Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalismo

Quinn Slobodian, professor na Wellesley College, é historiador com foco em história internacional, política norte-sul, movimentos sociais e história intelectual do neoliberalismo. É ligado a esse último tema que escreveu sua nova obra, “Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalism”.

O objetivo inicial de Slobodian é quebrar com o senso comum de que os neoliberais acreditariam em um laissez-faire global, ou seja, em mercados que se autorregulem, em um Estado mínimo e na redução das motivações humanas ao interesse pessoal do homo economicus. Esses neoliberais imaginados confluiriam para um capitalismo de mercado livre conjugado com democracia e teriam fantasias de um mundo sem fronteiras.

Slobodian revela seu anseio de ir de encontro a essa narrativa. Conforme colocou em entrevista: “O maior desafio para académicos que trabalham a questão do neoliberalismo tem que ver com as formas promíscuas e contraditórias com que o termo foi usado por académicos e activistas no último quarto de século” (MONTEIRO; JERÓNIMO, [2018]). Segundo ele, os neoliberais não acreditam em um mercado autorregulado como uma entidade autônoma, não veem humanos como motivados por uma racionalidade econômica, não buscam o desaparecimento do Estado e das fronteiras e não observam o mundo sob a ótica do indivíduo.

Para Slobodian, o projeto neoliberal tem por foco criar instituições, não com o objetivo de liberar mercados, mas para cercá-los e proteger o capitalismo da ameaça representada pela democracia, contendo o comportamento humano, muitas vezes irracional, e reordenando o mundo após o colapso dos impérios como um espaço de Estados-competidores nos quais as fronteiras cumprem uma importante função.

De acordo com o autor, historiadores por muito tempo focaram na Sociedade de Mont Pèlerin, fundada por Hayek em 1947, tratando-a como um grupo homogêneo, enquanto, na realidade, existiam muitos dissensos entre seus membros, além da existência de outros grupos que tiveram uma importância significativa entre os neoliberais. As próprias confusões existentes em relação a esse pensamento vêm de historiadores como Karl Polanyi, que tem sua narrativa adaptada no sentido de conferir aos neoliberais e seu fundamentalismo de mercado uma busca por separar o mercado “natural” da sociedade e realizar a utopia de um mercado que se autorregula. Slobodian critica essa ideia e afirma que o foco das propostas realizadas por esses autores não era o mercado, exatamente, mas sim meios de redesenhar os Estados, as leis e outras instituições para proteger o mercado. O próprio Hayek, pensador central em toda a obra, dispensava a ideia de que ele demandaria por um “Estado mínimo”.

Outra proposta esclarecedora do livro é a atenção dada à Escola de Genebra em detrimento à famosa Escola de Chicago. A Escola de Genebra é negligenciada em diversas ocasiões por historiadores, enquanto Slobodian engloba nela pensadores de extrema relevância no movimento neoliberal, como Röpke, Mises, Heilperin, Hayek, Robbins, Haberler, Tumlir, Roessler e Petersmann, incluindo um período de tempo desde os seminários em Viena, no final do século XIX, até a formação da Organização Mundial do Comércio.

Os neoliberais da Escola de Genebra eram críticos da soberania nacional e acreditavam que após o fim do império (I Guerra Mundial) as nações deveriam ter limites impostos por uma ordem internacional criada para salvaguardar o capital e seu direito de se mover pelo mundo. Para isso, dependeram de uma distinção fundamental criada em 1950 pelo jurista Carl Schmitt (que havia tido ligações profundas com o nazismo): uma parte do mundo estava circunscrita em territórios estatais onde os governos controlavam os seres humanos. Esse era o mundo do imperium. A outra parte era o mundo da propriedade, onde pessoas eram proprietárias de coisas, dinheiro e terra, o mundo do dominium.

Enquanto Schmitt via essa divisão como negativa, os neoliberais a encararam como uma descrição de mundo que eles pretendiam manter, através de um equilíbrio entre as duas esferas mediante uma lei global, criando uma “ordem mínima constitucional” e a separação do Estado da propriedade privada. Como se pode denotar, o neoliberalismo da Escola de Genebra era menos uma disciplina ligada à economia e mais conectada ao estadismo e ao direito.

Assim, a solução apontada por eles foi um projeto de globalismo baseado em instituições de governança apartadas de qualquer possibilidade de decisões democráticas e que deveriam manter o equilíbrio entre o mundo político do imperium e o mundo econômico do dominium. Dessa forma, haveria uma completa proteção dos direitos privados do capital e a possibilidade de se recorrer a cortes supranacionais como a Tribunal de Justiça da União Europeia e a Organização Mundial do Comércio para se sobrepor às legislações nacionais que pudessem apresentar um risco aos direitos do capital, chegando, inclusive, a tentar encaixa-los na categoria de direitos humanos.

Dois problemas assombravam os neoliberais em sua busca por implementar seu projeto. Em primeiro lugar a democracia que, de um lado propiciava meios para mudanças pacíficas, mas, de outro, possuiria dentro de si a possibilidade de gerar resultados negativos para a ordem almejada. O próprio Hayek afirmou, em um aparente paradoxo, que em países da América do Sul, com tradições antidemocráticas a limitação dos poderes da democracia, seria a única chance de preservar a democracia.

O segundo problema estava ligado à possibilidade de se confiar nas nações, uma vez que o anseio nacionalista poderia “desintegrar o mundo”. A nação seria uma categoria importante para estabilizar as relações e legitimar a esfera política, mas continha em si o risco de cair em excessos. Por isso, tanto a democracia quanto o nacionalismo deveriam ser restritos, enclausurados por instituições e regras maiores (multinível) que pudessem garantir a proteção do capital e sua mobilidade.

Para elaborar suas hipóteses e descrever as vicissitudes que ocorreram, bem como as ações tomadas pelos intelectuais neoliberais, Slobodian divide sua obra em sete capítulos. O primeiro é intitulado “A world of walls” e fixa no pós-Primeira Guerra Mundial, quando os neoliberais vislumbravam um mundo fechado em nações, um contraponto à sua utopia de uma economia aberta mundial. O segundo capítulo, “A world of numbers”, foca nos trabalhos de Mises, Haberler e Röpke junto à Liga das Nações, assim como na posição de Hayek de que a economia não poderia ser apreendida pelos sentidos, mudando o dos neoliberais: não seria mais uma questão de discutir a economia em si, mas sim a estrutura ao redor da economia.

O terceiro capítulo, denominado “A world of federations” analisa os planos para um federalismo internacional e a criação de um governo duplo para substituir o mundo dos impérios. O quarto capítulo expõe as tentativas de solucionar os problemas surgidos após a criação da Organização das Nações Unidas, através da formação de códigos e tratados internacionais que protegessem o capital em “um mundo de direitos” (A world of rights). O fato de que alguns neoliberais tomaram atitudes iliberais é tratado no quinto capítulo, “A world of races” em que é explorado, em especial, o caso pouco tratado da relação neoliberal com o regime de apartheid na África do Sul, principalmente na figura de Wilhelm Röpke, que foi criticado por outros membros da Escola de Genebra.

No sexto capítulo, “A world of Constitutions” Slobodian trata das esperanças dos neoliberais da Escola de Genebra na Comunidade Econômica Europeia e no Tratado de Roma, oferecendo possibilidades em termos de instituições capazes de passar por cima da soberania nacional em prol da competição. O sétimo e último capítulo, “A world of signals” versa a respeito da resistência de Hayek, seus discípulos e estudantes, em relação à chamada “Nova Ordem Econômica Internacional”, para prevenir que a descolonização econômica causasse danos à ordem mundial. Os esforços dos neoliberais levaram à criação da Organização Mundial do Comércio, um organismo executor e mantenedor da economia mundial dentro da ordem neoliberal.

O livro de Quinn Slobodian é melhor compreendido a partir da afirmação do autor constante na introdução: “se queremos entender o pensamento neoliberal em seus próprios termos – um passo essencial da crítica – não devemos ser enganados pela noção de um mercado autorregulado liberado do Estado” (2018, p. 6). Na realidade, não somente em relação ao mercado, mas em torno de diversos conceitos, noções e fatos, Slobodian apresenta o pensamento neoliberal extraído dos próprios autores e os contextualizando historicamente com maestria. Nitidamente seu objetivo não é enaltecer o pensamento neoliberal e seus intelectuais, mas compreendê-los de forma com que as próprias críticas trazidas não sejam rasas ou fundadas em interpretações errôneas.

Diversos pontos inovadores ou pouco explorados são trazidos em Globalists, desde o foco do autor na chamada Escola de Genebra e Hayek ao invés da Escola de Chicago e Milton Friedman, mais explorados por historiadores ingleses e norte-americanos, passando pelas vicissitudes do pensamento de autores neoliberais e suas divergências, até os alinhamentos desses intelectuais com governos ditatoriais ou racistas.

A obra é bastante interessante, tanto para aqueles que pretendem ter um maior conhecimento a respeito das teorias neoliberais quanto para quem já possui conhecimento sobre o tema, uma vez que o autor, ao traçar as linhas de pensamento dos autores da Escola de Genebra, ao mesmo tempo consegue inserir o seu surgimento no momento histórico e colocar as suas repercussões, vitórias e derrotas.

Conforme fica claro no exposto acima e no decorrer do livro, diversos pontos do pensamento neoliberal vão de encontro a um senso comum reproduzido por historiadores e politólogos, especialmente no que diz respeito às visões dos neoliberais em relação ao mercado, Estado, direito e democracia. Nesse ponto, deve- -se destacar o fato de que os autores da Escola de Genebra e Hayek, em especial, se afastam de um foco estrito na economia para um desejo de criar instituições e ordenamentos jurídicos com fins de criar proteções ao mercado contra os governos e as pessoas, vistos como possíveis agentes perigosos ao capital.

Essa ligação entre o neoliberalismo e a criação de estruturas legais para proteção, desenvolvimento e a própria existência do capital está sendo bem explorada e traz possibilidades de pesquisas e reflexões, como pode ser visto, por exemplo, na recente obra de Katharina Pistor, The Code of Capital: how the law creates wealth and inequality, que explana as maneiras como a lei é utilizada para criação de capital, expondo casos empíricos que confirmam o trazido por Slobodian.

Diversos impactos das ações dos intelectuais neoliberais podem ser sentidos na atualidade e, dessa forma, o livro proporciona também chaves de leitura para o panorama econômico e político contemporâneo, desde a União Europeia e os anseios de desvinculação por alguns países, o papel relevante da Organização Mundial do Comércio e do Fundo Monetário Internacional, até as políticas focadas em privatizações, desestatização e sucateamento de políticas públicas em países da América Latina. Assim, Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalism se revela como uma obra de grande envergadura, muito bem embasada e que só podemos esperar que seja traduzida para o português para que obtenha um alcance maior.

Referências

MONTEIRO, José Pedro; JERÓNIMO, Miguel Bandeira. “A mais eficiente crítica ao globalismo neoliberal não veio da esquerda mas da direita”. Público, Porto, 2 set. [2018]. Disponível em: https://www.publico.pt/2018/09/02/mundo/entrevista/a-mais-eficiente-critica-ao-globalismo-neoliberal-nao-veio-da-esquerda-mas-da-direita-1842596. Acesso em: 4 jan. 2021.

PISTOR, Katharina. The Code of Capital: how the law creates wealth and inequality. Nova Jersey: Princeton University Press, 2019.


Resenhista

Felipe Cittolin Abal –  Doutor em História pela Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, RS, Brasil; professor da Universidade de Passo Fundo (UPF), em Passo Fundo, RS, Brasil. orcid.org/0000-0002-6208-5893 E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

SLOBODIAN, Quinn. Globalists: the end of empire and the birth of neoliberalism. Cambridge: Harvard University Press, 2018. Resenha de: ABAL, Felipe Cittolin. Estudos Ibero-Americanos. Porto Alegre, v. 47, n.1, jan./abr. 2021. .Acessar publicação original [DR]

 

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