Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro – VISCARDI (VH)

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Unidos perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro. Curitiba: CRV, 2017. 207 p. PINTO, Surama Conde Sá. Arquitetura do novo regime: O Federalismo brasileiro na Primeira República. Varia História. Belo Horizonte, v. 34, no. 65, Mai./ Ago. 2018.

Nas últimas décadas, a historiografia relativa à Primeira República tem sido enriquecida com diversas contribuições. A vitalidade dessa produção tem provocado importantes deslocamentos de interpretação, sobretudo no âmbito da política, permitindo melhor compreensão do federalismo brasileiro. Há três eixos de renovação. Um deles relaciona-se à revisão do papel das chamadas oligarquias dominantes – São Paulo e Minas Gerais. Foram questionadas as ideias de que a hegemonia dessas oligarquias sustentavase na preeminência da economia exportadora cafeeira e a de que a política do café com leite ditaria a orientação do governo federal. O segundo eixo destaca as dinâmicas específicas de diferentes unidades da federação e suas estratégias para ampliarem os seus espaços políticos no contexto de federalismo desigual, através de tentativas de estruturação de eixos alternativos de poder. O terceiro eixo enfatiza questões de representação, competição política, partidos e voto, desenhando um quadro mais complexo da política na Primeira República, diferente da caricatura de um sistema político marcado pela fraude, violência, clientelismo, ausência de direitos e eternização de oligarquias no poder (Ferreira; Pinto, 2017, p.429-437).

Cláudia Viscardi, professora titular da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), é figura presente nesse debate. Autora de textos sobre a história política e social da Primeira República, no livro O Teatro das Oligarquias, defendeu que a estabilidade do modelo político da Primeira República foi garantida pela ausência de alianças monolíticas permanentes, fato que impediu, a um só tempo, que a hegemonia de uns fosse perpetuada e a exclusão de outros fosse definitiva (Viscardi, 2001, p.22).

Unidos Perderemos: a construção do federalismo republicano brasileiro, seu novo livro, é mais uma contribuição da historiadora mineira que acrescenta novas perspectivas sobre o período. Trata-se de uma adaptação da tese elaborada para a cadeira de titular da Universidade Federal de Juiz de Fora.

Voltado para especialistas e estudantes de graduação, nele Viscardi retoma o tema do federalismo oligárquico para estudar a montagem do regime republicano, no período entre a propaganda republicana e o governo Campos Sales. Sua análise privilegia o âmbito da macropolítica, priorizando atores políticos envolvidos nesse processo, interesses, identidades, pensamentos e atuação. A proposta apresentada articula a perspectiva que compreende o federalismo a partir da lógica de interesses dos estados-atores com a História Intelectual do Político.

O curioso título guarda relação direta com o tema tratado: a construção do projeto republicano na sua principal dimensão: o federalismo. Segundo a autora, esse projeto representava uma ruptura com o passado monárquico, caracterizado por um Estado centralizado em torno do Imperador, e preconizava a descentralização, a autonomia das antigas províncias, optando pelo conflito no lugar do consenso (Viscardi, 2017, p.22).

O conceito de cultura política (Berstein, 1992Cefai, 2001) é um dos principais referenciais de análise. Ao instrumentalizá-lo, Viscardi prioriza a dimensão do discurso, não enfatizando seus demais componentes, para compreender as mudanças ocorridas no país na virada do século XIX para o XX, quando, segundo a autora, teria se consolidado uma cultura política republicana.

Dividido em cinco capítulos, o livro aborda o movimento republicano em uma de suas dimensões (a dos manifestos da propaganda); a normatização constitucional do novo regime (através da análise comparativa das Constituições estaduais e federal); limites da participação política e da cidadania, tema explorado superficialmente pela autora com base em literatura bastante conhecida; as concepções políticas e a ação de Campos Sales, objeto de análise dos dois últimos capítulos, nos quais figura sua maior contribuição.

São três os principais argumentos defendidos pela autora. O primeiro é o de que a normatização do novo regime articulou os compromissos do movimento republicano com os valores compartilhados por seus autores, que incluíam a desvalorização do povo, uma democracia pouco inclusiva, o falseamento da representação, pela construção de um federalismo desigual, e uma cidadania limitada a poucos homens letrados. O segundo é o de que o federalismo brasileiro foi fundamentado em relação direta com os estados, viabilizando a representação dos interesses privados via intermediação dos chefes locais. O último é o de que a chamada política dos estados de Campos Sales limitou-se a resolver os problemas de sua gestão. Na fórmula adotada no período, que implicou em meios de conviver com as dissidências sem colocar em risco a governabilidade, foram menos importantes as reformas regimentais relativas à última fase de depuração das candidaturas ao Parlamento. Os instrumentos mais efetivos foram a redução dos atores políticos através do voto literário, as limitações impostas à monopolização do poder e o desenho de um mercado político com algum grau de competição (Viscardi, 2017, p.190-191).

Baseada em fontes variadas (manifestos republicanos, as Cartas estaduais e federal, o discurso de campanha eleitoral de Campos Sales e a autobiografia do ex-presidente) e em diferentes metodologias (a prosopografia – superficialmente realizada-, a análise de discursos políticos – amparada em instrumentais da vertente britânica da História dos Conceitos – e o método comparativo), os dados apresentados aproximam-se de muitas das análises de Hilda Sábato sobre a construção da cidadania em países hispano-americanos no século XIX (Sábato, 2001, p.1293, 1297).

A despeito da bibliografia utilizada, o livro apresenta ausências importantes (Holanda, 2009), sobretudo relativas ao movimento republicano, às Constituições estaduais (Ferreira, 19891994), à política no Distrito Federal e às eleições (Pinto, 2011Souza, 2013). Isso faz com que algumas afirmações feitas já tenham sido objeto de questionamentos, como a ideia de que o prefeito do Distrito Federal possuía poderes discricionários na política carioca (Pinto, 2011). A obra prescinde também de maior sistematização dos dados apresentados.

Da mesma forma, a História Intelectual do Político proposta poderia ter sido enriquecida com a incorporação dos léxicos empregados pela imprensa e por pensadores políticos, pois há evidente defasagem entre as definições de conceitos encontrados nos dicionários (fonte priorizada pela autora) e a dinâmica dos conceitos no embate político. Esses elementos, contudo, não comprometem a iniciativa.

No momento em a República brasileira está prestes a completar 130 anos, Unidos perderemos convida os leitores a repensar os primórdios do regime e a superar esquematismos de longa data difundidos em livros didáticos. Seu mérito é acrescentar novos itens na agenda de estudos sobre a Primeira República.

Referências

BERSTEIN, Serge. L’Historien et la culture politique. Vingtième Siècle. Revue d’Histoire, n. 35, juil/sep. 1992. [ Links ]

CEFAI, Daniel. Cultures Politiques. Paris: Presses Universitaires de France, 2001. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes (coord.). A República na Velha Província. Rio de Janeiro: Ed. Rio Fundo, 1989. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes. Em Busca da Idade do Ouro: As elites políticas fluminenses na Primeira República. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 1994. [ Links ]

FERREIRA, Marieta de Moraes e PINTO, Surama Conde Sá. Estados e oligarquias na Primeira República: um balanço das principais tendências historiográficas. Revista Tempo, Niterói, vol. 23, n. 3, set./dez., 2017. [ Links ]

HOLANDA, Cristina Buarque de. Modos de Representação Política. O experimento da Primeira República. Rio de Janeiro: IUPERJ, 2009. [ Links ]

SÁBATO, Hilda. On political citizenship in the Nineteenth-century Latin América. The American Historical Review, vol. 106, n. 4, oct., 2001. [ Links ]

SOUZA, Wlaumir Doniset de. Democracia Bandeirante: Distritos eleitorais e eleições no Império e na Primeira República. Jundiaí: Paco Editorial, 2013. [ Links ]

PINTO, Surama Conde Sá. Só para Iniciados: O jogo político na antiga Capital Federal. 1ª. ed. Rio de Janeiro: Mauad X/ FAPERJ, 2011. [ Links ]

VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. O Teatro das Oligarquias: Uma revisão da política do café com leite. Belo Horizonte: C/Arte, 2001. [ Links ]

Surama Conde Sá Pinto – Instituto Multidisciplinar, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Av. Governador Roberto Silveira, s/n. Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, 26.020-740, Brasil. [email protected]

 

Educação e Sociedade na Primeira República | Jorge Nagle

No ano de 2001, à guisa de comemoração do terceiro milênio, a DP&A Editora brindou estudiosos, professores de história da educação brasileira e aos demais interessados com a publicação da obra do Prof. Jorge Nagle, Educação e Sociedade na Primeira República. Sua primeira edição (1974), bem como, a reimpressão (1976), resultado de uma parceria entre a Fundação Nacional de Material Escolar/MEC (Rio de Janeiro) e a Editora Pedagógica Universitária (São Paulo), estavam esgotadas há muito tempo. Tal situação forçava as pessoas, por necessidade de ofício, a violar os direitos autorais, xerocopiando a obra no todo ou em partes.

Trata-se de uma obra ímpar na interpretação da educação brasileira, no período da Primeira República. O Autor cunhou as categorias “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”, para explicar a efervescência dos debates e disputas teóricas sobre a trajetória da educação, num momento em que a sociedade brasileira passava pela transição de uma sociedade agrário-comercial por outra, urbano-industrial. Leia Mais

Política externa da Primeira República: os anos de apogeu (1902 a 1918) | Clodoaldo Bueno

Nas últimas décadas, o grande historiador Clodoaldo Bueno vem se destacando como um dos mais abalizados sobre a política externa brasileira, fenômeno que agora se repete com o lançamento de sua mais nova obra. Esta já surge como leitura essencial para os que militam no campo da história das relações internacionais, uma vez que o autor, demonstrando amplo conhecimento do tema em questão, narra, de forma celebrável, o desenrolar da formulação da política externa nos anos seguintes à década do nascedouro da República brasileira. O prefácio do professor Amado Luiz Cervo fala por si: a obra “compõe, ademais, a tríade de obras hoje indispensáveis ao conhecimento da evolução da política exterior durante a denominada República Velha”, juntamente com outro livro de Bueno, A República e sua política exterior, 1889-1902 (São Paulo: Ed. Unesp, 1995) e a Tese de Doutorado defendida por Eugênio Vargas Garcia, Entre América e Europa: a política externa brasileira na década de 1920 (Universidade deBrasília, 2001).

Apresentando recorte temporal de 1902 a 1918, Bueno seduz o leitor com a forma que o argumento principal de seu livro é exposto. Tendo como desafio principal “reconstruir o sistema de idéias de Rio Branco” (p. 23), o autor a ele dedica a parte mais longeva da obra, sem que haja, no entanto, a ausência de uma correta exploração da formulação da política externa brasileira nos anos que antecederam e precederam a chancelaria do Barão (1902-1912). Leia Mais

Educação e Sociedade na Primeira República | Jorge Nagle

No ano de 2001, à guisa de comemoração do terceiro milênio, a DP&A Editora brindou estudiosos, professores de história da educação brasileira e aos demais interessados com a publicação da obra do Prof. Jorge Nagle, Educação e Sociedade na Primeira República. Sua primeira edição (1974), bem como, a reimpressão (1976), resultado de uma parceria entre a Fundação Nacional de Material Escolar/MEC (Rio de Janeiro) e a Editora Pedagógica Universitária (São Paulo), estavam esgotadas há muito tempo. Tal situação forçava as pessoas, por necessidade de ofício, a violar os direitos autorais, xerocopiando a obra no todo ou em partes.

Trata-se de uma obra ímpar na interpretação da educação brasileira, no período da Primeira República. O Autor cunhou as categorias “entusiasmo pela educação” e “otimismo pedagógico”, para explicar a efervescência dos debates e disputas teóricas sobre a trajetória da educação, num momento em que a sociedade brasileira passava pela transição de uma sociedade agrário-comercial por outra, urbano-industrial. Leia Mais