Arthur Schopenhauer no Brasil: em memória dos 150 anos da morte de Schopenhauer – REDYSON (V-RIF)

REDYSON, Deyve (Org.). Arthur Schopenhauer no Brasil: em memória dos 150 anos da morte de Schopenhauer. João Pessoa: Ideia, 2010. Resenha de: DEBONA, Vilmar. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.2, n.2, p.216-221, 2011.

Diferentemente do que se sucedeu até o final dos anos 80 do século passado, temos percebido que as pesquisas desenvolvidas no Brasil sobre o pensamento de Schopenhauer vêm se tornando mais profícuas durante as duas últimas décadas. Atestam esta constatação (i) as cinco edições bianuais do Colóquio Internacional Schopenhauer do Brasil, iniciadas em 2001, na cidade de Curitiba (PR), e promovidas pela Sociedade Schopenhauer do Brasil1 em parceria com os Programas de Pós-Graduação em Filosofia das Universidades anfitriãs, (ii) as cinco edições anuais do Encontro Para saber mais Schopenhauer, iniciadas também em Curitiba, em 2007, (iii) o fortalecimento do GT-Schopenhauer, da Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF), (iv) a fundação, no primeiro semestre de 2010, da Revista Voluntas: Estudos sobre Schopenhauer, (v) as três edições do Encontro Nietzsche-Schopenhauer organizado pelo Grupo de Estudos APOENA, da Universidade Federal do Ceará, (vi) as publicações de traduções de parte significativa da obra do pensador que se somam àquelas que ainda estão sendo preparadas, (vii) além da produção de artigos, resenhas, capítulos de livros e livros de reconhecida qualidade.

O livro Arthur Schopenhauer no Brasil, cuja valiosa iniciativa devemos ao professor Deyve Redyson, da Universidade Federal da Paraíba, além de ser motivado pelo contexto da memória dos 150 anos da morte do filósofo, rememoradas em 2010, soma-se de forma especial às atividades listadas acima e ao espectro da produção acadêmica levada a cabo pela Schopenhauer-Forschung brasileira. A obra foi lançada durante a reunião do GT-Schopenhauer no XIV Encontro da ANPOF, na cidade de Águas de Lindóia (SP), em outubro de 2010. Nela estão reunidos dezenove textos de alguns dos mais importantes pesquisadores brasileiros da opera schopenhaueriana, dentre os quais podemos citar: Jair Barboza, Jarlee O. Salviano, Flamarion C. Ramos, Lean [DR] o Chevitarese, Kleverton Bacelar etc, assim como um importante texto da professora Pilar López de Santa María, da Universidad de Sevilla, pesquisadora que verteu a quase totalidade da obra do pensador para a língua espanhola.

No primeiro capítulo do livro, intitulado Três prefácios e alguns retratos: Schopenhauer e suas fisionomias, o professor Jair Barboza (UFSC) apresenta-nos uma reflexão sobre alguns dos elementos distintivos da filosofia do pensador a partir dos três prefácios de sua obra magna e de três conhecidas imagens do filósofo: o óleo sobre tela de Sigismund Ruhl (1815-18), que apresenta um Schopenhauer jovem, seguro, confiante, sereno e radiante, nas palavras de Cosima Wagner (Cf. Hübscher); a imagem de Johannes Schaefer (1855) que, no contexto da severa crítica à filosofia universitária e à “hegeliaria”, revela a fisionomia de um Schopenhauer mau humorado; e o óleo sobre tela de Jules Lunteschuetz (1859) que, na visão de Barboza, apresenta um Schopenhauer rejuvenescido, algo atestado no curto prefácio à terceira edição de O mundo devido à concretização da tão esperada fama e do, naquele momento, triunfante sistema.

No segundo capítulo, La crítica de Schopenhauer a la ética kantiana, lemos uma detalhada análise da professora Pillar López (Univ. de Sevilla) sobre em que medida o fato de, em geral, a etiqueta identificadora do pensamento kantiano consistir em elementos concernentes à sua crítica do conhecimento, e, no caso de Schopenhauer, na metafísica da vontade e no pessimismo, isso não impede o reconhecimento da importância histórica que têm as discussões sobre a ética em ambos os pensamentos. Ao partir do pressuposto de que a discrepância entre esses dois autores seja máxima no que respeita à ética, a autora propõe-se a contemplar cada um desses pensamentos, assim como o confronto de Schopenhauer em relação a Kant, como corretivo frente aos excessos de cada um deles (cf. p. 23).

Já no terceiro capítulo, sob o título de Fazer da natureza uma morada: a Sinnlichkeit de Feuerbach e a Vorstellung de Schopenhauer, Deyve Redyson (UFPB) analisa alguns pontos de contato entre esses dois pensadores que, segundo o autor, estão envolvidos nas mesmas questões filosóficas de sua época, como a filosofia da religião e o idealismo transcendental kantiano. Apesar de reconhecer como difícil a tarefa de pensar essas duas filosofias em conjunto, Redyson argumenta que a forma e a estrutura a partir das quais estão arquitetados tais pensamentos podem “nos auxiliar na compreensão de diversas categorias da filosofia especulativa e de suas incursões na noção de deus e de natureza, além de estarem na circunferência histórica como os representantes da nova filosofia ou filosofia do futuro” (p. 50).

Os capítulos 4 e 5 apresentam duas diferentes interpretações sobre uma mesma temática, o Estoicismo no pensamento de Schopenhauer. Em Sobre o cuidado de si: Schopenhauer e a tradição estoica, Luizir de Oliveira (UFPI) defende que, em grande medida, os pensamentos de Sêneca e do filósofo alemão convergem, embora não se trate de uma mera justaposição de ideias, para um mesmo ponto: “as estruturas de representação mental e seu papel na construção de uma “vida feliz” pensada não apenas como um ideal a ser atingido, mas como uma possibilidade efetiva hic et nunc” (p. 74); identificação esta que, segundo o autor, pode ser operada pela noção de “cuidado de si”. Por sua vez, Jarlee Salviano (UFRB), no capítulo intitulado O estoicismo pro tempore de Schopenhauer, apresenta uma análise que se diferencia daquela de Luizir principalmente por estar mais próxima, nas palavras do próprio autor, “da visão tradicional de Schopenhauer como o pai do pessimismo” (cf. p. 93). Nesta linha de argumentação – que ao reconhecer a presença da filosofia da Stoa no pensamento schopenhaueriano, não chega a afirmar que se tratam de pensamentos similares ou das mesmas preocupações – Salviano pontua um diálogo com seu colega brasileiro Jair Barboza, este um defensor da tese de que há, no pensamento schopenhaueriano, um determinante movimento entre o pessimismo teórico e o otimismo prático. Um dos argumentos de Jarlee Salviano é o de que, antes de se qualificar Schopenhauer como um estoico (para ele, o estoicismo schopenhaueriano é apenas mais uma faceta deste pensamento), às expensas de uma leitura pouco detida do Estoicismo, o leitor atento teria de percorrer atentamente até o fim do último livro de O mundo, justamente onde encontramos a ênfase na negação total da vontade. De acordo com Salviano, o quarto Livro da obra principal não sugere uma anestesia da afirmação consciente da vontade, ao contrário do que se teria no âmbito das reflexões sugeridas pelos Aforismos para a sabedoria de vida, como, por exemplo, mediante a própria noção de sabedoria de vida e outros elementos que supostamente angariariam uma filosofia do consolo, espécie de alívio para a existência prenhe de sofrimentos. Jarlee, ao indicar alguns limites da “leitura reconfortante” elaborada por Barboza, pretende, no fundo, indicar que este consolo de Schopenhauer “não consola” e que, menos ainda, este jamais poderia representar o ponto final do seu pensamento. Importante aqui é frisar que a natureza destas problemáticas está sendo investigada por outros intérpretes brasileiros da obra do pensador alemão, o que, de alguma forma, revela o estado da arte de tais pesquisas em nosso país.

Na sequência, no capítulo 6, temos uma reflexão de Flamarion Caldeira Ramos (UFABC) sobre A religião e a crítica da religião na filosofia de Schopenhauer, onde o autor apresenta algumas das principais incursões do pensador sobre a religião, paralelamente à sua metafísica. Ramos analisa, por exemplo, a afirmação presente nos Parerga em que o filósofo considera que os resultados morais do cristianismo, quando fundamentados apenas no cristianismo, permanecem sob fábulas, ao passo que da sua filosofia podem receber fundamentos racionais. Segundo Flamarion, isso não garante uma mera adesão do filósofo ao discurso religioso: “Mesmo com todas as limitações do discurso racional, da ciência e da filosofia, Schopenhauer mantém-se afastado de uma queda na religião…” (p. 124-25). No capítulo 7, Lean [DR] o Chevitarese (UFRRJ) considera o emblemático tema do lugar ocupado pela eudemonologia nos escritos de Schopenhauer. Em vista de problematizar como, não obstante o eminente ponto de vista metafísico deste pensamento, ainda restaria ao indivíduo uma “liberdade para a prática de vida”. Pelo reconhecimento de que o filósofo apresenta a possibilidade de uma orientação eudemonológica para se enfrentar o “mal de viver”, Chevitarese vai buscar – numa análise sobremaneira contrastante com aquela apresentada por Jarlee Salviano, já mencionada acima – um posicionamento diante da presença de uma postura positiva frente à existência, com o fito de compreender a proposta dessa “orientação de conduta” em face da recusa do pensador ao livre-arbítrio.

Com este nível de reflexão e problematização, a obra Arthur Schopenhauer no Brasil segue dispondo de várias outras análises não menos importantes que as mencionadas até aqui. Podemos resumir da seguinte forma os temas elegidos pelos demais autores: o professor Eduardo de Siqueira (UFRRJ), tendo por base a sempre indicada, mas quase constantemente evitada influência de Schopenhauer no pensamento de Wittgenstein, intenta circunscrever a ampla questão da influência do primeiro sobre certos rumos da filosofia contemporânea, assim como indicar alguns pontos sobre os quais ele incide. Por sua vez, o professor Kleverton Bacelar (UFBA) apresenta uma importante reflexão sobre a quarta motivação na psicologia do filósofo germânico, a saber, a motivação ascética, da “dor própria”, como última mola propulsora da ação humana, tema que dá muito que pensar enquanto consequência sistemática dessa filosofia, já que se somaria às três conhecidas motivações (egoísmo, maldade e compaixão) apresentadas em Sobre o fundamento da moral. O professor Jorge Miranda de Almeida (UESB), no capítulo intitulado A existência e as situações limites em Kierkegaard e Schopenhauer, objetiva demonstrar como os dois pensadores tecem suas críticas aos idealistas a partir de uma convicção em comum, a de que “o homem não pode ser reduzido a uma compreensão conceitual de si mesmo, mas o lançar-se, o debruçar-se sobre si mesmo para que a existência não seja apenas folhas mortas (…)” (p. 199).

Além disso, o livro apresenta também vários textos de pós-graduandos (a maioria deles doutorandos e alguns docentes em respeitadas Universidades do país), que desenvolvem suas pesquisas a partir do pensamento schopenhaueriano no Brasil, os quais elencamos aqui, seguindo a ordem disposta pela obra. Vilmar Debona (USP/PUCPR), em A noção de caráter adquirido: uma “liberdade” pela sabedoria de vida, problematiza a possibilidade de uma “liberdade” no âmbito da sabedoria de vida devido à “margem de manobra” que o indivíduo ainda pode obter mediante a noção de caráter adquirido. Dax Moraes (UERN), em A afirmação da vontade-de-viver no suicídio: a vida como representação, analisa em que medida o ato do suicídio, no pensamento schopenhaueriano, não se confunde com a negação da vontade-de-viver, sendo aquele um “não” negativo à vida, contrariamente ao “não” positivo da negação da vontade, esta independente da influência dos motivos exteriores. Daniel Quaresma Soares (USP), em seu capítulo intitulado O indivíduo como sofrimento, a arte como libertação, tece considerações pontuais sobre a metafísica schopenhaueriana do belo. Katia Santos (USP), em A liberdade no pensamento de Schopenhauer, considera, com olhar minucioso, como a liberdade é tema incisivo em diversos âmbitos dessa filosofia. Catarina Rochamonte (UFRN), em A vontade como atividade, investiga como a noção fundamental de Vontade presentifica-se de forma multifacetada em outras noções, como a autoconsciência, a causalidade e o caráter. Marcelo Santos (UFPB), no capítulo O tao da vontade: breve estudo comparativo entre a negação da vontade e a não-ação, analisa “alguns elementos dos escritos taoístas que apresentam forte parentesco ou eco com conceitos importantes da filosofia (…) schopenhaueriana” (p. 329). Marcio Quirino (UFPB), em O aspecto místico da metafísica do belo, apresenta uma investigação sobre alguns aspectos do estatuto do “místico” em Schopenhauer, detendo-se na argumentação sobre como a metafísica do belo angaria um desses aspectos. Mariana Poyares (USP), em O mundo no espelho: Schopenhauer, Borges e o idealismo, aponta “como o idealismo construído por Borges sobre tantos alicerces (…) compartilha com o idealismo schopenhaueriano características fundamentais”. Por fim, Carlos Hugo da Silva (UFPB), em A crítica de Schopenhauer à obscura filosofia dos idealistas, analisa em que medida Schopenhauer, ao tecer suas críticas contra os idealistas alemães, empreende-as mediante a estratégia de apontar problemas nas questões clássicas da filosofia, tanto no que respeita à teoria do conhecimento, à filosofia da natureza, quanto à ética e ao método de transmissão de argumentos filosóficos.

Ao rememorar os 150 anos da morte de Arthur Schopenhauer, a obra aqui resenhada acaba por espelhar parte significativa das pesquisas em torno desse pensamento no Brasil. Agradecendo a iniciativa e o trabalho do professor Redyson frente à organização deste livro, desejamos a todos os pesquisadores, leitores e admiradores do pensamento schopenhaueriano uma profícua leitura.

Notas

1 É importante notar que a Sociedade Schopenhauer do Brasil, atualmente presidida pela introdutora dos estudos sobre o pensador alemão nas universidades brasileiras, a professora Maria Lúcia Cacciola (USP), mantém constantes cooperações com a Schopenhauer-Gesellschaft da Alemanha (esta que completou seu primeiro centenário de existência em 2011 e cujo fundador foi o amigo de Frie [DR] ich Nietzsche, Paul Deussen). Assim, a exemplo das seções italiana e japonesa desta renomada organização alemã, a seção brasileira da mencionada Sociedade está incorporando cada vez mais professores pesquisadores de modo a num âmbito tão duramente criticado pelo filósofo, o acadêmico – fazer ecoar, enquanto debate filosófico, o tratamento dos grandes temas com os quais o pensador se ocupou. De forma geral, podemos afirmar que, antes dessa crescente recepção universitária em terras tupiniquins, a filosofia schopenhaueriana parecia se resumir às investidas da literatura machadiana. Hoje, porém, as Memórias póstumas de Brás Cubas estão longe de serem referência necessária quando queremos notar a presença e a influência de Schopenhauer em nosso país.

Vilmar Debona – Doutorando em Filosofia pela USP. Professor na PUC-PR. Bolsista CAPES na Università degli Studi del Salento (Lecce, Itália). E-mail: v.debona@usp.br

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