História comparada do esporte | Victor Andrade de Melo

O livro História comparada do Esporte reúne um conjunto seleto de onze textos escritos por alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em História Comparada do Instituto de Filosofia e Ciências da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGHC/IFCS/UFRJ). Sob orientação e organização do Prof. Dr. Victor Andrade de Melo, que também escreve um dos textos, os autores fazem uso da História comparada para direcionar suas investigações e estabelecer considerações sobre o esporte em suas diferentes manifestações.

Pautados no sub-campo da história do esporte, os textos, além da diversificação no uso do método de História comparada, analisam temáticas e períodos históricos diferenciados. Divididos e organizados a partir de cinco áreas, os artigos publicados demonstram coerência entre si e proporcionam ao leitor uma compreensão facilitada acerca dos temas que abordam. A divisão proposta pelo organizador compreende, desde a caracterização das possibilidades e dos limites teórico-metodológicos da Historia comparada do esporte até o agrupamento dos textos a partir de temas como Futebol, História Antiga/História Contemporânea, Esporte, e Outras práticas corporais.

O texto que compõe o primeiro capítulo, Por uma história comparada do esporte: possibilidades, potencialidades e limites, de Victor Melo, introduz a discussão sobre o comparativismo histórico no âmbito do esporte. Nele, o autor limita o campo de estudo dentro da história das práticas institucionalizadas (esporte, dança, ginástica, educação física, entre outras) e convida o leitor à reflexão daquilo que é possível abordar (ou não) utilizando-se os pressupostos metodológicos da história comparada. Neste aspecto, aponta vantagens heurísticas, descritivas, analíticas e paradigmáticas, aumentando assim o entendimento acerca do que é investigado possibilitando, ainda, o estabelecimento de diálogos entre os estudos locais com investigações mais amplas. Ao mesmo tempo que analisa vantagens, Victor Melo aponta os riscos e os desafios do método comparativo na criação de tensão com aspectos usuais da pesquisa histórica, tais como a sucessão cronológica dos fatos (já que trata de discutir um problema), o uso de fontes (já que elas estão fora da localidade do pesquisador) e a idéia de contexto (já que a compreensão do pesquisador deve ser sobre mais de uma realidade).

Após esta passagem introdutória sobre história comparada do esporte, os capítulos seguintes se enquadram dentro das classificações anteriormente expostas. A primeira classificação a ser apresentada é a do FUTEBOL, e possuí três textos que comparam aspectos relacionados ao futebol brasileiro com a prática deste esporte em alguns países da América Latina, como Argentina e Uruguai. Neles pode-se notar uma riqueza de dados e informações que, através da relação dos fatos, possibilitam o entendimento da história e da evolução desta modalidade em nosso país, e até mesmo nos países em questão.

Ricardo Pinto dos Santos, abre esta seção apresentando o segundo capítulo do livro intitulado, Rio de Janeiro e Buenos Aires: a violência nos discursos da imprensa sobre as camadas populares nos primórdios do futebol. Nele o autor associa violência, discurso e camadas populares como aspectos constitutivos da gênese do futebol brasileiro e argentino, que nesse sentido, colocava em posição de exclusão e menor destaque as camadas populares destes países. Para isso, apóia-se em jornais e discursos da época (primeiros anos do século XX) – de ambas as cidades – para analisar e comparar a relação destes acontecimentos com a prática, desenvolvimento e difusão do futebol na sociedade brasileira e argentina. Analisa a participação de negros e criollos para o desenvolvimento não só do futebol, mas também de uma estrutura sociocultural vigente.

No capítulo seguinte, o futebol ainda é motivo de comparação. Desta vez, Brasil e Uruguai são tratados no texto Copa do mundo de 1950: Brasil e Uruguai – uma análise comparada do discurso da imprensa, escrito por Álvaro Vicente. O objetivo desta investigação é de mostrar comparativamente o discurso jornalístico sobre a final da Copa do Mundo de 1950, tanto na versão dos vitoriosos, quanto na dos derrotados, percebendo assim as marcas estabelecidas na memória coletiva nacional de cada equipe. Após uma passagem detalhada pelos confrontos entre as seleções destes dois países, inclusive a batalha travada no estádio do Maracanã, em junho de 1950, o autor encerra suas considerações dizendo que a Copa do Mundo de 1950 ficará marcada na memória coletiva de brasileiros como “um momento de vergonha popular”. Já para os uruguaios, ficará sendo lembrada como “um momento de glória” por uma “vitória inesquecível”.

O texto de Maurício Drumond, Pátrias em jogo: esporte e propaganda política nos governos de Vargas e Perón, encerra a seção dedicada ao futebol. Aqui, o objetivo é evidenciar estratégias através das quais os governos de Getúlio Vargas (desde 1930) e de Juan Domingo Perón (desde 1946), articulavam propagandas políticas em busca de apoio popular e legitimidade tendo como base o esporte e suas distintas manifestações. Embora os dois governos se assemelhassem na edificação de uma propaganda política pautada no esporte, algumas diferenças marcaram a constituição dos modelos publicitários privilegiados. A propaganda varguista tinha no futebol sua maior fonte de elementos nacionalistas; já na Argentina de Perón o futebol aparece como mais um esporte a ser associado ao governo. Ao buscarem desempenhar um papel fundamental no desenvolvimento esportivo em seus respectivos países, Vargas e Perón conseguiram fazer com que o próprio esporte cumprisse uma importante função na propaganda política e na criação da identidade nacional de Brasil e Argentina.

A segunda temática que orienta o agrupamento de textos relaciona-se com investigações que aludem à HISTÓRIA ANTIGA/HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA cujo conjunto apresenta três textos. Compara-se, aqui, aspectos relacionados à educação esportiva, à construção de atletas vencedores e às manifestações olímpicas na Grécia antiga e no mundo contemporâneo. Assim como na seção anterior, as informações históricas mencionadas favorecem o entendimento dos textos publicados proporcionando, assim, certa harmonia e continuidade nas considerações trazidas por cada autor.

Paidéia e educação esportiva: uma perspectiva comparada é escrito por Vanessa Cadeço e sustenta como principal objetivo analisar a relação existente entre a instrução física na Antiguidade grega e a educação esportiva na contemporaneidade. Através da descrição, a autora caracteriza tais sistemas de educação, aproximando idéias e ao mesmo tempo, levantando as diferentes significações existentes entre eles. Dentre as possíveis aproximações destaca: o esporte como canalizador da cidadania, a busca pela saúde, a prática voltada à competição e a utilização de espaços específicos para práticas esportivas.

Já o texto de Alexandre Moraes, A construção dos atletas vencedores: Grécia Antiga e Brasil atual em uma perspectiva comparada, faz uma comparação entre a presença do ideal agnóstico na Grécia antiga como no Brasil contemporâneo. Ao analisar os epinícios, destinados aos atletas gregos vitoriosos e as músicas compostas para os jogadores de futebol brasileiros em destaque, o autor verifica que estes tinham a finalidade de homenagear e imortalizar os feitos destes vencedores. Muitas vezes, porém, defeitos e traços tortuosos de caráter eram minimizados frente à genialidade do atleta. Desta maneira, observa-se que heróis esportistas não existem somente pelo destaque assumido por seu desempenho, mas pela construção de discursos e representações que agregam à sua personalidade virtudes necessárias para que sua vitória seja reconhecida e percebida como legítima.

Finalizando esta seção temática, o capítulo Entre Olímpia e o Olimpismo: uma perspectiva comparada, de Kimom Ferreira, busca compreender a relação entre os Jogos Olímpicos da era Moderna e os Jogos Olímpicos da Antiguidade. Inicialmente, uma idéia de semelhança pode transparecer quando se analisa superficialmente estes movimentos. Fica claro, porém, através do levantamento e caracterização histórica trazida pelo autor no texto, que existe grande diferenciação entre os ideais olímpicos da Grécia antiga, ligados a disputas que proporcionasse visibilidade ao atleta e à sua pólis, e os ideais propostos pos Pierre de Coubertin, voltados ao pacifismo e à educação moral e social. Talvez este tenha feito uma leitura errônea dos jogos de Olímpia como uma tentativa de pacificação do mundo grego, quando na verdade serviam como exaltação da identidade grega.

A terceira seção intitula-se O ESPORTE e apresenta dois capítulos, os quais analisam o desenvolvimento do esporte com o despontar da modernidade. Do Tour de France ao Velódromo Nacional: o ciclismo em Paris e no Rio de Janeiro na transição dos séculos XIX e XX, de André Schetino, se propõe a delinear um panorama cujas informações possam contribuir para a compreensão acerca do papel desempenhado pelo ciclismo no contexto das duas cidades. Iniciando pelo histórico da bicicleta, o autor passeia pelas familiaridades desta prática com outras já institucionalizadas assim como pelo acontecer de provas de ciclismo existentes nas duas cidades, tecendo algumas comparações entre elas. Dentre as análises que desenvolve, identifica o ciclismo como um esporte intimamente relacionado à modernidade enfatizando que, em Paris, sua prática se tornou um dos símbolos da identidade nacional francesa enquanto que no Brasil, não estabeleceu vínculos tão estreitos com sua população, nem mesmo, a carioca.

Montanhismo e Urbanismo no Rio de Janeiro: um desejo de natureza, é escrito por Cleber Dias, e contempla uma analisa histórica do montanhismo no Rio de Janeiro ressaltando sua interface com o desenvolvimento da materialidade urbana nesta cidade, em especial, na década de 1960. O artigo privilegia uma série de informações e dados que demonstram o desenvolvimento desta modalidade esportiva através do que se denomina “escalada esportiva”. Neste aspecto, ressalta o autor, tanto a forma assumida pelo montanhismo, quanto as alterações que emergiam na organização das cidades, foram aspectos decisivos para a concretização de um novo imaginário vinculado à prática esportiva, marcado pela necessidade e pelo desejo de estabelecer um maior vínculo com aspectos relacionados à natureza do que em relação à cidade.

O último agrupamento proposto intitula-se OUTRAS PRÁTICAS CORPORAIS e congrega dois textos cujas investigações focalizam a capoeira e a dança. Vivian Fonseca, ao escrever Capoeira no século XX: disputas em torno de um jogo (Angola x Regional), analisa as manifestações em torno da capoeira através da caracterização dos modelos que estabeleceram o desenvolvimento e a legalização desta prática no Brasil no século XX. Para tanto, menciona dois mestres da capoeira nacional identificados como os responsáveis pela criação da capoeira regional (Mestre Bimba) e da capoeira de angola (Mestre Pastinha). A disputa, incitada no título do texto, refere-se à busca pela legitimação daquela forma de vivenciar a capoeira que possuísse, em sua prática, traços mais próximos a questões relacionadas à ancestralidade e à pureza da prática, minimizando, portanto, intervenções ou influências oriundas de outras formas de luta.

Finalizando a obra, Isabela Buarque compara em As representações do corpo que dança: aproximações entre o balé clássico e a dança contemporânea, os corpos de bailarinos e dançarinos. Ao descrever as características de bailarinos clássicos e dançarinos contemporâneos, a autora traça um paralelo entre estas duas práticas corporais enfatizando as semelhanças e diferenças estéticas além das aproximações e distanciamentos técnicos da preparação. Embora existam diferenças entre estes corpos, enfatiza que ambos são estereotipados e proporcionam formas de pensar sobre estes.

Em suma, História comparada do Esporte caracteriza-se como uma coletânea de textos que, tanto contribui para os avanços dos estudos historiográficos ligados às práticas corporais institucionalizadas, quanto possibilita outros olhares sobre fatos já conhecidos, pois quando analisados a partir de uma ótica comparativa re/adquirem novas re/significações, aguçando a imaginação e a curiosidade do/a leitor/a. Razão pela qual, além de prazerosa, sua qualidade acadêmica revela-se como outro bom motivo para debruçar-se na sua leitura.


Resenhistas

Luís Roberto dos Santos – Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Silvana Vilodre Goellner – Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

MELO, Victor Andrade de (Org). História comparada do esporte. Rio de Janeiro: Shape, 2007. Resenha de: SANTOS, Luís Roberto dos; GOELLNER, Silvana Vilodre. História comparada do esporte: uma contribuição para a historiografia brasileira. Recorde: Revista de História do Esporte, v.1, n.2, dez. 2008. Acessar publicação original [DR]

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