Madness in Cold War America | Alexaner Dunst

Alexander Dunst é professor assistente de Estudos Americanos na Universidade de Paderborn, na Alemanha, atuando no Departamento de Inglês da referida instituição. Intitula-se “historiador cultural da América do século XX” com foco de pesquisa sobre o período da Guerra Fria, utilizando como fontes os discursos e as narrativas culturais presentes na literatura e cinema. Em 2010, Alexander Dunst concluiu seu doutorado em Teoria Crítica na Universidade de Nottingham, com a tese intitulada Politics of madness: Crisis as Psychosis in the United States 1950 – 2010, publicada em 2017, por meio da editora Routledge, com o título Madness in Cold War America. Essa obra, composta por 6 capítulos e 173 páginas, está resenhada no presente texto com criticidade a partir da minha leitura.

Madness in Cold War America tem como objetivo apresentar a loucura como uma patologia que foi discursivamente introjetada na cultura e na política americana no período da Guerra Fria. Na introdução do livro, o autor afirma que seu objetivo não é apresentar uma história da psiquiatria ou de relatos médicos sobre saúde mental, e sim localizar a loucura, em especial, a esquizofrenia e a paranoia, como patologias absorvidas na política e na cultura dos Estados Unidos entre os anos de 1950 e 1980. Dessa maneira, por meio da literatura e do cinema, o autor introduziu argumentos para pensar a loucura como passível de ser compreendida no contexto da Guerra Fria, ou seja, na disputa ideológica de um sistema-mundo entre o comunismo (URSS) e o capitalismo (EUA) (WALLERSTEIN, 2007, p.146). A política norte-americana articulava um discurso polarizador em que o outro/inimigo era visto como doente. Dessa forma, a racionalidade foi identificada no discurso político americano como o elemento primordial para a democracia. Na contramão da racionalidade, a loucura seria “uma forma de pensamento e comportamento parcialmente ou totalmente desprovida de razão, ou sem a agência subjetiva vista como resultado do exercício da razão” (DUNST, 2017, p. 2-3). O comunismo foi categorizado como uma forma de organização social imoral, fruto de uma forma de expressão e de uma ação demasiadamente emocional, logo, patológica. Dessa maneira, para o autor, o desenvolvimento da psicanálise, que a princípio foi idealizado como uma teoria e prática individual por pensadores europeus como Freud e Lacan, se tornou uma explicação universal e totalizante para compreensão das massas. A popularização do vocabulário psicanalítico foi abundantemente incorporada na linguagem americana; e os sintomas patológicos deixaram de ser atribuídos somente ao indivíduo, adentrando na estética e retórica da arte e da política. Para provar a influência da loucura na retórica americana, Alexander Dunst dividiu o livro em seis capítulos, nos quais aborda diferentes fontes cinematográficas e literárias do período.

No primeiro capítulo, “As patologias da dissidência: construindo a psique da Guerra Fria”, Dunst apresenta teóricos, literatos e políticos que incorporaram, em seus discursos, as patologias mentais. Após a Primeira e Segunda Guerra mundial, os efeitos da violência no estado psicológico dos sobreviventes tornaram o cotidiano difícil de ser retomado, em especial na vida dos soldados que vivenciaram o conflito (BOURKE, 1999, p. 509). Nesse sentido, John F. Kennedy foi o primeiro presidente a tornar o cuidado da saúde mental uma política pública nos Estados Unidos. Ademais, a iniciativa de Kennedy foi um reconhecimento de que a doença mental afetava a estrutura das famílias americanas em maior impacto do que qualquer outra doença. Como exemplo disso, o autor menciona que após o fim da guerra, o serviço militar identificou que mais da metade dos casos psiquiátricos eram decorrentes de ex-combatentes de guerra.

No campo da literatura, os livros de Mary Jane Ward (The Snake Pit), Sylvia Plath (The Bell Jar) 2 e Barbara O’ Brien (Operators and Things) são ficções e autobiografias que também abordam a questão da doença mental no cotidiano dos americanos. Em suas obras, as personagens centrais são mulheres diagnosticadas com esquizofrenia, uma doença mental que no período era, especificamente, atribuída às mulheres. Em contrapartida, para os homens, a patologização esteve atribuída aos modelos de masculinidades desviantes. Filmes como Dr. Strangelove e The Manchurian Candidate apresentam o medo com relação aos homens que estiveram em situações de submissão ao poder de uma mulher e à homossexualidade. Tendo em vista que a moral desviante, é consequentemente definida como patológica, e que esteve atribuída pela retórica americana como pertencente ao modelo soviético (MAY, 2017, p. 303),3 “a reorientação da política externa dos EUA em torno da segurança nacional politizou explicitamente gênero, sexualidade e saúde mental, em um esforço para restringir o comportamento e a opinião permitidos a um consenso liberal” (DUNST, 2017, p. 19).

No campo intelectual, o autor menciona diversos estudiosos do período, se aprofundando no historiador Richard Hofstardter e a relação de seu conceito Paranoid Style para a compreensão da política americana. A justificativa de Dunst para recuperar o Paranoid Style está na falta de contextualização do momento em que Hofstardter escreveu o conceito. A trajetória interdisciplinar de Hofstardter, em especial na sua inserção na Frankfurt School of Social Research, esteve atrelada a forte influência de Theodor Adorno na referida escola. A obra de Adorno, The Authoritarian Personality (1950), “sintetizou o impacto de acadêmicos europeus na criação de uma ciência social interdisciplinar nos Estados Unidos” (DUNST, 2017, p. 17); e tal obra é tida pelo autor como um marco decisivo para condução de Hofstardter no processo de construção do Paranoid Style. O autor acrescenta também a influência dos estudos de Erich Fromm em Adorno. O que Erich Fromm inaugura em sua obra Studien uber Autorität und Familie (1936) é a incorporação dos estudos de Freud para a compreensão da “figura autoritária” na vida social. Com a tentativa de incorporar as teorias psicanalíticas individuais para compreensão do social, Fromm pensa que o problema está na irracionalidade dos indivíduos e em uma fé cega na autoridade, e ainda, essa figura autoritária é diagnosticada como uma personalidade sadomasoquista. Para Adorno, o sadomasoquismo é visto como uma descrição de estereótipos políticos, e o autoritário é descrito como um indivíduo que possui sintomas de paranoia.

Dessa maneira, a intenção de Dunst na retomada desses autores e suas respectivas obras foi mostrar o caminho percorrido, historiograficamente, até o conceito Paranoid Style de Hofstardter. Essa retomada é descrita de forma aprofundada, em especial nas questões psicanalíticas em diagnósticos a partir da normalidade/racionalidade e patologia/irracionalidade. No que tange a obra The Paranoid Style, o objetivo do autor foi mostrar que “Hofstadter recorreu à The Authoritarian Personality para seu trabalho sobre política de direita, fato que ele reconheceu prontamente” (DUNST, 2017, p. 29). Ao explicar o posicionamento político de Hofstardter na construção de sua obra, é possível perceber durante a leitura desse capítulo que a crítica do autor está na descontextualização do texto e na intenção do autor em unir psicopatologias com política. Nas palavras do autor “o estilo paranoico de Hofstadter forneceu munição ideológica aos liberais da Guerra Fria, mas sobrevive até hoje quando suas origens partidárias foram esquecidas” (DUNST, 2017, p. 35).

No segundo capítulo “Práticas de cura: da psiquiatria radical à autoajuda”, Dunst permanece articulando ideias sobre a paranoia na literatura intelectual e ficcional americana. Nesse ínterim, o autor aborda os movimentos antipsiquiátricos da década de 1960, que surgiram em decorrência da precariedade das instituições psiquiátricas. Eles estão divididos em três: a psiquiatria radical, terapias alternativas e libertação dos pacientes mentais. Antes de descrever os movimentos antipsiquiátricos, o autor apresenta algumas críticas do período formuladas por intelectuais que estudavam a psiquiatria e sua relação com o Estado. No livro The Myth of Mental Illness (1954), Szasz critica a liberdade que o indivíduo perdeu quando a psiquiatria foi posta como parte de uma política pública do Estado. Para esse intelectual, a psiquiatria possuía métodos de “cura” violentos, principalmente, quando os doentes eram pessoas pobres e mulheres negras. Se Szasz “concentrou-se em exemplos gráficos de abuso, entendendo a psiquiatria como um regime de violência física” (DUNST, 2017, p. 57), Erving Goffman, em Asylums (1961), denuncia a destruição do self nos hospitais psiquiátricos. Em sua obra, o termo “instituição total”, que se refere a sistemas políticos como os da Alemanha e União Soviética, é pensando também sobre a psiquiatria. Para ele, “os psicóticos sofrem não de doença mental, mas da má sorte de se institucionalizar” (DUNST, 2017, p. 57).

Ideias similares as de Goffman também estão nas produções de Laing e Foucault. Laing escreveu duas obras, The Divided Self (1960) e The Politics of Experience. Para Laing, “a loucura consistiu na adaptação da humanidade à realidade cotidiana da Guerra Fria, sua constante ameaça de aniquilação nuclear e na construção do inimigo mortal pelo anticomunismo” (DUNST, 2017, p. 60). Em consonância com Laing, em Folie et Déraison: Histoire de la folie à l’âge classique (1961), Foucault não se deteve em falar sobre a loucura como doença mental ou os respectivos abusos de cura, sua intenção foi mostrar historiograficamente como a loucura foi compreendida em contextos recuados. “A afirmação de Foucault não era a acusação simplista de que a psiquiatria era uma pseudociência, mas que todo método científico carregava a marca ideológica de suas circunstâncias históricas” (DUNST, 2017, p. 61). A intenção do autor em apresentar esses intelectuais está em mostrar que essas produções bibliográficas influenciaram nos movimentos da terapia radical e de ex-pacientes de hospitais psiquiátricos.

Dessa maneira, o The Radical Therapy Movement é descrito como um movimento articulado por trabalhadores da área da saúde que estavam desiludidos com os métodos psiquiátricos. Impulsionados também por causas sociais contra o racismo, guerra e direito das mulheres, uma comunidade terapêutica foi idealizada para pensar a sociedade na contramão da individualidade como valor americano por meio de uma cura psicoterapêutica em grupo (CUSHMAN, 1996, p. 430).4 O produto dessa idealização se materializou em edições das revistas The Radical Therapist e Issues in Radical Therapy. Elas foram amplamente divulgadas para o mundo todo. Segundo o autor, essa contracultura psicoterapêutica foi articulada por ex-pacientes, enfermeiras e psiquiatras que estavam contra o sistema de cuidado mental do governo americano. Segundo Dunst, esse movimento “apresenta um estudo de caso da brecha que se abriu entre o entendimento político consciente da loucura na contracultura e a mudança para modelos médicos em psiquiatria” (DUNST, 2017, p. 64). Diferente do Radical Therapy, o movimento dos ex-pacientes aconteceu de 1972 até 1986, por meio da publicação dos relatos de tratamento psiquiátrico na revista Madness Network News: essas pessoas expunham as dificuldades na vida após a internação. Os relatos abordavam situações vulneráveis como desemprego, estigma social e desamparo familiar e residencial dos ex-pacientes.

No terceiro capítulo “Loucura sana? Psicose e a contracultura na Guerra Fria”, Dunst usa como referência maior para pensar a loucura na literatura o romancista Philip K. Dick. Tomando como referência a relação entre o indivíduo e a perda de sua agência ocasionada pela psicose, as ficções de Dick são o exemplo da contracultura que critica a psicanálise. No que se refere à particularidade da ficção de Dick, o autor explicita que “onde outros autores dos anos sessenta às vezes celebram a liberdade e suposta autenticidade do esquizofrênico, as ficções de Dick prestam igual atenção à solidão e ao medo que a loucura costuma trazer” (DUNST, 2017, p. 82). Intercalando aspectos da vida de Dick com suas ficções, o autor retoma elementos como o Paranoid Style e a crítica dos movimentos antipsiquiátricos no conjunto da obra de Dick. A psicanálise, muito presente na ficção de Dick, teve início pessoal na sua juventude, quando sua mãe contratou um terapeuta Junguiano para tratá-lo. O contato com Jung foi decisivo para as incorporações psicanalíticas sobre esquizofrenia presente em sua ficção. Dunst, ao localizar nas obras de Dick uma forte presença de Jung, menciona a pouca adesão de Jung na psicanálise durante o período, e justifica a presença desse teórico nas obras de Dick também devido à proximidade geográfica do literato ao San Francisco Institute, que em 1960 havia aderido à teoria de Jung e popularizado sua teoria psicanalítica por meio de workshops.

A interpretação e formulação teórica de Jung sobre a esquizofrenia foram centrais para Dick e estão presentes em sua obra Martian Time-Slip (1964) e em We can Build You (1972). A crítica à psicanálise também pode ser vista nas ficções Eye in the Sky (1957), Clans of the Alphane Moon (1964) e The Simulacra (1964). Essa crítica de Dick coaduna com o gradual desprestígio que a psicanálise sofria na década de 1960, quando estava sendo introduzida nas terapias, remédios e drogas capazes de curar as patologias mentais. Também são mencionados os intelectuais que Dick lia, entre eles alguns que já foram abordados no capítulo anterior. Por isso, a obra de Dick é identificada como parte da contracultura antipsiquiátrica. O grande diferencial proposto pelo autor ao analisar as ficções de Dick é a forma como a esquizofrenia é interpretada. Pensando a influência de Jung sobre a caracterização dos personagens esquizofrênicos das ficções, o autor faz uma longa discussão sobre a maneira como Dick pensa a relação entre sanidade e loucura, e a desintegração e integração da subjetividade.

Por fim, direcionando para o contexto histórico e pessoal de Dick e da contracultura americana na Guerra Fria, o autor menciona as obras referentes à década de 1970. VALIS e A Scanner Darkly são obras que se distanciam da ampla crítica à psiquiatria; essa mudança na ficção de Dick é acompanhada de momento pessoal em que sua saúde mental e física havia entrado em colapso, nesse momento ele teve diversas alucinações com mensagens de voz e inteligência artificial. Em sua obra póstuma The Exegesis of Philip K. Dick, em que foram publicadas 8.000 páginas de seus diários, ele explica suas alucinações, seu interesse na neuropsiquiatria e na espiritualidade. The Exegesis o leva a imaginar a loucura sem patologia. “Sua visão de um sujeito pós-individualista rejeita autonomia para comunidade, hierarquia para igualitarismo e uma masculinidade violenta para uma passividade generosa” (DUNST, 2017, p. 105). O autor explicita com detalhes a relação entre as alucinações de Dick e suas últimas obras, além da paranoia e da conspiração como uma constante narrativa em suas tramas.

No quarto capítulo “Narrativa paranoica: escrevendo a história secreta da Guerra Fria”, o autor recupera o termo Paranoid Style de Hofstadter. Explicando novamente as ideias de Hofstadter, Dunst apresenta os críticos que não concordam com o Paranoid Style por conta da patologização da paranoia (atributo de quem não tem racionalidade). Nessa perspectiva, esses autores se distanciam da paranoia como uma patologização sistemática da loucura e a introduzem em suas pesquisas como parte da cultura americana. Sendo assim, Dunst apresenta a importância de Lacan para repensar a paranoia não como uma patologia, mas como parte de uma cultura americana. Abordando de forma consistente alguns termos de Lacan, o autor apresenta as ideias principais desse intelectual, como a relação entre racionalidade e irracionalidade e a identificação do outro a si mesmo (estágio do espelho). “Esse erro de reconhecimento de nós mesmos como nossa própria imagem cria simultaneamente o ego e a compreensão de um objeto oposto” (DUNST, 2017, p. 117). Nesse sentido, por meio dessa relação entre ego e identificação do outro, a paranoia se estrutura e se torna parte constitutiva da realidade humana. Para Lacan, o outro como sujeito não existe, “a aquiescência do sujeito com a realidade existente depende, portanto, de um elemento de escolha, precisamente o da participação ou retirada da sociedade na sociedade” (DUNST, 2017, p. 119). Dessa forma, o real, o simbólico e o imaginário, conceitos importantes para Lacan, são úteis para repensar a paranoia, “o que está no centro da paranoia é a imaginação de uma autoridade consistente, frequentemente retratada como todo-poderosa, e a atribuição a essa autoridade de gozo, da qual o sujeito se sente roubado” (DUNST, 2017, p. 120).

Essa introdução que o autor constrói sobre Lacan é essencial para imaginar que uma autoridade tem o potencial destrutivo que foi expresso por meio de narrativas paranoicas durante a Guerra Fria, em especial sobre o perigo de um outro (o feminino, o comunismo, a homossexualidade etc.). Para exemplificar essa estrutura em narrativas paranoicas, o autor traz exemplos de ficções como William Burrough em The Nova Trilogy (1961 – 1964), Thomas Pynchon em The Crying of Lot 49 (1966), Ishmael Reed em Mumbo Jumbo (1972) e Robert Coover em The Public Burning (1977). O autor também apresenta outros filmes, pertencentes a um período de crise na indústria cinematográfica, mas que são parte da “circulação da paranoia”. Esses filmes de gênero “suspense policial”, como Klute (1971), The Conversation (1974), The Parallax View (1974), The Days of the Condor (1975) e All the President’s Men (1976) são narrativamente esmiuçados e “são distinguidos pelo surgimento do detetive como uma figura cultural central dessa época. Essa reavaliação não surpreende, dado o status de detetive como representante simultâneo de conflitos sociais e sua resolução” (DUNST, 2017, p. 129). Por fim, autores de literatura como Don Delillo em Libra (1988) e Thomas Pynchon em Vineland (1990) representam o que autor chama de “paranoia ordinária” que significa um “colapso crescente da autoridade internalizada e a uma multiplicação de normas sociais que subverte as distinções entre razão e irracionalidade” (DUNST, 2017, p. 115).

O último capítulo não é uma conclusão sobre os assuntos abordados até aqui. Ele se intitula “Pós-modernidade esquizofrênica: Estudos literários e política de crítica”. Inicialmente, o autor apresenta críticos como Irving Howe, Leslie Fiedler e Ihab Hassan, que em suas publicações tiveram o intuito de discutir sobre a modernidade e pós-modernidade nas artes e na literatura. De forma mais profunda, o autor se dedicou a escrever, na maior parte do capítulo, as questões que se referiam à influência da acadêmica francesa nos estudos sobre a cultura americana. Autores como Foucault, Deleuze, Guattari e Jean Baudrillard são exemplos de intelectuais que, nas décadas de 1960 e 1970, tiveram suas obras amplamente difundidas nos Estados Unidos. O evento acadêmico chamado SchizoCulture, que ocorreu em novembro de 1975 em Manhattan, é uma referência que o autor utilizou para demostrar a presença francesa na Academia americana, assim como também os conflitos que ocorreram quando esses intelectuais estavam no evento, como por exemplo, protestos contra Guattari e Foucault. Além disso, o autor menciona a influência desses intelectuais nas obras de um importante e influente intelectual pós-modernista americano chamado Frederic Jameson. Considerando esse autor como um caso de estudo da transferência e tradução das teorias de psicopatologias europeias para a compreensão da américa na Guerra Fria, “Jameson amarra a política à psique e tende a restringir a ação política à esfera cultural, mais especificamente à experiência do intelectual acadêmico” (DUNST, 2017, p. 148).

O livro Madness in Cold War America, de Alexander Dunst, é complexo, extenso e exige uma leitura atenta em relação à quantidade de informações dissertadas. Ele não é um livro de cunho introdutório, e para leitores não acostumados com as referências bibliográficas americanas sobre o tema, a leitura exige buscas constantes sobre quem são as pessoas mencionados nos capítulos, sobre os livros, filmes etc. Apesar do autor se intitular um “historiador cultural da América do século XX”, todos os capítulos carecem também de uma contextualização histórica. A exaustiva apresentação de filmes e literaturas do período da Guerra Fria seriam mais bem compreendidas pelo leitor se o autor tivesse previamente, ou durante os capítulos, apresentado um pouco sobre o contexto americano na Guerra Fria. O livro Madness in Cold War America parece ter sido escrito para um público avançado, que já domina áreas de estudo sobre a Guerra Fria e os aspectos culturais desse período, em especial com relação à loucura. Portanto, acredito que na introdução do livro o autor poderia ter advertido o leitor sobre a complexidade de sua tese; poderia também ter feito indicações de leituras gerais sobre o tema; ou sintetizado as informações mais importantes sobre o contexto.

Outro fator de complexidade é a falta de conexão entre os capítulos – se Dunst não pretendia criar esta conexão, teria sido proveitosa uma sintetização de suas ideias em uma conclusão. Durante a leitura do livro, há a impressão de que o último capítulo recuperaria a complexa relação entre a política e cultura americana em torno da loucura, contudo, como já mencionei anteriormente, a parte final não é uma conclusão e, na verdade, apenas apresenta informações que não dialogam com os outros capítulos. Apesar do livro ser desafiador, acredito que sua complexidade fornece boas estratégias para a utilização do cinema e da literatura como fontes para a compreensão da Guerra Fria nos Estados Unidos. Embora, para a leitura desse livro, seja necessária uma base prévia de conhecimento sobre a cultura e política norte-americana, é possível captar a ideia principal de Alexander Dunst em sua pesquisa: a construção histórica da loucura nas políticas de Estado americanas que, por meio de uma visão binária de mundo – eu e o outro – explica os indivíduos entre o normal e louco/o racional e irracional, e institucionaliza a loucura. Essa gradual institucionalização da loucura como responsabilidade do Estado e o avanço da psicanálise para compreensão da psique humana, gradualmente, foram incorporadas no modo de vida americano.

Notas

2 Sobre a relação entre patologia e Guerra Fria, em especial no romance de Sylvia Plath, Robin Peel possui um estudo que coaduna com as questões abordadas por Dunst (cf. PEEL, 2002).

3 A historiadora Elaine May possui pesquisas que abordam a relação entre o Estado norte-americano e as políticas de normatização de gênero durante a Guerra Fria. Seu estudo mostra como a família se tornou uma instituição importante para manutenção da segurança nacional contra o comunismo e a URSS (cf. MAY, 2017).

4 O historiador Philip Cushman possui uma pesquisa extensa sobre como a psicoterapia moldou o modo de vida americano. Em um de seus livros sobre a psicoterapia nos Estados Unidos, existe um capítulo dedicado aos movimentos mencionados por Dunst (cf. CUSHMAN, 1996).

Referências

BOURKE, Joanna. An intimate history of killing: Face-to-face killing in twentieth-century warfare. Basic Books, 1999.

CUSHMAN, Philip. Constructing the Self, Constructing America: A Cultural History of Psychoterapy. Boston: De Capo Press, 1996.

MAY, Elaine. Homeward Bound: American Families in the Cold War Era. Nova Iorque: Basic Books, 2017.

PEEL, Robin. Writing Back: Sylvia Plath and Cold War Politics. Madison: Farleigh Dickinson University Press, 2002.

WALLERSTEIN, Immanuel. O universalismo europeu: a retorica do poder. São Paulo: Boitempo, 2007.


Resenhista

Letícia Portella Milan – Graduada em História pela Universidade Federal de Santa Maria. Mestre em História pela Universidade Federal de Pelotas. Doutoranda em História pela Universidade Federal de Santa Catarina, bolsista Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES. E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

DUNST, Alexander. Madness in Cold War America. New York: Routledge, 2017. Resenha de: MILAN, Letícia Portella. Perspectivas histórico-culturais da loucura na guerra fria (1945-1989). Revista de História. São Paulo, n. 180, 2021. Acessar publicação original [DR]

 

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