Introdução a Schopenhauer – BOSSERT (V-RIF)

BOSSERT, Adolphe. Introdução a Schopenhauer. Tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011. Resenha de: DALCOL, Mônica Saldanha. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.3, n.1/2, p.359-361, 2012.

Adolphe Bossert é um reconhecido especialista em literatura alemã e publicou diversos livros sobre alguns dos maiores nomes que a constituem, como sobre Goethe e Schiller. Com uma linguagem sutil e uma atenção especial a detalhes da vida do homem de gênio que foi Schopenhauer, Bossert elabora sua Introdução a Schopenhauer (traduzida recentemente no Brasil por Regina Schöpke e Mauro Baladi) em vista de uma apresentação geral dos conceitos norteadores dessa filosofia. Contudo, o livro não recai num reducionismo psicológico, isto é, não pretende “justificar” as formulações filosóficas com base em dados da vida particular do grande filósofo alemão. Conforme observa a tradutora da obra, Regina Schöpke, Bossert parte do pressuposto de que não se pode tratar vida e obra de um pensador de forma separada e, ao longo do livro, demonstra-nos como esta inseparabilidade é importante para o caso de Schopenhauer. Assim, por meio dessa obra temos contato com o homem severo que foi Schopenhauer e com os principais aspectos de sua filosofia, de forma clara e objetiva. Bossert apresenta alguns dos principais conceitos presentes na obra magma de Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, tais como: a primazia da Vontade, o papel desempenhado pela racionalidade, a problemática do caráter, a herança platônica das Ideias; o belo, a afirmação e a negação da Vontade.

O livro possui o total de trinta e dois capítulos e os assuntos de cada um deles obedecem a uma linha cronológica. Neles encontramos transcrições de cartas entre Schopenhauer e algumas pessoas de sua convivência, como as correspondências tumultuosas com a mãe, e, por outro lado, a imensa estima e cumplicidade de sua irmã Adele. As cartas trocadas entre Schopenhauer e sua irmã são vistas por Bossert, por exemplo, como “um verdadeiro capítulo da filosofia pessimista” (p. 279). No que diz respeito aos aspectos do seu pensamento, Schopenhauer é, segundo Bossert, o filósofo que recusa o lugar comum da razão como essência do homem. O ser é caracterizado por um impulso incessante e irracional – a Vontade. Como afirma o autor, “a Vontade é o grande demiurgo; ela é o artesão do universo em sua totalidade e a faculdade primária em cada indivíduo; ela é a criadora do corpo que ela anima” (p. 24). Dessa forma, ao traçar um panorama geral dos principais conceitos schopenhauerianos, Bossert dedica-se a apresentar alguns elementos presentes na metafísica da Vontade, tendo como ponto de partida a proposição de que os fenômenos são as manifestações de uma única Vontade em suas diversas formas.

O autor aborda a Vontade em sua afirmação e em sua negação. De forma resumida, quando a afirmação da vontade de um determinado indivíduo avança sobre a vontade de outro, temos a representação do egoísmo. Pode-se afirmar que esse egoísmo se deve ao fato de que o ser humano está inserido no cenário do princípio de individuação e não reconhece a essência da Vontade nos outros seres. No caminho oposto a esse egoísmo está a doutrina moral desenvolvida por Schopenhauer, reconhecendo que o ser humano também se identifica com os outros seres, sejam eles humanos ou animais. Como afirma Bossert, “uma libertação momentânea, um antegozo da libertação completa por meio da supressão do querer viver, será a derradeira palavra da moral de Schopenhauer” (p. 204). Na contemplação artística também encontramos o estado de negação momentânea da Vontade, o apaziguamento do sofrimento, que é caracterizado por Schopenhauer como o estado de pura contemplação. E, por fim, temos o grau mais elevado de negação da Vontade mediante sua total negação (abnegação), a ascese que possibilita a saída do ciclo incessante da Vontade.

No que concerne aos primeiros passos da recepção da filosofia de Schopenhauer, Bossert nos mostra como o pensamento singular de Schopenhauer não foi acolhido pelo grande público universitário e que todas as tentativas empreendidas pelo filósofo para inserir-se no fervor da época fracassaram. No segundo semestre de 1820, Schopenhauer começa a lecionar na Universidade de Berlim. O curso chamava-se “Filosofia universal” (gesammte Philosophie) e abarcava temas de lógica, cosmologia, teoria das artes e dos costumes (p. 121). Schopenhauer ministrava suas aulas no mesmo horário das lições de seu arqui-inimigo Hegel. O grande público lotava os cursos ministrados por Hegel, e o filósofo da Vontade contava com pouquíssimos alunos, o que o levará a suspender os cursos para o próximo semestre, já que o número de inscritos chegava a ser insuficiente. Bossert percebe o enfrentamento do pensador com os três maiores filósofos da época, Hegel, Fitche e Schelling, como fator que também contribuiu em grande parte para o desprestigio dele em relação a seus contemporâneos. Não obstante o fato de Schopenhauer não ser acolhido pela academia, existiram interessados em sua obra, pessoas que posteriormente se tornariam seus primeiros discípulos. Esses não eram propriamente estudantes de filosofia, mas magistrados, poetas, comerciantes e advogados. Bossert ressalta alguns nomes, como Frie [DR] ich Dorguth, Johann August Becker, Adam von Doss e Julius Frauenstädt.

Schopenhauer obteve um reconhecimento de sua filosofia, embora tardio ou quase póstumo, como afirma o autor. Em termos institucionais, somente em 1857 sua doutrina passou a ser estudada em algumas universidades, como em Iena, em Bonn e em Breslau. Passaram-se quase trinta anos da primeira tentativa de conquistar o público universitário, porém, tal tempo parece pequeno diante de tamanha confiança. Como afirma o próprio filósofo, “o metal do qual meu livro e eu somos feitos é muito raro neste planeta, e terminarão por reconhecer seu valor: vejo isso muito claramente, e é preciso muito tempo ainda até eu crer que esteja me iludindo. Que me ignorem por mais dez anos, nem com isso minha confiança será abalada” (p. 123).

Apesar de Schopenhauer ser conhecido como um filósofo pessimista por excelência, nesse livro somos surpreendidos quando Bossert nos chama atenção para as “sinuosidades” do pensamento do pensador, já que – segundo o autor – encontramos, através de seus fundamentos, “elementos de um otimismo mais nobre, mais generoso, mais verdadeiramente filosófico” (p. 358). Destaquemos a seguinte passagem:

Qual é, para ele, a verdadeira forma de vida moral? É a renuncia ao querer viver individual, a abdicação do egoísmo, a imolação do eu, a morte voluntária no sentido espiritual da palavra. Se essa regra de conduta se tornar lei universal, segundo a expressão de Kant, o que resultará disso? Uma sociedade na qual não haverá mais eu e não eu, em que cada um irá considerar sua sorte como intimamente ligada à de seus semelhantes; uma sociedade onde todos os membros viverão, por assim dizer, apenas uma vida coletiva. Quem poderia desejar um mundo melhor? (p. 358).

Dessa forma, a obra de Bossert, ao mesmo tempo em que nos oferece um cenário geral dos principais conceitos da filosofia de Schopenhauer, bem como alguns dos principais momentos que dizem respeito à vida particular do pensador, não deixa de acenar para problemáticas específicas, o que pode ser tomado como um convite para pesquisas que nelas se detenham. Por um lado, a obra pode exercer um fascínio para aqueles os iniciantes na leitura do pensador alemão, visto que Bossert apresenta de modo sucinto e claro os principais conceitos schopenhauerianos. Por outro lado, o livro pode interessar também àqueles que já estão familiarizados com a filosofia de Schopenhauer e, mesmo se conhecedores de importantes biografias ou se são especialistas, podem desfrutar de uma leitura e de uma versão peculiar sobre o pensamento do filósofo.

Mônica Saldanha Dalcol – Mestranda em Filosofia pela UFSM. E-mail: [email protected]

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