Histórias visuais: experiências de pesquisa entre História e Arte | Fênix – Revista de História e Estudos Culturais | 2012

Historiadores interessados em tratar temáticas da cultura por meio da visualidade artística, ou mesmo, historiadores da arte ciosos do status da história em suas pesquisas. Este dossiê poderia ter sido pensado como um diálogo entre historiadores e historiadores da arte, mas se conformou como algo além. Diálogos pressupõem campos de formação distintos, que se confrontam e estabelecem acordos, influências mútuas a partir de áreas estanques. Os resultados deste encontro demonstraram a natureza conjunta deste corpo de estudos entre a arte e a história, espaços intervalares entre a história e as artes visuais. Ontologicamente, história e arte estão imbricadas, embora suas preocupações íntimas possam acentuar especificidades em sua expressão formal, ou mesmo nas bases histórico-culturais que as compõem. As pesquisas apresentadas neste dossiê caminharam nos campos da visualidade, demarcação de amplo espectro, que atende às inquietações teórico-metodológicas dos que lidam com imagens sob a perspectiva cultural.

A gênese deste dossiê relaciona-se às atividades promovidas pelo Grupo de Estudos de História e Imagem (GEHIM), ligadas à linha de pesquisa Fronteiras, Interculturalidades e Ensino, do Programa de Pós Graduação em História, da Universidade Federal de Goiás. Com objetivo de discutir pesquisas em andamento no campo das visualidades, os integrantes do GEHIM promovem seminários anuais que contam com a participação de pesquisadores de outros núcleos de estudos e pesquisas sediados em diversos programas de pós-graduação que lidam com a temática. As atividades do grupo adotam, ainda, por princípio, o estabelecimento de uma base permanente de encontro e discussão entre pesquisadores das artes visuais e da história, além da participação de professores em formação, que, em diversos níveis de pesquisa, queiram se inteirar da bibliografia teórica e pesquisas em andamento no campo da história visual.

O grupo de artigos que integram este dossiê foi montado por meio da seleção de trabalhos de pesquisa de historiadores, historiadores da arte, alunos de programas de pó-graduação, pesquisadores do CNPq em várias instâncias. Os artigos foram encadeados em duplos temáticos: investigações sobre a pintura em Goiás e seu entrelaçamento com problemáticas de gênero e modernidade, pesquisas sobre a iconologia da morte em visualidades religiosas e laicas, estudos visuais latino-americanos e, por último, imagens que tratam da interação do visual com as linguagens do cinema e do teatro.

Na primeira temática, os artigos de Jacqueline Siqueira Vigário e de Armando de Aguiar Guedes Coelho procuram analisar a implantação e o processo de modernidade em Goiás partindo do discurso pictórico do pintor Nazareno Confaloni (1942-1977) e da gravadora Dinéia Dutra (1954-1988). Para Jacqueline Siqueira Vigário, o conjunto das obras de Confaloni apresentam elementos formais, ficcionados, que se contrapõem à construção do discurso político e historiográfico implantados sobre o discurso da modernidade. O seu realismo social apresenta uma estilização simples ao registrar temáticas religiosas e familiares. Já Armando de Aguiar Guedes Coelho parte das discussões existentes sobre conceitos de gênero para observar como as artistas mulheres goianas se posicionaram frente à autorrepresentação. A partir de um texto historiográfico, o autor chega às obras de Dinéia Dutra que aborda questões da mulher/mãe, dentro de um olhar expressionista e intimista. A representação da maternidade está no mote dos referidos artigos.

Na segunda temática, as pesquisas de Adalgisa Arantes Campos e de Maria Elizia Borges/Julliana Rodrigues de Oliveira se entrelaçam ao se dedicarem a iconografias que tratam da morte e do morto no âmbito da pintura sacra e da estatuária funerária. Ao dedicar-se ao levantamento da produção do pintor colonial José Gervásio de Sousa (+1806), Adalgisa Arantes Campos seleciona obras referentes aos novíssimos do homem, uma temática arcaica que reporta a Morte, ao Juízo, ao Inferno e ao Paraíso. O pintor adota uma linguagem de seu tempo, de modo sensível e original, sem perder os significados simbólicos dos temas. O artigo de Maria Elizia Borges/ Julliana Rodrigues de Oliveira, opta pelo estudo dos retratos memoriais, que na forma de busto e de fotografia de porcelana retratam casais que são instalados em monumentos funerários dos séculos XIX e XX no Brasil. Através deles podem-se identificar os costumes e as relações de afeto da família burguesa diante da morte. As autoras trabalham com fontes documentais de época e com uma vasta pesquisa de campo.

Na terceira temática, os pesquisadores Eduardo José Reinato e Maria Lúcia Bastos Kern se propõem estender o estudo de obras de arte vinculadas ao universo europeu e sul americano partindo de situações de conflitos políticos e sociais. Eduardo José Reinato situa o universo mental do inicio do século XIX na Europa que propiciou, por meio da estética romântica, as concepções de guerra e de heroificação. As iconografias aqui analisadas, certamente influenciaram a visualidade do processo de independência da América do Sul, como no caso da representação do herói sobrehumano Simon Bolívar (1783-1830), da Venezuela. O artigo de Maria Lúcia Bastos Kern levanta questões pertinentes sobre o papel intelectual e artístico do artista uruguaio Joaquín Torres- García (1874-1949) diante das revistas Cercle et Carré (Paris), Circulo y Cuadrado (Montevidéu). Cabia a esta ultima buscar uma identidade cultural para a América do Sul pautada em concepções espiritualistas, pedagógicas e na estrutura construtivista. Nos dois artigos há a presença da relação estreita das ideologias entre o velho e novo continente, em tempos distintos.

Os estudos empreendidos por Heloisa Selma Fernandes Capel/Leonardo Cesar do Carmo e Robson Correa de Camargo, por fim, tratam de experiências de análise do visual por meio das linguagens do cinema e do teatro. Na temática sobre visualidades na obra do cineasta Luiz Rosemberg Filho, foram explorados os princípios de composição de imagens advindos da estética da montagem das atrações do cinema soviético e a adoção do pensamento sobre a colagem como filme comprimido, ou mesmo, a identificação dos elementos constitutivos da arte pop em filmes experimentais como A$suntina das Américas (1976). O artigo de Robson Correa de Camargo, por sua vez, relaciona a recepção da obra de Samuel Beckett às visualidades produzidas sobre seu pensamento, isto é, a maneira como as imagens sobre os espetáculos foram construídas e reconstruídas dinamicamente em diversos contextos culturais de interpretação sobre a obra beckettiana. As análises do autor não só tratam das composições interpretativas das montagens, por intermédio de sua fortuna visual e crítica, mas apresentam dados que por si podem favorecer o desdobramento de diversas pesquisas sobre o tema.

Os artigos que compõem este dossiê correspondem a mais de uma centena de páginas em que as histórias visuais são examinadas sob perspectivas estéticas, semânticas, culturais. Definem-se, em especial, por aquilo que a linguagem visual comunica e, mais do que isso, pelo que solicita ao conformar pensamentos e ideias. Esperamos que a leitura desses textos, em seu conjunto, ou mesmo de parte deles, possam inspirar novas pesquisas, em especial, aquelas que (re)coloquem as imagens, expressas nos termos de uma visualidade que lhes restitua o status de expressão dinâmica, considerando, como diz o estudo já clássico de Michel Vovelle, que a imagem “[…] fala mais que a escrita, acontece de falar quando o texto se cala”. 1

Nota

1 O vocabulário é impróprio, impõe metáforas auditivas ao falar dos silêncios da imagem. Mas eles existem, faixas não figurativas no espaço ou no tempo e são, por si sós, significativos. A imagem é ao mesmo tempo mais móvel e mais inerte que o texto, por vezes antecipando aquilo que só será formulado mais tarde no plano do pensamento claro, mas muitas vezes também reproduzindo com atraso e obstinação expressões formais, motivos e temas fora de moda que, todavia, permaneceram inscritos nos códigos que a regem. O que torna a decifração mais árdua e, portanto, apaixonante. (VOVELLE, Michel. As Almas do Purgatório. São Paulo: UNESP, 2010, p. 14-15.)

Organizadores

Maria Elizia Borges – Doutora em Artes pela Universidade de São Paulo (1991). Atualmente é professora associada da Universidade Federal de Goiás. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte, atuando principalmente nos seguintes temas: História da arte, Arte Funerária, Brasil, Pesquisa em Artes Visuais. E-mail: [email protected]

Heloisa Selma Fernandes Capel – Professora da Universidade Federal de Goiás e Coordenadora do curso de especialização em História Cultural – UFG e do GEHIM – Grupo de Estudos de História e Imagem/CNPq. E-mail: [email protected]

Referências desta apresentação

BORGES, Maria Elizia; CAPEL, Heloisa Selma Fernandes. Apresentação. Fênix – Revista de História e Estudos Culturais. Uberlândia, v.9, n.2 maio/ago. 2012. Acessar publicação original [DR]

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