporcionando agradável e instigante leitura.


Resenhista

Eduardo Munhoz Svartman – Doutor em Ciência Política. Docente do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em História da UPF.


Referências desta Resenha

MARTINS FILHO, João Roberto. A Marinha Brasileira na era dos encouraçados, 1895-1910. Tecnologia, Forças Armadas e política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010. Resenha de: SVARTMAN, Eduardo Munhoz. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 10, n. 2, p. 425-427, jul./dez. 2010. Acessar publicação original [DR]

ALMEIDA Maria Fernanda Lopes (Aut), Veja sob censura: 1968-1976 (T), Jaboticaba (E), CRESCÊNCIO Cintia Lima (Res), História (HDTr), Revista Veja, Censura, Séc. 20, América – Brasil


Resenhista

Cintia Lima Crescêncio Doutoranda do Programa de Pós Graduação em História Cultural da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)


Referências desta Resenha

ALMEIDA, Maria Fernanda Lopes. Veja sob censura: 1968-1976. São Paulo: Jaboticaba, 2009.   Resenha de: CRESCÊNCIO, Cintia Lima. Leia e veja na revista Veja. História Debates e Tendências. Passo Fundo, v. 11, n.1, p. 157-159, jan./jun. 2011. Acesso apenas pelo link original [DR]

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