Fotografia e cinema em Minas Gerais: Olhares / Revista do Arquivo Público Mineiro / 2009

Linguagens visuais

Em 1999, o Museu da Imagem e Som de São Paulo patrocinou uma exposição dedicada à história da fotografia no Brasil. No encarte intitulado Minas: minas. IV Mês Internacional da Fotografia, o fotógrafo mineiro e organizador da seção de Minas Gerais, Bernardo Magalhães, afirmou: “[…] nenhum estudo crítico jamais foi feito sobre a Fotografia em Minas Gerais, verbete praticamente inexistente na História da Fotografia no Brasil”.[1]

Dentre os artigos que compõem este Dossiê, o texto de Rogério Pereira de Arruda, Olindo Belém, fotógrafo de Belo Horizonte, e o de Maria Eliza Linhares Borges, Trajetórias de fotógrafos: arquivos de uma geração, dedicados a dois momentos distintos da história da fotografia mineira, são evidências de que afirmações como a de Bernardo Magalhães já não correspondem à realidade. Na transição do século XX para o XXI, diversos pesquisadores elegeram a fotografia como objeto de reflexão.[2] Mais que retomar os bons trabalhos realizados por estudiosos mineiros, cabe observar: este número da Revista do Arquivo Público Mineiro é, por si só, testemunho da importância hoje atribuída ao resgate da história da fotografia produzida por nacionais e estrangeiros em Minas Gerais desde fins da década de 1860, quando fotógrafos itinerantes percorriam o interior do estado encantando a todos com a magia da luz traduzida em imagens cravadas no vidro e no papel.

O caderno de imagens incluído neste número da RAPM apresenta significativos exemplos da excelência obtida pela fotografia em Minas Gerais. Contemporaneamente, basta uma rápida passada de olhos nos jornais locais para verificar o crescente número de exposições fotográficas, individuais e coletivas, realizadas em museus e galerias da cidade. Nos circuitos acadêmicos, inúmeras são as atividades que fazem da fotografia um posto de observação acerca das questões sociais. No mercado editorial, proliferam as publicações sobre preservação das coleções fotográficas, estética e história da fotografia, relações entre linguagem fotográfica e linguagem textual, dentre outros temas.

Em meio a esse processo ascendente da fotografia, o fim dos anos 1980 trouxe uma novidade: as câmeras digitais. Encantando uns e assustando outros, as mudanças visuais e profissionais a ela vinculadas pareciam ser de tal monta que muitos chegaram a prever a morte dos herdeiros de Nadar, que, com suas câmeras analógicas, inseriram a imagem na era da reprodutibilidade técnica. Mais: como observou Régis Debray, as, e não a fotografia, anteciparam a videoesfera: a terceira e última das idades do olhar no mundo ocidental.[3]

Hoje, mais do que no passado recente, vige uma certeza: a desmaterialização do mundo, fruto dos inventos tecnológicos e da matemática dos softwares, é uma via de mão dupla. Tanto tem valorizado a(s) história(s) contida(s) na visualidade icônica, simbólica e indicial das câmeras analógicas quanto tem aberto os horizontes visuais, mesclando linguagens velhas e novas. Essa é a tese que Rodrigo Minelli Figueira sustenta em seu artigo: O audiovisual contemporâneo em Minas Gerais. Acompanhando, desde praticamente o surgimento, no início dos anos 1980, de novas mídias que facilitaram a expressão audiovisual em Minas Gerais, Minelli mostra como essa expressão visual abriu campo para experimentações poéticas que não seriam viáveis nas bitolas ditas comerciais. Hoje em dia, essa produção alternativa já se encontra amplamente reconhecida, acolhida e divulgada por meio de mostras e festivais em todo o mundo. Minelli faz um texto introdutório a esse universo, listando nomes dos principais artistas em atividade no estado, procurando entender suas preocupações e temáticas. Como as mudanças na área são constantes e rápidas, com a inclusão de novas tecnologias, a demarcação de um espaço próprio está sempre sujeita a revisões periódicas, que alargam o campo de visão e obrigam a uma constante atualização.

No seio da rede de imagens pertencentes à era tecnológica, que congrega desde a fotografia analógica e digital até o audiovisual, tem-se o cinema: linguagem híbrida como as demais, alocada a meio caminho entre a grafo e o videoesfera. Mudo ou falado, o cinema fundou um modo especial de narrar, cativou a atenção do homem comum, criou as condições para o exercício do diálogo com a música e a literatura. Encantou, melhor dito, encanta a todos.

Em Cinematographo: doença da moda, Sonia Cristina Lino enfoca a chegada dessa nova forma de expressão a Juiz de Fora, cidade da Zona da Mata que foi a primeira em Minas Gerais a conhecer as imagens em movimento. A novidade, que impressionou pela força com que modificou hábitos e costumes em todo o mundo, causou impacto: não houve quem ficasse alheio a ela, nem que reagisse como o articulista do jornal O Pharol, que, em 1909, a considerou uma “doença”. Sonia Lino menciona as muitas casas de exibição que então proliferaram em Juiz de Fora e, logo a seguir, em todas as cidades de maior porte do estado, inclusive – é claro – a recém-fundada Belo Horizonte. Esse fenômeno durou décadas e a própria autora também experimentou os efeitos dele, muitos anos depois, quando vivenciou a experiência de frequentar o Cine Palace.

Mais que resumir os artigos que compõem este Dossiê, o que certamente roubaria o frescor da narrativa e da análise de cada autor, esta apresentação quer tão somente ser um convite à leitura de quatro fragmentos da história da diversidade de formas visuais de Minas Gerais. Antes: das histórias narradas por homens e mulheres que há muito perceberam o potencial cognitivo, artístico e comunicativo inscrito nas linguagens visuais.

Notas

1. MAGALHÃES, Bernardo. Minas: minas. IV Mês Internacional da Fotografia. Museu da Imagem e do Som. São Paulo: maio de 1999. p. 3. Bernardo Magalhães é mineiro e foi professor de fotografia em Belo Horizonte nos anos 1970. Integrou o programa do International Center of Photography de Nova York entre 1979 e 1982. Em 1999, dirigiu a Casa da Serra de Belo Horizonte, um espaço dedicado à fotografia.

2. Apenas para exemplificar, lembramos os trabalhos de: ARRUDA, Rogério Pereira de (Org.). Album de Bello Horizonte. Edição fac-similar com estudos críticos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006: CHRISTO, Maraliz de Castro Vieira. A fotografia através dos anúncios de jornais: Juiz de Fora (1887-1910). Locus – Revista de História, Juiz de Fora, v. 6, n. 1, p. 127-146, 2000; BARTOLOMEU, Anna Karina Castanheira. Pioneiros da fotografia em Belo Horizonte – Gabinete Fotográfico da CCNC, 1894- 1897. Varia História – Revista do Departamento de História / UFMG, Belo Horizonte, n. 30, p. 37-66, 2003; RIBEIRO, Rubia Soraya Lelis. “Cidade a fervilhar, cheia de sonhos”: imagens da modernidade em São João del-Rei; ARRUDA, Rogério Pereira de. Fotografia e vida social de Belo Horizonte: o caso da Revista Vita; MAGALHÃES, Cristiane Maria. A paisagem fabril-têxtil no município de Itabira: uma experiência industrial no espaço rural. In: BORGES, Maria Eliza Linhares. (Org.). Campo e cidade na modernidade brasileira: literatura, vilas operárias, cultura alimentar, futebol, correspondência privada e cultura visual. Belo Horizonte: Argvmentvm Editora, 2008; CAMPOS, Luana Carla Martins. Instantes como estes serão seus para sempre: práticas e representações fotográficas em Belo Horizonte, 1894-1939. Dissertação (Mestrado em História) – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008.

3. DEBRAY, Régis. Nosso último imprevisto: a fotografia. In: DEBRAY, Régis. Acreditar, ver, fazer. São Paulo: Edusc, 2003. p.129-138.

Maria Eliza Linhares Borges – professora do Programa de Pós-Graduação em História / UFMG. É doutora em sociologia pelo Iuperj (1997), pós- doutora em Fotografia pela ECAUSP (2004) e coordenadora do Programa de História Oral CEM / FAFICH / UFMG. Tem diversos artigos publicados em revistas acadêmicas sobre temas ligados à cultura visual dos séculos XIX e XX. Sobre fotografia, publicou História & Fotografia, 2ª ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

Paulo Augusto Gomes – Escreveu crítica de cinema em jornais mineiros e nas principais publicações especializadas do país. É autor de vários curtas-metragens e dos longas Idolatrada (Grupo Novo de Cinema, 1983) e O circo das qualidades humanas (FAM Filmes, 2000), este último em codireção. É também autor do livro Pioneiros do cinema em Minas Gerais (Crisálida, 2008). Trabalhou ainda como editor de Opinião do jornal O Tempo.


BORGES, Maria Eliza Linhares; GOMES, Paulo Augusto. Apresentação. Revista do Arquivo Público Mineiro, Belo Horizonte, v.45, n.1, jan. / jun., 2009. Acessar publicação original [DR]

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