História da ciência | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2007

O presente dossiê foi concebido com o propósito de apresentar à comunidade brasileira de história, bem como aos interessados pela disciplina, um pouco do que atualmente se faz, em nosso país, no domínio da história da ciência. De modo algum, alimentou-se o objetivo de preparar um dossiê exaustivo e completo. A partir da escolha de certos temas, procuramos mostrar os assuntos, as perspectivas, tanto teóricas quanto metodológicas, que animam alguns dos profissionais que atuam nesse campo de investigação. As escolhas dos autores são deste editor. Já os temas abordados nos artigos foram escolhidos livremente por seus respectivos autores e, acreditamos, oferecem uma pequena mostra da diversidade de interesses intelectuais de nossa comunidade.

É antiga e ainda pouco conhecida a história da ciência em nosso país. Em parte, esse desconhecimento é causado por nossa ignorância sobre a história do Brasil. Mas ele também pode ser creditado ao fato de os trabalhos em história da ciência sofrerem (e muito) com a perspectiva (certamente ainda dominante entre nós) que aborda a ciência a partir de sua atual configuração universal, ou seja, a história da ciência preferencialmente investiga ou os resultados obtidos em cada uma das disciplinas científicas que constituem o cenário acadêmico de nossos dias, ou a constituição da própria ciência como disciplina autônoma ao longo dos séculos. Num país como o nosso, essa posição pode implicar conclusões equivocadas e mesmo prejudiciais, sendo talvez a mais notória aquela que defende que, durante o chamado período colonial, não teria existido ciência entre nós, como foi o caso de Fernando de Azevedo e seus colaboradores na obra seminal As Ciências no Brasil, editada pela primeira vez em 1955.

Os artigos aqui reunidos não compartilham da posição daquele ilustre educador. Ao contrário (ainda que apenas o trabalho que abre este dossiê discuta essa questão), é comum a posição de que a ciência é, antes de tudo, uma prática que não se limita à produção de teorias que devem ser testadas pelas experiências e observações. Essa prática é localizada, o que faz com que, para sua compreensão, seja necessário entender o local e o tempo em que ela ocorreu ou ocorre. A adoção dessa noção de ciência acarreta, entre outras, a seguinte conclusão: as fronteiras disciplinares entre história da ciência e as demais disciplinas se enfraquecem. Para a compreensão da ciência, é necessário um diálogo que, na falta de termo melhor, pode ser caracterizado como interdisciplinar.

Além do respeito pela perspectiva descrita (superficialmente) acima, a escolha dos autores foi conduzida pelo propósito de agregar profissionais com larga experiência no campo da história da ciência; experiência, que foi obtida em algumas de nossas mais importantes instituições universitárias de ensino e pesquisa. Essa experiência foi construída não apenas na investigação de temas específicos, mas também (e simultaneamente) em instituições que, como o Instituto de Geociências da Unicamp, o Museu de Astronomia e Ciências Afins e a Casa de Osvaldo Cruz, para ficarmos com poucos exemplos, davam seus primeiros passos no domínio da história da ciência. Alguns dos autores aqui presentes se profissionalizaram ao mesmo tempo em que suas instituições. A construção de um saber em história da ciência foi (como ainda é) inseparável da organização do local em que essa disciplina é praticada.

Outras características presentes nesses autores e que justificam suas escolhas: a maioria deles participa, praticamente desde seu início, das atividades da Sociedade Brasileira de História da Ciência (SBHC); seus doutorados foram, para muitos deles, alcançados na primeira metade da década de 1990. Portanto, não deve soar exagerado afirmar que os autores pertencem a uma mesma geração, sem que com essa caracterização se pretenda transmitir a idéia de que defendem os mesmos pontos de vista ou devam ser reunidos em uma mesma escola. No entanto, é possível, a partir de seus trabalhos, depreender pontos comuns sobre o que é a história da ciência e como ela deve ser produzida.

A preocupação em manter um diálogo crítico com a historiografia é uma marca da recente produção em história da ciência. Muito já foi alcançado. Já não mais se defende (ao menos, com a facilidade de antes) a tese de que a ciência, no Brasil, é contemporânea da criação das primeiras universidades, sendo, por isso, muito recente. No entanto, há ainda muito que fazer. Um exemplo, certamente delicado e controverso, é a relação que os historiadores devem manter com os cientistas. Entre estes, é comum encontrarmos a posição de que a história da ciência tem valor (o que justificaria a sua utilidade) à medida que descreve as realizações notáveis promovidas pelos cientistas. Essa tarefa levaria a história da ciência a orbitar em torno da ciência, atrelando-a aos interesses e preocupações desta última. A posição que defende a autonomia da história da ciência frente à ciência parece ser dominante entre os autores deste dossiê. Isso, contudo, não significa que eles defendam que a história da ciência deva ser anticientificista. Isenção e crítica não são necessariamente o mesmo que rejeição. Ao contrário. Tanto uma quanto a outra são importantes para a construção de um ambiente favorável à emancipação e à maturidade da ciência e da história da ciência. Os sete trabalhos que compõem este dossiê discutem os seguintes temas: i) como os problemas que a contribuição da leitura de Casa Grande & Senzala podem trazer para a história da ciência (Camenietzki); ii) a presença e a influência do positivismo na constituição de um etos positivista no Brasil (Ferreira); iii) a atualidade e a importância de se investigar a relação entre ciência e estado no período do regime militar entre 1964 e 1985 (Freire Junior); iv) a importância das biografias científicas para a compreensão da prática científica entre nós (Figueirôa); v) as características dominantes na historiografia da física brasileira (Vieira & Videira); vi) a cooperação científica entre Florentino Ameghino e Hermann von Ihering sobre a geologia e paleontologia (Lopes & Podgorny); vii) a participação do Jardim Botânico do Rio de Janeiro na exposição de 1908 (Heizer).

Neste editorial, procurei apresentar todos os autores aqui presentes como profissionais que se orientam por valores e atitudes que, não sendo iguais, são próximos, garantindo, assim, o necessário pluralismo para a prática da história da ciência. Espero não ter me equivocado nesse sentido. De modo algum, chamei para mim o papel de porta-voz, atitude que espero possa ser justificada na certeza de que desfruto da amizade de cada um deles. A todos, meu muito obrigado por terem aceitado meu convite.

Não poderia concluir este editorial sem deixar de agradecer o gentil e honroso convite que me foi feito pelos editores da Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Em particular, deixo meu muito obrigado a Pedro Caldas, que se mostrou compreensivo com os atrasos aos prazos fixados. Esperamos que o resultado final tenha atingido seus propósitos.


Organizador

Antonio Augusto Passos Videira – Professor Adjunto do Departamento de Filosofia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

VIDEIRA, Antonio Augusto Passos. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.4, n.3, jul./set. 2007. Acessar publicação original [DR]

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