DIctablanda: works, politics and culture | Paul Gillingam e Benjamin Smith

Dictablanda: works, politics and culture (2014) é o novo livro dos mexicanistas Benjamin T. Smith1 (Universidade de Warwick, Coventry, Reino Unido) e Paul Gillingham2 (Universidade da Pensilvânia, Filadélfia, EUA). Ambos são professores de História da América Latina, mas possuem uma trajetória acadêmica voltada à reflexão das políticas socioculturais do Estado mexicano no período pós-revolução (1940-1988). Sendo assim, no começo de 2013, juntaram-se com o intuito de organizar uma obra cuja premissa fosse a síntese de suas percepções e apreensões sobre o momento mencionado.

A obra recém-publicada pondera, sobretudo, acerca do poder no México após o turbulento estrondo da Revolução Mexicana (1911-1920) e, por essa mesma razão, sua reflexão vai muito além da altercação dicotômica (e também um lugar comum) que envolve as noções de democracia e ditadura. Oferecendo, em seu lugar, uma nova perspectiva aos estudiosos desse período tão complexo: a “dictablanda” (ou, em português, a ditabranda, referindo-se ao longevo regime do Partido Revolucionário Institucional (PRI; 1930-2000) e às suas posturas ditatoriais relativamente brandas).

Dictablanda: works, politics and culture divide-se em três partes, quais sejam: Políticas de altos e baixos (“High and low politics”); Regulamentação de trabalho e recursos (“Work and Resource regulation”) e Cultura e ideologia (“Cultura and ideology”). Essas três partes oferecem (em cada uma delas) seis ensaios acadêmicos de importantes nomes da historiografia especialista em México, tais quais: Andrew Paxman, Alan Knight, Christopher R. Boyer, Gladys McCormick, Jaime Pensado, Jeffrey W. Rubin, María Tereza Fernández Acevez, Michael Snodgrass, Pablo Picatto, Rogélio Hernandez, Roberto Blancarte, Tanalís Padilla, Thomas Roth e Will G. Pansters.

Ao contrário do que se pode ajuizar, os autores seguem diferentes tradições historiográficas entre si, assim como, pesquisam com base em diferentes apreensões e pressupostos em relação ao período do pós-revolução. Conforme Gillingham e Smith, “eles foram colocados na obra de modo que não se forçasse ou impusesse uma máxima teórica, para assim, promover um debate lúcido”3. Inclusive, as similaridades aparecem tão-somente ao se procurar no texto referências à historicização do poder nos meados do século XX, especialmente, durante as décadas de 1938 a 1968.

Do mesmo modo, pode-se pensar que, por escolher o ecletismo temático ao respaldo teórico-metodológico, o livro não possui uma estrutura bem organizada. Mas, é exatamente o oposto. Os autores são organizados de forma a encaixarem-se nas três categorias temáticas ditas acima e que, por si só, já indica uma organização conceitual.

Dictablanda: works, politics and culture identifica três importantes domínios do poder: o político, o material e o cultural. Isso indica que o conceito de poder é concebido pelos autores como a habilidade de fazer algo e/ou a habilidade de fazer com que as pessoas façam algo e, claro, a habilidade de fazer com que outras pessoas parem de fazer ou não façam algo.

Os organizadores Gillingham e Smith afirmam, ainda, que há outra definição de poder seguida pelo livro. E, conforme os autores:

This draws on two resistance-centric definitions: that of Max Weber, who deemed power an actor’s capacity “to carry out his will despite resistance,” and George Tsebelis’s idea of veto players, those “individual or collective actors whose agreement (by majority rule for collective actors) is required for a change of the status quo.4

O livro possui o seguinte escopo: inovar a perspectiva promovida pela historiografia estudiosa do período em questão (afinal, aos organizadores, a linha predominante já pode ser considerada como sendo de perspectiva tradicional). Assim, a idéia principal é inovar para, então, renovar, já que o período ainda é muito pouco estudado, se se comparar sua escassa literatura com a grande quantidade de pesquisas sobre a Revolução Mexicana (1910-1920). Por isso, Gillingham e Smith afirmam que, infelizmente, o pós-1940 ainda possui um vácuo historiográfico, muito embora tenha representado mudanças importantes da sociedade mexicana5.

A propósito da historiografia tradicional, os organizadores deixam evidente sua relutância em relação a sua principal vertente, o conceito de hegemonia priista. Na década de 1980, a historiografia especialista em México emprestou o conceito de hegemonia de Antonio Gramsci para esclarecer o longo regime do PRI. Essa junção era pensada da seguinte forma: alguns estudiosos do México do pós-revolução compreendiam que o regime priista era na verdade um equilíbrio, embora induzido, de poder, e, sobretudo, embasado em consentimento. Conforme os organizadores, nesse caso, não existiam provas suficientes para se comprovar uma hegemonia cultural, afinal, o país “criou” um regime híbrido cuja negociação envolveu “a violência do passado, a violência do presente e o medo de violência futura” 6, o que “é absolutamente incompatível com a hegemonia gramsciana, que, em verdade, opõe hegemonia à autoridade e à ditadura”7.

Em seguida, Gillingham e Smith afirmam que se fosse viável o estudo do regime priista mediante a perspectiva teórica elaborada por Gramsci, isso ocorreria somente pela idéia de “dupla perspectiva” ou “unidade dialética”. Nesse caso, partir-se-ia do pressuposto de que, ao longo do regime, ocorrera um equilíbrio entre a força e o consentimento, o que possivelmente “firmara um elo comprometido entre governantes e governados”8. Mas, a referida argumentação não se aprofunda e finaliza com a seguinte conclusão (que, honestamente, deixa um pouco a desejar): “empregar a ideia de hegemonia cultural como um framework exclusivo para entender o regime priista tem seus problemas, pois, a realidade também é complicada em termos conceituais”9.

Dictablanda: works, politics and culture vê um enigma no período analisado (1938- 1968), que não se refere ao fato das elites terem ou não sido estáveis (ainda que de forma incipiente) em nível nacional, mediante um equilíbrio de força e consentimento. Para os organizadores, isso ocorreu e se fez evidente. O problema está na compreensão desses fatores, o que abre as seguintes indagações: 1) o que foi esse equilíbrio; 2) como foi atingido e 3) como sobreviveu balançando “de um lado para outro” por mais de setenta anos.

As respostas para essas questões elencadas acima estariam nas, já mencionadas, “vertentes do poder”. Fundamentam-se, portanto, no mencionado poder e em suas variantes: o político, o material e o cultural. Ao partir desse pressuposto, os organizadores oferecem um exemplo: a função política de gestão de qualquer estado dos recursos econômicos é de construção de coalizão, mas, no México, em todos os níveis, esses recursos foram alavancados por um fenômeno cultural; a retórica revolucionária penetrante que deu aos excluídos alguma esperança de unir tais coalizões no futuro10.

O “nacionalismo revolucionário”, então, forneceu uma linguagem comum para as hegemonias e as contra-hegemonias. Assim, as pessoas “comuns” eram coagidas a assistir cerimônias nacionalistas sob ameaça de prisão; artefatos arqueológicos eram apropriados por pelotões de soldados, apesar dos protestos da aldeia e, por fim, artistas, jornalistas e professores, poderiam sofrer espancamentos ou serem assassinados11. E, claro, além do “nacionalismo revolucionário”, haviam outras linguagens adotadas, que, de modo perspicaz, mudaram conforme a prática política promovida (afinal, elas mudaram bastante a cada sexênio), como, por exemplo, a retórica da democracia e do desenvolvimento.

Dictablanda: works, politics and culture oferece, portanto, uma nova forma de se compreender o período do pós-revolução, especialmente, nos idos de 1938 a 1968. E, sem sombra de dúvidas, procura responder a razão pela qual o regime priista durou por tanto tempo e, para isso, afirma: o regime do PRI configurou numa variante do que concebem como dictablanda; e, noutras palavras, foi um regime de autoritarismo brando.

A dictablanda, sem mais delongas, indica que o Estado mexicano, no período em questão, empregou uma política que permutou coerção e cooptação. Ao partir desse pressuposto, a nova perspectiva distancia-se da convencional compreensão do Estado mexicano, como algo forte e oponente. Ela, ao contrário, discorre sobre um Estado substancialmente fraco e sem recursos.

Para Gillingham e Smith, essa junção (coerção, cooptação e Estado fraco) resulta em um equilíbrio dinâmico e, não, em uma estagnação propriamente dita. E, certamente, isso representa a dictablanda: a noção de ditadura, porém, mudando “o interruptor de ‘dura’ para ‘branda’”12.

Dictablanda: works, politics and culture discorre sobre um regime híbrido que combina elementos da democracia e do autoritarismo, concretizando, assim, a formação de um regime ambíguo, complexo e dinâmico, que necessita de aproximação heterodoxa. Por essa razão, a proposta do livro, talvez, envolva vários historiadores de distintas tradições historiográficas. E, não se limita a isso. A seleção eclética de autores indica uma cordial abertura ao debate democrático do novo conceito (dictablanda), entretanto, indica também uma abertura a leitura esmiuçada e crítica. Isso, com certeza, torna o livro ainda mais convidativo e instigante.

Notas

1 Benjamin T. Smith é Professor Associado em História da América Latina na Universidade de Warwick.

2 Paul Gillingham é Professor Associado em História da América Latina na Universidade da Pensilvânia.

3 GILLINGHAM, Paul; SMITH, Benjamin T. Dictablanda: works, politics and culture. Durham and London: Duke Press, 2014. p. X.

4 Ibidem, p. X.

5 Ibidem, p. 10.

6 Ibidem, p. X.

7 Ibidem, p. X.

8 Ibidem, p. X.

9 Ibidem, p. 6.

10 Ibidem, p. XI.

11 Ibidem, p. XI.

12 Ibidem, p. XII.


Referência

GILLINGHAM, Paul; SMITH, Benjamin T. Dictablanda: works, politics and culture. Durham and London: Duke Press, 2014.


Resenhista

Aline Maria de Carvalho Pagotto – Doutorado em História Cultural Política na Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – UNESP. E-mail: [email protected]

Referências desta Resenha

GILLINGHAM, Paul; SMITH, Benjamin T. DIctablanda: works, politics and culture. Durham and London: Duke Press, 2014. Resenha de: PAGOTTO, Aline Maria de Carvalho. História Revista. Goiânia, v.20, n.3, p.178-182, set/dez. 2015. Acessar publicação original [DR]

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