Concepção da coisa julgada contemporânea | Carlos Henrique Soares

Trata-se de um trabalho de significativo valor para o direito processual, pois já faz algum tempo que juristas portugueses e brasileiros discutem a coisa julgada inconstitucional. A proposta do doutor Carlos Henrique Soares, é justamente contrária ao entendimento dos juristas Paulo Otero, de Portugal, e Humberto Theodoro Júnior, do Brasil. A tese de doutorado desenvolvida pelo Professor, na Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, portanto, é no sentido de que a coisa julgada só alcança sua imutabilidade e atinge a segurança jurídica à medida que se busca a garantia processual do contraditório.

Mas ainda restam dúvidas sob a revisão ou modificação do trânsito em julgado da decisão jurisdicional e, por conseguinte, a respeito da dependência ou não do processo democrático na coisa julgada. É possível encontrar explicação para esses temas neste livro. Ensina o Professor Carlos Henrique que se houver dependência, só haverá segurança jurídica à medida que se garante o contraditório e a ampla defesa no processo.

Em linguagem e estilo de escorreita clareza e precisão, o Professor nos apresenta argumentos que respondem à seguinte pergunta: “coisa julgada depende ou não do processo democrático?”. Observa-se que entre os doutrinadores processuais italianos, franceses, uruguaios e norte-americanos não há consenso de ordem conceitual a respeito da coisa julgada. Atualmente, podemos considerar que a segurança jurídica é a principal garantia no processo judicial.

Para tanto, no primeiro capítulo, o autor apresenta estudos do direito romano e canônico sob a coisa julgada. Apresenta-se, em destaque, as contribuições do direito canônico, a permitir defender a tese de “flexibilização da coisa julgada”. Também se faz indispensável a influência do direito processual português e francês e, ainda, o direito norte-americano.

No segundo, apresentam-se as ideias dos principais doutrinadores a propósito da coisa julgada, com destaque para o processualista uruguaio Eduardo Couture. Também cita o notável processualista mineiro, professor Alfredo Araújo Lopes da Costa. No direito processual civil italiano, as principais idéias de Giuseppe Chiovenda, Francesco Carnelutti, Enrico Allorio, Enrico Túllio Liebman e Elio Fazzalari.

No terceiro capítulo, é abordada a teoria da coisa julgada no direito comparado. Ao se evidenciar as principais idéias desenvolvidas e positivadas no direito português, pelas mãos do jurista Paulo Otero, reveladas na obra “Caso julgado inconstitucional”, conclui-se que no direito brasileiro há similaridade. No direito francês, trabalha-se a concepção de coisa julgada como instituto voltado para o direito material. No direito norte-americano, na perspectiva do direito (Common law). Percebe-se que essa teoria tem sido um campo de investigação muito explorado em vários países do mundo.

No quarto capítulo, o autor aborda, no direito brasileiro, o tema sentença e coisa julgada com enfoque especial para a reforma processual, a partir do advento da Lei nº 11.232/2005, a tornar o processo mais eficaz no que diz respeito à fase de cumprimento da obrigação estipulada na decisão judicial.

No quinto capítulo, é contextualizado o problema da coisa julgada inconstitucional, por meio de opiniões de Paulo Otero, jurista português, que realizou pioneira análise do assunto ao discutir a respeito da possibilidade de uma sentença transitada em julgado contrariar a Constituição. Também o entendimento dos mineiros, Professor Humberto Theodoro Júnior e Professora Juliana Cordeiro de Faria, que buscaram adaptar o modelo português (caso julgado inconstitucional) à realidade jurídica vigente no Brasil. Abordou-se o pensamento de Carlos Valder do Nascimento, em uma perspectiva axiológica que, na esteira de Paulo Otero, defende possibilidade de modificação da coisa julgada que contrariar a Constituição, como forma de satisfazer a justiça nas decisões. Autores, portanto, que se preocupam com a questão da constitucionalidade das decisões.

O Professor dedica o capítulo sexto à exposição da teoria tridimensional da coisa julgada, a partir da compreensão dos termos “justiça”, “verdade” e “segurança jurídica”. Estuda também o aspecto da decisão justa na perspectiva de Kelsen, Dworkin, Rawls e Habermas, com destaque para as principais idéias defendidas por esses autores e sua relação com a coisa julgada.

Incontáveis as contribuições que o Professor Carlos Henrique Soares, orientado pelo Professor e Desembargador José Marcos Rodrigues Vieira, trouxe para a compreensão do direito processual constitucional. Na obra, encontramos a seguinte interpretação do Professor José Marcos: “a palavra de Carlos Henrique Soares soa como grave advertência às teses, brasileiras e portuguesas produzidas sobre a inconstitucionalidade da coisa julgada”.

É o que esclarece o Professor Carlos Henrique: “este livro se valerá de um raciocínio inverso para afirmar que a formação da coisa julgada sempre se dá pela constitucionalidade. Não é possível a formação de uma decisão jurisdicional sem que haja a observância dos princípios processuais constitucionais”.

A grande contribuição ao estudo do direito processual, de acordo com o autor é: “…defender que, quando uma decisão jurisdicional for gerada sob os auspícios do melhor argumento e sobre o pálio do contraditório, essa decisão é constitucional, e, após o trânsito em julgado, não caberá mais a rediscussão da questão”.

Essa nova concepção da coisa julgada contemporânea, certamente se constitui um marco no estudo deste instigante e moderno tema, pois, afirma Carlos Henrique: “refutam-se todos os fundamentos que estão a justificar a possibilidade de modificação da coisa julgada no ordenamento jurídico brasileiro, acreditando-se que, se a decisão jurisdicional transitada em julgado respeitou o contraditório e o princípio democrático de formação de uma decisão legitimada, operou-se, portanto, a formação da “coisa julgada constitucional”.


Resenhista

Adriano da Silva Ribeiro


Referências desta Resenha

SOARES, Carlos Henrique. Concepção da coisa julgada contemporânea. Coimbra: Almedina, 2009. Resenha de: RIBEIRO, Adriano da Silva. Intellèctus. Rio de Janeiro, v. 9, n. 1, 2010. Acessar publicação original [DR]

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