Forças Armadas / História – Debates e Tendências / 2010

A relação da historiografia acadêmica com os temas relacionados às Forças Armadas é um tanto curiosa. A história, como narrativa de uma investigação ou relato comprometido com a veracidade, inicia como “história militar”. Heródoto e Tucídides inauguram um gênero cujas obras constituem, até hoje, não apenas fontes para o estudo da Antiguidade, mas referências sobre os fundamentos básicos da disciplina. Durante muito tempo, mesmo após a institucionalização da história no circuito das universidades, grande parte da atenção dos historiadores era devotada aos temas ligados à guerra, à diplomacia e aos demais eventos políticos que modelaram os modernos Estados nacionais. No entanto, no decorrer do século XIX, e com mais força desde as primeiras décadas do século XX, produziu-se um distanciamento da academia em relação aos temas que envolviam a guerra e as modernas organizações militares. A chamada “história militar” tornou-se, então, quase que exclusivamente disciplina formativa e objeto de estudo dos militares. Seus usos, do ponto de vista acadêmico, tornaram-se meramente instrumentais: narrativas de batalhas e campanhas que visam conferir “lições” a oficiais e estrategistas do que se deve fazer ou não em combate. Esse relativo encapsulamento é ainda mais curioso porque se deu num século excepcionalmente marcado pela quantidade, intensidade e violência das guerras e pelo vertiginoso desenvolvimento dos meios de destruição. Isso, por si só, já é um relevante tema de investigação.

A partir da década de 1970, por sua vez, observa-se uma inflexão na postura dos acadêmicos a respeito dos assuntos militares. Em 1975 o historiador estadunidense Russell Weigley organizou uma importante coletânea intitulada New dimentions in military history, obra que no Brasil despertou o interesse inicial apenas entre os historiadores militares, que a traduziram e publicaram em dois volumes pela Bibliex em 1981. Além de refletir sobre a disciplina, os textos ali publicados ampliam significativamente o campo de investigação ao abordar temas como a relação das Forças Armadas com a sociedade, a tecnologia, as políticas de defesa, o recrutamento, o multiculturalismo, os governos militares, as guerras não convencionais etc. No Brasil, a longa ditadura militar forneceu a motivação para a academia investigar as organizações castrenses. Os estudos, apesar de todas as dificuldades, avançaram bastante com o desenvolvimento da pós-graduação no país. Mais recentemente, outra coletânea, organizada por Celso Castro, Vitor Izecksohn e Hendrik Kraay, Nova história militar brasileira, avança no emprego de novos temas, fontes e metodologias. A continuada edição de grupos ou simpósios temáticos nos encontros da Anpuh, Anpocs e Abed renovam a amplitude e o vigor das pesquisas sobre Forças Armadas no Brasil.

É na esteira desse processo que se produziu o dossiê Forças Armadas da revista História: Debates & Tendências, do Programa de Pós-Graduação da Universidade de Passo Fundo. Uma ampla chamada de artigos divulgada aos programas e associações científicas do país permitiu a organização de um dossiê que contemple diferentes períodos e abordagens. Assim, os textos aqui publicados abordam questões relativas às Forças Armadas desde o período colonial até os anos 1960, suas articulações com a diplomacia – brasileira e dos Estados Unidos –, com as polícias estaduais (tema ainda muito pouco investigado) e uma estimulante reflexão desde o ângulo da questão de gênero. Além dos artigos, agregou-se a este dossiê a seção “Depoimentos”, onde dois experientes pesquisadores tecem considerações sobre a recente revisão do polêmico Tratado de Não-Proliferação Nuclear e sobre o centenário da revolta dos marinheiros brasileiros. Espero que este dossiê temático, além de divulgar pesquisas originais e relevantes, também inspire novos trabalhos. Boa leitura.

Eduardo Munhoz Svartman – Organizador


SVARTMAN, Eduardo Munhoz. Editorial. História – Debates e Tendências, Passo Fundo- RS, v. 10, n. 2, jul / dez, 2010. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Deixe um Comentário

Você precisa fazer login para publicar um comentário.