Pensar la imagen: dialogos con la fotografia y la Historia en América Latina/ Ponta de Lança/2022

En la más reciente publicación de la revista mexicana Acta Poética (2023), fue divulgado un apartado especial que traduce un interesante debate que sostienen los intelectuales Georges DidiHuberman y Enzo Traverso, ambos referentes de los estudios históricos en la actualidad (Traducido por Melina Balcázar Moreno y Esther Cohen, 2023, p. 13). En el documento, por medio de un juego, entre notas y cartas editoriales, discuten por la dimensión política y cultural de la fotografía, apropósito de la obra del fotógrafo francés Gilles Caron (1939-1970), quien retrató una emblemática escena de un manifestante arrojando una piedra en el marco de las protestas anticatólicas que se llevaron a cabo en Irlanda del Norte en 1969 (2023, pp. 13-19). El debate gira en torno al concepto estético de belleza y sus implicaciones en el mundo de lo visual, cuyos significados se desprenden, -si se quieren viajan-, por muchos campos de sentido. Así, ambos coinciden en el desgarro de la mirada, pues a todos nos interesa algo distinto en la foto, para unos será lo estético, para otros lo político o lo ideológico (2023, p. 17). Leia Mais

A fotografia em instituições de memória: experiências no Brasil e em Portugal / Revista de História da UEG / 2020

No dossiê “A fotografia em instituições de memória: experiências no Brasil e em Portugal”, reunimos entrevistas e artigos que trazem uma série de informações, reflexões e problematizações em torno da pesquisa sobre fotografia, tendo em vista sua presença em instituições de memória. O dossiê insere-se num contexto de incorporação da fotografia nos campos de estudo da História, da Antropologia, da Comunicação e das Artes, dando continuidade a um processo iniciado há algumas décadas. De acordo com o balanço historiográfico realizado por Ana Mauad (2016), os estudos, ao tomarem a fotografia como objeto e fonte de investigação, têm possibilitado significativos avanços nas reflexões sobre diversos temas: as formas de linguagem, as maneiras de representação do mundo social, o modo como as imagens amparam vivências individuais e coletivas, bem como a influência da imagem nas formas de percepção do espaço e do tempo e nas políticas de memória. As pesquisas, em suas diferentes vertentes teóricas, têm refletido tanto sobre os modos de produção das imagens, como sobre suas formas de circulação e de apropriação social.

Nesse processo, foi e tem sido vital a organização e a disponibilização de acervos fotográficos [1] públicos e privados, pessoais ou institucionais, que amparam pesquisas em diferentes domínios e sem os quais não teria sido possível trilhar grande parte dos caminhos percorridos. Ao serem abrigados por instituições que são concebidas como lugares de memória (NORA, 1993), – tais como os arquivos, museus, bibliotecas, centros de documentação – estes acervos adensam o patrimônio histórico e cultural de seus respectivos países. Tanto no Brasil quanto em Portugal, verifica-se certa sensibilidade para a necessidade de guarda, tratamento e disponibilização dos acervos fotográficos. Há, nestes dois países, instituições públicas e privadas que são referências importantes para o trabalho com a história da cultura visual fotográfica e que se tornaram verdadeiros repositórios, capazes de viabilizar o trabalho com as memórias dos sujeitos, das famílias, dos governos, dos movimentos sociais e, também, dos próprios fotógrafos, com suas histórias pessoais, seus aparelhos, técnicas e métodos de trabalho. Nos limites desta apresentação, não será possível traçar um panorama da situação dos acervos fotográficos nos dois países, mas podemos indicar alguns aspectos para reflexão.

No caso do Brasil é possível afirmar que três instituições podem ser vistas como referência para o trato dos acervos fotográficos, pois contribuíram e ainda contribuem para pensar as políticas de guarda, preservação e difusão: a Funarte, a Biblioteca Nacional e o Instituto Moreira Salles. A Funarte começou a atuar no final da década de 1970 por meio do seu Núcleo de Fotografia, renomeado INFoto (Instituto Nacional de Fotografia) em 1984, e colaborou na implantação de uma política pública para os acervos fotográficos do país (VASQUEZ, s / d). Graças especialmente ao Programa Nacional de Preservação e Pesquisa da Fotografia, o INFoto contribuiu para disseminar a importância da valorização dos acervos fotográficos em arquivos públicos e particulares, universitários e sindicais, nos âmbitos federal, estadual e municipal (VASQUEZ, s / d). Foi nesse âmbito de atuação que surgiu a colaboração com a Biblioteca Nacional por meio do Projeto de Preservação do Acervo Fotográfico da Biblioteca Nacional (PROFOTO), iniciado em 1990, e que se revelou um dos mais importantes trabalhos com acervos fotográficos do país. A Biblioteca Nacional se tornou, com essa iniciativa, uma referência “(…) na afirmação e na definição de uma política de tratamento das coleções fotográficas representada por meio de publicações técnicas, orientação, processo de identificação e indexação, bem como da guarda desse material” (ZAHER, 2004). Já o Instituto Moreira Salles afirmou-se nas duas últimas décadas como uma referência na constituição de acervos fotográficos de caráter autoral, com ênfase especial em fotógrafos do século XIX e XX, contendo cerca de 800 mil fotografias. Muitas outrasinstituições no país guardam acervos fotográficos de relevância, tais como Arquivo Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Museu Paulista da USP, a Fundação Joaquim Nabuco, o Museu de Comunicação Social Hipólito José da Costa e o Arquivo Público Mineiro. Para oferecer uma visão mais ampla do assunto, teríamos que levar em consideração as instituições públicas e privadas do âmbito estadual e municipal, as bibliotecas, centros de documentação de universidades, etc. Além disso, teríamos que acrescentar a presença da fotografia nas coleções dos museus de arte. Enfim, fazer um balanço da situação dos acervos fotográficos no país é muito delicado, mas é possível afirmar, seguindo Aline Lacerda (2012, p. 284), que a fotografia se apresenta de maneira sistemática nos arquivos, sejam eles públicos ou privados, institucionais ou pessoais.

Uma questão importante diz respeito à digitalização de acervos, que é um desafio enfrentado pelas instituições de memória a partir da década de 1990. Desde então, vários projetos têm sido implantados. De acordo com Rubens Silva (2006), a digitalização permite a preservação da memória visual, traz a possibilidade de fortalecer as identidades e de ampliar os conhecimentos no que tange à formação educacional e cultural, principalmente quando ocorre a disponibilização de acervos online. Assim, o acesso remoto, ao mesmo tempo em que maximiza a utilização, satisfaz parcialmente as necessidades e as demandas da sociedade e, embora não permita o acesso à materialidade dos objetos fotográficos, apresenta-se como um caminho possível para democratizar a informação. Alguns exemplos de sucesso nesse campo podem ser citados: a Biblioteca Nacional Digital, o Instituto Moreira Salles e o Arquivo Público Mineiro. Cabe destacar, pela sua excelência, o projeto da Brasiliana Fotográfica, que é um dos desdobramentos da expertise alcançada pela Biblioteca Nacional no tratamento dos acervos fotográficos. A iniciativa surgiu da parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS), obtendo posterior adesão de outras instituições [2]. O acesso remoto de acervos fotográficos abre a possibilidade de fruição, ampliação da consciência, facilita o acesso de pesquisadores, constitui uma forma de preservar o documento original, abrindo oportunidades para a produção de conhecimento crítico. Um dos grandes desafios atuais diz respeito à entrada dos arquivos nato-digitais nos acervos fotográficos das instituições de memória.

Em Portugal, existem instituições de referência para o estudo e para a conservação da fotografia, tal como o Centro Português de Fotografia, o Arquivo Municipal Fotográfico de Lisboa e o Arquivo de Documentação Fotográfica da Direcção Geral do Património Cultural, cuja coordenadora, Alexandra Encarnação, é entrevistada neste dossiê. O projeto de investigação Fotografia no Arquivo e no Museu Colonial Português 1850 – 1950, desenvolvido em 2013 e coordenado pela historiadora Filipa Lowndes Vicente, explorou a existência de fotografias em diversas instituições de memória em Portugal e analisou-as à luz dos debates internacionais historiográficos sobre o colonialismo e a condição colonial. Graças a esse trabalho, podemos construir uma visão ampla sobre a presença da fotografia nos acervos de diversas instituições [3]. Mais precisamente, nesse contexto, a existência de fotografias em instituições de memória em Portugal foi exaustiva e até então, a nosso conhecimento, ineditamente mapeada – ainda que sob a perspectiva da sua inscrição ou afetação a um contexto colonial. Desde então, alguns desses arquivos e fundos vêm passando por reconfigurações institucionais, como, por exemplo, o Instituto de Investigação Científica Tropical, hoje sob a tutela da Universidade de Lisboa. Além disso, foram surgindo outros projetos de pesquisa na área da fotografia, – como, por exemplo, a OPSIS – Base Iconográfica de Teatro em Portugal, Mobilizando Arquivos, Photo Impulse, Perphoto –, assim como conferências, publicações, colóquios e investigações acadêmicas dedicadas ao estudo da fotografia no contexto histórico português, bem como à relação entre fotografia e (sua representatividade no e do) arquivo.

O arquivo surge então aqui como um conceito sinônimo de instituição de memória, embora possamos considerar a existência de arquivos não institucionais, tais como os fundos pessoais e as fotografias “soltas”, ou seja, não consideradas enquanto corpus arquivável. Desde há cerca de uma década, assistimos igualmente a uma gradual afirmação no panorama cultural português de instituições de memória dedicadas, direta ou indiretamente, à fotografia, tais como: o Museu da Imagem em Movimento, em Leiria; a Casa-Estúdio Carlos Relvas, na Golegã; ou, mais recentemente renovado, o Museu de Fotografia da Madeira – Atelier Vicente’s, no Funchal. À semelhança do caso brasileiro, outro movimento importante no contexto português tem sido o da dinamização de projetos de constituição de fundos fotográficos digitais disponibilizados (exclusivamente ou não) online, que promovem a difusão de seus acervos e facilitam o trabalho dos pesquisadores [4].

Ainda à semelhança do caso brasileiro, para termos uma visão mais ampla da representatividade dos acervos fotográficos em instituições de memória em Portugal, deveríamos considerar a sua presença em nível distrital, municipal, das bibliotecas e de centros de documentação diversos; e, sobretudo, considerar a sua presença nas coleções dos museus de arte, onde se privilegia uma prática fotográfica autoral. Consideramos que o balanço da situação dos acervos fotográficos no caso português é ainda mais incerto do que no caso do Brasil, tendo sido pouco pesquisado de forma sistemática. Mas, em suma, na última década, assistimos em Portugal a um processo de consideração da fotografia, quer enquanto imagem / janela quer enquanto objeto / material, e mais particularmente como fonte de interesse da disciplina da História (e das ciências sociais em geral). Assistimos ainda ao aumento dos estudos e cuidados (de restauro, conservação, inventariação, digitalização…) com as coleções fotográficas, ou ao seu devir institucional: a sua integração em arquivos e acervos, bem como a uma crescente visibilidade da fotografia em museus e exposições de natureza diversa.

O presente dossiê reúne duas entrevistas e oito artigos. No que tange às entrevistas, temos duas conversas bem interessantes com representantes de instituições de alta relevância para a memória cultural e histórica de seus respectivos países. Pela Biblioteca Nacional do Brasil, temos Joaquim Marçal Ferreira de Andrade, servidor da instituição há trinta e nove anos, que fez um amplo balanço do trabalho com os acervos fotográficos que esta vem realizando há algumas décadas, o que a tornou referência na área. Pelo Arquivo de Documentação Fotográfica, temos Alexandra Encarnação, que faz um balanço dessa mesma instituição de grande relevância no que diz respeito ao panorama dos arquivos fotográficos em Portugal, assim como do trabalho desenvolvido pela mesma na guarda de outros acervos. Na entrevista, destaca-se ainda alguns exemplos de coleções e imagens no arquivo, fundamentais quer para a história da fotografia em Portugal quer na Europa.

No que diz respeito aos artigos, talvez devido ao fato de ser esta publicação uma iniciativa “brasileira”, houve uma resposta mais expressiva em relação às pesquisas que incidem em coleções fotográficas no Brasil. Na apresentação dos artigos, optamos por trazê-los em conjuntos. Temos dois artigos nos quais os autores, cada qual partindo de uma fotografia específica, problematizam a participação das referidas imagens nas práticas sociais. O artigo de Marcus Vinicius de Oliveira discute as formas de apropriação da fotografia de uma criança guineense de nome Augusto na época de sua produção, no contexto da Exposição Colonial de 1934, na cidade do Porto. Estuda-se a trajetória da imagem com o objetivo de problematizar o colonialismo contemporâneo, por meio das reflexões em torno dos usos e funções desempenhados pela imagem. Já o artigo de Aline Montenegro Magalhães e Maria do Carmo Teixeira Rainho problematiza a trajetória histórica da fotografia de uma mulher de turbante, realizada provavelmente no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX, pelo fotógrafo alemão Albert Henschel. Em ambos, podemos acompanhar a potência dos estudos de biografia das imagens e o quanto uma única fotografia pode constituir-se como instância de sentido, a partir da qual várias problemáticas podem ser levantas, na medida em que ela é tomada enquanto fonte histórica polissêmica. Os autores nos mostram que as imagens devem ser interpeladas em relação às suas características formais, à sua autoria, ao contexto de produção, bem como analisadas em virtude da produção, circulação, consumo e apropriações diversas ao longo da história.

Um segundo conjunto de artigos nos leva para dentro de instituições de memória que lidam com acervos fotográficos, sendo que um deles tematiza a experiência de um museu e o outro aborda uma escola. O artigo de Guilherme Marcondes Tosetto apresenta um histórico da atuação do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) na incorporação da fotografia em seu acervo. A partir do levantamento das exposições realizadas pelo museu e da atuação do Clube de Colecionadores de Fotografia, o autor constrói uma descrição detalhada do conjunto fotográfico sob guarda da instituição, indicando os questionamentos artísticos que orientaram o trabalho de curadoria na constituição da coleção. Já o artigo de Hugo Rodrigues Cunha traz o relato do encontro fortuito e inesperado com um material fotográfico guardado em uma área da escola onde é docente da disciplina de Química: o Liceu Camões, em Lisboa. A partir de um pequeno conjunto formado por objetos, negativos e fotografias, ele realiza algumas reflexões sobre a relação entre memória e história e os silêncios e invisibilidades, intencionais ou involuntários, que marcam as ações humanas na escola e em outros espaços.

Outro conjunto formado por três artigos se dedica ao estudo, cada um a seu modo, dos acervos dos fotógrafos Mario Baldi, Pierre Verger e Paulino de Araújo Ferreira Lopes. Mario Baldi, fotógrafo austríaco, realizou um amplo trabalho de fotografia, escrita de artigos e reunião de objetos da cultura indígena no Brasil, entre as décadas de 1930 e 1950. Marcos de Brum Lopes analisa a coleção do fotógrafo, que é compartilhada por duas instituições de memória: o Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Teresópolis (SPHAC), no Brasil; e o Weltmuseum Wien (WMW), na Áustria. O texto de Marcos Lopes discute como o “Projeto Baldi” vem sendo desenvolvido pelas duas instituições e reflete sobre os motivos e intenções do colecionismo. O artigo de Marilécia Oliveira Santos e Thiago Machado de Lima clarifica o trabalho minucioso sobre a constituição da Fundação Pierre Verger, enfatizando o papel da instituição na guarda do legado fotográfico do fotógrafo e antropólogo francês, que viajou por muitos lugares do mundo e se radicou na Bahia em 1946. Os autores detalham o trabalho desenvolvido pela Fundação com o propósito de constituir uma organização interna que garanta a conservação do acervo fotográfico e permita a memorialização e valorização do legado fotográfico de Verger. Por fim, o artigo de Marcos Ferreira de Andrade traz um relato do trabalho de organização do Centro de Memória Cultural do Sul de Minas (CEME), desenvolvido entre 1996 e 2000, na cidade de Campanha (MG), quando era professor na Faculdade de Filosofia Ciências e Letras Nossa Senhora de Sion, hoje pertencente à Universidade Estadual de Minas Gerais (UEMG). Em seu trabalho, ele discute a importância dos centros de memória dirigidos por instituições de ensino em localidades com carência de arquivos públicos. Ele apresenta o escopo de todo o projeto, mas enfatiza o trabalho realizado junto ao acervo fotográfico de Paulino de Araújo Ferreira Lopes, fotógrafo que atuou na região entre o final do século XIX e meados do século XX.

Finalizando o dossiê, o artigo de Laila Zilber Kontic não se concentra numa instituição de memória específica, mas problematiza as representações sobre os indígenas brasileiros na fotografia, a partir da visita a acervos fotográficos do Museu do Índio, da Biblioteca Nacional Digital, do Instituto Moreira Salles, do Museu do Quai Branly, e da Galeria Vermelho. Em um primeiro tempo, a autora analisa fotografias do século XIX de fotógrafos como E. Thiesson, Albert Frisch e Marc Ferrez; em um segundo tempo, ela discute o trabalho de documentação realizado pela Comissão Rondon, e por reportagens da revista O Cruzeiro; em um terceiro tempo, a autora discute o trabalho da fotógrafa suíça Claudia Andujar, que mora no Brasil desde 1955 e construiu uma convivência próxima com os Yanomami, desde a década de 1970. O objetivo principal de Laila Zilber Kontic repousa em mostrar como o trabalho artístico de Andujar elabora novas formas de utilizar a fotografia para abordar os costumes e valores do povo Yanomami, diferentemente do que fizeram outros fotógrafos com suas representações de indígenas.

Esperamos que este dossiê contribua para o aprofundamento da análise da fotografia em instituições específicas e que, deste modo, se alcance uma visibilidade quer sinóptica quer precisa da existência e da representatividade da fotografia nos arquivos e demais instituições de memória, em Portugal e no Brasil. Esperamos ainda que o dossiê constitua uma pequena contribuição para a valorização (institucional ou não) de fundos fotográficos até então invisibilizados. Finalmente, esperamos lançar o mote para pesquisas futuras e outras ações, como exposições ou mostras online, que estabeleçam análises, relações e sinergias entre coleções, fundos e acervos fotográficos nos dois países: Portugal e Brasil.

Desejamos uma ótima leitura!

Notas

1. Segundo Aline Lacerda (2013, p. 240) acervos fotográficos são “grupos de documentos tão distintos quanto arquivos estritamente fotográficos, arquivos mais tradicionais que abarcam, além de documentos de gênero textual, também o material fotográfico, parcelas de arquivos que foram desmembrados e dos quais restam apenas seu componente fotográfico, coleções mais orgânicas de fotografias (pois que produzidas com alguma sistemática), coleções menos orgânicas de fotografias (pois que mais fragmentadas), pequenos conjuntos de fotografias avulsas reunidas sob critérios vários etc.”

2. Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, Dir. Pat. Hist. Documentação da Marinha, Fundação Bibliioteca Nacional, Fundação Joaquim Nabuco, Instituto Moreira Salles, Leibniz-Institut fuer Laenderkunde, Museu Aerospacial, Museu da República e Museu Histórico Nacional.

3. Arquivo Histórico da Marinha, Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa, Arquivo Histórico do Ex-Banco Nacional Ultramarino, Arquivo Histórico Militar, Arquivo Histórico Ultramarino, Arquivo Municipal de Lisboa – Fotográfico, Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Biblioteca Nacional da Ajuda, Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa, Centro Português de Fotografia, Fundação Mário Soares, Divisão de Documentação Fotográfica / Direcção-Geral do Património Cultural, Palácio Nacional da Ajuda, Sociedade de Geografia de Lisboa.

4. Como exemplo podemos citar a base iconográfica do teatro em Portugal, OPSIS; o site em desenvolvimento dedicado a fotografia vernacular portuguesa Foto-Sintese; coleções digitais fotográficas da Fundação Calouste Gulbenkian; registos fotográficos do Arquivo Fotográfico da Câmara Municipal de Lisboa disponibilizados online; imagens fotográficas da secção Cinemateca Digital da Cinemateca portuguesa; a coleção online do Centro Português de Fotografia; o repositório digital do Arquivo Científico Tropical.

Referências

DIAS, Inês Sapeta; FAZENDA, Maria do Mar Fazenda; NASCIMENTO, Susana. O que é o arquivo? / What is the Archive? Lisboa: Sistema Solar / Documenta, 2018.

LACERDA, Aline Lopes de. Quatro variações em torno do tema acervos fotográficos. Revista do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, n.7, p. 239-248, 2013, Disponível em: http: / / wpro.rio.rj.gov.br / revistaagcrj / wpcontent / uploads / 2016 / 11 / e07_a11.pdf. Acesso em: 28 jun. 2020.

MAUAD, Ana Maria. Sobre as imagens na História, um balanço de conceitos e perspectivas. Revista Maracanan, Rio de Janeiro, v. 12, n. 14, p. 33-48, jan. / jun. 2016. Disponível em: http: / / www.e-publicacoes.uerj.br / index.php / maracanan / issue / view / 1194 / showToc. Acesso em 28 out. 2017.

NORA, Pierre. Entre Memória e História – A problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7–28, dez. 1993. Disponível em: http: / / revistas.pucsp.br / index.php / revph / article / view / 12101 / . Acesso em: 10 jul. 2010.

SILVA, Rubens. Acervos fotográficos públicos: uma introdução sobre digitalização no contexto político da disseminação de conteúdos. Ciência da Informação, Brasília, v. 35, n. 3, p. 194-200, set. / dez. 2006. Disponível em: https: / / www.scielo.br / scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 19652006000300018&lng=pt&nrm=isso Acesso em: 29 jun. 2020.

VASQUEZ, Pedro. As ações do INFoto. Brasil Memória das artes. s / d. Disponível em: http: / / portais.funarte.gov.br / brasilmemoriadasartes / acervo / infoto / as-acoes-do-infoto / . Acesso em: 10 jul. 2020.

VICENTE, Filipa (Coord.). O império da visão: a fotografia no contexto colonial português (1860–1960). Lisboa: Edições 70, 2014.

ZAHER, Celia Ribeiro. Comentário IV. Anais do Museu Paulista, São Paulo, v.12, p. 35-37, jan. / dez. 2004, Disponível em: https: / / www.scielo.br / scielo.php?script=sci_issuetoc&pid=0101 – 471420040001&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 08 jul. 2020.

Rogério Pereira de Arruda – Doutor em História pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG); professor Adjunto III na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri – Campus JK-Diamantina. E-mail: [email protected]

Ana Gandum – Doutora em Estudos Artísticos – Artes e Mediações pela Universidade Nova de Lisboa (UNL); pesquisadora da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, Universidade Nova de Lisboa, Portugal. E-mail: [email protected]


ARRUDA, Rogério Pereira de; GANDUM, Ana. Editorial. Revista de História da UEG, Morrinhos – GO, v.9, n.2, jul / dez, 2020. Acessar publicação original [DR]

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Um marco para a fotografia: 180 anos de Daguerre/Acervo/2019

O relato lido por François Arago em 7 de janeiro na Academia de Ciências, e repetido na célebre sessão conjunta das academias de ciências e artes em 19 de agosto de 1839, estabelece em cerca de cinquenta páginas uma genealogia da imagem afinal obtida a partir dos experimentos iniciados por Nicéphore Niépce (1765-1833), a quem Louis Daguerre (1787-1851) se associou em 1829 (Arago, 1839). A partir das imagens óticas alcançadas nas câmaras obscuras, o daguerreótipo representou a possibilidade de fixar e conservar sobre uma superfície as imagens assim captadas. A trajetória descrita visava garantir a primazia das pesquisas realizadas pela dupla sobre as demais tentativas precedentes ou simultâneas. A técnica doada ao mundo pelo governo do rei Louis-Philippe I ficava ainda a dever a captura das cores, como advertiu o cientista. Arago iria mesmo lamentar que o daguerreótipo não existisse em 1798 na campanha do Egito, privando o público de conhecer com exatidão aquele tesouro ainda intocado. Leia Mais

Fotografia, Cultura Visual e História: perspectivas teóricas e metodológicas / Estudos Ibero-Americanos / 2018

Nos últimos 25 anos a fotografia consolidou-se, no campo dos estudos históricos, como fonte de pesquisa e objeto de análise. Ultrapassamos uma história da fotografia, tradicionalmente, concebida como história da técnica ou do gênero fotográfico, para incorporar as dimensões de prática social e de experiência histórica associadas aos modos de ver, dar a ver e representar fotograficamente o mundo social. Os dispositivos óticos associados à visão, os espaços de sociabilidade em que se desenvolveu uma cultura visual cada vez mais complexa, contemplando públicos e observadores com objetivos e propósitos diferentes, passaram a integrar as problemáticas de pesquisa história. As noções de visualidade, a ideia de observador, de público, de prática fotográfica, de experiência visual se tornaram familiares à oficina da História, embora o mundo das imagens não seja desprovido de conflitos, ganhamos muito com a adesão das imagens à causa historiográfica.

Os artigos reunidos nesse dossiê se debruçam sobre a relação entre fotografia e história em diferentes chaves de abordagem. Um primeiro conjunto de artigos aborda questões associadas aos debates teóricos, metodológicos, filosóficos e estéticos. A esse primeiro grupo de questões fundadoras se desdobram abordagens que se dedicam a compreender os percursos de algumas fotografias em seus deslocamentos no mundo das imagens, nos levando para os universos onde as imagens habitam e ganham materialidade, fotolivros, revistas ilustradas, séries fotográficas e exposições. Ressalta-se, entretanto, que na riqueza das diferentes abordagens que compõem o dossiê reside a sua melhor qualidade.

Os estudos sobre os gêneros fotográficos ganham especial atenção no artigo de John Mraz, “Analysing Historical Photographs: Genres, Functions, and Mehodologies”. Na proposta de Mraz, a análise histórica desempenha papel fundamental na definição dos gêneros fotográficos por meio da diferenciação das situações em que as fotografias foram produzidas. Na perspectiva do autor, trata-se de compreender que o fotojornalismo como um gênero se apresenta em diferentes funções: fotografia de imprensa, fotojornalismo, documentalismo e foto-ensaio, impondo a análise histórica como condição para que não se confunda gênero fotográfico com a sua função.

Em “Fotografia e Antropogenese: o melhor amigo do homem”, Mauricio Lissovsky nos proporciona uma reflexão singular sobre homens e cães. Escreve no ritmo das analogias visuais e vai buscando para cada um dos sintomas da imagem que permite a comparação, uma história, uma narrativa que afasta a semelhança entre os duplos nos remetendo para novas imagens. O resultado disso é uma fabulação em que a imagem se torna sujeito de uma aventura, em que humanos e caninos se duplicam e transmutam-se, revelando situações extraordinárias. Em suas reflexões a câmera fotográfica como máquina antropológica, segundo Agamben, desvelaria a humanidade de cada sujeito fotografado.

No potencial teórico-metodológico da fotografia de moda assenta-se a base de argumentação de Maria do Carmo Rainho em “Imagens encenadas? Atos performativos e construção de sujeitos nas fotografias de moda”. Sua reflexão apoia-se em uma larga trajetória com pesquisas sobre vestuário, circuitos de moda e representação do corpo tendo a fotografia como fonte e objeto de análise, o que a possibilita traçar percursos possíveis para pesquisas em que a fotografia de moda ilumine questões sobre a sociedade que a produz e a consome. O valor epistemológico dos estudos sobre imagem da moda, na concepção de Rainho, reside em tomar sua dimensão estética como agente de representações sociais, o que permite transcender o valor utilitário da moda como mercadoria, e da fotografia de moda como ilustração.

Nos deslocamos das questões teóricas e metodológicas operadas em marcos mais amplos, para a análise de trajetórias de imagens particulares e individualizadas. No artigo, “Circuitos e potencial icônico da fotografia: o caso Aylan Kurdi”, as pesquisadoras Solange Ferraz de Lima e Vania Carneiro de Carvalho tomam a fotografia de Aylan Kurdi, produzida pelo fotógrafo Nilfüfer Demir, como ponto de partida para refletir sobre a materialidade da imagem na era digital, seu potencial icônico e sua capacidade de guardar marcas do acontecimento registrado. O exercício de análise apoia-se na consagrada abordagem de Ulpiano Bezerra de Meneses, em uma das suas brilhantes referências para o estudo da imagem, em especial, da imagem fotográfica. Entretanto, mais do que fazer valer uma metodologia de análise fotográfica, as autoras nos proporcionam uma profunda reflexão sobre o papel da imagem na cultura contemporânea das mídias digitais em rede.

Os estudos visuais sobre fotografia, em chave interdisciplinar, se fazem presentes na abordagem de Cleopatra Barrios e Mariana Giordano, em “Violencia, memoria y mito. Espectacularización de la muerte en la fotografía de Isidro Velázquez (Argentina)”. Em sua análise, a espetacularização da morte e da violência são operados por meio do estudo da relação entre fotografia pública, representações iconográficas do corpo morto e a cultura visual Latino-Americana. Avalia-se os circuitos e os percursos das fotografias de Isidro Velázquez de registro policial à santificação popular.

Ainda na linha das trajetórias das imagens se insere a abordagem de Marcos Felipe de Brum Lopes, no artigo “Migrantes e fantasmas: imagens e figuras de Benjamin Constant”. A imagem heroica do fundador da República Benjamin Constant é analisada pelo autor através do mapeamento das trajetórias das figuras de diferentes tamanhos e formatos em que essa imagem foi materializada. Ao analisar os significados históricos das imagens em trânsito por diferentes suportes, Lopes, defende a ideia de que o movimento positivista buscou configurar, no final do século XIX, um observadorcidadão, que acreditava no poder das imagens seculares e heroicas. Ponderar sobre o poder de mobilização das imagens em situação de crise política é o desafio que o artigo nos coloca ao final.

Das imagens dotadas de corpo para as imagensmeio, os artigos que se somam ao dossiê abordam um conjunto de questões que envolvem: os objetos-meios em que as fotografias circulam; o papel da imprensa na consolidação dos espaços públicos visuais; da fotografia como mensagem de amplo alcance; os circuitos sociais das fotografias e seus usos públicos. Em “Cornucópia visual mexicana: as fotografias do livro México seus recursos naturais, sua situação atual, 1922”, Carlos Alberto Sampaio Barbosa, analisa o discurso visual criado pelo corpo diplomático mexicano como forma de propaganda da cultura e da política do México no Brasil. A publicação em formato de livro, amplamente ilustrado com fotografias, foi elaborada como parte dos preparativos da comitiva mexicana na Exposição do Centenário da Independência do Brasil em 1922, constituindo-se uma narrativa visual sobre o México que se complementava com outros aspectos da participação mexicana no evento.

Em “Imagens da desigualdade em fotolivros do Rio de Janeiro: a visualidade na história de um conceito”, Maria Inez Turazzi reune a abordagem da história dos conceitos à da história visual para problematizar a natureza complexa das narrativas visuais e textuais que compõem os fotolivros. No caso em estudo, a cidade do Rio de Janeiro torna-se palco em que se encenam representações de desigualdade, o meio de circulação da mise-en-scène são livros-objetos, fotolivros, sobretudo um especialmente produzido sobre o Rio de Janeiro (Zauberhaftes Rio / Strolling through Rio, 1958) pelo fotógrafo alemão Hans Mann, como parte de seu trabalho sobre a América do Sul realizado entre as décadas de 1940 e 1950. Em sua análise, Turazzi busca problematizar a visualidade da pobreza na representação da “paisagem carioca”, compreendida nas dimensões de construção simbólica e patrimonial.

As revistas ilustradas merecem destaque no artigo de Cora Gamarnik, “La fotografía en la revista Caras y Caretas en Argentina (1898-1939): innovaciones técnicas, profesionalización e imágenes de actualidad”. A revista Caras y Caretas, publicação argentina, atua como plataforma para Gamarnik avaliar as profundas transformações que a imprensa passou com a introdução massiva de fotografias como forma de registrar as notícias, eventos sociais, políticos e acontecimentos em geral, atraindo novos leitores e ampliando seus públicos por meio da imagem. Paralelamente, a autora avalia as mudanças operadas na dinâmica da imprensa com a valorização da fotografia tanto como atrativo e estratégia de venda, como meio de figurar a modernização nacional e os conflitos políticos que esse processo envolveu. Apoiada em minuciosa análise das fontes, o estudo revela aspectos importantes sobre a consolidação sul-americana de um espaço público visual nos primeiros trinta anos do século XX.

O potencial indiciário da fotografia é explorado no artigo de Marco Antonio León León, “Pesquisas visuales – Representación e identificación criminal a través de revistas policiales chilenas (1934-1961)”, que tem como objeto três revistas publicadas pela Polícia de Investigação chilena entre 1934 e 1961. Em sua análise, León centra-se na seção “galeria de delicuentes” para descortinar os sentidos atribuídos visualmente aos criminosos e delinquentes para que o público pudesse identificar, em registro lombrosiano, os inimigos sociais. Em diálogo com as tradições francesas de identificação criminal, o autor avalia o papel da fotografia de registro criminal para a conformação de um discurso de controle social no Chile.

A fotografia humanista no pós-Segunda Guerra é o tema do artigo “As famílias dos homens. Os trânsitos do humanismo na fotografia internacional e brasileira”, de Erika Zerwes. Parte-se de uma das primeiras séries fotográficas realizada por Claudia Andujar, sobre famílias brasileiras (1960-62), para em registro comparativo com a série de fotorreportagens intitulada People are people the world over (1948-49) e a exposição Family of Man (1955), avaliar os percursos da fotografia humanista. As imagens em trânsito, movidas por impulsos diferentes, mas com o mesmo propósito: documentar a experiência humana fotograficamente. Da busca de compreender o outro por meio da linguagem universal da fotografia, no caso de Claudia Andujar, passando pelo registro de como viviam as pessoas mundo a fora, no caso da fotorreportagem publicada no Ladies’ Home Journal, e chegando ao apelo universalista da exposição do MOMA, afirma-se uma prática fotográfica de viés humanista, que nos leva a indagar sobre o destino das imagens em um mundo de contrastes e desigualdades em dimensões globais.

Nosso dossiê completa-se com uma entrevista com a historiadora da arte e professora Annateresa Fabris, enfatizando as relações entre fotografia, artes e estudos da imagem como parte da trajetória de uma das mais importantes autoras sobre o tema em âmbito nacional e, não seria exagero dizer, internacional. Concluindo-se com duas resenhas de livros voltados para a problemática da fotografia na pesquisa histórica e em arquivos – “Más allá de la simple imagen: fotografía e investigación” – e para a os itinerários históricos da fotografia na América Latina – “Notas sobre uma história da fotografia na América Latina”, escritos respectivamente por duas especialistas em estudos sobre a fotografia, Núria Rius e Carolina Etcheverry.

Boa leitura!

Ana Maria Mauad – Professora titular do Departamento de História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da Universidade Federal Fluminense (UFF. E-mail: [email protected]

Charles Monteiro – Professor adjunto do Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). E-mail: [email protected]


MAUAD, Ana Maria; MONTEIRO, Charles. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 44, n. 1, jan. / abr., 2018. Acessar publicação original [DR]

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História e Fotografia: interdisciplinaridade, arquivo e memória / História Revista / 2016

O tema inicial deste dossiê apontava para uma reflexão sobre a articulação entre História e Fotografia, arquivo e memória, tomando esse entrelaçamento nas suas vertentes diversas e do ponto de vista de uma interdisciplinaridade profícua. A intenção era dar ênfase aos interesses da historiografia e da Cultura Visual, dos estudos sobre a Imagem e, até, uma iconografia, ligada à representação da história e da(s) temporalidade(s) que a atravessa(m). Finalizado o trabalho de leitura e organização dos textos recebidos, concluímos que nossa expectativa foi superada pelas reflexões que seguem, pois nelas se enxerga o vigor da interdisciplinaridade e o rigor das análises teórico‐metodológicas.

Podemos, assim, considerar três eixos fundamentais neste dossiê. Um primeiro prende‐se às questões da teoria da história e da historiografia e tem o seu início numa inédita colaboração do prestigiado filósofo Gérard Bensussan. Com o texto Rosenzweig, Schelling et l’histoire: quelques aperçus, veio mostrar‐nos o enraizamento da teoria da história contemporânea, que conhece em Rosenzweig, Ernst Bloch e Walter Benjamin os mais ferozes críticos da concepção hegeliana da história e de todos os positivismos subsequentes. Ainda nessa linha de reflexão, incluimos o texto de Maria João Cantinho, Aby Warburg e Walter Benjamin: a legibilidade da memória, que, ao partir da relação entre o conceito de memória e imagem (incluindo esta noção a representação fotográfica), examina, nos dois mencionados autores, a forma como a história e o passado podem ser interpelados mais figurativamente e menos como narrativa clássica e tradicional. Tais perspectivas abrem o caminho a uma nova visão, tanto da história como da própria história da arte, pondo a tônica numa imprescindível interdisciplinaridade que contamina toda a historiografia contemporânea.

Um outro eixo, ligado às possibilidades que a técnica e a reprodução imprimiram à fixação do passado, começou a impor‐se cada vez mais na fotografia contemporânea, lançando as bases teóricas para uma reflexão imprescindível: a ideia do arquivo fotográfico tornado indispensável à história. Nessa linha, sobretudo ao nível da fundamentação teórica, que antecede as reflexões de Barthes sobre a importância da fotografia como registro e potencialidade da construção do arquivo, temos o texto do filósofo Márcio Seligmann‐Silva, A fotografia na obra de Walter Benjamin: dialéctica congelada e a “segunda técnica”. Duas abordagens interessam a este texto: 1) o papel da fotografia como possibilidade técnica de reprodução, que permite a fixação do testemunho histórico; 2) o modo como a fotografia – expressão máxima de uma época em que a técnica desmonta todo o valor cultual e ritualístico da arte – alavancou, ela própria, a possibilidade (rizomática) de um novo olhar para a história, contribuindo para a construção da historiografia assentada no conceito de “imagem dialéctica”. Acompanha esse exame teórico‐metodológico o texto de Cristina Susigan, Desastres da Guerra, que aponta para as interrogações em torno da representação pela imagem (da pintura, da gravura e da fotografia), pela história e pelo passado. Parte a autora da análise de Aby Warburg e de Susan Sontag e da forma como a catástrofe e os desastres da história são registrados cada vez com maior precisão e rigor, permitindo a criação do arquivo e do testemunho histórico. Se as relações entre a história e a fotografia sempre foram visíveis e inegáveis a partir da década de 1930, graças à importância crescente da fotografia documental, o registro, entretanto, começou muito antes, com a fotografia trazendo uma capacidade de fixação do passado que se acentuou, eficazmente, nos nossos dias. Esse convívio entre ambas, história e fotografia, nem sempre foi fácil, pois os teóricos da fotografia recusavam a ideia de que a fotografia pudesse ser um mero instrumento de utilização para a história, o que poria em causa a sua autonomia. Certo é que essa relação era imperiosa, e tanto uma como a outra beneficiavam‐se dela, no sentido em que a contextualização histórica dava à fotografia uma nova consistência, convocando‐a à construção da história.

Um último vetor engloba os textos de Miguel Vieira e de João Oliveira Duarte, apontando para uma interdisciplinaridade que se encontra aqui contemplada, pois remete‐ nos para as questões da literatura e da Teoria da Literatura, da hermenêutica e da interpretação da obra de reconhecidos escritores portugueses como Sophia de Mello Breyner Andresen e Rui Nunes, repectivamente. Se Miguel Vieira, no seu texto sobre a poeta Sophia, procura resgatar a importância da obra e da biografia da autora, esse não é o mais importante aspecto do texto, todavia. O modo como a literatura e a poesia incorporam uma tradição da epopeia e da narrativa tradicionais, rememorando a mitologia clássica e assinalando o passado, é convocado na sua máxima expressão na poética de Sophia, que estabelece um diálogo vivo com a poesia, a tragédia e a epopeia gregas. Já o texto de João Oliveira Duarte cuida de outra questão mais contemporânea, que é a do luto e da melancolia na experiência moderna e o modo como essa experiência se inscreve na literatura. Por fim, alcançamos o último texto do dossiê, Imagens e estereótipos na construção de uma visão do Brasil nos anos de 1950, de Marlise Regina Meyrer. Nele, encontramos a associação entre a memória afetiva e a identidade, explicitando como a fixação do passado se inscreve, também, em um processo de procura identitária.

Organizamos o dossiê e apresentamos seus temas por meio do que compreendemos como “vetores” ou “eixos”. Isso porque essa foi a opção teórico‐ metodológica que nos capacitou a dar conta do modo pelo qual os autores circulam entre a história, a fotografia e a imagem, contribuindo para uma reflexão pertinente entre as várias disciplinas que aqui dialogam. A escrita que ruma ao passado é comparável a um trabalho arqueológico. Escava, busca o detalhe e, então, ilumina o passado para dele obter um encontro com a explicação e o sentido.

Fabiana de Souza Fredrigo – Professora Doutora (UFG)

Maria João Cantinho – Professora Doutora (Iade, Portugal)

Organizadoras


FREDRIGO, Fabiana de Souza; CANTINHO, Maria João. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 2, maio / ago., 2016. Acessar publicação original [DR]

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Tempo Presente e Fotografia / Tempo e Argumento / 2016

Tempo Presente – Fotografia / Tempo e Argumento / 2016

O historiador François Bédarida afirmou que a história do tempo presente (HTP) exige de seus colegas de ofício um cuidado redobrado para que não corra o risco de tudo julgar, visto que a narrativa produzida “se define tanto em relação a um futuro quanto em relação a um passado”.1 Ainda que toda narrativa histórica implique um posicionamento ético e político, ao analisar acontecimentos do presente, os riscos de interferir no seu curso acentuam‐se consideravelmente. O manejo de um instrumental destinado a selecionar, interpretar e construir narrativas sobre histórias abertas, ou ainda em desenvolvimento, torna a história do tempo presente singular. Especialmente ao deparar‐se com o questionamento à suposta imparcialidade no trabalho do historiador, alvo de frequentes controvérsias, inclusive entre os próprios representantes da área.

No momento em que esta edição de n. 17 (2016) vem a público, encontra acirrado debate, especialmente nas redes sociais, a exemplo do posicionamento assumido pela categoria de forma ampliada e identificada como “Historiadores pela Democracia”.2 Historiadores especializados nas mais diversas áreas buscaram interpretar o atual cenário político brasileiro, entre os quais Marcos Napolitano, Rodrigo Patto Sá Mota, Sidney Chalhoub e Hebe Mattos. Perry Anderson da University of California (UCLA) e James Green da Brown University, também acionaram os instrumentais da história para analisar a recente crise brasileira. Analisar e interpretar não significa reconstituir ou resgatar os fios dos acontecimentos em curso. Implica, antes de tudo, verificar estruturas de longa e de recente duração presentes na conjuntura atual. Não significa, tampouco, determinar o que realmente aconteceu, mas, conforme a bela expressão criada por Bédarida, erguer moradias provisórias. Historiadores do futuro poderão acioná‐las, reformulá‐las e até contestá‐las, mas não poderão afirmar que os historiadores se calaram ou foram coniventes com os crimes e injustiças cometidos no seu tempo

Como bem registrou Walter Benjamin acerca do avanço do fascismo europeu, o assombro diante dos acontecimentos recentes não é filosófico, visto que não surpreende quem acompanha e analisa o papel que as ideias conservadoras desempenharam, e desempenham, na manutenção do status quo de grupos que angariaram os maiores privilégios econômicos e políticos ao longo da história. A criminalização dos movimentos sociais, a corrupção na política, a violência policial, a homofobia, o feminicídio, o conluio das tradicionais classes conservadoras para barrar os avanços políticos e sociais conquistados remontam a outros tempos, persistem e se travestem de novidade. Nestas reflexões sobre o passado do país, o que antes soava como exceção há muito é regra.

Como saldo da relatada experiência dos historiadores, ao se arriscar a analisar o tempo presente, encontra‐se a contraposição à tentativa de homogeneização do discurso midiático, protagonizada por parte do jornalismo brasileiro, retirando sua primazia sobre a narrativa dos recentes fatos nacionais. Talvez por isso articulistas de jornais como o Estadão3 e a Folha de S.Paulo4 se tenham manifestado de forma tão contundente contra a chamada “rede” de historiadores, na tentativa de (des)qualificar tal forma de atuação, adjetivando‐a com termos como “formação de quadrilha”, “organização em bando”, ou ainda “alinhamento ideológico totalitário”. Se alguma lição fica aos profissionais da área quanto ao momento crítico em que estamos mergulhados, é que a história do tempo presente deixa de ser considerada apenas um alargamento do campo, e impõe‐se como dever. A Revista Tempo e Argumento junta‐se aos colegas na manifestação contra o atual golpe político no Brasil e soma‐se aos editoriais da Revista Brasileira de História5 e Revista História, Ciências, Saúde ‐ Manguinhos6 em favor da democracia no país.

O dossiê “Tempo presente e fotografia” integra nesta edição 10 artigos assim tematizados, seguidos de 3 textos de demanda contínua, 2 resenhas e 2 entrevistas. Destaca‐ se que a revista ampliou sua base de dados na indexação a Thomson Reuters, junto às demais já vinculadas. Apresenta como novidade também a inclusão da primeira entrevista em vídeo neste periódico.

João Cabral de Melo Neto aponta em versos a maneira como passamos a observar o mundo através das lentes, como traço de distinção em determinado momento, quando declara

Meus olhos têm telescópios

espiando a rua Espiando minha alma

longe de mim mil metros7

O ato fotográfico identifica sob diversos aspectos o tempo presente, definindo esta forma do olhar como experiência individual e coletiva, memória e significação histórica. A câmera como testemunho dos campos de concentração nazistas observados por George Rodger e Henri Cartier‐Bresson, na análise de Erika Zerwes, ou no requintado universo de percepção estendido aos aspectos sensoriais da pesquisa científica que tentou retratar o sonoro, conforme constatou Marcelo Téo, são expressões do tratamento mais conceitual sobre a fotografia apresentado neste dossiê. Seguido das reflexões de Charles Monteiro ao definir, como via de percurso, o fotojornalismo como linguagem e possibilidade de formação discursiva junto a outras imagens. Ainda na esfera deste campo de atuação, a contribuição de Ana Mauad no estudo de caso tematizado pelo “quebra‐quebra” do Centro do Rio de Janeiro em junho de 1987, na cobertura dos jornais e produção do fato histórico. O uso político das imagens fotográficas revela‐se no texto de Pedro Ernesto Fagundes, na análise dos acervos dos órgãos de repressão no Brasil, tematizado pela Campanha pela Anistia. A Revista O Cruzeiro Internacional, enquanto veículo também precursor na prática do fotojornalismo, é apresentada enquanto construção imaginária acerca do pan‐americanismo no artigo de Marlise Meyrer. Cenários, paisagens urbanas e monumentos integram outros 3 textos deste dossiê, a exemplo dos trabalhos de Franco Sánchez, Patrícia Silva e Priscila Grecco, ao observarem e analisarem distintas circunstâncias históricas documentadas pela fotografia na chamada “Nueva Argentina”, “Manaus Moderna” e na Cidade do México, respectivamente. O dossiê finaliza com o uso das fotografias da ditadura civil‐militar no Brasil presente nos livros didáticos, em circulação de 1990 a 2015, conforme texto de Carolina Etcheverry.

Na sequência, os artigos de Maria Claudia Badan Ribeiro e Thiago Nunes Soares dão destaque também ao posicionamento político como análise. As redes políticas de solidariedade na América Latina, conforme identificação do título, indicam a existência de contatos e relacionamentos estendidos como parte do movimento revolucionário brasileiro de repercussão no exterior, envolvendo o acolhimento ao exílio diante dos conflitos resultantes da luta armada, dando a perceber a confluência estendida à América Latina, África e Europa. A anistia no Brasil voltou a ser tematizada nesta edição, desta vez em Recife, através das inscrições nos muros e espaços públicos ampliados, identificadas como “escritas citadinas”, alvo da repressão policial por serem consideradas subversivas. O texto de Misael Corrêa atenta para a reflexão sobre as “brigas de galo”, enquanto estudo de caso de prática recorrente na cidade de Florianópolis / SC, ampliando a discussão sobre a história do esporte, das cidades e das sensibilidades.

Sob o título “Ditadura civil‐militar, cassações políticas e História em Chapecó”, Gustavo Silveira resenhou o livro de Claiton Marcio da Silva, voltado ao estudo das especificidades políticas do município catarinense. Paula Franco apresenta a resenha sobre a produção audiovisual “Orestes”, em suporte DVD, lançada em 2015, no diálogo com o clássico texto da tragédia adaptado.

Ao final desta edição, as entrevistas. Sob o título “Existe história oral em América Latina?”, resulta a transcrição da entrevista realizada com o Prof. Gerardo Necoechea (Instituto Nacional de Antropologia e História da Cidade do México), em resposta às questões apresentadas pelas doutorandas do PPGH / UDESC, Célia Silva, Yomara Fagionato e Lisandra Barbosa Pinheiro, registro que se deu na ocasião da participação do entrevistado no II Seminário Internacional História do Tempo Presente, em outubro de 2015. Em 13 de novembro de 2015, a Profa. Míriam Hermeto (PPGH / UFMG) foi entrevistada pela Profa. Márcia Ramos de Oliveira (PPGH / UDESC), atividade compartilhada com o Daniel Saraiva e Luciano Py de Oliveira (doutorandos também vinculados ao PPGH / UDESC), que deu continuidade ao Minicurso “A Canção Popular Brasileira: Documento para a Pesquisa e o Ensino da História” apresentado na FAED / UDESC.

Como no clique da fotografia, fica aqui um breve registro da divulgação científica na expectativa de que provoque outras reflexões. Desejamos a todos e a todas uma boa leitura!

Márcia Ramos de Oliveira

Rogério Rosa Rodrigues

Editores‐Chefes


OLIVEIRA, Márcia Ramos de; RODRIGUES, Rogério Rosa. Editorial. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.8, n.17, 2016. Acessar publicação original [DR]

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Fotografia e cinema em Minas Gerais: Olhares / Revista do Arquivo Público Mineiro / 2009

Linguagens visuais

Em 1999, o Museu da Imagem e Som de São Paulo patrocinou uma exposição dedicada à história da fotografia no Brasil. No encarte intitulado Minas: minas. IV Mês Internacional da Fotografia, o fotógrafo mineiro e organizador da seção de Minas Gerais, Bernardo Magalhães, afirmou: “[…] nenhum estudo crítico jamais foi feito sobre a Fotografia em Minas Gerais, verbete praticamente inexistente na História da Fotografia no Brasil”.[1] Leia Mais

História & Fotografia | ArtCultura | 2008

A partir dos anos 1990 e, sobretudo, dos EUA, se desenvolveu um campo de pesquisa chamado de Estudos Visuais, articulando Artes, Comunicação, Antropologia, História e Sociologia. As pesquisas que daí emergiram problematizaram numa perspectiva multidisciplinar, a centralidade das imagens e a importância do olhar na sociedade ocidental contemporânea, a forma como os diversos tipos de imagens perpassam a vida social cotidiana (a visualidade de uma época), relacionam as técnicas de produção e circulação das imagens ao modo como são dados a ver os diferentes grupos e espaços sociais (os padrões de visualidade), propondo um olhar sobre o mundo (a visão), mediando a nossa compreensão da realidade e inspirando modelos de ação social (os regimes de visualidade).

No Brasil, a pesquisa acadêmica sobre o fotográfico se desenvolveu muito a partir das décadas de 1970 e 1980, seja por meio de traduções de textos fundamentais, seja pela pesquisa pioneira de certos autores como Boris Kossoy, seja por parte de uma nova agenda de trabalho na pósgraduação. Além disso, o tema do fotográfico alcança hoje áreas diferenciadas do conhecimento, que vão das artes às ciências humanas, dos programas de pós-graduação às novas graduações ou ainda aparece no lugar central que ocupa nos museus, nas bienais, nas exposições de arte e tecnologia. Leia Mais

Fotografia e cultura (s) urbana (s) / Varia História / 2006

Fotografia e Cultura(s) Urbana(s) é o tema central do dossiê que compõe este número de Varia História.

Fruto da cultura urbana de fins da primeira metade do século XIX, a fotografia é um dos poucos artefatos a marcar, desde então, a variedade de práticas sociais criadas e vivenciadas nos espaços, público e privado, da vida citadina. Com mais de século e meio de existência, a fotografia conta hoje com uma história que tanto permite a análise das transforma ções operadas em seu perfil técnico e estético, quanto de seus usos e suas funções sociais.

Se a dimensão analógica da fotografia faz com que muitos a vinculem ao mundo do reconhecível, ou seja, a um mundo atado a seu referente; a diversidade de estudos acerca de sua visualidade indica que ela pertence ao universo da cultura do olhar. Em outras palavras, tais análises mostram como os fotógrafos. informados por razões estéticas, comerciais, políticas e culturais, dentre outras . metamorfoseiam o real, recriam seus espaços e seus tempos sociais. Assim concebida, a fotografia deixa de ser vista como simulacro do real; torna-se um espaço cultural e intelectual afinado com os sistemas de percepção e representação concebidos e produzidos histórica e culturalmente. Mais, ainda, tem papel social ativo, podendo, pois, anular, criar e / ou reinventar memórias e identidades sociais.

É importante sublinhar, uma vez mais: embora o poder de penetração da fotografia não se restrinja às áreas urbanas, é exatamente aí que esta imagem, híbrida por natureza, encontrou e continua a encontrar território propício para o debate que mais interessa a este dossiê: compreender de que maneiras e por que as diferentes dimensões da fotografia têm participado tanto do processo de construção e mudança dos modos de vida urbanos, quanto de suas formas e seus campos de conhecimento.

Os seis artigos que compõem este dossiê, três estrangeiros e três nacionais, não apenas apresentam uma variedade de questões analíticas, como também indicam diferentes possibilidades para se pensar as relações entre Fotografia e Cultura(s) Urbana(s).

O artigo de Fernando Aguayo Hernádez, professor e pesquisador do Instituto Mora / México, Los arrebatos del corazón, nos brinda com uma primorosa análise assentada em dois pontos distintos, porém correlatos. Ancorado numa reflexão de longa duração, o autor mostra como a Plaza Mayor – “o coração da cidade” do México – tem sido um espaço de produção de identidades e disputas sociais e político-culturais. Para viabilizar a construção de seu objeto, o pesquisador descortina as conexões existentes entre a produção fotográfica sobre a praça e os usos e as funções político-sociais a ela atribuídas por diferentes segmentos da sociedade mexicana. Em meio à reflexões sobre o urbano e a fotografia, o artigo ainda reserva espaço para outra ordem de preocupação inerente ao ofício de historiador: conduz o leitor até os territórios metodológicos acerca da pesquisa com imagens visuais, sobretudo fotográficas.

Em El retrato fotográfico en la Buenos Aires decimonómica: la burguesia se representa a si misma, Andréa Cuarterolo – historiadora e pesquisadora do Centro de Investigación y Nuevos Estudios sobre Cine / Buenos Aires – mostra o papel da fotografia na constituição de uma cultura urbana burguesa, comprometida com os ideais de progresso saídos da era industrial. Por estas e outras razões, os leitores encontrarão, nas páginas deste artigo, uma das características mais marcantes da história da fotografia, sobretudo do retrato, dos anos oitocentos e das primeiras décadas do século XX. Referimo-nos, em particular, à combinação entre a universalização da visualidade fotográfica, de um lado, e a busca de individualização dos sujeitos retratados, de outro. Ao combinar fontes visuais e textuais, a pesquisa desenvolvida pela autora ainda permite avaliar a atmosfera de deslumbramento, dos atores de ontem, diante de uma imagem então considerada duplicação fiel do real.

Enquanto os dois primeiros artigos enfatizam as representações de um mundo figurativo e dão ênfase aos sujeitos fotografados, o ensaio do fotógrafo e professor da Universitat Pompeu Fabra / Barcelona, Joan Fontcuberta, prioriza as relações entre os signos fotográfico e textual. Interessando em enfatizar o papel crucial exercido pela cultura do olhar na interpretação da realidade, o autor de Arqueologias del Futuro põe em questão a noção objetiva de paisagem, veiculada por aqueles que acreditaram e acreditam no estatuto de verdade documental e / ou testemunhal da fotografia. Com este objetivo, sustenta a tese de que a escrita fotográfica, trabalhada plasticamente mediante o uso de fotogramas, por exemplo, pode criar realidades imaginadas tão convincentes quanto aquelas presentes no texto de John Stathatos: El Libro de las ciudades perdidas ou no Cidades Invisíveis de Ítalo Calvino. Esta questão coloca o leitor diante da natureza representativa da fotografia.

O artigo de Maria Inez Turazzi – historiadora, doutora em arquitetura e urbanismo e pesquisadora do Museu Imperial -, Paisagem construída: fotografia e memória dos “melhoramentos urbanos” na cidade do Rio de Janeiro, insere-se, como os dois primeiros trabalhos deste dossiê, no campo da fotografia documental e / ou histórica. Dentre as particularidades da análise da autora brasileira acham-se as estreitas relações entre poder, ciência, fotografia profissional, publicidade e a noção de progresso urbano vigente entre fins do século XIX e primeiras décadas do século XX. Para destrinchar as tramas de tais vinculações, Maria Inez Turazzi parte de um aspecto pouco trabalhado pelos analistas da história da fotografia e também da história urbana do período. A partir de um cenário específico: a vida na capital federal do Brasil, a autora transporta o leitor para o mundo da fotografia de obras públicas. Mostra, com riqueza documental e apuro analítico, como as lentes de fotógrafos, estrangeiros e nacionais, participaram ativamente da construção de memórias urbanas, coletivas e individuais, acerca das grandes obras de engenharias que, em poucos anos, alteraram a paisagem do centro do Rio de Janeiro, cidade-vitrine de um país que se queria moderno.

É de autoria de Maria Beatriz R. de V. Coelho – fotógrafa, socióloga e professora do Departamento de Sociologia e Antropologia / UFMG – o artigo: O campo da fotografia profissional no Brasil. Ao privilegiar a fotografia criada pelas câmeras de profissionais, estrangeiros e nacionais, no Brasil da segunda metade do século XX em diante, a autora historiciza as combinações entre variáveis internas e externas à fotografia, para mostrar a constituição e as mudanças no campo da fotografia e na formação dos fotógrafos. Em meio às tantas novidades, este artigo, vivo e dinâmico, ainda analisa a participação da fotografia (da fotorreportagem, principalmente) nos órgãos de imprensa, públicos e privados, interessados na produção de imagens e imaginários sobre a(s) identidade(s) brasileira(s). A presença da fotografia nos museus, nas bienais e no mercado editorial brasileiro também são temas contemplados neste artigo.

Mauro Guilherme Pinheiro Koury – doutor em Ciências Sociais pela Universidade de Glasgow, professor e pesquisador do Departamento de Ciências Sociais / UFPB – é o autor de O Imaginário Urbano sobre Fotografia e Morte em Belo Horizonte, MG, nos Anos Finais do Século XX. Seu artigo traz contribuições originais à temática por ele trabalhada em outro momento: os usos e sentidos da fotografia mortuária de cunho privado no Brasil. Neste trabalho, especificamente, o autor revela as particularidades do caso mineiro, na atualidade belorizontina. Para além da importância do tema pesquisado, Mauro Guilherme Pinheiro Koury lança mão da combinação, importante e pouco usual, de metodologias quantitativas e qualitativas, para dar forma às suas reflexões sócio-antropológicas e históricas acerca das re-significações hoje atribuídas a este tipo de imagem. É preciso mencionar: a conjugação dos dados analisados também instiga o leitor a pensar sobre as culturas da morte, do morrer e da solidão na contemporaneidade urbana.

Espera-se que a pertinência acadêmica dos seis artigos – três de autores estrangeiros e três de autores nacionais – que compõem este dossiê ofereça, aos leitores de Varia História, motivações e pistas interessantes para a continuidade das reflexões e pesquisas que têm a fotografia e a(s) cultura(s) urbana(s) como objeto privilegiado de análise.

Belo Horizonte, 2006

Maria Eliza Linhares Borges – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
[email protected]


BORGES, Maria Eliza Linhares. Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.22, n.35, jan. / jun., 2006. Acessar publicação original [DR]

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Imagens da modernidade: arte, fotografia e tecnologia / Estudos Ibero-Americanos / 2005

O presente número da revista Estudos Ibero-Americanos tem em vista publicar uma série de ensaios que focalizam as “Imagens da modernidade: arte, fotografia e tecnologia”. Os autores analisam a imagem a partir de diferentes olhares, considerando a modernidade, as ideologias do modernismo, as práticas culturais e os avanços científicos e tecnológicos como fios condutores dos processos de interpretação das mesmas. Como esses ensaios são efetuadas por historiadores da arte e da cultura, as imagens são tratadas não apenas por suas representações enquanto fenômenos positivos, mas levando em conta os seus aspectos estéticos e os diálogos que os artistas estabelecem entre si ou entre distintas categorias artísticas, em diferentes momentos históricos. Os diálogos entre pintores ou destes com fotógrafos e a cultura visual em geral fornecem também outros subsídios para a interpretação das imagens e suscitam novas questões. Fora esses aspectos de caráter metodológico assinalados, os estudiosos têm ainda o objetivo de considerar a espacialidade e a temporalidade da imagem, fazendo conexões com fenômenos próprios ao momento em que ela foi concebida e com outros tempos históricos com os quais ela se relaciona.

A imagem na arte moderna exige do historiador um longo processo de reflexão a respeito das questões internas e externas à mesma, visto que essa é resultante de múltiplos saberes, nos quais se confrontam, de forma interdependente, diferentes campos de conhecimento, o imaginário do artista, a cultura visual e as práticas próprias da sociedade em que ele vive. As imagens da modernidade são fecundas, pois evidenciam as suas mudanças de estatuto, bem como expressam as teorias com as quais elas são produzidas. Com isto, elas são resultantes do cruzamento de vários domínios do saber do mundo moderno, associados à memória, ao imaginário, à sensibilidade, às convicções pessoais e práticas culturais.

A inserção da fotografia no elenco de ensaios tem a finalidade de explicitar a sua importância na contemporaneidade, o impacto tecnológico exercido e a construção de novas percepções de mundo que esta evidencia, sobretudo, a partir da sua produção mecânica no século XIX e, mais recentemente, com a imagem numérica. Com isto, visa-se destacar a importância da cultura visual como fator significativo a ser considerado no processo de interpretação da imagem pelo historiador. Conforme Jean-Claude Schimit, todas as imagens interessam ao pesquisador, pois todas têm razão de ser, exprimem e comunicam sentidos, são dotadas de valores simbólicos e se prestam aos mais distintos usos.1

Este número da revista apresenta ensaios mais teóricos relativos à tradição / modernidade das imagens pictórica e fotográfica e a outros estudos que se pautam em análises de casos, que se estendem da pintura à arquitetura. Eles fogem das metodologias tradicionais da História da Arte, que trabalhou durante muito tempo com abordagens idealista, formalista e positiva, trazendo novos enfoques e problemáticas, bem como da História Cultural que identificou a imagem enquanto documento visual enquanto representação do real.

Nota

1. POIRRER, Philippe. Les enjeux de l’histoire culturelle. Paris: Seuil, 2004. p. 310.

Maria Lúcia Bastos Kern – Professora Doutora.

Cláudia Musa Fay – Professora Doutora.

Coordenadoras


KERN, Maria Lúcia Bastos; FAY, Cláudia Musa. Apresentação. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v.31, n.2, dez., 2005. Acessar publicação original [DR]

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Fotografia | Anais do Museu Histórico Nacional | 2000

Organizador

Ana Maria Mauad – Doutora em História. Professora Adjunta Universidade Federal Fluminense.

Referências desta apresentação

MAUAD, Ana Maria. Apresentação. Anais do Museu Histórico Nacional. Rio de Janeiro, v.32, p.10-14, 2000. Acesso apenas pelo link original [DR]

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