Educação e Sociedade na Primeira República | Jorge Nagle

No ano de 2001, à guisa de comemoração do terceiro milênio, a DP&A Editora brindou estudiosos, professores de história da educação brasileira e aos demais interessados com a publicação da obra do Prof. Jorge Nagle, Educação e Sociedade na Primeira República. Sua primeira edição (1974), bem como, a reimpressão (1976), resultado de uma parceria entre a Fundação Nacional de Material Escolar/MEC (Rio de Janeiro) e a Editora Pedagógica Universitária (São Paulo), estavam esgotadas há muito tempo. Tal situação forçava as pessoas, por necessidade de ofício, a violar os direitos autorais, xerocopiando a obra no todo ou em partes.

Trata-se de uma obra ímpar na interpretação da educação brasileira, no período da Primeira República. O Autor cunhou as categorias “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”, para explicar a efervescência dos debates e disputas teóricas sobre a trajetória da educação, num momento em que a sociedade brasileira passava pela transição de uma sociedade agrário-comercial por outra, urbano-industrial.

Resultado da tese de livre docência do Autor no Departamento de Educação, da Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara e escrita em fins de 1966, a obra volta ao público leitor sem nenhuma modificação no seu conteúdo original. Ou seja, temos em mãos, sua versão original, sem revisão ou ampliação. Fato que em nada desmerece a obra, ou parafraseando a professora Mirian Jorge Warde, na capa da publicação, permanece como fonte legítima para estudos sobre a história da educação na Primeira República, bem como da penetração das idéias escolanovistas no Brasil. Contudo, é importante ressaltar, considerando a popularidade da obra em cursos de graduação, que se trata de um trabalho historicamente datado. Este destaque é importante para salientar que, por haver sido escrito há quase quarenta anos ele pode não atender às exigências do vocabulário pedagógico da atualidade, cabendo ao professor ou pesquisador a devida atualização.

Organizado em duas partes o livro aborda, na primeira, os setores político, econômico e o setor social. Nesta parte, como tema do item II, o Autor apresenta os movimentos político-sociais e correntes de idéias – socialismo, anarquismo e maximalismo (denominação original, no Brasil, do bolchevismo/comunismo). Além de analisar os movimentos mais marcantes do período, tais como o nacionalismo, o catolicismo, o tenentismo, o modernismo e os antecedentes do integralismo.

A segunda parte é toda ela dedicada à educação. Talvez aqui, resida o ponto frágil da obra de Nagle, a separação da educação como se essa não fizesse parte, ou melhor, como se não resultasse dos embates e debates no seio da sociedade brasileira que naquele momento histórico era resultado, principalmente, da ruptura entre Império e República. Aliás, como já mencionamos e, ainda segundo Mota (1975), esse dualismo marca as interpretações da sociedade brasileira do período 1964-69, fortemente influenciadas pela preocupação dos pesquisadores do período anterior, 1957-1964, que se propuseram a fazer uma revisão radical no sentido de superar nossa dependência cultural na área das ciências humanas.

Paradoxalmente, é também na segunda parte que reside o ineditismo, originalidade e o de mais fecundo na contribuição de Nagle, com a formulação das categorias “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”. Estas expressões passaram, desde então, a ser referenciais em quaisquer estudos ou pesquisas sobre a educação na Primeira República.

Nesta direção, Ghiraldelli (1985), considerando, também, a importância das categorias supramencionadas para a compreensão da educação brasileira nos primórdios da república, propôs inseri-las na perspectiva dialética, ausente no trabalho de Nagle. Embora o leitor atento perceba, primeiro, na Introdução (p. 7), que o autor não desconhece a necessária inter-relação sociedade/educação e, depois nas primeiras páginas da Segunda Parte, mais especificamente, à página 133, quando afirma: “É diante desse quadro de transformações […], que se deve analisar a escolarização […], tida como um dos elementos do subsistema cultural”. Ou seja, Nagle sinaliza, dessa forma, que a explicação da educação brasileira deve ser buscada na realidade que a determina e produz: a formação social brasileira.

Nagle reconhece, igualmente, não só, os limites do liberalismo brasileiro (p. 132), como também, que essa doutrina fornece o suporte teórico dos dois movimentos educativos da primeira república, denominados, por ele, como “entusiasmo” e “otimismo” que enxergavam na “escolarização, o motor da história” (p. 134).

A nosso ver, a perspectiva de Ghiraldelli avança porque recoloca a dimensão da historicidade, isto é, confronta os dois movimentos com os elementos que compunham a realidade brasileira na época em questão (1889-1930). Ghiraldelli, na verdade, complementa o estudo de Nagle ao abordar a posição do operariado brasileiro, como vozes discordantes e críticas de uma concepção de educação que por um lado acenava com a bandeira da educação para todos e por outro lado fechava as Escolas Modernas de São Paulo.

O trabalho de Nagle fornece, também dados importantes para a compreensão da literatura educacional brasileira ao dedicar o item 05 da Segunda Parte ao tema. Nas suas palavras: “um dos mais importantes instrumentos de sustentação das discussões [sobre educação] da mesma forma que desempenha o papel de preparadora e de transmissora das novas modalidades de percepção da problemática educacional, especialmente do modelo escolanovista”. (p. 336) Concordamos com Lopes & Galvão (2001: 33-34) de que as pesquisas em história da educação brasileira não devam tomar o texto de Nagle como fonte primária, visto tratar-se do ponto de vista do autor e de sua interlocução com “suas fontes”. Mas, entendemos, igualmente que a obra, Educação e Sociedade na Primeira República, é referencial e de consulta obrigatória aos que tenham interesse, seja de pesquisa ou de estudo sobre o tema. Ou dito de outra forma, o livro de Nagle é um clássico, porque sua análise permanece como fonte indispensável para o entendimento da educação brasileira na Primeira República.

Finalmente, gostaríamos de deixar claro que não tivemos a intenção, nestas breves reflexões, criticar ou apontar eventuais limites da obra de Jorge Nagle, mas sim apresentar um pequeno “trailer” de seu riquíssimo estudo, tentando demonstrar ao leitor e, muito especialmente, aos estudantes dos cursos de educação, que vale a pena mergulhar nesse texto para conferir, na integralidade, a singular contribuição do Autor.

Referências

GHIRALDELLI, P. 1985. O “entusiasmo pela educação” e o “otimismo pedagógico” numa perspectiva dialética. ANDE, Revista da Associação Nacional de Educação, São Paulo, 5(9):5-8.

LOPES, E. M. T. & GALVÃO, A. M. de O. 2001. História da Educação. Rio de Janeiro, DP&A.

MOTA, C. G. 1975. A Historiografia Brasileira nos últimos quarenta anos: tentativa de avaliação crítica. Revista Debate e Crítica, São Paulo, 5:2-26.


Resenhista

Nilce Aparecida da Silva Freitas Fedatto – DCO/CPDO/UFMS.


Referências desta Resenha

NAGLE, Jorge. Educação e Sociedade na Primeira República. 2. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. Resenha de: FEDATTO, Nilce Aparecida da Silva Freitas. Fronteira: Revista de História. Dourados, v.7, n.14, p.123-126, jul./dez. 2003. Acessar publicação original [DR]

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