História intelectual e política / Varia História / 2005

A idéia de um dossiê da Revista Vária História organizado em torno da temática História Intelectual e Política origina-se de duas motivações fundamentais. De um lado alargar o horizonte de referências e, por conseguinte, de compreensão dos interessados no estudo das culturas políticas na história. De outro, destacar a contribuição da história intelectual “nas suas diferentes abordagens e perspectivas” para a análise dos fenômenos políticos, permitindo assim uma maior exploração das várias relações / interações entre a vida cultural e política. Junto aos interesses acima mencionados, este dossiê, como os demais da Vária História, visa assegurar um espaço para os debates historiográficos e o ensaio de novas idéias.

Na trilha do conceito de Direitos Humanos, sua emergência e estatuto no interior do mundo político moderno, o artigo de Lynn Hunt, O Romance e as Origens dos Direitos Humanos. Interseções entre História, Psicologia e Literatura, nos propõem a um só tempo uma reflexão criativa sobre os limites da história intelectual, e as vantagens do alargamento do seu escopo analítico. Nesta linha, a autora empreende uma arqueologia da linguagem dos direitos humanos, sem descurar dos discursos filosóficos e das disputas políticas por direitos, que tiveram como pano de fundo as Revoluções Americana, de 1776, e Francesa, de 1789, para então, via a leitura dos romances epistolares no século XVIII, encontrar na crescente autonomia individual e na noção de “empatia imaginada ” os fundamentos dos direitos humanos. Os efeitos psicológicos e emocionais provocados por esse gênero de leitura, a exemplo da conquista do self guardariam, assim, um dos segredos da ressonância dos direitos humanos.

Em História, eventos e narrativa: incidentes e cultura do quotidiano, Robert Darnton, na sua leitura do livro O Assassinato Sentimental. Amor e Loucura no século XVIII, de John Brewer, vai problematizar, com sua originalidade habitual, a emergência de uma nova história dos incidentes, surgida do interesse dos historiadores por fatos menores, mas nem por isso menos presentes na vida dos homens comuns ” à exemplo de crimes de assassinato, atrocidades, escândalos, entre outros que fazem a alegria da imprensa sensacionalista, ” bem como por sua repercussão pública e formas de apropriação e divulgação na mídia. Do acompanhamento crítico da análise de John Brewer, com seus vários meandros em torno de um crime passional na Londres do século XVIII, e de seus desdobramentos, versões e manipulações sentimentais, Darnton recupera a potencialidade da análise dos incidentes da vida cotidiana través das suas formas de comunicação midiática, o que nos é muito sugestivo para pensar os vários debates de idéias, e que, a seu ver, pode levar os historiadores a buscar e encontrar outras respostas no passado.

Por outras vias, o artigo de Christophe Prochasson, Emoções e Política: Primeiras Aproximações nos leva também aos sentimentos, em particular ao seu papel na vida política. Alinhado com a perspectiva de uma História Política que contemple, entre outras, as dimensões afetiva e simbólica, tal como possibilitada entre outros, pela aná- lise das culturas políticas, e após realizar um rico percurso historiográfico pelas novas formas de abordagem do político na História, o autor toma o pensamento político de Tocqueville como um caso exemplar a favor de uma história das emoções políticas. As emoções coletivas fundando vínculos políticos entre os indivíduos; a força das paixões, comandando a ordem política, ao lado dos mais legítimos interesses racionais; as cargas emocionais intervindo sobre os comportamentos políticos e as formas de ação; são temas que vão se perfilando na leitura instigante que o autor empreende de A Democracia na América e Lembranças de 1848.

Por seu lado Elías Palti, no seu artigo História das Idéias e História das Linguagens Políticas. Acerca do debate em torno dos usos dos termos “povo” e “povos”, revisita o tema da elaboração do conceito de nação na América Hispânica tomando como referente o discurso independentista e a utilização, no seu interior, de formas diferentes da palavra povo, seja no singular ou no plural, como chave para pensar a alteração das linguagens políticas. Em clara afinidade teórica com os estudiosos das terminologias e conceitos políticos, e em franca colisão com a antiga tradição de uma história das idéias, o autor estabelece um diálogo franco e consistente, com os aportes de uma historiografia que, ao analisar a concepção de nação conformada no discurso político latinoamericano do período da emancipação, acabou por definir uma chave de leitura baseada em antinomias, a exemplo de liberalismo / tradicionalismo, tradição / moderno, informadas pelo teor ideológico dos discursos.

No horizonte da história político-intelectual na Hispanoamérica Maria Helena Capelato, no artigo Cuadernos Hispanoamericanos: IdéiasPolíticas numa Revista de Cultura, acompanha a construção e instrumentalização de um ideal de hispanidad na trajetória de num periódico de cultura criado para circular nos países de língua hispânica, no âmbito de uma política americanista do governo espanhol definida após a segunda grande. Ponto de encontro de intelectuais e homens políticos oriundos das hostes franquistas, simpáticos ao nacionalismo, a revista ainda assim, nos mostra a autora, acolhe um múltiplo e contraditório conjunto discursivo. É justo esse aspecto que o artigo dará relevo, ao se orientar pela busca da relação texto-contexto e dos para-textos culturais, os quais conformam, na referida publicação, os padrões de uma interação das idéias com uma dinâmica político-social marcada pela emergência da Guerra Fria e pelas disputas de poder no interior do regime franquista.

A primeira grande guerra tomada como pano de fundo para uma história dos intelectuais e seus posicionamentos políticos é o tema do artigo de Yael Dagan, Civilizados, Bárbaros e Europeus. Três Homens de Letras em Face do Inimigo. 1914-1925. Nele, a autora segue os escritos e os conflitos pessoais de três importantes intelectuais franceses, a saber, André Gide, Jean Schlumberger e Jacques Rivière, em torno da mobilização patriótica durante a Primeira Guerra Mundial e no imediato pós-guerra, até 1925, período que qualifica da passagem da guerra à paz. Detendo-se nas representações do “inimigo nacional” conquanto elemento forte das representações coletivas da época, e rastreadas numa pesquisa meticulosa dos escritos desses homens, em particular seus textos na La Nouvelle Revue Française (La NRF,) e suas correspondências pessoais, a autora põe a nu os mecanismos de mobilização e de desmobilização cultural no qual esses escritores estiveram engajados, para além das suas experiências com a guerra.

O tema do engajamento, como princípio definidor da figura moderna do intelectual e de sua contrapartida, o silêncio dos intelectuais, é o fio condutor do artigo O Intelectual no “Campo” Cultural Francês: do caso Dreyfus aos Tempos Atuais, de autoria de Helenice Rodrigues. Do acompanhamento da noção de intelectual, remontando à sua origem no final do século XIX, na França . ocasião em essa categoria social faz sua aparição através da sua atuação política no espaço público . passando pelas várias concepções, formas e crises do engajamento dos intelectuais franceses ao longo da história contemporânea do século XX; e chegando ao ocaso de um modelo de representação do intelectual nos anos 80, a autora repõe a urgência de uma reavaliação da função crítica dos intelectuais. Na análise da força, no discurso engajado, de termos como verdade, valores morais, consciência crítica, liberdade; num contraste ente o intelectual engajado e o expert, um quadro vivo da cultura intelectual francesa é aqui traçado.

Diante de tal riqueza e diversidade espera-se que a organização desse Dossiê tenha cumprido seus objetivos.

Belo Horizonte, Verão de 2004 / 2005

Eliana de Freitas Dutra – Organizadora. Departamento História / UFMG. E-mail:
[email protected]


DUTRA, Eliana de Freitas, Apresentação. Varia História, Belo Horizonte, v.21, n.34, jul., 2005. Acessar publicação original [DR]

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