Complexidade econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações | Paulo Gala

Em “Complexidade econômica”, Paulo Gala aborda a complexidade e sofisticação produtiva como elementos propulsores do desenvolvimento econômico. Lança sobre tal configuração os olhares do estruturalismo econômico, presente nos chamados “clássicos do desenvolvimento econômico”.

Dessa forma, o autor busca entender a complexidade econômica como uma estrutura necessária para o desenvolvimento dos países. Em outros termos, conforme conceito demonstrado por Gala, a relação entre a ubiquidade e diversificação produtiva são necessárias para que se alimente um movimento autônomo de aumento da renda e bem-estar das massas. Leia Mais

O conceito de cultura | Beth Dillingham e Leslie A. White

O livro de Leslie A. White, antropólogo americano nascido em janeiro de 1900 e falecido em março de 1975, foi resultado de um curso de verão de duas semanas oferecido, no ano de 1961, a 34 professores universitários no Instituto Summer de Antropologia da Universidade do Colorado – EUA. Visando a produção de uma publicação que reuniria as apresentações de vários professores visitantes, as aulas foram gravadas e transcritas. Entretanto, somente após dez anos, tendo sido abandonado o projeto inicial de publicação, a professora Beth Dillingham, após a leitura do material transcrito, pôs em relevância o texto de White, se dispôs a revisar o texto e o conteúdo foi, finalmente, editado.

Desse modo, chega ao público uma obra relativamente curta, dividida em oito partes, organizadas de modo bastante didático, cada uma equivalente a uma das aulas proferidas por White. Numa sequência de temas interligados, o autor expõe suas concepções, explica cada um dos conceitos que utiliza e defende sua aplicação. Leia Mais

Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória – HUYSSEN (AN)

HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Trad. Vera Ribeiro. 1. ed. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014. Resenha de: MACHADO, Diego Finder. Imaginar o futuro em um mundo globalizante: paisagens transnacionais dos discursos do modernismo e das políticas da memória. Anos 90, Porto Alegre, v. 23, n. 44, p. 371-379, dez. 2016.

Como imaginar futuros em um mundo cada vez menos confiante em relação às promessas de progresso de uma época anterior? As sociedades contemporâneas do Ocidente, em contraste com outras sociedades, têm manifestado um renovado interesse pelo passado e pelos seus vestígios. Frente ao que podemos considerar uma “crise de futuro”, o presente vem ocupando uma posição dominante em nossas experiências de tempo. Contudo, trata-se de um presente que procura, insistentemente, enraizar-se em um passado apropriado às suas ansiedades, em uma tentativa de barrar a efemeridade dos nossos dias. Neste contexto, ainda é possível imaginar futuros alternativos que não sejam apenas o futuro da memória?

O crítico literário alemão Andreas Huyssen, em seu último livro traduzido para o português, a coletânea de ensaios intitulada Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória, aproxima duas temáticas centrais em suas pesquisas: as consequências do modernismo na obra de alguns artistas contemporâneos e as políticas da memória, do esquecimento e dos direitos humanos. Estabelecendo trânsitos pelas fronteiras que demarcam essas temáticas, a afinidade entre os diferentes capítulos do livro é construída em torno da problematização da memória em contextos transnacionais. Para o autor: A afirmação mais geral deste livro é que tanto o discurso do modernismo quanto a política da memória se globalizaram, mas sem criar um modernismo global único ou uma cultura global da memória e dos direitos humanos (HUYSSEN, 2014, p. 12-13).

Para além das experiências históricas da Alemanha e dos Estados Unidos, que lhes são mais familiares, buscou interpretar conexões transnacionais que ultrapassam as geografias do Atlântico Norte, aproximando-se de geografias alternativas das paisagens de memórias traumáticas e de experimentações estéticas modernistas na América Latina, Ásia e África.

Diante da evidência contemporânea de um declínio do debate sobre o “pós-modernismo”, o autor chama atenção para o retorno dos discursos sobre a modernidade e o modernismo na arquitetura e nos estudos urbanos, assim como na literatura, nas artes plásticas, na música, nos estudos midiáticos, na antropologia e nos estudos pós-coloniais. Para ele, aquele debate foi “uma tentativa norte-americana de reivindicar a liderança cultural”, a partir dos anos de 1920, por isso marcado por um “provincianismo geográfico” (HUYSSEN, 2014, p. 11).

A primeira parte da obra é dedicada a interpretar geografias alternativas do modernismo em um mundo globalizante, colocando em discussão as maneiras como a cultura metropolitana de um modernismo clássico foi traduzida e apropriada criativamente em países colonizados e pós-coloniais na Ásia, África e América Latina, antes e após a Segunda Guerra Mundial. Um diálogo crítico com alguns artistas e seus experimentos estéticos é tramado: o argentino Guillermo Kuitca e seus experimentos cartográficos como um pintor do espaço; o sul-africano William Ketridge e a indiana Nalini Malani e os seus teatros de sombras como arte memorial; o vietnamita Pipo Nguyem-duy e sua série de fotografias de ruínas ecológicas da modernidade; e a colombiana Doris Salcedo com sua instalação artística que convida à reflexão sobre as continuidades entre colonialismo, racismo e imigração. Não deixa de lado outros artistas de diferentes nacionalidades, fazendo-nos compreender que a geografia do debate deve focar como o modernismo, nas artes visuais, é reiterado e reinterpretado.

Inspirado no antropólogo indiano Arjun Appadurai (2004), Huyssen procura analisar como a modernidade e o modernismo foram disseminados por fluxos culturais complexos que aproximaram as ideias de local e global em constante negociação. Para ele, é preciso escapar da crença inocente em uma cultura local autêntica que deveria ser preservada dos encantos homogeneizantes da globalização.

Como afirma, “[…] o binário global-local é tão homogeneizante quanto a suposta homogeneização cultural do global à qual se opõe” (HUYSSEN, 2014, p. 23). Esse olhar dualista, atado ao local, impede a compreensão transnacional das práticas culturais e o reconhecimento dos fluxos desiguais de traduções, transmissões e apropriações locais de um “modernismo sem entraves”.

Outra questão apontada é a necessidade de retomar, sob novos ângulos, o modelo superior e inferior pelo qual o espaço cultural do início do século XX foi hierarquicamente clivado entre cultura de elite e cultura de massa. Segundo o autor, este modelo, prematuramente descartado nos estudos norte-americanos sobre o pós- modernismo, ainda pode servir como paradigma para analisar modernismos alternativos e culturas globalizantes que assumiram formas distintas em diferentes momentos históricos. A reinscrição desta problemática nas discussões da modernidade cultural em contextos transnacionais pode estimular novos tipos de comparação que vão além das dicotomias clichês – tais como global versus local, colonial versus pós-colonial, moderno versus pós-moderno ou centro versus periferia –, recolocando em debate hierarquias e estratificações sociais que atravessam as culturas de acordo com as circunstâncias e as histórias locais. Além disto, repensar a relação superior-inferior hoje nos remete aos debates sobre os novos vínculos entre estética e política, bem como entre experiência e história.

A segunda parte do livro é dedicada à problematização das políticas de memória, de esquecimento e de direitos humanos na contemporaneidade, retomando, sob novos matizes, questões já apresentadas ao público brasileiro em Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia (HUYSSEN, 2000). Antes, como um entremeio que estabelece conexões entre modernismos e culturas de memória, Huyssen lança um debate instigante que se desloca entre a nostalgia contemporâneas das ruínas e as memórias traumáticas dos escombros da modernidade. Esta diferenciação entre ruína e escombro, que faz eco aos escritos do filósofo alemão Walter Benjamin (2012), nos convida a pensar sobre às diferentes maneiras como, em um presente globalizado, olhamos para a decadência dos vestígios do passado. Por um lado, há um olhar nostálgico que se aproxima do encantamento pitoresco dos românticos pelas ruínas, uma utopia às avessas que demonstra a saudade de um outro lugar localizado no passado. Segundo o autor, “[…] essa obsessão contemporânea pelas ruínas esconde a saudade de uma era anterior, que ainda não havia perdido o poder de imaginar outros futuros” (HUYSSEN, 2014, p. 91). Por outro, a nossa contemporaneidade se depara cotidianamente com os escombros de uma modernidade cruel, marcada por atrocidades que soterraram os futuros sonhados pelos vencidos da história. Como lembra, os bombardeios nunca pretenderam produzir ruínas, mas escombros. Porém, em uma época seduzida pelo passado, tais escombros, muitas vezes, acabam estetizados enquanto ruínas, alimentando um mercado da memória como entretenimento que banaliza e envolve em sentimentos nostálgicos as marcas presentes de um passado traumático. Este imaginário das ruínas é, como destaca o autor: Central para qualquer teoria da modernidade que queira ser mais que o triunfalismo do progresso e da democratização, ou a saudade de um poder passado de grandiosidade (HUYSSEN, 2014, p. 99).

Para além de um otimismo cego, podemos nos defrontar com o lado obscuro e destrutivo da modernidade visível nas ruínas, os desastres do passado que continuam a assombrar a nossa imaginação.

Estabelecendo um diálogo crítico com os estudos consagrados sobre a memória, especialmente com a obra dos franceses Maurice Halbwachs (2006) e Pierre Nora (1993), Huyssen destaca que tais estudos inseriram a memória primordialmente em contextos nacionais, bem como procuraram demarcar uma fronteira que colocava em lados opostos a história e a memória. Atualmente, o divisor história/ memória tem sido superado, reconhecendo a interdependência entre as maneiras de narrar o passado. Além do mais, tais estudos se mostram insuficientes em um momento no qual os discursos sobre a memória e a análise das histórias traumáticas tornaram-se transnacionais.

É preciso, segundo o autor, abandonar o conceito de memória coletiva, tal como uma memória mais ou menos estável de um grupo ou uma nação como ideal, em busca de memórias conflituosas. Para ele, “[…] a memória é sempre o passado presente, o passado comemorado e produzido no presente, que inclui, de forma invariável, pontos cegos e de evasão” (HUYSSEN, 2014, p. 181). A memória “nunca é neutra” e “[…] está sempre sujeita a interesses e usos funcionais específicos” (HUYSSEN, 2014, p. 181). Neste sentido, para além do conflito entre memórias coletivas e memórias individuais, ou entre memória e historiografia, seria importante analisar “[…] os conflitos entre campos de memórias rivais que tentam eliminar ou, pelo menos bloquear um ao outro” (HUYSSEN, 2014, p. 182).

Esta virada teórica e metodológica faria com que atentássemos às batalhas entre passados, travadas não apenas em contextos nacionais, como também em contextos transnacionais. Portanto, pensar em políticas da memória em um mundo globalizante está para além da circunscrição do que seria uma “memória cosmopolita”. É preciso compreender as assimetrias e competições travadas nas trajetórias transnacionais da memória.

Em um mundo obcecado pela memória, o esquecimento, o duplo inevitável da memória, é malvisto, considerado uma falha ou uma deficiência que deveríamos combater. Mesmo em excesso, a memória é positivada, visto ser considerada fundamental para a coesão social e como alicerce para identidades. Neste contexto, pouco se refletiu a respeito da importância de uma política do esquecimento que, para além do “dever da memória”, pusesse em pauta uma ética do esquecimento.

Em diálogo com o pensamento do filósofo francês Paul Ricoeur (2007), Huyssen busca interpretar situações em que uma política de esquecimento foi importante na construção de um discurso politicamente desejável e de uma esfera pública democrática: o esquecimento das mortes causadas pela guerrilha urbana na Argentina em prol de um consenso nacional em torno da figura vitimada do desaparecido e o esquecimento dos bombardeios de cidades alemãs durante a Segunda Guerra Mundial para o pleno reconhecimento do horror do Holocausto. Em ambos os exemplos, uma forma de esquecimento foi necessária para atender reivindicações culturais, jurídicas e simbólicas em consonância com as políticas nacionais de memória.

Ao propor a discussão sobre uma ética do esquecimento público, o autor se aventura em um tema difícil que, sem dúvida, consiste no ponto mais audacioso e inovador da obra. No entanto, apesar de insistir no caráter residual de como o tema aparece nos escritos de autores que, como Paul Ricoeur, privilegiaram o estudo da memória, não deixa muito clara uma proposta original para refletir sobre o que considera um “esquecimento voluntário”, um tipo de esquecimento que exigiria esforço e trabalho. Mesmo ao complexificar a questão, situando as estratégias de esquecimento num campo de termos e fenômenos tais como “[…] silêncio, desarticulação, evasão, apagamento, desgaste, repressão” (HUYSSEN, 2014, p. 158), acaba não esclarecendo as diferenças entre estas estratégias.

Afinal, é possível dizer que algo silenciado ou reprimido foi de fato esquecido? Talvez, uma atenção maior às sutilezas de cada um destes termos poderia nos mostrar níveis intermediários entre a memória e o esquecimento, tal como já há alguns anos propôs Michael Pollak (1989) ao problematizar o silêncio não como uma forma de esquecimento, mas como uma “memória subterrânea” que, em disputas de memórias, resiste aos excessos das memórias oficiais.

A emergência à esfera pública de memórias traumáticas em busca pela reparação de injustiças cometidas no passado, coloca em questão as aproximações entre as políticas de memória e as políticas de direitos humanos. Na contemporaneidade, há uma sobredeterminação entre estes discursos. Contudo, como destaca o autor, não é raro que os debates sobre os direitos humanos permaneçam separados dos debates sobre a memória, sendo o discurso da memória dominante nas humanidades e o discurso dos direitos humanos nas ciências sociais. Se faz necessária a ligação dos estudos da memória aos direitos e à justiça, não somente em termos teóricos e discursivos, mas também em termos práticos. Por um lado, as políticas de memória precisam de uma dimensão normativa jurídica, que lhe dê sustentação na reivindicação de direitos de indivíduos e grupos. Por outro, os discursos sobre os direitos humanos, alimentados pelas memórias de violações de direitos, deixariam de pautar-se apenas em princípios abstratos, levando em consideração os contextos históricos, políticos e culturais. Entretanto, como afirma o autor, tal aproximação não é isenta de riscos, pois “[…] tanto o discurso dos direitos quanto o da memória são alvos fáceis de abuso, como véu político para encobrir interesses particulares” (HUYSSEN, 2014, p. 201).

Um campo onde as aproximações entre direitos humanos e memórias têm emergido de maneira mais intensa é o campo das reivindicações pelos direitos culturais de populações indígenas ou descendentes de escravizados na América Latina, no Canadá e na Austrália, bem como os direitos civis e sociais nas novas formas de imigração e diáspora. Essa dimensão dos direitos humanos: Reivindica os direitos de grupos culturais dentro de nações soberanas, mas entra em conflito com a ideia tradicional dos direitos humanos como direitos dos indivíduos, e também com um entendimento homogêneo da nacionalidade (HUYSSEN, 2014, p. 206).

O movimento pelos direitos culturais, movimento que desestabiliza as ideias de identidade nacional, tem dado ênfase na diversidade cultural em um mundo cada vez mais interligado, aderindo, fundamentalmente, à política de identidade grupal. Neste debate, as ideias de global e local entram em conflito, em reações contra a globalização e a temível possibilidade de uma homogeneização cultural. Novamente o autor traz à tona uma crítica a concepções que imaginam uma suposta autenticidade intocada das culturas locais, o que gera conflitos quando grupos culturais diferentes entram em contato. Para além de uma compensação identitária, “[…] os direitos culturais devem preservar a prerrogativa de que o indivíduo nascido numa dada cultura possa deixá-la e escolher outra” (HUYSSEN, 2014, p. 209).

Embora não circunscrita no interior dos limites do campo da História, a obra de Andreas Huyssen tem sido fundamental para pensar a prática historiadora, especialmente em relação à História do Tempo Presente. As análises elaboradas pelo autor nos convidam a pensar, a partir da problematização das políticas da memória e dos modernismos em um mundo globalizante, as imbricações entre temporalidades e espacialidades no presente vivido. Como um crítico da cultura, este autor propõe uma reflexão sobre as maneiras como no presente se articulam passado e futuro, global e local, alertando para a importância da imaginação de futuros alternativos. Não se trata da nostalgia de uma crença inocente nas promessas de progresso atualmente desacreditadas, mas uma incitação a pensarmos sobre as maneiras como futuros possíveis, desamarrados de um peso asfixiante do passado, foram e continuam sendo imaginados.

A experiência histórica brasileira, embora brevemente mencionada em alguns dos seus ensaios, praticamente está ausente da cartografia de geografias alternativas analisada e interpretada pelo autor. O Brasil, ao contrário da Argentina, não é, nesta obra, um território privilegiado na compreensão das políticas de memória e dos modernismos na América Latina. Apesar disso, a historiografia brasileira da última década tem se valido de conceitos e teorias mobilizadas pelo autor em seus trabalhos, especialmente a noção de “cultura da memória”. Em diálogo com autores do campo da História, como Reinhart Koselleck (2006) e François Hartog (2013), a obra de Andreas Huyssen tem sido apropriada pelos historiadores interessados em pensar o tempo não apenas como um instrumento taxionômico, pelo qual os acontecimentos de um passado são medidos e circunscritos, mas o tempo como algo vivido e experimentado em sociedade. Na atualidade de nosso país, experiências diversas de tempo são friccionadas, colocando lado a lado, por exemplo, os traumas do período da nossa ditatura civil-militar e as lutas pelo reconhecimento de direitos culturais negados a minorias.

Neste sentido, a leitura de Culturas do passado-presente pode ser um interessante convite a novos olhares para a nossa própria história, a um olhar crítico para um tempo presente demasiadamente encantado pelo passado e temeroso por um porvir que se mostra pouco promissor.

Referências

APPADURAI, Arjun. Dimensões culturais da globalização: a modernidade sem peias. Lisboa: Teorema, 2004.

BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. 8. ed. revista. São Paulo: Brasiliense, 2012. (Obras escolhidas v. 1).

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006.

HARTOG, François. Regimes de Historicidade: presentismo e experiências do tempo. Belo Horizonte: Autêntica, 2013.

HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014. (Coleção ArteFíssil).

Seduzidos pela memória: arquitetura, monumentos, mídia. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2000.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC-Rio, 2006.

NORA, Pierre. Entre memória e história: a problemática dos lugares. Projeto História, São Paulo, n. 10, p. 7-28, dez. 1993.

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.

RICOEUR, Paul. A memória, a história, o esquecimento. Campinas: UNICAMP, 2007.

Diego Finder Machado – Doutorando em História na História da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Estratos do tempo: estudos sobre história – KOSELLECK (HP)

KOSELLECK, Reinhart. Estratos do tempo: estudos sobre história. Tradução de Markus Hediger. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora PUC-Rio, 2014. 352 p. Resenha de: HRUBY, Hugo. A complexidade do tempo histórico. História & Perspectivas, Uberlândia, v. 29, n. 54, 2 ago. 2016.

Acesso apenas pelo link original

Gramsci no seu tempo – AGGIO et. al (A)

AGGIO, Alberto; HENRIQUES, Luiz Sérgio; VACCA, Giuseppe (Orgs.). Gramsci no seu tempo. Tradução de Luiz Sérgio Henriques. Brasília: Fundação Astrogildo Pereira. Co-edição, Rio de Janeiro: Contraponto, 2010. Resenha de: TOLEDO, Cézar de Alencar Arnaut de; GOMES, Jarbas Mauricio. Texto e contexto: Gramsci e a história. Antíteses, v. 8, n. 15, p. 542 – 546, jan./jun. 2015.

Hegemonia, intelectuais, Estado ampliado, sociedade civil e sociedade política são alguns dos conceitos presentes nas obras de Antonio Gramsci (1891-1937) e que são encontrados em um número significativo de pesquisas na área das Ciências Sociais e Humanas. Os escritos de Antonio Gramsci tem se consagrado como um referencial teórico e metodológico nas pesquisas brasileiras, servindo ora de objeto de estudo, ora de fundamentação teórica. Na última década, o uso de seu pensamento como referencial de pesquisa foi retomado sob a influência da publicação da nova edição brasileira de sua obra que, ocorrida entre os anos de 1999 e 2002, teve o mérito de apresentar uma visão geral de seus escritos ao tornar acessíveis textos até então inéditos no Brasil.

O uso das ideias de Gramsci como referencial teórico passou a ser complementado com o aumento do número de pesquisas cujo objeto de estudo era o seu pensamento e a sua obra. A produção de conhecimentos sobre Gramsci nos diferentes campos das Ciências Sociais e Humanas reafirmou a tradição dos estudos gramscianos e valorizou a perspectiva de que é necessário investigar com profundidade a relação entre seus escritos e o contexto histórico a partir do qual foram elaborados para, então, mediante a compreensão historicamente contextualizada, promover a aplicação de suas análises e categorias conceituais à realidade brasileira.

O desenvolvimento das pesquisas sobre Gramsci e seu pensamento pode ser dividido em duas fases que se confundem, entrelaçam e se complementam. A primeira fase esteve voltada ao estudo filológico de seus escritos, em especial dos Cadernos do Cárcere, para reconstruir a estrutura do pensamento gramsciano e estabelecer o caminho teórico percorrido por ele na construção de seus argumentos. Na segunda fase, os estudos estão voltados para a contextualização das ideias de Gramsci pelo movimento histórico em que os escritos foram produzidos.

Gramsci no seu tempo é uma publicação da Fundação Astrojildo Pereira em parceria com a Editora Contraponto e apresenta uma contribuição significativa para os avanços dos estudos gramscianos no Brasil e, em especial, para aqueles que se propõem a utilizar Gramsci como referencial teórico de pesquisa. Organizado por Alberto Aggio, Luiz Sérgio Henriques e Giuseppe Vacca, Gramsci no seu tempo está inscrito em uma proposta de estudos do pensamento de Gramsci que considera os limites históricos no qual foi produzido. Os 13 ensaios que compõem a obra ocupam 414 páginas e foram elaborados por estudiosos ligados ao Instituto Gramsci cujas perspectivas de leitura apontam elementos interessantes para a interpretação do pensamento de Gramsci. Um desses elementos, talvez o central deste conjunto de textos, é a valorização do conceito de revolução passiva como uma chave interpretativa do pensamento gramsciano. O deslocamento do eixo de leitura que tal proposta promove se contrapõe à leitura mais praticada, no caso do Brasil especificamente, na qual a chave de leitura mais utilizada foi, e talvez ainda seja, a concepção de hegemonia.

Gramsci no seu tempo foi organizado inicialmente por Francesco de Giasi e publicado na Itália pela Editora Carocci no ano de 2008, sob o título de Gramsci nel suo tempo. Originalmente a obra foi composta por dois volumes que apresentaram as contribuições teóricas de um Congresso de nome homônimo, realizado em Dezembro de 2007 na Itália. O congresso faz parte de uma tradição de estudos sob a coordenação da Fundação Instituto Gramsci que, em parceria com outros Institutos, Fundações e Universidades, a cada decênio da morte de Gramsci promove seminários e congressos para atualizar os estudos sobre a sua obra.

A edição brasileira de Gramsci no seu tempo foi traduzida do italiano para o português por Luiz Sérgio Henriques e não é uma reprodução integral da edição italiana. Os organizadores promoveram uma seleção dos textos originais com o intuito de apresentar aos leitores brasileiros os resultados de pesquisas avançadas no campo dos estudos gramscianos. Em função da realidade dos estudos gramscianos no Brasil, foram incluídos dois textos inéditos: Maquiavel como filósofo da práxis, de Francesca Izzo e Togliatti e Gramsci, de Giuseppe Vacca.

Guiseppe Vacca é também, o autor do prefácio da edição italiana, texto que apresenta o percurso dos seminários italianos de estudos nacionais e internacionais sobre o pensamento de Gramsci. Nele, discute a ação de aproximação e distanciamento entre o Instituto Gramsci e o Partido Comunista Italiano na organização dos seminários e no direcionamento das pesquisas sobre o pensamento de Gramsci. Fundamentado na leitura de Valentino Gerratana, Giuseppe Vacca destaca a ideia de que Gramsci é um pensador clássico do século XX que merece ser lido, relido e interpretado à luz de novos problemas, iniciativa contemplada pelo seminário de 1997, dedicado aos estudos sobre ‘Gramsci e o século XX’. As pesquisas apresentadas, decorrentes de temas levantados nos seminários anteriores, enfatizavam a utilização dos conceitos de revolução passiva e crise orgânica, relançando o método histórico como chave interpretativa do pensamento de Gramsci.

O prefácio à edição brasileira, escrito por Alberto Aggio e Luiz Sérgio Henriques, foi intitulado de Gramsci no seu tempo – e no nosso. O texto reforça a ideia de que Gramsci é um clássico e de que o conceito de revolução passiva deve ser explorado como chave interpretativa do pensamento de Gramsci. Fundamentados no Caderno 15, os autores atualizam a leitura do pensamento de Gramsci, valorizam a dialética e a contextualização histórica como métodos interpretativos de seu pensamento, mas alertam para o fato de que não se pode sacralizá-lo, partindo do pressuposto de que não existe nada mais a ser estudado ou apreendido e advertem sobre as leituras apressadas que descolam o pensamento de Gramsci da matriz em que suas ideias foram produzidas.

A II Grande guerra, o pós-guerra, a renovação do socialismo e a filosofia da práxis são alguns dos temas que permeiam os textos que compõem a coletânea. A categoria hegemonia se entrecruza com outros conceitos do pensamento de Gramsci e constitui uma das chaves de leitura, ao lado do conceito de revolução passiva. Claudio Natoli e Andrea Panaccione utilizam o período do pós-guerra para analisar a renovação do socialismo, enquanto Francesco Auletta, Silvio Pons e Giuseppe Vacca discutem as relações de Gramsci com dirigentes do Partido Comunista Italiano, em especial com Palmiro Togliatti e Piero Sraffa.

A Filosofia da práxis é o conceito mediador que fundamenta os textos de Roberto Gualtieri, Fabio Frosini, Giuseppe Cospito, Giancarlo Schirru e Francesca Izzo. A economia e o americanismo mediam as análises de Terenzio Maccabelli e Alessio Gagliardi, que se direcionam à estrutura e ao corporativismo do regime político do fascismo na Itália. Por fim, destaca-se o texto de Anna Di Biagio, que explora a concepção de hegemonia nas propostas teóricas de Gramsci e Lênin.

O texto de Francesco Auletta, Piero Sraffa e Antonio Gramsci: l’Ordine Nuovo e as lutas operárias na Inglaterra e na América (1921), apresenta elementos significativos para a análise do cenário histórico das lutas operárias ocorridas no início da década de 1920. O texto explora a concordância de Sraffa com as teses de Gramsci, a partir das impressões que este tinha sobre os movimentos operários na Inglaterra e na América do Norte. Silvio Pons explora a divergência entre Gramsci e Togliatti no texto o Grupo dirigente do PCI e a ‘questão russa’ (1924-1926) e discute como as perspectivas ideológicas individuais influenciavam a percepção destes intelectuais sobre os desdobramentos da revolução proletária na Rússia.

Em Hegemonia leninista, hegemonia gramsciana, Anna Di Biagio discute a relação entre a concepção de hegemonia cunhada por Gramsci e aquela atribuída à Lênin. Di Biagio destaca que, na experiência revolucionária russa, há uma estranheza entre as ideias de hegemonia e de democracia. Outro aspecto evidenciado é a perspectiva de que o conceito de hegemonia não faz parte do léxico habitual dos textos de Lênin, embora sua concepção de hegemonia já apresentasse as noções de direção política e direcionamento intelectual e moral. Di Biagio mostra que na ocasião do VIII Congresso do Partido Bolchevique, em 1919, não houve menção ao conceito de hegemonia nos escritos de Lênin ou no programa de partido, mas que, no período, pode ser constatado que Lênin se mostrava mais interessado em discutir e determinar a definição de ditadura do proletariado.

Fabio Frosini discute no texto O neoidealismo italiano e a elaboração da filosofia da práxis, a influência do idealismo no pensamento de Gramsci e a sua transição teórica para o marxismo. As teorias dos liberais Benedetto Croce e Giovanni Gentille estão na gênese do pensamento do jovem Gramsci que dialogava com esses intelectuais, mas dos quais se distanciou gradualmente na medida em que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, aprofundou suas análises sobre o fenômeno da religiosidade, da filosofia e do senso comum e se encaminhou para a fundamentação da Filosofia da Práxis.

Sob a influência do neoidealismo, Gramsci elaborou uma concepção de ideologia que pouco se distingue de sua concepção de filosofia. No Caderno 10, filosofia e ideologia foram apresentadas como uma mesma categoria histórica, distintas em função de seu grau. Enquanto a filosofia é uma concepção de mundo que representa a vida intelectual e moral de um grupo social, a ideologia é a concepção de mundo particular, pertencente aos grupos internos de cada classe que se propõem a solucionar os problemas sociais mais imediatos e restritos.

O texto de Francesca Izzo é o penúltimo da coletânea e explora a leitura de Gramsci sobre os escritos de Maquiavel e destaca que, ao redigir os Cadernos do Cárcere, Gramsci estava consciente de que a Europa não dominava mais o cenário mundial e que, os Estados Unidos e a URSS disputavam a primazia do controle hegemônico sobre os modelos políticos e econômicos. Izzo conclui que Gramsci entendia que no contexto histórico do século XX, o partido político assumiu o papel do príncipe e, na condição de líder coletivo, tinha a tarefa de criar uma nova organização ética e moral. Outra conclusão apontada por Izzo destaca que Gramsci defendia que os meios empregados na constituição do comunismo deveriam ser distintos daqueles empregados no nascimento do Estado Moderno, uma vez que em função da historicização da natureza humana, os fins e meios deveriam estar adequados à transformação dos homens e das relações sociais.

A contribuição de Giuseppe Vacca encerra a coletânea e termina reforçando a ideia inicial do texto: Gramsci é um autor clássico. Para apresentar tal afirmação de forma incisiva, Giuseppe Vacca discute a disputa intelectual entre Gramsci e Palmiro Togliatti, e apresenta aos leitores brasileiros o panorama histórico em que esta relação conturbada se desenvolveu. Com uma análise crítica fundamentada no panorama histórico, Giuseppe Vacca expõe a origem das divergências entre os dois teóricos do socialismo italiano. O texto é uma preciosa contribuição para a compreensão da relação entre Gramsci e Togliatti e da polêmica envolvendo a elaboração e publicação da primeira edição italiana dos cadernos de Gramsci. Giuseppe Vacca indica elementos preciosos para as investigações sobre o pensamento de Gramsci, destacando o conceito de revolução passiva como instrumento interpretativo de épocas históricas inteiras e indica que, na leitura de Togliatti, talvez intencionalmente, esse conceito não foi explorado.

Por fim, Giuseppe Vacca reconhece o mérito das ações de Togliatti que promoveram a imagem de um Gramsci ocidental e não apenas um pensador circunscrito à realidade italiana, e encerra o texto, a obra, indicando que o percurso percorrido por Togliatti, ainda que tortuoso, tinha como objetivo final reconhecer Gramsci como um clássico do século XX.

Gramsci no seu tempo é uma obra de grande interesse para pesquisadores da área das Ciências Humanas interessados no desenvolvimento do pensamento de Gramsci e nos desdobramentos do pensamento marxista no século XX. Se Gramsci teve o mérito de atualizar a leitura materialista da história e aperfeiçoar conceitos-chave para a análise dos fenômenos de ordem política, econômica e cultural, a presente obra promove uma apresentação contextualizada do pensamento de Gramsci e atualiza os leitores brasileiros a respeito do atual patamar das pesquisas sobre o pensamento gramsciano.

Com um bom projeto editorial, impresso em papel reciclado de ótima qualidade, a edição é valorizada ao apresentar as iniciativas de leitura do pensamento de Gramsci desenvolvidas na Europa. Ao empregar categorias analíticas até então pouco exploradas pelos pesquisadores brasileiros, Gramsci no seu tempo se consolida como uma referência de leitura àqueles que desejam avançar no universo da pesquisa sobre pensamento de Gramsci. A análise historicamente contextualizada apresentada nas páginas da coletânea serve de guia e fornece elementos históricos e conceituais para a leitura dos escritos de Gramsci e para a investigação sobre os principais fenômenos históricos da Itália na primeira metade do século XX.

Cézar de Alencar Arnaut de Toledo – Doutor em Educação pela UNICAMP (1996). Professor do Departamento de Fundamentos da Educação e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Maringá (PR).

Jarbas Mauricio Gomes – Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Maringá (2012). Especialista em Pesquisa Educacional (UEM – 2009), graduado em Filosofia pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (2004). Professor de Filosofia para a Educação Básica.

Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura – FURTADO (NE-C)

FURTADO, Celso. Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012. Resenha de: KORNIS, George. A cultura no pensamento (e na ação) de Celso Furtado: desenvolvimento, criatividade, tradição e inovação. Novos Estudos – CEBRAP, São Paulo, n.96, Jul, .2013.

Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura, organizado por Rosa Freire d’Aguiar Furtado, é o quinto volume da série Arquivos Celso Furtado e contém muitas informações sobre o pensamento de Celso Furtado (1920-2004), um intelectual que teve a ousadia de ultrapassar os limites disciplinares em favor da construção de uma dicção autoral. Furtado foi um homem de pensamento e ação que circulou por distintos territórios, da vida universitária a órgãos de governo, além de transitar por organismos internacionais e nacionais. Essa publicação, que reúne um conjunto bastante diversificado e pouco conhecido de textos (documentos, artigos e entrevistas), apresenta o autor como intelectual, homem público e um brasileiro de projeção internacional.

O foco do livro é (in)formar os leitores sobre o pensamento de Celso Furtado no campo da cultura — campo sobre o qual ele se debruçou ao longo de várias décadas. No entanto, essa reflexão ainda não é percebida, sobretudo no meio acadêmico, como um vetor importante de sua obra.

O pensamento desse intelectual tem hoje uma presença ainda limitada na universidade brasileira. De modo geral, restringe-se às (boas) faculdades de economia, que, do amplo espectro da obra do autor, utilizam pouco além do clássico Formação econômica do Brasil, publicado originalmente em 1959. Assim, para ter uma maior presença na universidade brasileira, o pensamento de Furtado — que está ainda muito circunscrito ao campo da história econômica e do desenvolvimento econômico — depende diretamente da percepção do seu caráter multidisciplinar.

Na introdução do livro aqui resenhado, Rosa Freire d’Aguiar Furtado delimita os quatro momentos da extensa reflexão de Furtado no campo da cultura. O primeiro deles data dos anos 1970 e sua obra síntese é o livro Criatividade e dependência na civilização industrial, publicado originalmente em 1978. O segundo momento situa-se no período compreendido entre 1986 e 1988, quando Furtado foi ministro da Cultura no governo Sarney. O terceiro diz respeito ao período compreendido entre os anos de 1992 e 1995, quando a Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento (CMCD) da onu/Unesco reuniu, além de Furtado, um conjunto de intelectuais do porte de Amartya Sen (Prêmio Nobel de Economia/1998) e Elie Wiesel (Prêmio Nobel da Paz/1986). O quarto e último momento se dá em 1997, quando Furtado ingressa na Academia Brasileira de Letras, instituição na qual profere um conjunto de conferências cujos textos integram a coletânea em análise.

O bloco “Documentos de Celso Furtado” é, sem dúvida, a parte mais consistente da publicação. Ele contém 23 textos subdivididos em quatro tópicos intitulados “Primeiras reflexões”, “O Ministério da Cultura”, “A Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento” e “Páginas acadêmicas”. Esse conjunto central é sucedido por dois outros blocos que lhe são complementares. O primeiro, intitulado “Artigos”, consiste em dois textos de autoria de dois importantes dirigentes culturais durante a gestão de Furtado do Ministério da Cultura (MinC): Ângelo Oswaldo de Araújo Santos, chefe de gabinete do MinC, e Fábio Magalhães, secretário de Apoio à Produção Cultural do MinC e presidente da Funarte. Ambos são textos de caráter documental que podem legitimamente ser considerados complementares aos textos do tópico específico “O Ministério da Cultura”.

O bloco seguinte é composto de duas entrevistas com Celso Furtado: a primeira, realizada em 1987, foi conduzida por duas pesquisadoras francesas — Hélène Rivière d’Arc e Hélène Le Doaré — do Comité National de la Recherche Scientifique (CNRS) e do Centre de Recherche et Documentation sur L’Amérique Latine (CREDAL/Paris); a segunda, realizada no ano anterior, coube a Gabriela Marinho e foi publicada na revista Arquitetura e Urbanismo. Na primeira entrevista Celso Furtado retomou elementos centrais de seu pensamento tais como as categorias de desenvolvimento, de criatividade, de cultura (em especial de política cultural e de economia da cultura) e de identidade cultural e, nessa perspectiva, ela é ainda hoje um documento importante.

O bloco “Documentos de Celso Furtado” inicia-se com o tópico “Primeiras reflexões”, que reúne dois textos: o interessante “Que somos?” — no qual o autor aborda os temas da identidade e da cultura brasileira e ainda tangencia Schumpeter ao relacionar crise a criatividade — e o vigoroso “Criatividade cultural e desenvolvimento dependente” — um trabalho exploratório que, segundo a organizadora, é a “primeira versão de um dos ensaios de Criatividade e dependência na civilização industrial“, livro-chave da obra de Furtado.

O primeiro texto é a conferência proferida no I Encontro Nacional de Política Cultural, ocorrido em Belo Horizonte em abril de 1984. Nesse momento, o Brasil estava próximo de operar a passagem da mais longa ditadura militar da história do país (1964-1985) para uma restauração da ordem democrática sem a presença de eleições diretas para a presidência da República. A dificuldade dessa transição política ampliava-se no quadro de uma desaceleração do crescimento econômico em paralelo a uma intensificação inédita do processo inflacionário. Nesse contexto os secretários estaduais de Cultura, somados a vários dirigentes de instituições culturais das três esferas de governo e a um grande número de artistas e intelectuais, acreditavam que a criação do Ministério da Cultura — em substituição a uma Secretaria de Cultura vinculada ao Ministério da Educação e Cultura — seria um importante vetor da reconstrução democrática do país. Nessa pers­pectiva destaca-se a relevância da afirmação de Celso Furtado — proferida por um intelectual nacional-desenvolvimentista e ex-ministro do governo Goulart, deposto pelo golpe militar de 1964 — segundo a qual “uma reflexão sobre a nossa própria identidade terá de ser o ponto de partida do processo de reconstrução que temos pela frente, se desejamos que o desenvolvimento futuro se alimente da criatividade do nosso povo e contribua para a satisfação dos anseios mais legítimos desse”. O mesmo texto trouxe uma contribuição igualmente importante ao apresentar sete teses sobre a cultura brasileira, que consistem, na verdade, numa visão panorâmica e histórica do processo cultural brasileiro do século XVI até o final do século XX, quando a indústria da cultura passava a atuar como instrumento da modernização dependente do país. E não menos importante é a referência, ao final, de breve e precisa reflexão sobre política cultural, cujo centro é a afirmação de que “o objetivo central de uma política cultural deveria ser a liberação das forças criativas da sociedade”, as quais deveriam interagir com as forças produtivas. Furtado apontava assim para a necessária interação entre cultura enquanto sistema de valores (que definem os fins) e o desenvolvimento das forças produtivas (que definem os meios), ou, noutros termos, a necessária interação entre identidade (cultural) e potência (produtiva).

O segundo artigo, datado da segunda metade dos anos 1970, como foi dito, é uma versão preliminar de um ensaio que integra o livro Criatividade e dependência na civilização industrial, no qual Furtado demonstra sua singularidade como economista, ao introduzir, de modo inovador, a dimensão cultural na questão do desenvolvimento. Segundo Rosa Freire d’Aguiar Furtado, o desenvolvimento, para esse autor, “seria menos o resultado da acumulação material do que um processo de invenção de valores, comportamentos, estilos de vida, em suma, de criatividade”.

O tópico subsequente, “O Ministério da Cultura”, apresenta nove textos escritos entre fevereiro de 1986 e julho de 1988, período no qual Celso Furtado foi o titular da pasta da Cultura, sucedendo a José Aparecido de Oliveira — o primeiro ministro da Cultura, que permaneceu no cargo somente por dois meses, em 1985 — e a Aluísio Pimenta — que passou apenas pouco mais de oito meses no exercício da função. Sua permanência à frente do ministério, com duração de dois anos e cinco meses, foi das mais longevas da história dessa pasta, tendo sido superada apenas por Francisco Weffort (1995-2002) e Gilberto Gil (2003-2008). A alta rotatividade dos titulares de um Ministério da Cultura recém-criado é um dado contextual que não pode ser desconsiderado quando da leitura dos textos de Furtado, escritos quase sempre com brevidade e urgência para expressar seu pensamento e ação.

Um desses textos foi seu discurso de posse. Afirmava naquele momento que o desafio não era apenas preservar o passado, mas transformá-lo em fonte de criatividade no presente e no futuro. O então ministro se apresentava como consciente de que “a revolução nas tecnologias de comunicação está modificando profundamente a problemática da cultura” e que ela conduz à massificação e à hipertrofia do mercado. Assim, para ele e seus colaboradores, “a política cultural, em face da revolução das tecnologias de comunicação, terá de preocupar-se não apenas em democratizar o acesso aos bens culturais, mas também em defender a criatividade”.

No texto “Economia da cultura”, Furtado tratou brevemente de um tema tão importante quanto até hoje relativamente pouco elaborado no Brasil, apesar de objeto de reflexão de importantes economistas norte-americanos e europeus desde os anos 1960. Furtado, na década de 1980, estava consciente desse atraso bem como da necessidade de sua superação. Nesse sentido, é importante destacar que seu texto é uma breve introdução ao estudo “Economia e cultura: reflexões sobre as indústrias culturais no Brasil”, realizado pela Fundação João Pinheiro, em 1988. A despeito de todos os seus limites, “Economia da cultura” e o estudo acima citado foram iniciativas pioneiras na abordagem do processo de produção, distribuição e consumo de bens e serviços culturais no país.

Os vínculos existentes entre desenvolvimento econômico e social e política cultural são apontados no texto “Pressupostos da política cultural”. Aqui o pensamento de Furtado revela-se com clareza ao afirmar que “o que chamamos de política cultural não é senão um desdobramento e um aprofundamento da política social”. Demonstra aqui a preocupação em articular as políticas econômica (cuja tônica é a acumulação), social (cujo foco é a inserção) e cultural (cujo essencial é a criatividade e a consequente transformação), ou seja, estabelece os elos entre os meios e os fins do processo de desenvolvimento. Ao privilegiar as articulações políticas e institucionais, seu pensamento também destaca a ação do Estado que “longe de se substituir à sociedade aplica-se em criar as condições que propiciem a plenitude das iniciativas surgidas dessa sociedade […] concentrando esforços [na] preservação do patrimônio e da memória culturais, [no] estímulo à criatividade de nosso povo, [na] defesa da identidade cultural do país e [na] democratização do acesso aos valores culturais”.

Em outro texto intitulado “O IPC, cultura e desenvolvimento tecnológico”, Furtado revelava sua preocupação com a estruturação do próprio ministério. Trata-se de discurso proferido em 1986, na abertura de seminário interno do Instituto de Promoção Cultural, órgão criado com a missão de desenvolver um pensamento no campo da economia da cultura e com função estratégica durante sua gestão. Faz-se aqui presente o estrategista político, que centra seu pensamento de curto e longo prazo no Estado e na cultura enquanto um processo produtivo. Como expressão de um pensamento atento para o desenvolvimento tecnológico — e Furtado chega a mencionar a necessária articulação política com o Ministério da Ciência e Tecnologia —, o mercado e a indústria cultural assumem centralidade.

Um balanço das realizações da gestão Furtado à frente do ministério até fins de 1987 encontra-se no texto “A ação do Ministério da Cultura”. Estão ali apresentadas as quatro diretrizes que nortearam sua gestão: a preservação e o desenvolvimento do patrimônio cultural; o estímulo à produção cultural preservando a criatividade; o apoio à atividade cultural onde ela se apresenta como ruptura com respeito às correntes dominantes; e, finalmente, o estímulo à difusão e ao intercâmbio culturais visando democratizar o acesso ao nosso patrimônio e aos bens culturais no país e no exterior. Furtado expõe ainda as realizações de sua pasta, segundo cada uma dessas diretrizes, além das opções feitas por sua gestão. Destaca os programas constituídos por setor de atividade; os compromissos socioculturais são mencionados de modo sistemático; demonstra o empenho em redesenhar instituições com ênfase nas fundações e, finalmente, a Lei Sarney (Lei 7.505, de 2 de julho de 1986) é apresentada grandiosamente como “a grande contribuição prestada pelo atual governo ao desenvolvimento cultural do país”. Dedica-se especialmente a esse tema, ao destacar o pioneirismo da criação de uma legislação de incentivos fiscais à cultura, por acreditar que, a partir desse momento, a sociedade civil e, em particular, os empreendedores brasileiros assumiriam iniciativas no campo da produção cultural tendo em vista as limitações de recursos do Estado. Caberia ao Estado gerir tanto o cadastro das entidades às quais é conferido o incentivo, quanto o Fundo de Promoção Cultural. O foco dessa estratégia era “o fortalecimento das atividades empresariais de interesse cultural de origem e controle nacionais”. Ao supor adesões, Furtado possivelmente minimizou a oposição que conduziria à substituição da referida lei, já no governo Fernando Collor, pela Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, conhecida como Lei Rouanet.

No texto intitulado “Política cultural e criatividade”, fruto de pronunciamento na abertura do Fórum de Secretários de Cultura, realizado em abril de 1987, no qual reiterou a importância da preservação da força criativa do povo brasileiro como fator de identidade cultural, Furtado buscou — talvez com alguma ingenuidade — adesões das Secretarias de Cultura à Lei Sarney, “que tem sido interpretada apenas como um mecenato tradicional embora sua essência seja um convite para que a sociedade participe mais amplamente das iniciativas culturais”. No entanto, passado menos de um ano de existência da Lei Sarney, Furtado já identificava de modo arguto “um forte declínio na participação dos recursos destinados à cultura nos orçamentos de muitos estados da federação”.

Uma reflexão mais apurada é apresentada em “Política cultural e o Estado”, texto datado de fins de 1986, no qual Furtado articula a preservação do patrimônio com inovação e a identidade com democratização do acesso aos valores culturais. Com clareza, há ali uma síntese de seu pensamento: os papéis do Estado e da sociedade civil estão definidos, e temas tais como a descentralização e o desenvolvimento foram devidamente abordados. Trata-se de um documento que foge ao padrão dos discursos comemorativos e dos balanços de gestão para afirmar-se como um arcabouço de um projeto para o desenvolvimento fundado na cultura.

O terceiro tópico do bloco “Documentos de Celso Furtado”, denominado “A Comissão Mundial de Cultura e Desenvolvimento”, compõe-se de dois textos que ajudam na compreensão de seu pensamento no campo da cultura, além de serem bastante consistentes e politicamente relevantes. O primeiro deles, datado de 1994, intitula-se “Economia e cultura” e foi preparado para o projeto preliminar do relatório da CMCD. Trata-se de um texto no qual o pensamento de Celso Furtado é apresentado a partir das seguintes proposições: “a cultura tem que ser observada a um só tempo como processo cumulativo e como sistema”; “se o objetivo fundamental da política de desenvolvimento é melhorar a vida dos homens e das mulheres, seu ponto de partida terá de ser a percepção dos fins, dos objetivos que se propõem alcançar os indivíduos e as coletividades”; “nas sociedades economicamente dependentes a política cultural se faz particularmente necessária [pois] é nela que se manifesta a importância do conceito de identidade cultural que traduz a ideia de manter com o nosso passado uma relação capaz de enriquecer o nosso presente”. O segundo texto, intitulado “Cultura e desenvolvimento” (1995), parte da necessidade de aprofundar as análises e discussões centradas na relação entre cultura e desenvolvimento, avança pela proposição de direitos culturais no desenvolvimento dos direitos humanos e, ao concluir, destaca a importância de princípios éticos e democráticos no curso desse processo.

Já o último tópico desse mesmo bloco, intitulado “Páginas acadêmicas”, apresenta um conjunto de dez pequenos textos sobre autores brasileiros que, no entanto, não expressam um vínculo maior com a obra de Furtado nem com as ideias contidas no seu projeto de desenvolvimento centrado na cultura. Uma exceção é o texto de seu discurso de posse, em 1997, na Academia Brasileira de Letras, no qual ele homenageia Darci Ribeiro, homem de pensamento e ação que, como ele próprio, tanto marcou o país. Ambos pertenceram à mesma geração de intelectuais brasileiros, e tiveram em comum o desejo de transformar o país com base em um projeto nacional de desenvolvimento autônomo. Com suas singularidades, Celso Furtado e Darci Ribeiro ocuparam a mesma cadeira na Academia Brasileira de Letras, e suas obras, através do ensino e da pesquisa, podem alimentar novos processos de transformação fundados em projetos de desenvolvimento nacionais e autônomos.

Longe de ser uma compilação voltada para o passado, o livro Ensaios sobre cultura e o Ministério da Cultura é uma fonte contemporânea para reflexão e debate sobre cultura e desenvolvimento. Ademais, ele torna evidente a diversidade e a originalidade do pensamento de Furtado e seu compromisso com uma ação orientada para a mudança social.

George Kornis – Doutor em Economia, professor associado do ims/Uerj e autor de diversos trabalhos e pesquisas no campo da economia da cultura.

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Raúl Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo – DOSMAN (NE-C)

DOSMAN, Edgar JUNIOR. Raúl Prebisch (1901-1986): A Construção da América Latina e do Terceiro Mundo. Trad. Teresa Dias Carneiro; César Benjamin. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2011. Resenha de: BARBOSA, Alexandre de Freitas. O anti-herói desenvolvimentista. Novos Estudos CEBRAP, São Paulo, n.94, Nov, 2012.

Raúl Prebisch e Ernesto Che Guevara, antípodas em quase tudo, foram as duas maiores contribuições argentinas para a política internacional do século XX. A tal ponto se tornaram cidadãos do mundo que o apodo argentino vem apenas como local de origem. Mas enquanto Che possui várias biografias, figura como símbolo pop e é perseguido por estudiosos em cada uma de suas facetas, don Raúl parecia relegado ao esquecimento.

O leitor latino-americano tem agora acesso à bela e rigorosa biografia escrita por Edgar Dosman – professor de ciência política da Universidade de York, no Canadá – publicada em inglês em 2009, lançada em espanhol em 2010 e em português em 2011. Sim, um autor canadense produziu a obra que nenhum latino-americano se dispôs a escrever como forma de erguer trincheiras contra a avalanche livre-cambista que tomou a região no último quarto do século XX.

PREBISCH, O OUTSIDER

Prebisch foi o primeiro grande pensador econômico latino-americano, tendo iluminado as trilhas próprias percorridas por Celso Furtado e Aníbal Pinto, “formados” na escola da CEPAL , e que o superariam em vários aspectos.

Seu papel foi o de um ousado abridor de caminhos, não o de um economista acadêmico. Interpretou a realidade argentina e, depois, latino-americana, porque a conhecia a partir da perspectiva privilegiada de servidor público e de construtor de instituições nacionais (Banco Central argentino), regionais (cepal e ilpes) e globais (UNCTAD ). Antidogmático por essência, o escrutínio do real lhe permitira romper os diques das teorias consagradas, avançando a sua reflexão à medida que propunha novas políticas e instrumentos de ação.

Economista que possuía tão somente um diploma de contador, Prebisch revolucionaria a forma de pensar a economia latino-americana e seria o primeiro a cunhar teórica e politicamente a ideia de uma “nova ordem econômica internacional”1. De livre-cambista com ressalvas nos anos 1920, se tornaria nos anos 1930 defensor de um papel ativo do Estado na vida social e econômica. Nos anos 1940, ainda de maneira solitária, e nos anos 1950 e 1960 com maior contundência, formularia com rigor teórico os conceitos de “centro” e “periferia”, “desenvolvimento para dentro”, “insuficiência dinâmica”, ao mesmo tempo que apostava na integração latino-americana e na “alteração das relações de dependência” entre os países do Sul e do Norte.

Ao contrário da versão tão difundida de que fora um conservador, um financista e um funcionário pró-eua, Prebisch acionou políticas anticíclicas nos anos 1930, fez a reforma do imposto de renda na Argentina, tornando-o mais progressivo, e defendeu a industrialização latino-americana com reforma agrária. Se não relutava em negociar com os Estados Unidos – no governo argentino, durante a CEPAL e a UNCTAD – era porque este país aparecia como a principal, e talvez única, potência efetiva de sua época; por outro lado, talvez tenha sido quem mais sofreu na pele o poder do império norte-americano, que sempre podou seus esforços por uma distribuição mais justa do poder econômico em escala regional e global. Muito do que se escreveu sobre Prebisch em artigos acadêmicos nas revistas da economia convencional ou foi publicado na imprensa dos países latino-americanos pelos novos policy-makers dos anos 1980 e 1990 não resiste à pesquisa cuidadosa realizada por Dosman.

Prebisch era um outsider em todos os aspectos. Filho de imigrante alemão, nascido em Tucumán, longe do brilho de Buenos Aires, o funcionário acusado de “entreguista” na sua terra natal criou uma burocracia econômica com sentimento de dever ao Estado e à nação. O poder curvara-se a ele, não o contrário. Depois daria fôlego inusitado às duas instituições rebeldes do sistema internacional – CEPAL e UNCTAD – não para estilhaçá-lo, mas na pretensão de corrigi-lo.

Dosman procura revelar a personalidade por trás do mito, de modo a desmontá-lo. Em vez de autoritário, pretensioso e europeizado, vemos um homem reservado, sem arroubos, dedicado ao serviço público e contemporizador. Orgulhava-se dos “quatrocentos anos de história argentina que correm nas suas veias”2 e da tarefa que se impôs numa quadra histórica que permitiu a ascensão de um pensamento latino-americano original. Enfim, um anti-herói, pois jamais posou de mártir.

O livro nos conta de maneira romanceada a trajetória quixotesca desse homem abnegado, “movido por uma busca de momentos históricos”3, mas que encontraria sempre, a cada esquina, a história – ou as artimanhas do poder, do qual se aproximara como a única forma de mudar o mundo – pregando-lhe peças, impedindo que a sua missão fosse concluída. De derrota em derrota, ele mudaria a história da América Latina, embora não no sentido que almejara.

A CONSTRUÇÃO DO ESTADO ARGENTINO E O EXÍLIO FORÇADO

O jovem Prebisch chega a Buenos Aires em 1918, aos dezessete anos. A capital exibia o fausto da prosperidade econômica gerada pelas exportações de cereais e de carne. Os sistemas de ensino, de transportes e eleitoral estavam anos-luz à frente dos demais países da região. Parecia uma nova Europa gerada pela pampa humeda.

Estudaria economia na primeira universidade a criar este curso na região. Logo se desanima, entretanto, com a retórica fastidiosa de seus professores, que repetiam os tratados ingleses sem qualquer originalidade. Em 1920, antes de se formar, já trava debate com Alejandro Bunge, o Roberto Simonsen argentino. Discorda então o jovem de dezenove anos da industrialização como alternativa para o desenvolvimento de seu país. Chega a tentar uma filiação ao Partido Socialista argentino, mas desiste depois que um artigo seu contra a volta da Argentina ao padrão-ouro rende-lhe uma censura por parte de nada menos que Juan Justo, o famoso líder socialista.

Influenciado pela leitura de Vilfredo Pareto, decepcionado com a tradição bacharelesca da vida acadêmica, avessa à pesquisa empírica, e sentindo-se não contemplado por nenhuma das facções políticas argentinas, decide servir ao seu país, dotando-o de uma nova elite administrativa. Trabalha para a poderosa Sociedade Rural argentina por duas vezes, nos anos 1920, sendo em ambas demitido pela independência dos seus relatórios. Como consultor do Ministério da Fazenda visita a Austrália e o Canadá, onde percebe as vastas diferenças com sua terra natal, que sofria os efeitos da concentração da propriedade fundiária e a da lenta modernização do Estado. Vira assessor do Ministério da Agricultura e depois se torna diretor-adjunto do Departamento Nacional de Estatísticas.

Em 1927, dá o primeiro salto de sua carreira. É nomeado, aos 26 anos, para o cargo de diretor do Banco de la Nación, tornando-se responsável pelo novo departamento de pesquisas econômicas. Procura trazer para o Sul a experiência do fed norte-americano, que tanto o impressionara. Em 1930, logo após o golpe de Uriburu, é convidado para assumir a subsecretaria da Fazenda. Prebisch toma então as rédeas da economia argentina. Procura inovar, abandonando as teorias sem serventia num momento de crise.

A saída do presidente leva à sua queda. Faltavam então as bases institucionais para uma gestão econômica eficiente. Do contrário, pensava, teria que depender sempre do beneplácito dos poderosos de ocasião. Ao final de 1932, é escolhido como membro da Comissão Preparatória da Conferência Econômica Mundial da Liga das Nações. É então que percebe a irrelevância dos países periféricos: tratava-se de “uma briga de cachorro grande”. No início do ano seguinte, é convocado para fazer parte das negociações do famigerado Pacto Roca-Runciman, quando a Argentina é forçada a aceitar as concessões exigidas pelos ingleses. Estava morta a teoria neoclássica e, junto com ela, o multilateralismo. É então que lê entusiasmado, na Inglaterra, o artigo “Road to prosperity”, de Keynes.

Na volta à Argentina, a sorte – ou a mudança na administração – lhe presenteia com a dupla assessoria dos ministérios da Fazenda e da Agricultura, acumulando tais cargos com o que ainda ocupava no Banco de la Nación. Formula o Plano de Recuperação Econômica, que tira a Argentina da crise antes dos países industrializados. Acusado de participar de um governo autoritário, Prebisch aproveita as brechas do poder para modernizar o Estado. Acredita-se um “economista nacionalista e profissional que escolhera participar em vez de ficar de fora”4. No íntimo, percebe a mediocridade dos militares e das elites tradicionais que dão sustentação aos governos da Concordancia.

O próximo salto se daria quando assume o cargo de gerente-geral do Banco Central argentino, criado em 1935. Ele e seu “cartel de cérebros” implantam um novo estilo de gestão na máquina pública, caracterizado pela sobriedade, dedicação abnegada e capacidade técnica. Prebisch redige de próprio punho os relatórios anuais da instituição. O Banco Central exerce o papel de garantidor da estabilidade ao mesmo tempo em que apoia a expansão econômica, modulando os ciclos.

Em 1940, Prebisch elabora o Plan Pinedo, não aprovado em virtude da crescente oposição ao governo, enfraquecido e sem base de sustentação. Procura reduzir a dependência da Inglaterra, aproximando-se dos Estados Unidos – para quem quer vender produtos industrializados – e da América do Sul. Em 1943, é demitido com a ascensão de Perón à estrutura de poder. Passa a sofrer vigilância policial e tem que fugir para Mar del Plata. Tem seu salário suspenso, o que faz com que volte a ministrar aulas na Faculdade de Ciências Econômicas.

Entretanto, convites não lhe faltam. Assessora o Banco Central mexicano e os governos da Venezuela, Paraguai, República Dominicana e Guatemala, dentre outros. Rejeita todos os convites para ensinar em universidades norte-americanas. Prepara-se para voltar ao governo, na expectativa de que “o peronismo acabaria um dia”5.

O homem que ditara os rumos da economia argentina por quinze anos entra em depressão, o que faz com que se lance numa tentativa árdua de processar teoricamente a sua experiência. Não consegue publicar o que escreve – à exceção de Introducción a Keynes, de 1947, lançado pela Fondo de Cultura Económica -, apesar da recepção que seu trabalho tem nos Estados Unidos e na América Latina, inclusive no Brasil, onde tem em Eugenio Gudin um grande admirador, embora este conhecesse tão somente o gerente financeiro. O teórico iconoclasta estava, àquela altura, ainda lapidando seu novo sistema de ideias.

A CEPAL E A INVENÇÃO DA AMÉRICA LATINA

Pouca gente sabe que, ao fim de 1948, Prebisch parte para Washington para assumir o cargo de assessor do diretor-geral do FMI. E que graças às vicissitudes da política norte-americana – bem como à oposição dos governos brasileiro e argentino – lhe sobra como última opção a de consultor da CEPAL , recém-criada, e que ele imaginara como uma instituição de fachada. Depara-se desde logo com o desafio de torná-la efetiva: a depender dos Estados Unidos, a CEPAL nasceria moribunda.

Santiago era a última opção para o obstinado construtor de instituições econômicas. Tinha um desafio: elaborar em três meses o documento Investigación Económica de América Latina para a sessão da CEPAL , a se realizar em maio de 1949, em Havana. Além de tecer um panorama geral da região, deveria oferecer uma direção para a instituição, que contava com a oposição cerrada dos Estados Unidos, que pareciam determinados a extingui-la em 1951. Com uma equipe pequena, enfrentando o ceticismo dos norte-americanos, do Banco Mundial e do FMI, e contando apenas com algum apoio da onu, o documento é elaborado.

Mas Prebisch queria também apresentar algo menos técnico, que refletisse o seu acúmulo teórico nos tempos de exílio do governo argentino – já em 1945, os conceitos centro e periferia aparecem nos seus textos e correspondências – e apontasse para uma nova estratégia de desenvolvimento na região. Algo que juntasse teoria, política e utopia.

A primeira versão do que viria a ser o “manifesto latino-americano”, de abril de 1949, era bastante rebuscada. Celso Furtado, já então na CEPAL , a lera, tendo achado o texto muito acadêmico e defensivo. Prebisch, também insatisfeito, reescreve-o completamente, em três dias e três noites, tornando-o mais acessível. Introduzia assim um novo vocabulário no debate sobre desenvolvimento em escala internacional, partindo da especificidade latino-americana. E o diagnóstico convidava à ação.

A apresentação em Havana foi acontecimento inesquecível para os que ali estavam. O documento recebeu o apoio dos governos latino-americanos e foi recebido com frieza pela delegação de baixo perfil do governo norte-americano. Acadêmicos do mainstream da época, como o professor Jacob Viner, de Princeton, sentiram calafrios. O documento continha no seu entender “fantasias desvairadas, conjecturas históricas distorcidas e hipóteses simplistas”6. Não era para menos: o texto batia de frente com a ortodoxia das vantagens comparativas. Ainda pior para os seus detratores, não era comunista nem protecionista. Defendia o comércio, apostava na industrialização, sem menosprezo pela agricultura, e propugnava uma ação reformadora e inteligente do Estado.

Inventava-se assim a América Latina, uma região com especificidade histórica, decorrente da sua inserção no sistema internacional, mas agora dotada de ferramentas de reflexão próprias e de um conjunto de novos instrumentos de política econômica adequados à sua realidade. Ao voltar-se sobre si mesma, a América Latina oferecia uma nova interpretação sobre o universal. O véu que protegia o mundo ocidental era descoberto pelo olhar periférico. As ideias encontravam, nesta quadra histórica, o seu lugar7. Para Prebisch, não se tratava de separar a periferia do centro, ou de negar os aportes científicos da teoria econômica – o próprio manifesto não continha uma teoria acabada, antes prometia mais pesquisa e reflexão -, mas de destacar a dinâmica e estrutura da desigualdade global. Diferenciava-se, inclusive, do marxismo dominante, refutando as análises acerca do imperialismo como simples manifestação do capitalismo monopolista.

De regresso ao Chile, Prebisch possuía agora um novo “cartel de cérebros”, que contava com economistas de vários países da região e formações teóricas bem diversas, como Celso Furtado, o cubano Regino Boti, o mexicano Juan Noyola (que chegaria apenas em 1951) e o chileno Jorge Ahumada. Este último, de Harvard, chefiava a Divisão de Treinamento, enquanto Furtado ficara com a de Desenvolvimento, chamada de “divisão vermelha”.

A ameaça contínua à própria existência da CEPAL criava um vínculo especial entre os seus “combatentes”. Prebisch estimulava o debate entre os quadros, exigindo-lhes maior rigor na exposição dos argumentos. Chamava para si a responsabilidade política e dava autonomia para os seus jovens tocarem o barco, inclusive resistindo às perseguições ideológicas durante a maré montante do macartismo norte-americano.

A segunda grande batalha foi a Conferência do México de 1951. A CEPAL passava agora a ter um mandato por tempo indeterminado, com plena independência, e novas funções além da produção de relatórios de pesquisa. Na sua nova fase, a organização latino-americana atuaria como centro de treinamento para quadros governamentais da região e de assistência técnica para as políticas de desenvolvimento de cada país.

As expectativas eram elevadas. A CEPAL assumia o papel de “usina de ideias” para a América Latina. Aproveitando o cenário positivo, Prebisch, secretário-executivo da CEPAL desde 1950, amplia e reestrutura a equipe da organização, que contaria ao final de 1953 com um corpo técnico de 130 funcionários em regime de tempo integral. É quando clama por cooperação internacional, reforço do planejamento econômico, estabilidade de preços para as exportações de matérias-primas, necessidade de um banco regional de desenvolvimento, mudança tributária e reforma agrária.

Entretanto, na segunda metade dos anos 1950, Prebisch vê o seu raio de manobra se estreitar. O cenário internacional não é favorável. A instituição, agora consolidada, está atolada de projetos. A reflexão teórica fica em segundo plano, contra os anseios de Furtado e Noyola, que passam inclusive a se ressentir da visão mais “ortodoxa” de Prebisch, que vira uma espécie de representante político de alto nível, priorizando as relações com os governos da região.

Na sua nova fase, a CEPAL concentra-se na defesa da integração latino-americana. Seria a solução para a expansão do comércio e para o prosseguimento da industrialização, rumo aos setores intensivos em capital nos países maiores, e abrindo novas possibilidades de especialização para os menores. Mas o projeto de mercado comum transforma-se na proposta tímida da alalc, lançada em 1960. Os Estados Unidos recusam qualquer perspectiva de colaboração mais ativa com a região.

O quadro aparentemente mudaria com a Revolução Cubana e a eleição de Kennedy. Em março de 1961, os Estados Unidos lançam de maneira retumbante a Aliança para o Progresso, com a presença aclamada de Prebisch, seu arquiteto intelectual. O Império assimila todo o vocabulário cepalino e o oferece de volta para a região: capitalismo progressista, reformas estruturais, cooperação para o desenvolvimento.

Prebisch sente-se desnorteado. Desconfia da adesão dos governos da região às reformas (fiscal e agrária) e do compromisso estadunidense com o desenvolvimento. A liberação de recursos da Aliança para o Progresso deveria estar subordinada, no seu entender, a uma comissão de sete especialistas, com a responsabilidade de aprovar os planos nacionais. A comissão de sete transforma-se no painel dos nove, de perfil apenas consultivo, facilitando a vida dos governos latino-americanos e dos Estados Unidos, que poderiam distribuir os recursos de acordo com suas prioridades políticas. Nosso anti-herói entrega os pontos. O triunfo dos Estados Unidos na guerra dos mísseis joga a penúltima pá de cal, justamente no momento em que a ala econômica mais conservadora do governo Kennedy assume a dianteira. A última seria o desembarque das ditaduras militares no Cone Sul.

Prebisch volta a Santiago em 1962, e enquanto espera a transição na secretaria-executiva, cria, com apoio do Fundo Especial da onu e do bid, o ilpes (Instituto Latino-Americano de Planejamento Econômico e Social). Quer voltar à reflexão teórica, deixando à CEPAL o trabalho mais aplicado.

O DESPERTAR DO TERCEIRO MUNDO

Se os ventos cepalinos se haviam abrandado na América Latina, eles voltariam a soprar pelos mares revoltos do Terceiro Mundo com a descolonização africana e asiática. Na Conferência do Cairo, de 1962, com a participação de 36 países não alinhados, Prebisch percebe que um novo mundo podia emergir, ou seja, que as ideias cepalinas podiam ser “globalizadas”. O G-77 seria criado, naquele ano, com a aprovação, na Assembleia Geral da onu, da realização da Conferência sobre Comércio e Desenvolvimento, a futura UNCTAD , em 1964. Prebisch, com seu prestígio junto aos países do Terceiro Mundo, assume o cargo de secretário-geral até a conferência. A oposição dos países desenvolvidos, especialmente dos Estados Unidos, mostrava-se forte. E o gatt, composto majoritariamente pelo “clube dos ricos”, não queria concorrente. Trabalhando em Nova York, Prebisch organizaria mais uma vez uma equipe só de craques, provenientes de todas as partes do mundo, para viabilizar o maior evento internacional da história das Nações Unidas até o momento.

Diferentemente de hoje, quando dispomos de voos diretos para a Europa de todas as partes, acesso a internet e blackberries, os representantes dos 119 países ficariam “isolados” em Genebra durante três meses. Tratava-se de uma nova aventura para Prebisch: o mesmo script da CEPAL , mas em escala ampliada. O documento por ele produzido lançava o conceito de desequilíbrio comercial. Se este se mantivesse entre países do Norte e do Sul, fluxos financeiros equivalentes a US$ 20 bilhões anuais teriam que ser acionados pelos primeiros para manter as contas externas dos últimos em ordem, caso estes lograssem um ritmo de crescimento anual de 5%.

A solução seria uma “nova ordem econômica internacional”, que estabilizasse os preços dos produtos primários, criasse um sistema de preferências para os manufaturados dos países do Sul e ampliasse o financiamento para o desenvolvimento. O burocrata global viajaria o mundo inteiro antes da UNCTAD I, desembarcando em várias capitais do mundo rico e pobre para apresentar seu novo evangelho.

Prebisch seria aplaudido de pé após seu discurso inaugural em Genebra. Nele, afirmara que a cooperação internacional não poderia ser vista como substituta do desenvolvimento. Cada país deveria fazer sua parte. Ele sabia da oposição que encontraria da parte dos Estados Unidos e das demais potências.

O desastre era iminente. Para impedi-lo, nosso anti-herói reúne em seu apartamento, em Genebra, representantes de oito países. A pauta não avança na direção das ações concretas reivindicadas pelo G-77. Prebisch, entretanto, consegue parir a UNCTAD , garantindo sua autonomia e independência. A entidade atuaria como espaço de pesquisa e fórum de negociação não neutro, ou seja, a serviço dos países em desenvolvimento, mas sem oposição aberta ao Norte, essencial para que qualquer acordo vingasse. Apesar da recepção hostil da plateia do G-77, que lamentava os ganhos retóricos, Prebisch vencera, e a UNCTAD está aí até hoje8, com menos poder do que ele gostaria, mas assumindo o papel que ele imaginara.

Durante a UNCTAD II, realizada em Nova Delhi, os mesmos choques de posições se sucederiam. O prazo para o término da conferência seria prorrogado duas vezes. Os países desenvolvidos comemoravam o sucesso da inércia, enquanto o G-77 via o novo vocabulário do desenvolvimento em escala ampliada ser soterrado. Prebisch aparecia como algoz dos países desenvolvidos e traidor do Terceiro Mundo. Mas o sgp9 seria aprovado, novos conceitos introduzidos, propostas concretas elaboradas (mesmo que engavetadas), com relatórios de qualidade produzidos a serviço dos países mais pobres.

Acertada a sua demissão da UNCTAD para março de 1969, Prebisch iria para Washington trabalhar no novo relatório sobre o desenvolvimento latino-americano a convite do bid. Nele, apontaria para a “crise do desenvolvimentismo”, contrapondo a região aos países do Sudeste Asiático, capazes de realizar reforma agrária, transformações institucionais e em sua estrutura econômica. Com o golpe de Pinochet, a CEPAL torna-se uma organização sitiada. Apenas com a crise do petróleo, Prebisch voltaria a ser saudado, por ricos e pobres, como um “visionário global”10.

Prebisch ainda teria tempo para criticar o endividamento excessivo dos países latino-americanos no final dos anos 1970, contra os prognósticos das entidades tradicionais que o louvava; e participar do governo Alfonsín na Argentina, defendendo o Consenso de Cartagena, em prol de uma posição comum para os países devedores, trazendo calafrios para o FMI, o Banco Mundial e o governo norte-americano. Não obstante, mais uma vez seria visto em casa como “entreguista”. Os peronistas já se encontravam na antessala do poder, como se a história dos anos 1940 tivesse que se repetir, mas dessa vez como farsa.

PREBISCH, FURTADO E O ESTRUTURALISMO

Seguimos acima a trajetória de Prebisch a partir da câmera lenta de nosso cineasta-biógrafo. Por mais que procure integrar as ideias de Prebisch e o seu estilo de liderança, iluminando as restrições e potencialidades das organizações em que nosso anti-herói trabalhara em cada momento histórico, nem sempre Dosman abarca essas várias dimensões em toda a sua complexidade.

Joseph Hodara11 ressalta a importância de um paradigma triangular entre ideias, estilo de liderança e entorno organizacional para entender a contribuição de Prebisch. No seu entender, a CEPAL alçou voo em virtude da “ética de seita” instaurada pelo argentino. Depois ela teria se enrijecido, alcançando o “estágio eclesiástico”, na qual a rotina burocrática acaba por vencer, inclusive se amoldando às novas modas do pensamento econômico, no máximo temperadas por adjetivos desenvolvimentistas.

Em vez de um típico tecnocrata, o economista argentino destacava-se pelo estilo argumentativo, nada neutro, brindando novas mensagens políticas e uma clara preocupação pedagógica. Adicionalmente, se o vocabulário prebischiano caracterizava-se pela polissemia, de modo a permitir-lhe maior margem de negociação, ele encontrava pouca receptividade nos ambientes acadêmicos, onde neoclássicos e marxistas ressentiam-se ao ver seus conceitos sofrer interpretações por demais arejadas12. Não à toa, Furtado o descrevera como o “grande heresiarca”13.

Outro aspecto digno de menção refere-se à história do estruturalismo. Prebisch aparece na biografia de Dosman como o primeiro praticante de um novo método de reflexão sobre as economias e sociedades latino-americanas. O próprio Dosman afirma que, depois da Conferência da CEPAL de Cuba, em 1949, Prebisch “teria criado o estruturalismo”14. Os estudos clássicos apontam para a mesma interpretação. É o caso de Rodríguez15, para quem, nos anos 1950, o estruturalismo parte do enfoque econômico, para depois, nos anos 1960, incorporar as dimensões social e política. Ou de Bielschowsky16, que percebe uma “teoria ‘estruturalista’ do subdesenvolvimento periférico” já no manifesto de Prebisch.

A origem está em Prebisch, é certo. No entanto, ele não era nem “estruturalista” nem havia formulado nenhuma “teoria do subdesenvolvimento” nos anos 1950. O “manifesto latino-americano”17 sequer continha a palavra “subdesenvolvimento”. Prebisch refere-se quando muito aos países da América Latina como “novos”, que não seguem – e nem há por que imaginar que devessem fazê-lo – os mesmos estágios e dinâmicas dos países centrais, até porque não contam com as mesmas premissas.

A segunda ruptura que levaria ao que se convencionou chamar de “teoria do subdesenvolvimento” é furtadiana até a medula. Não se trata aqui de discutir paternidade teórica, mas de ressaltar que a primeira CEPAL apenas lançara a semente do que seria chamado de pensamento econômico estruturalista latino-americano. Depois de um esforço inaudito durante a segunda metade dos anos 1950, Furtado vai explicitar as características do método histórico-estruturalista, conferindo-lhe um enfoque teórico específico, tal como apresentado em Desenvolvimento e subdesenvolvimento18. Essa hipótese é lançada por Mallorquín19.

Para além de se comportarem de maneira distinta nos ciclos, em Furtado, centro e periferia fazem parte de uma mesma totalidade histórica, que se manifesta com dinâmicas estruturais distintas que extravasam o econômico. O mais interessante é que o mestre Prebisch se transforma em discípulo, com O capitalismo periférico, publicado em 1981, mas escrito ao final da década de 1970, quando não se encontra mais preso às artimanhas organizacionais e ao peso da ação política.

O próprio Prebish o admite nos agradecimentos ao livro: “ante todo, Celso Furtado”, “nadie ha penetrado com más profundidad en la interpretación del desarrollo”20 – antes de entrar de cheio na dinâmica do “capitalismo periférico”, da sua estrutura social e de suas travas políticas. Prebisch não deixa de assinalar as mudanças do “capitalismo central” – até porque ambos fazem parte de um todo integrado – mas concentra o seu olhar na assincronia das estruturas latino-americanas.

A heterogeneidade estrutural – o mestre também aprendeu com Aníbal Pinto21 – é antes reforçada pela industrialização, pois este capitalismo, por ser imitativo, está baseado fundamentalmente na desigualdade. Isto porque parcela expressiva do excedente é esterilizada internamente ou drenada para fora, desperdiçando o potencial de acumulação de capital, que poderia atender às demandas sociais e revigorar os processos de democratização22.

Nesse último exercício teórico, Prebisch argumenta que o esquema centro-periferia pode e deve ser enriquecido, de acordo com as mudanças históricas, mas desde que tenha como objetivo a elaboração de uma teoria global do desenvolvimento23, que capte as dinâmicas internas e articulações externas entre os “capitalismos” central e periférico.

PREBISCH REDIVIVO

O Prebisch que podemos herdar, mantendo a sua embocadura analítica, é este que fala do “meu pensamento cepalino”, como se um mar metodológico desaguasse em vários rios interpretativos; bem diverso da CEPAL no seu estágio “pós-eclesiástico”, que inclusive endossou o credo neoliberal, antepondo-lhe algumas vírgulas nos anos 1990. Um Prebish em diálogo profundo com Celso Furtado e Aníbal Pinto e com outras correntes de interpretação, como a “teoria da dependência”, o pensamento histórico-institucionalista e as contribuições neo-schumpeterianas, dentre outras. Mas também um autor que casa embasamento empírico com generalizações teóricas e formulações políticas de longo prazo – o que só é possível quando se assume uma perspectiva metodológica que associa o “intervencionismo decidido do Estado”, num contexto social e histórico específico, onde o “não reducionismo econômico deriva de um não determinismo definido”, nos termos de Rodríguez24, sempre levando em consideração os impactos das conformações cambiantes da totalidade capitalista.

Nesse sentido, a compreensão da realidade histórica latino-americana, ontem, hoje e amanhã, pode ser feita a partir dessa metodologia de análise que parte de tendências gerais, como, por exemplo, a dinâmica do sistema centro-periferia, sempre reciclada de modo a concentrar os frutos do progresso técnico em áreas privilegiadas da economia-mundo capitalista, reforçando por sua vez a heterogeneidade estrutural que permite a recriação do subdesenvolvimento sob novas formas.

A pergunta que se coloca então é sobre o papel da ciência econômica e das ciências sociais em geral. Tal como no passado, a marca da cepal está no ecletismo em assimilar e reprocessar as contribuições do pensamento clássico, marxista e keynesiano, a partir de uma experiência histórica peculiar. Neste sentido, o vigor de um programa científico do estruturalismo estriba justamente na capacidade de acompanhar os avanços teóricos das várias formulações heterodoxas, de modo a fornecer os “fundamentos” para uma “teoria especial” do acontecer econômico25 nos diversos países latino-americanos no contexto histórico atual. A própria evolução do pensamento cepalino propriamente dito esteve sempre relacionada não somente à história real do objeto de análise, como com o próprio contexto ideológico, relacionando inserção internacional, tendências e contradições internas do crescimento da periferia e ação do Estado26.

Dessa forma, associar o estruturalismo, a teoria do subdesenvolvimento ou a economia política cepalina à “teoria da deterioração dos termos de troca”, atitude hoje muito em voga, é tomar a parte pelo todo. Ora, aquela tendência apenas indicava que, num contexto específico, o do novo centro global protagonizado pela economia norte-americana nos albores do pós-Segunda Guerra Mundial, levaria inexoravelmente ao processo de industrialização, que deveria ser planejado, de modo a não internalizar as características concentradoras da dinâmica do sistema capitalista, as quais encontravam solo fértil em virtude das peculiaridades estruturais da região.

Num contexto de ascensão chinesa, crise das economias ditas centrais e reorganização da divisão internacional do trabalho, ou seja, em que mais uma vez o centro de gravidade da economia-mundo capitalista passa por deslocamentos que alteram de maneira sistêmica a sua dinâmica de funcionamento 27, Prebisch e seus “companheiros de seita” parecem mais bem aparelhados com suas categorias28 para enfrentar o real do que os economistas com instrumental estático ou os catastrofistas de plantão.

Notas

1 DOSMAN, Edgar JUNIOR. Raúl Prebisch (1901-1986): a construção da América Latina e do Terceiro Mundo. Rio de Janeiro: Contraponto/Centro Internacional Celso Furtado, 2011, p. 489.
2 Ibid., p. 246.
3 Ibid., p. 27.
4 Ibid., p. 121.
5 Ibid., p. 261.
6 Ibid., p. 285.
7 CARDOSO, F. H. As ideias e seu lugar: ensaios sobre as teorias do desenvolvimento. Petrópolis: Vozes, 1993, pp. 29, 59, 70-4. Nesse texto, dialogando com os conceitos de Roberto Schwarz, o sociólogo aponta para a “originalidade da cópia cepalina”.
8 Ver a reedição dos “mesmos conflitos” na recente UNCTAD XIII, realizada na cidade de Doha em 2012. “UNCTAD expõe racha entre ricos e emergentes”. Valor Econômico, 27, 28 e 29 de abril de 2012, p. A13.
9 Trata-se da sigla de Sistema Geral de Preferências (gps, em inglês), que até hoje responde por parcela importante das exportações de manufaturados da periferia capitalista para os países do Norte.
10 Edgar Dosman, op. cit., pp. 537-8.
11 HODARA, J. Prebisch y la CEPAL : sustancia, trayectoria y contexto institucional. Mexico: El Colegio de Mexico, 1987, pp. 12-4, 16-23, 38-9.
12 O’HIRSCHMAN, A. A economia como ciência moral e política. São Paulo: Brasiliense, 1986, pp. 66-7, 75. O autor menciona a “estranha coalizão entre marxismo e monoeconomismo”.
13 FURTADO, C. A fantasia organizada. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1985, 5. ed., cap. vii.
14 DOSMAN, op. cit., p. 314.
15 RODRÍGUEZ, O. O estruturalismo latino-americano. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, pp. 27 e 41.
16 BIELSCHOWSKY, R. “Cincuenta años del pensamiento de la CEPAL : una reseña”. InCincuenta años de pensamiento en la CEPAL : textos seleccionados. vol. 1. Santiago: Fondo de Cultura Económica/cepal, 1998, pp. 14 e 17.
17 PREBISCH, Raúl. “El desarrollo econômico de la América Latina y algunos de sus principales problemas”. In: Cincuenta años de pensamiento en la CEPAL , op. cit. Trata-se do texto original de 1949.
18 FURTADO, Celso. Desenvolvimento e subdesenvolvimento. 3. ed. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1965. A primeira edição é de 1961.
19 MALLORQUÍN, Carlos. Celso Furtado: um retrato intelectual. Rio de Janeiro: Contraponto; São Paulo: Xamã, 2005, pp. 16, 122-31, 261 e 328.
20 PREBISCH, Raúl. Capitalismo periférico: crisis y transformación. México: Fondo de Cultura Económica, 1981, p. 9.
21 PINTO, A. “Naturaleza e implicaciones de la ‘heterogeneidad estructural’ de la América Latina”. In: Cincuenta años de pensamiento en la CEPAL : textos seleccionados, vol. 2, op. cit. Esse texto foi publicado pela primeira vez em 1970 e significou uma ruptura com as teses dualistas.
22 PREBISCH, R., Capitalismo periférico, op. cit., pp. 14-15, 37-45.
23 Ibid., pp. 26 e 30.
24 RODRÍGUEZ, op. cit., pp. 46-8.
25 Ibid., pp. 42-4 e 61.
26 BIELSCHOWSKY, op. cit., pp. 11 e 17.
27 CASTRO, Antonio Barros de. No espelho da China, 2009 (mimeo).
28 Para um intento de aplicar as categorias cepalinas de modo a compreender os impactos da ascensão chinesa sobre a América Latina, ver Barbosa, Alexandre de Freitas. “China e América Latina na Nova Divisão Internacional do Trabalho”. In: Leão, Rodrigo Pimentel Ferreira, Pinto, Eduardo Costa e Acioly, Luciana (orgs.). A China na nova configuração global: impactos políticos e econômicos. Brasília: ipea, 2011.

Alexandre de Freitas Barbosa – Professor de História Econômica e Economia Brasileira do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB/USP) e pesquisador associado do Cebrap.

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Introdução a Schopenhauer – BOSSERT (V-RIF)

BOSSERT, Adolphe. Introdução a Schopenhauer. Tradução de Regina Schöpke e Mauro Baladi. Rio de Janeiro: Contraponto, 2011. Resenha de: DALCOL, Mônica Saldanha. Voluntas – Revista Internacional de Filosofia, Santa Maria, v.3, n.1/2, p.359-361, 2012.

Adolphe Bossert é um reconhecido especialista em literatura alemã e publicou diversos livros sobre alguns dos maiores nomes que a constituem, como sobre Goethe e Schiller. Com uma linguagem sutil e uma atenção especial a detalhes da vida do homem de gênio que foi Schopenhauer, Bossert elabora sua Introdução a Schopenhauer (traduzida recentemente no Brasil por Regina Schöpke e Mauro Baladi) em vista de uma apresentação geral dos conceitos norteadores dessa filosofia. Contudo, o livro não recai num reducionismo psicológico, isto é, não pretende “justificar” as formulações filosóficas com base em dados da vida particular do grande filósofo alemão. Conforme observa a tradutora da obra, Regina Schöpke, Bossert parte do pressuposto de que não se pode tratar vida e obra de um pensador de forma separada e, ao longo do livro, demonstra-nos como esta inseparabilidade é importante para o caso de Schopenhauer. Assim, por meio dessa obra temos contato com o homem severo que foi Schopenhauer e com os principais aspectos de sua filosofia, de forma clara e objetiva. Bossert apresenta alguns dos principais conceitos presentes na obra magma de Schopenhauer, O mundo como vontade e como representação, tais como: a primazia da Vontade, o papel desempenhado pela racionalidade, a problemática do caráter, a herança platônica das Ideias; o belo, a afirmação e a negação da Vontade.

O livro possui o total de trinta e dois capítulos e os assuntos de cada um deles obedecem a uma linha cronológica. Neles encontramos transcrições de cartas entre Schopenhauer e algumas pessoas de sua convivência, como as correspondências tumultuosas com a mãe, e, por outro lado, a imensa estima e cumplicidade de sua irmã Adele. As cartas trocadas entre Schopenhauer e sua irmã são vistas por Bossert, por exemplo, como “um verdadeiro capítulo da filosofia pessimista” (p. 279). No que diz respeito aos aspectos do seu pensamento, Schopenhauer é, segundo Bossert, o filósofo que recusa o lugar comum da razão como essência do homem. O ser é caracterizado por um impulso incessante e irracional – a Vontade. Como afirma o autor, “a Vontade é o grande demiurgo; ela é o artesão do universo em sua totalidade e a faculdade primária em cada indivíduo; ela é a criadora do corpo que ela anima” (p. 24). Dessa forma, ao traçar um panorama geral dos principais conceitos schopenhauerianos, Bossert dedica-se a apresentar alguns elementos presentes na metafísica da Vontade, tendo como ponto de partida a proposição de que os fenômenos são as manifestações de uma única Vontade em suas diversas formas.

O autor aborda a Vontade em sua afirmação e em sua negação. De forma resumida, quando a afirmação da vontade de um determinado indivíduo avança sobre a vontade de outro, temos a representação do egoísmo. Pode-se afirmar que esse egoísmo se deve ao fato de que o ser humano está inserido no cenário do princípio de individuação e não reconhece a essência da Vontade nos outros seres. No caminho oposto a esse egoísmo está a doutrina moral desenvolvida por Schopenhauer, reconhecendo que o ser humano também se identifica com os outros seres, sejam eles humanos ou animais. Como afirma Bossert, “uma libertação momentânea, um antegozo da libertação completa por meio da supressão do querer viver, será a derradeira palavra da moral de Schopenhauer” (p. 204). Na contemplação artística também encontramos o estado de negação momentânea da Vontade, o apaziguamento do sofrimento, que é caracterizado por Schopenhauer como o estado de pura contemplação. E, por fim, temos o grau mais elevado de negação da Vontade mediante sua total negação (abnegação), a ascese que possibilita a saída do ciclo incessante da Vontade.

No que concerne aos primeiros passos da recepção da filosofia de Schopenhauer, Bossert nos mostra como o pensamento singular de Schopenhauer não foi acolhido pelo grande público universitário e que todas as tentativas empreendidas pelo filósofo para inserir-se no fervor da época fracassaram. No segundo semestre de 1820, Schopenhauer começa a lecionar na Universidade de Berlim. O curso chamava-se “Filosofia universal” (gesammte Philosophie) e abarcava temas de lógica, cosmologia, teoria das artes e dos costumes (p. 121). Schopenhauer ministrava suas aulas no mesmo horário das lições de seu arqui-inimigo Hegel. O grande público lotava os cursos ministrados por Hegel, e o filósofo da Vontade contava com pouquíssimos alunos, o que o levará a suspender os cursos para o próximo semestre, já que o número de inscritos chegava a ser insuficiente. Bossert percebe o enfrentamento do pensador com os três maiores filósofos da época, Hegel, Fitche e Schelling, como fator que também contribuiu em grande parte para o desprestigio dele em relação a seus contemporâneos. Não obstante o fato de Schopenhauer não ser acolhido pela academia, existiram interessados em sua obra, pessoas que posteriormente se tornariam seus primeiros discípulos. Esses não eram propriamente estudantes de filosofia, mas magistrados, poetas, comerciantes e advogados. Bossert ressalta alguns nomes, como Frie [DR] ich Dorguth, Johann August Becker, Adam von Doss e Julius Frauenstädt.

Schopenhauer obteve um reconhecimento de sua filosofia, embora tardio ou quase póstumo, como afirma o autor. Em termos institucionais, somente em 1857 sua doutrina passou a ser estudada em algumas universidades, como em Iena, em Bonn e em Breslau. Passaram-se quase trinta anos da primeira tentativa de conquistar o público universitário, porém, tal tempo parece pequeno diante de tamanha confiança. Como afirma o próprio filósofo, “o metal do qual meu livro e eu somos feitos é muito raro neste planeta, e terminarão por reconhecer seu valor: vejo isso muito claramente, e é preciso muito tempo ainda até eu crer que esteja me iludindo. Que me ignorem por mais dez anos, nem com isso minha confiança será abalada” (p. 123).

Apesar de Schopenhauer ser conhecido como um filósofo pessimista por excelência, nesse livro somos surpreendidos quando Bossert nos chama atenção para as “sinuosidades” do pensamento do pensador, já que – segundo o autor – encontramos, através de seus fundamentos, “elementos de um otimismo mais nobre, mais generoso, mais verdadeiramente filosófico” (p. 358). Destaquemos a seguinte passagem:

Qual é, para ele, a verdadeira forma de vida moral? É a renuncia ao querer viver individual, a abdicação do egoísmo, a imolação do eu, a morte voluntária no sentido espiritual da palavra. Se essa regra de conduta se tornar lei universal, segundo a expressão de Kant, o que resultará disso? Uma sociedade na qual não haverá mais eu e não eu, em que cada um irá considerar sua sorte como intimamente ligada à de seus semelhantes; uma sociedade onde todos os membros viverão, por assim dizer, apenas uma vida coletiva. Quem poderia desejar um mundo melhor? (p. 358).

Dessa forma, a obra de Bossert, ao mesmo tempo em que nos oferece um cenário geral dos principais conceitos da filosofia de Schopenhauer, bem como alguns dos principais momentos que dizem respeito à vida particular do pensador, não deixa de acenar para problemáticas específicas, o que pode ser tomado como um convite para pesquisas que nelas se detenham. Por um lado, a obra pode exercer um fascínio para aqueles os iniciantes na leitura do pensador alemão, visto que Bossert apresenta de modo sucinto e claro os principais conceitos schopenhauerianos. Por outro lado, o livro pode interessar também àqueles que já estão familiarizados com a filosofia de Schopenhauer e, mesmo se conhecedores de importantes biografias ou se são especialistas, podem desfrutar de uma leitura e de uma versão peculiar sobre o pensamento do filósofo.

Mônica Saldanha Dalcol – Mestranda em Filosofia pela UFSM. E-mail: [email protected]

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[DR]

Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos | Reinhart Koselleck

No Brasil, o nome de Reinhart Koselleck tem, cada vez mais, se tornado familiar entre os que estudam história, sobretudo para aqueles particularmente interessados nas discussões teóricas da disciplina. Nascido no ano de 1923 em Gorlitz, Alemanha, Koselleck doutorou-se em 1954 com a tese Kritik und Krise [2], publicada cinco anos depois. Foi professor nas universidades de Bochum, Heidelberg e Bielefeld e co-autor do monumental “Geschichtliche Grundbegriffe. Historisches Lexikon zur politish-zocialen Sprache in Deutschland” [Conceitos básicos de história. Um dicionário sobre os princípios da linguagem político-social na Alemanha] [3], obra em nove volumes publicados em Stuttgart entre 1972 e 1997. [4] Koselleck faleceu em 2006, aos 82 anos de idade.

Tanto a tese doutoral quanto os dicionários refletem uma preocupação do autor com a questão da semântica dos conceitos fundamentais, sobre os quais o primeiro trabalho permitiu um desenvolvimento inicial [5]. O nome de Koselleck encontra-se profundamente associado à chamada escola da “história dos conceitos” (Bregriffsgeschichte), que o autor, juntamente com seus antigos mestres, Otto Brunner e Werner Conze (que participaram da organização do monumental dicionário), iniciou em finais da década de 1960. A história dos conceitos propõe uma análise das mudanças ocorridas no conteúdo e utilização dos conceitos para um entendimento mais profundo das transformações históricas de duração mais ampla, sobretudo no período entre 1750 e 1850, que Koselleck chama de Sattelzeit e que marca, para o autor, a emergência da modernidade [6]. Discorrendo sobre a importância da história dos conceitos, Koselleck aborda a relação entre este “campo particular de estudos” (p. 104) e a história social. Para ele, a história dos conceitos não apenas contribui para a história social, como esta não pode ser praticada sem aquela, pelo menos no que se refere ao recorte cronológico trabalhado pelo autor: “Desde que a sociedade atingiu o desenvolvimento industrial, a semântica política dos conceitos envolvidos no processo fornece uma chave de compreensão sem a qual os fenômenos do passado não poderiam ser entendidos hoje” (p. 103). Por isso, conclui Koselleck, “A história social que queira proceder de maneira precisa não pode abrir mão da história dos conceitos, cujas premissas teóricas exigem proposições de caráter estrutural” (p. 118).

A proposta de uma história dos conceitos retoma, em parte, o projeto diltheyano de uma tradição hermenêutica orientada a reconstruir os significados que se sedimentam nas objetivações empíricas do sentido [7], mas esta retomada já aparece tematizada pelo “giro linguístico” [8] de Hans-George Gadamer, um dos mestres de Koselleck, para quem a linguagem é “a primeira interpretação global do mundo” que, por sua vez, “é sempre um mundo interpretado na linguagem” [9]

Em Futuro Passado, os ensaios reunidos proporcionam tanto uma síntese das perspectivas da história conceitual e da teoria da história quanto um resumo do próprio percurso historiográfico realizado por Koselleck, que a partir do estudo da linguagem buscou assinalar as transformações das quais emergiu a modernidade europeia no Sattelzeit [10]. Na argumentação de Koselleck, um dos elementos centrais que caracteriza essa modernidade diz respeito exatamente à nova percepção do tempo. De forma geral, a questão do tempo histórico, sua definição e apreensão constituem a linha que perpassa todos os ensaios que compõem este livro de Reinhart Koselleck, obra cuja primeira publicação data de 1979. Até a publicação da presente edição, o público brasileiro podia ter acesso principalmente a partir das edições francesa e espanhola [11], fato que certamente impossibilitava uma maior aproximação das contribuições teóricas de Koselleck; razão pela qual a presente edição foi (com justiça) tão bem saudada.

O livro divide-se em três partes: Sobre a relação entre passado e futuro na história moderna, Sobre a teoria e o método da determinação do tempo histórico e Sobre a semântica histórica da experiência, num total de quatorze ensaios dedicados a investigações que, se por um lado incidem sobre diversos aspectos da teoria da história, por outro guardam entre si uma questão comum: o tempo histórico. Interessa-nos apresentar esta questão e a forma como ela é tratada pelo autor. Para tanto, assumiremos uma postura dinâmica em relação ao texto, recorrendo ora a uns ensaios, ora a outros, sem, contudo, realizarmos uma apreciação detalhada de cada item especificamente. Antes, porém, situemos o autor no debate acerca do tempo na história.

Quando Marc Bloch propôs como definição do objeto da ciência histórica a fórmula “homens no tempo” [12] estava longe de simplificar a questão, como talvez possa sugerir as duas palavras concatenadas. Mesmo deixando de lado a discussão ontológica sobre o homem, cuja saída proposta pelo filósofo Ernst Cassirer é, para o historiador, bastante adequada [13], resta-nos saber, afinal, de que “tempo” está se tratando.

José Carlos Reis, comparando as noções de tempo nos Annales, Paul Ricouer e Koselleck, assinala que os conceitos de “permanência” e “simultaneidade” parecem ser centrais na perspectiva do tempo histórico dos Annales:

Os Annales, e Braudel em particular, construiriam o conceito de “longa duração”, que ao mesmo tempo incorpora e se diferencia do conceito de estrutura social das ciências sociais. A longa duração é a tradução, para a linguagem temporal dos historiadores, da estrutura atemporal dos sociólogos, antropólogos e lingüistas. [14]

Se admitirmos esta concepção como sendo a que Marc Bloch empregava em sua definição, muito embora ela seja apresentada de uma forma um tanto simplificada por José Carlos Reis, será possível percebermos a peculiaridade de Koselleck nos que diz respeito ao tratamento desta questão. Em comum, está o fato de que ambas concepções apresentavam o tempo histórico como uma alternativa aos tempos da natureza e da consciência [15]. Instaura-se um “terceiro tempo”. Não obstante esta convergência entre Ricouer, Annales e Koselleck, a definição do tempo histórico em cada um possui diferenças importantes entre si. Interessanos, contudo, indicar a definição proposta por Koselleck.

Já no prefácio do livro Koselleck expõe a hipótese central de sua argumentação. Para ele, é na relação entre o passado e o futuro, na distinção entre ambos que se constitui o tempo histórico. Partindo de uma terminologia antropológica o autor define: “… entre experiência e expectativa, constitui-se algo como um „tempo histórico‟” (p. 16). Isto é, na forma como cada geração lidou com seu passado (formando seu campo de experiência) e com seu futuro (construindo um horizonte de expectativa) surgiu uma relação com o tempo que permite que o caracterizemos como tempo histórico. A modernidade, diz Koselleck, caracteriza-se pelo progressivo afastamento entre experiência e expectativa: “só se pode conceber a modernidade como um tempo novo a partir do momento em que as expectativas passam a distanciar-se cada vez mais das experiências feitas até então” (p. 314). Este, por sua vez, é um tempo não apenas histórico, mas historicizado, de vez que a forma como cada geração operou esta relação entre passado e futuro pôde ser alterada. Assim sendo, Koselleck afirma que “à medida que o homem experimentava o tempo como um tempo sempre inédito, como um „novo tempo‟ moderno, o futuro lhe parecia cada vez mais desafiador” (p. 16). A experiência do novo, imprevisto, parece ter se acentuado no contexto da revolução francesa. Ali o tempo histórico sofreria uma mudança de orientação, e é por isso que o autor concentra-se na análise deste período, observando como esta nova consciência pôde ser expressa através da linguagem, na criação de conceitos de movimentos que pareciam emancipados do passado: ruptura radical, que marca ainda hoje nossa relação como o passado e com o futuro. Vale dizer: com o tempo histórico.

Koselleck fornece, portanto, as duas ideias centrais da nossa modernidade (inaugurada, no que diz respeito à questão do tempo histórico, pela filosofia da história): um futuro inédito e um tempo passível de aceleração (pp. 35-36). Segundo o autor, foi predominante na cristandade ocidental, até o século XVI, a expectativa do fim do mundo (p. 24), cujo adiamento constante não destruía (pelo contrário, até reforçava) sua certeza e espera. A modernidade define uma nova forma de relacionamento dos homens com o tempo e, de alguma forma, com a história.

A emancipação do futuro em relação ao passado é observada de forma muito arguta por Koselleck ao estudar as transformações conceituais por que passaram as ideias de “história” e “revolução”. O autor aponta que, no âmbito da língua alemã, o termo estrangeiro Historie “que significava predominantemente o relato, a narrativa de algo acontecido” foi sendo preterido pela palavra alemã Geschitchte, significando

originalmente o acontecimento em si ou, respectivamente, uma série de ações cometidas ou sofridas. A expressão alude antes ao acontecimento [Geschehen] em si do que a seu relato. No entanto, já há muito tempo ‘Geschichte’ vem designando também o relato, assim como ‘Historie’ designa também o acontecimento. (p. 48)

Esta substituição no seio da língua alemã acusa a superação (ou, pelo menos, o desgaste) das noções tradicionais de história, que a dotavam da capacidade pedagógica e exemplar: a história magistra vitæ. Já o conceito de “revolução”, que designava, originalmente, um movimento circular, passa a apontar – a partir da revolução francesa – para um estado de organização que não mais retornará à sua origem. Abre-se ao desconhecido, inaugura um novo horizonte de expectativa que não mais está desenhado no campo de experiência. Por fim, é necessário assinalar que o conceito traz junto de si uma ideia de aceleração do tempo (p. 68). Se hoje tal ideia nos parece normal, no advento desta modernidade de que vimos falando ela possuía um significado importantíssimo:

Quando Robespierre conclamou seus cidadãos a apressar a revolução para trazer a liberdade à força, pode-se enxergar por trás disso um processo inconsciente de secularização das expectativas apocalípticas de salvação. (p. 69)

É assim que, para o autor, pode-se inferir da disputa linguística uma nova consciência do tempo por partes dos agentes. Com isso, acreditamos que é possível obtermos uma ideia geral sobre a forma como Koselleck aborda a questão do tempo histórico: mostrando-o como uma criação histórica, por isso mesmo suscetível as modificações ao longo da própria história.

Notas

1 Mestrando em História pelo PPHR (Programa de pós-graduação em história da UFRuralRJ) – Bolsista Capes. E-mail: [email protected]

2 No Brasil, a obra foi publicada conjuntamente pelas editoras Contraponto e Eduerj: KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: contribuição à patogênese do mundo burguês. Rio de Janeiro: Contraponto e Eduerj, 1999.

3 Seguindo a tradução fornecida por Elias Palti. PALTI, Elias. “Introdución”. In: KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: estudios sobre la historia. Barcelona: Ediciones Paidós, 2001. [pp. 09-32], p.09.

4 Além deste dicionário, sobre o qual há um detalhamento razoável no texto de apresentação do Professor Marcelo Jasmim para o livro Futuro Passado ora analisado, existem ainda outros dois dicionários que aparecem comentados no texto de Elias Palti: Historisches Wörterbuch der Philosophie [Dicionário de filosofia de princípios históricos], publicado na Basiléia em 1971 e Handbuch politisch-sozialer Grundbegriffe in Frnkreich, 1680 – 1820 [Manual de conceitos político-sociais na França, 1680-1820], publicado em Munich em 1985. PALTI, Elias. Op. cit., p.09 (a tradução em português segue a tradução para o castelhano proposta por Elias Palti)

5 Tal como sugere o Professor Marcelo Jasmim: JASMIM, Marcelo. “Apresentação”. In: KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006. [pp.09-12], p.09. Todas as referências no corpo do texto dizem respeito a este livro.

6 PALTI, Elias. Op. cit., p.09.

7 Idem, p.14.

8 Agradeço as sugestões de Walter Luiz de A. Neves, quem me indicou a referência de Elias Palti e com quem realizei um estudo conjunto do livro de Koselleck, que serviu de base para a escrita de parte do presente texto.

9 GADAMER, apud in: PALTI, Elias. Op. cit., p.14 (tradução livre).

10 JASMIM, Marcelo. Op. cit., p.09.

11 A edição original teve como título Vergangene Zukunft. Zur Semantik geschichtlicher Zeiten. Frankfort: Suhrkamp Verlag, 1979. A edição francesa data de 1990: Le Futur Passé. Contribuition à la sémantique des temps historiques. Paris: Editions de L‟École des Hautes Études en Sciences Sociales, 1990. A edição espanhola apareceu em 1993: Futuro Pasado: para una semántica de los tiempos históricos. Barcelona: Paidós, 1993.

12 BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

13 O filósofo neokantiano, ao reportar-se ao debate filosófico acerca da natureza humana, afirma, seguindo Ortega Y Gasset, a ruptura com o pensamento eleático no que se refere à teoria grega do ser. Isto é, uma libertação do naturalismo; libertação esta que afirma o caráter distintivo do homem na história, não mais na natureza. CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994. pp. 279-280.

14 REIS, José Carlos. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2006, p.198.

15 A noção de que o tempo histórico constitui um “terceiro tempo” remete inicialmente ao nome de Paul Ricouer, nos diz José Carlos Reis. Assim, o tempo histórico atua no vão entre outros dois tempos: “Se o tempo da consciência é mortal, finito, tendência do ser ao nada, e se o tempo da natureza é permanência, reversibilidade e tendência ao ser, pois o que foi retorna, ele [o historiador] deve procurar inscrever o que passa no que não passa, o irreversível no reversível…” REIS, José Carlos. Op. cit., p.183.

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da História ou o Ofício de Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.

CASSIRER, Ernst. Ensaio Sobre o Homem: introdução a uma filosofia da cultura humana. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto, Editora Puc-RJ, 2006.

PALTI, Elias. “Introdución”. In KOSELLECK, Reinhart. Los estratos del tiempo: estudios sobre la historia. Introdución de Elias Palti. Barcelona: Ediciones Paidós, 2001.

REIS, José Carlos. História & teoria: historicismo, modernidade, temporalidade e verdade. Rio de Janeiro: Editora FVG, 2006.

Bruno Silva de Souza – Mestrando em História pelo PPHR (Programa de pós-graduação em história da UFRuralRJ) – Bolsista Capes. E-mail: [email protected]


KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado. Contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; Editora Puc-RJ, 2006. Resenha de: SOUZA, Bruno Silva de. Aedos. Porto Alegre, v.3, n.8, p.226-231, jan. / jun., 2011. Acessar publicação original [DR]

Desafios Brasileiros na Era dos Gigantes | Samuel Pinheiro Guimarães

O atual secretário-geral de relações exteriores do Brasil, embaixador Samuel Pinheiro Guimarães escreve uma obra fundamental para compreendermos os principais dilemas do desenvolvimento nacional frente ao cenário já consolidado da Globalização enquanto processo no qual o Brasil está irremediavelmente inserido. É interessante localizar este trabalho, para entendermos melhor as suas motivações e apurarmos a nossa leitura.

Nos seus mais de 30 anos de carreira, Guimarães assistiu às diversas transformações na política externa brasileira, incluindo-se atuação na SUDENE e na Embrafilme durante o regime civil-militar. Foi um dos principais advogados da não-entrada do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas ao longo dos últimos 10 anos. Contudo, a notoriedade do trabalho do autor só ganhou espaço devido com a guinada nas relações exteriores do Brasil que ocorre inicialmente em 2003 e, mais notadamente, no segundo mandato do governo Lula. Leia Mais

Desafios brasileiros na era dos gigantes | Samuel Pinheiro Guimarães

Nos últimos anos, intensificaram-se os debates nos meios de comunicação e na academia sobre a política externa brasileira, em decorrência do êxito eleitoral da oposição no âmbito federal em 2002, após três pleitos disputados (89, 94 e 98). Deste modo, o cotejo entre o desempenho das gestões de Fernando Henrique Cardoso e de Luis Inácio Lula da Silva foi constante, ainda mais durante as vésperas da última eleição presidencial (2006), de cujo resultado se extrairia a confirmação do atual titular.

Em face da proximidade das políticas econômicas executadas no último decênio, a política externa tornar-se-ia para muitos o cenáculo em que situação e oposição – manifesta não apenas nos meios partidários se avaliariam, por ela eventualmente possibilitar a diferença das linhas traçadas, posterior execução e, por fim, auferimento dos êxitos. Leia Mais

Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês – KOSELLECK (RBH)

KOSELLECK, Reinhart. Crítica e crise: uma contribuição à patogênese do mundo burguês. Tradução de Luciana Villas-Boas Castelo-Branco. Rio de Janeiro: Contraponto, 1999. Resenha de: MAGALHÃES, Marionilde Dias Brepohl de. Revista Brasileira História, São Paulo, v.21, n.42, 2001.

Obra de fundamental importância para o conhecimento da dinâmica interna do Iluminismo e da gênese do mundo burguês, Crítica e crise, publicada na Alemanha em 1953, é traduzida somente agora em língua portuguesa. Pretendendo desvendar a natureza do mundo contemporâneo, a obra pode ser lida também como importante contributo à Teoria da História.

Koselleck propõe-se a demonstrar como a Filosofia da História, produção intelectual elaborada no século XVIII, não apenas justificou a ascensão da burguesia, como também inaugurou uma nova percepção do mundo, do mundo em crise, algo que se estende desde a Revolução Francesa até a Guerra Fria. Esta percepção do mundo é elaborada através da Filosofia da História, que cria a prospectiva utópica.

Nesta tese, o autor procurará associar análises relevantes da produção intelectual do XVIII, sem fazer, contudo, uma História das Idéias (Geistgeschichte). O movimento das idéias lhe interessa apenas na medida em que desvele o incidente político. Interessam-lhe menos as genealogias ou as formas do pensamento organizado, e mais sua evidência política.

Seu tema versa sobre os filósofos das Luzes antes da revolução, seus atos e pensamentos, independentemente de serem eles pensadores eruditos ou meros autores de panfletos anônimos. Interessa-lhe destacar seus denominadores comuns: a abordagem heurística, que visa a elucidar a ligação entre a utópica filosofia da história e a revolução desencadeada em 1789, que reside na conexão pressuposta entre crítica e crise (p. 13).

Segundo ele, a conjuntura a partir da qual surgiram as Luzes não explica as mudanças ocorridas no século XVIII. O que mudou foram as circunstâncias: o Estado estava se enfraquecendo na França, e por isso, em que pese o monarca continuar a decidir soberanamente, ele pareceu submeter-se às Luzes. No entanto, o Estado Absolutista permanece intacto até a Revolução Francesa1.

A crítica dos iluministas provocou a crise na medida em que o senso político lhes escapava. O espírito burguês do século XVIII transformou a História em um processo. Ao soerguerem como que um tribunal da razão, as Luzes passam a chamar às falas a Teologia, a História, a Arte, o Direito, o Estado e a Política. E, interessante, os filósofos das Luzes aplicaram o método divino à história (condenação/salvação). Submete-se o plano da salvação divina às Luzes.

Neste processo de secularização, o plano da salvação se torna o plano do futuro, moralmente justo e conforme a razão. Mas a moral (ética cristã secularizada) é estrangeira à realidade dada, e vê na ordem política uma determinação heteronômica que embaraça sua autonomia. Por isso, a salvação secularizada (doravante concebida como progresso) só pode se concretizar no futuro, pois a crítica é impotente diante das instituições estabelecidas. Por isso a história se reveste de uma perspectiva utópica.

Dois fatos importantes marcaram o início e o fim do Absolutismo: as guerras religiosas e a Revolução Francesa.

Na França, onde o Estado consegue muito cedo subjugar as guerras religiosas por meio de uma ação racional (pela política, porquanto o Estado logra eliminar todas as demais instituições autônomas em seu favor), constrói-se, de forma mais evidente, a doutrina da razão de Estado.

A razão de Estado pressupõe que a política pode ser tratada fora das considerações morais. Esta se desenha pela percepção de que as guerras religiosas são fruto da intolerância e da liberdade do povo para escolher entre esta ou aquela verdade moral.

Para que a paz seja estabelecida faz-se necessário, pois, que o soberano suprima a liberdade do povo em nome da própria paz.

Barclay2, já em 1605, confrontou o monarca com a seguinte alternativa:

Ou restituis a liberdade ao povo, ou lhe assegureis a paz interior, pela qual o povo sacrificou sua liberdade (…) Se o monarca admitisse oposição, sem dívida se libertaria de responsabilidades, mas carregaria a culpa por todas as agitações que nascessem da intolerância (…) ou fazia que todos se curvassem ou ninguém se submeteria (p. 22).

Mas não há, nestes escritos, a idéia de perda total da liberdade. A liberdade deve ser vivenciada no mundo interior. Nesta esfera, é o indivíduo mesmo que se julga, no refúgio de seu eu. Já o seu eu exterior é julgado pelos que dominam. Quem quer externar o que sua consciência diz, morrerá. Logo, a consciência é algoz de si mesma, pois é ela quem provoca a guerra religiosa.

Esta distinção entre vida exterior e vida interior faz com que se rompa a relação responsabilidade/ culpabilidade, constitutiva da consciência. Os súditos não tinham mais responsabilidade, apenas culpabilidade. A responsabilidade passou a ser apanágio do soberano.

Entretanto, para que o soberano domine, necessário se faz agir com eficácia: não lograr manter a paz é o limite de seu próprio poder. Por isto, necessita acumular poder, elaborar regras e jogos que só ele conhece e que não podem ser conquistados pela moral.

As guerras religiosas influenciaram decisivamente a Teoria Política de Hobbes. Ele funda uma antropologia individualista, ao afirmar serem para o homem bem problemáticos os vínculos sociais, políticos e religiosos, pois ele tende, inexoravelmente, ao apetite e à fuga, ao desejo e ao medo. Trata-se, pois, de uma teoria da guerra civil, donde se justifica a importância do Estado: o Estado de guerra pertence à natureza humana; a paz só existe enquanto esperança e desejo… (p. 27). Já a razão não precisa da moral, pois substitui a moral na política, porque a moral é definida pela religião, e como há muitas religiões, os valores se conflitam. Afinal, quando os presbiterianos e independentes evocam a graça teológica, trata-se apenas da expressão de sua paixão (p. 29).

A pretensão das seitas, para Hobbes, de julgar entre o bem e o mal, não leva à paz, mas é fonte do próprio mal. Isto se deve não apenas à vontade de poder que atiça a guerra civil, mas também à referência a uma consciência que não tem apoio exterior. A consciência moral não é causa da paz, mas da guerra.

Ao separar consciência e ação, Hobbes introduz o Estado sob o aspecto de instância, que exclui a moral de suas repercussões políticas, pois o interesse público e o ato de legislar do soberano são a autoridade e não a verdade. E submete também o Direito ao Estado, porquanto o Direito, por sua vez, está ligado aos interesses sociais e esperanças religiosas. Por esta razão, também o Direito tem de se sujeitar à autoridade do rei.

O Estado torna-se então o Deus mortal. Mais do que isto: torna-se um automaton, a grande máquina (p. 33). Ele assegura, protege, prolonga a vida dos homens. Mas como mortal, ele pode se esfacelar e fazer a sociedade cair no estado da natureza — o que levaria a uma nova guerra civil. Portanto, o Estado tem de fazer de tudo para assegurar a obediência de todos.

É a partir desta clivagem que o homem se parte em dois, uma metade privada e a outra pública, e suas convicções passam a ser vivenciadas no secreto — in secret free.

A dicotomia entre homem simples e homem público é constitutiva da gênese do segredo. As Luzes dilatarão pouco a pouco o foro interior da convicção, mas toda a pretensão ao que revelava domínio do Estado ficava necessariamente envelopada com o véu do sagrado.

A neutralização da consciência pela política favorece a secularização da moral. Mas o arrefecer da religiosidade é fatal para o Estado, porque os temas tradicionais vão ser reeditados de forma secularizada. Quando se esquece as origens do Estado (guerra civil), a razão de Estado aparece como imoral por excelência. Com o fim das guerras de religião, o Estado será portanto encarado como uma pessoa moral que, independentemente da Constituição (católica ou protestante), Monarquia ou República, vê-se face a face com outros Estados. Neste território, a um só tempo existencial e político, os filósofos das Luzes debruçam-se sobre si mesmos. Seu ponto de partida é o foro interior, que vai se dilatando até que se crie como que um segundo espaço público. Gradativamente, esta dilatação atingirá o próprio Estado.

Para John Locke, que viveu num país em que o parlamento já exercia bastante influência sobre o Estado, há três sortes de leis:

A Lei divina, que regulamenta o que é pecado e o que é dever (The divine law the mesure of sin and duty); a Lei civil, que regulamenta o crime e a inocência (The civil law the mesure of crimes and innocence), ou seja, a lei do Estado, ligada à coerção cuja tarefa consiste em proteger o cidadão; em terceiro lugar, a lei especificamente moral, que arbitra sobre o vício ou a virtude, que é revelada pela opinião pública (p. 50).

Uma vez que não é autorizada pelo Estado, a opinião pública só existia secularmente nos clubes, cafés e salões, onde as pessoas transitavam e emitiam seus juízos — não legislavam diretamente, mas a força de seu julgamento autônomo residia na censura, donde a necessidade de publicizá-la.

É neste contexto que se compreende o movimento intelectual de Locke que, ao interpretar a lei filosófica como opinião pública, investe politicamente no foro interior da consciência humana — subordinada por Hobbes à política do Estado. Para Locke, as ações públicas não devem estar submetidas apenas ao Estado. Por isto, ele trespassa a restrição existente no Absolutismo, porquanto a moral não se limita ao eu interior, mas afronta o Estado.

Quem decide? Instância moral dos cidadãos ou a política do Estado? Ou os dois em conjunto? A lei moral não pode exercer poder, mas sim influência política indireta.

Neste círculo (da crítica) encontrar-se-ão os burgueses arrivistas, os protestantes perseguidos, os sábios, eclesiásticos progressistas, militares de alta patente, magistrados, atores que constroem um segundo domínio, compreendido por Koselleck como o reino da crítica.

A estratégia deste novo domínio público (que é ao mesmo tempo privado) é semelhante à dos maçons, que pretendiam traçar planos racionais para a felicidade da vida social. Afinal, os maçons mesclam poderes místicos da igreja e polícia secreta do Estado, ao que associam ainda um terceiro poder — a censura.

No reino da crítica, ainda não se pretende destruir o Estado; quer-se viver como iguais entre si, à parte do Estado, sem hierarquias. O segredo é a garantia de sua proteção: A liberdade secreta se torna o segredo da liberdade. A outra função do segredo é a de propiciar a coesão entre os irmãos. Nasce aí uma nova elite, denominada humanidade, que sente ser seu dever servir a este novo mundo.

A quem eles obedeciam? Ao desconhecido, pois o seu superior era invisível. Logo, quem detinha mais segredos sobre as organizações, detinha mais poder.

Os maçons, aos seus próprios olhos, queriam fazer o bem, mas encontravam obstáculos, quais fossem: a divisão do mundo entre homens e Estados divergentes, a hierarquia social e as religiões em conflito.

Por esses motivos, a crítica permanecia obediente ao Estado, devendo os progressistas limitarem-se ao espírito das ciências3.

No entanto, à medida que a crítica da razão torna todos iguais, inclusive o soberano, ela reduz todos os homens à condição de cidadãos. E se todo cidadão é igual, todo poder é abuso de poder, e o rei absolutista é um usurpador.

Por outro lado, tanto quanto o rei, os críticos transformam-se em tiranos de sua própria argumentação, ou seja, têm de ser igualmente criticados. Para Kant, no reino da crítica com seus segredos, a política pareceu retomar as funções do Estado com seus arcanos. Não é mais a crítica que se substrai do Estado; ela quer estender seu reino tão soberanamente, que são os Estados e as Igrejas que parecem fechar-se diante do julgamento da crítica, para se submeterem a ela. A crítica adquire tanta segurança que chega a tachar o Estado e a Igreja de hipócritas. Se o Estado não se submete à razão crítica, ele só tem direito a um respeito dissimulado. Em síntese, o politicum da crítica não se caracteriza pelo falado, mas por separar o Estado de seu reino.

O dualismo entre o reino da moral e o reino da política permitiu abrir um horizonte apolítico (ser a favor ou contra), primeiramente contra as religiões, e gradativamente contra o Estado. Graças a este pensamento dualista, a nova elite adquiriu uma consciência de si original, a saber, um grupo de pessoas que como representantes e como educadores de uma nova sociedade tomam posição dizendo não ao Estado Absolutista e à Igreja.

No momento em que as Luzes negam o Estado Absolutista, a história fica em aberto e, assim, se enuncia a crise4.

Na Alemanha, observa-se clara percepção da tensão entre moral e política, o que deveria provocar a cisão entre Estado e sociedade5. Todavia, nesta região, a burguesia é fraca e minoritária, logo, as sociedades secretas são ferrenhamente perseguidas e colocadas fora da lei. Diz-se delas que são um Estado dentro do Estado, que se trata de uma conspiração jesuítico-maçônica, acima dos Estados soberanos, para destruí-los, a eles e às igrejas. O que os incita a pensar nestes pequenos grupos como tão poderosos, com uma força catastrófica? A Filosofia da História, vista como grande ameaça, pois iria substituir a religião pela moral.

Os maçons, segundo Leibniz,

aparecem no lugar de Deus. Assim como Deus só age de maneira oculta, fornece ser, força, vida e razão sem deixar-se perceber, os irmãos das lojas também têm que encobrir seu segredo, pois na opacidade de seus planos reside a bondade, a sabedoria e o sucesso do grande projeto (p. 115).

Para Leibniz, os maçons queriam abolir o Estado, sem violência, simplesmente minando-o gradativamente.

Ainda, a Filosofia da História, para Leibniz, legitima a arte moral e produz o homem novo, deus na terra que quer dirigir a história (p. 116), mas não o fará pela violência, e sim pela vontade.

Göchhausen, um militar prussiano, maçon, mas lacaio do rei, assim denuncia os iluministas:

A razão, aparentemente, irá criar um território sem fronteiras e instaurar a era da frugalidade espiritual, física e política no país de fria abstração; mas, de fato, só haveria duas condições toleráveis: a classe que governa e a classe que é governada (p. 119).

Dadas estas perseguições, a revolução não se desenlaça na Alemanha, mas na França. Neste país, a crise se inicia com Turgot, Ministro de Estado oriundo das Luzes, censor moral que entra na cena pública. Para conter a revolução, defendia ser necessário criar-se um Estado cesarista, com um espaço para os liberais. Colocava-se contra os parlamentos e contra o rei.

Turgot, como Hobbes, defendia o Absolutismo esclarecido. Logo, o rei só tinha legitimidade quando suas leis se assentassem no direito moral, sem o que perderia sua autoridade. Ao operar uma divisão dualista entre a moral e a política, Turgot elide

a questão concreta de saber onde e como o direito moral e o poder coincidem, o que equivale a uma forma política de uma ordem moral de Estado… Se para os absolutistas a subordinação da moral à política era o princípio de ordem que colocou um fim à guerra civil e impediu que ela se reacendesse, para Turgot, esse princípio transformou-se no facho que a inocentava, pois, para Turgot, submeter a consciência à política não é evitar a guerra civil, mas fomentá-la. Opor-se à voz da consciência é ser sempre injusto, é justificar a revolta e dar lugar ao tumulto (p. 125).

Com este reconhecimento, Turgot prepara a cena para a revolta.

Rousseau, o primeiro dos democratas modernos, apresenta-se com a seguinte questão: A condição de liberdade é que cada um só obedeça a si mesmo. O monarca não representa a vontade da sociedade, esta é representada pela vontade geral. Mas esta vontade geral, que é agora soberana, é entretanto invisível. Se todos são soberanos, a sociedade é estatizada. Mas esta totalidade racional só o é em aparência, pois cada cidadão só adquire liberdade quando participa da vontade geral, mas como homem ele não sabe quando e como seu eu interior coincide com esta vontade geral, pois o homem individual se engana, enquanto a vontade geral nunca pode se enganar.

Para não permitir o engano, impõe-se a correção das vontades, que é concretizada com a ditadura. A ditadura se diferencia do Absolutismo porque nela se integra o eu interior, e não apenas o eu exterior (ou seja, há que se transformar as ações em convicções). Para tanto, como nem todos os cidadãos conhecem a vontade geral, precisam de guias que criem a identidade entre a moral e a política — com vistas a mostrar o bom caminho. O reino da opinião pública de Rousseau se torna ideológico. O censor público transforma-se em chefe ideológico. Entretanto, ele não pode demonstrar que está mandando, ele tem de dissumular, como nas sociedades secretas.

A ditadura ideológica da virtude desaparece atrás da máscara da vontade geral. Mas porque é instável, impõe-se, ao lado da ideologia, o terror. Daí resulta a desagregação da ordem. Logo, a autoridade não é só ela imoral, mas transforma toda a sociedade em imoral, porque mesmo o homem esclarecido tem de ser hipócrita.

A inocência moral leva à desobediência, que leva à revolta, que resulta na guerra civil. A crise significa então o tribunal da moral, onde vencerá o despotismo ou a justiça.

Este paradigma pode ser evidenciado em Raynal — que enxerga na independência dos Estados Unidos a oposição entre velho e novo mundo; o velho, déspota, o novo, da inocência moral6. Quem triunfa naquele país é a verdade moral dos oprimidos. Ou seja, é com a guerra e com seus meios violentos que se inicia o tempo em que a virtude e o vício se separam. Raynal conclama à revolução em nome da Filosofia da História; crise e Filosofia da História estarão doravante intimamente ligadas.

Com estas constatações, Koselleck conclui que a incerteza da crise se identifica com a certeza do planejamento da história utópica. Esta provoca aquela, e vice-versa; as duas juntas perpetuam o processo que os intelectuais burgueses abriram contra o Estado Absolutista. A burguesia usurpa o poder com a má consciência de um moralista que crê que o sentido da história é o de tornar dispensável o poder. A utopia como resposta ao Absolutismo abre assim o processo dos Tempos Modernos. Porque, de resto, com Tom Paine, a vitória da revolta norte-americana deu-se pela verdade moral, e na França revolucionária, pela política…

Notas

1 Com esta afirmativa, o autor se afasta das interpretações que entendem as idéias como responsáveis pela revolução. Se elas o foram, não foram seus atores que estiveram à frente do movimento (p. 19 e ss.).

2 Humanista e jurista, Barclay tinha em vista o Estado Absolutista; suas idéias foram acompanhadas de perto por Richelieu.

3 A institucionalização da crítica se dá, num primeiro momento, de forma dissimulada, pelo e no teatro ou pela e na literatura. O resgate do drama tem este sentido, de oposição de forças diametralmente opostas: razão/ revelação, liberdade/ despotismo, natureza/ civilização, comércio/ guerra, moral/ política, decadência/ progresso, luz/ trevas.

4 Koselleck toma de empréstimo o termo crise, tal qual ele é empregado por Rousseau, como uma doença do corpo.

5 À época do Sturm und Drang (Tempestade e ímpeto), primeira fase do Romantismo, também compreendido como Romantismo Ilustrado.

6 Segundo Koselleck, em Raynal, a inocência moral deixa de ser pensada como antecessora no tempo do Absolutismo, e é projetada no presente, geograficamente — o oprimido dos Estados Unidos contra a Europa despótica.

Marionilde Dias Brepohl de Magalhães – Universidade Federal do Paraná

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A sociedade do espetáculo | Guy Debord

A imodesta citação “Uma teoria crítica como esta não se altera, pelo menos enquanto não forem destruídas as condições gerais do longo período histórico que ela foi a primeira a definir com precisão” é do próprio Guy Debord em sua ‘Advertência da edição francesa de 1992’, texto que abre a edição brasileira de A sociedade do espetáculo. A teoria proposta por Guy Debord na década de 1960 registrou a ampliação da falsificação do mundo através da mídia e a substituição das vivências diretas dos homens pela condição de espectador, pelo consumo passivo de imagens. O livro, que ganhou adeptos imediatos na militância radical na França de 1968 e reconhecimento tardio nos meios acadêmicos, deixou os rastros principais por onde seguiram autores que refletiram sobre novas configurações institucionais do capitalismo globalizado e hoje se destacam nos debates da teoria social contemporânea. Leia Mais

A opção brasileira | César Benjamin e Emir Sader

Resenhista

Jaldes Reis de Meneses


Referências desta Resenha

BENJAMIN, César; SADER, Emir et al. A opção brasileira. Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. Resenha de: MENESES, Jaldes Reis de. Caminhos e descaminhos do Projeto Nacional. SÆCULUM – Revista de História. João Pessoa, n. 4/5, p. 337-352, jul./dez. 1998/1999.

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