Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria | Reinaldo Funes Monzote (R)
Reinaldo Funes Monzote | Foto: YU |
Os processos de transformação da natureza no século XX, sobretudo relacionado à revolução agrícola nesse período, continuam a instigar pesquisadores em diferentes disciplinas, e vêm ganhando destaque no campo da história da ciência, ou mesmo da história da agricultura. Ultimamente, a história ambiental tem procurado analisar essas transformações, sublinhando o papel governamental, de instituições, pesquisadores, políticos e ativistas. A própria natureza aparece como agente histórico em muitas dessas análises. Donald Worster (2020), mais recentemente, tem analisado a transformação da natureza como o avanço científico sobre o mundo pós-fronteira, que envolve tanto o desenvolvimento como as críticas à nova revolução na agricultura.
O tema da transformação da natureza é ainda urgente, pertinente e cheio de possibilidades. E o texto de Monzonte (2019) reforça essa assertiva, na medida em que se apropria das análises da geotransformação na construção do seu argumento, um desafio compartilhado com outros historiadores e cientistas sociais no estudo das transformações de paisagens e ecossistemas negligenciados e ameaçados, como o Cerrado brasileiro, por exemplo (Dutra e Silva, 2020). Apesar de os estudos agronômicos destacarem os avanços científicos na produção de grãos e commodities, essa realidade aponta para uma crise ambiental sem precedentes. Nesse sentido, a obra cumpre o importante papel de procurar evidenciar a instabilidade entre a busca pelo desenvolvimento econômico e a conservação dos recursos naturais. A despeito dos enredos político e geográfico de Cuba, o contexto da transformação da natureza não é visto apenas do ponto de vista regional, mas dialoga com contextos históricos globais, sem negar o valor histórico dos enredos regionais, detalhadamente apresentado por meio de ricas fontes documentais. E isso é muito bem orquestrado por Monzote, que transita confortavelmente na descrição da política local com as teorias do desenvolvimento na América Latina e os modelos de planificação do bloco socialista.
As peculiaridades da geotransformação da natureza em Cuba reforçam a pertinência histórica da obra, sobretudo na medida em que o autor tem como ponto de partida a metáfora da viagem à Lua. A grande conquista cubana pós-revolução era na verdade a geotransformação da paisagem, marcadamente dominada pela monocultura da cana. O grande salto não era lançar um foguete à Lua, mas dominar a natureza e aproveitar ao máximo os seus recursos naturais. Era fundamental controlar a natureza por meio de obras de engenharia e melhoramento da produção e produtividade. Monzote faz esse enredo sem recorrer a defesas engajadas ou a ataques ideológicos.
O livro está dividido em três partes, que destacam temporalidades e temáticas, retratando o período pré-revolucionário (1947-1958), as políticas da “grande aceleração” (1959-1970), e a era das geotransformações em Cuba (1971-1991). A Guerra Fria, muito mais que uma demarcação temporal, articula o enredo das relações nacionais e internacionais em Cuba. Ao mesmo tempo apresenta as cooperações científicas do bloco socialista no desenvolvimento da ciência e das instituições educacionais, com destaque para o avanço das engenharias, de vários ramos da geografia, e das ciências agronômicas.
O autor faz uso de uma rica documentação no qual fundamenta os seus argumentos. Ressalto esse como um dos pontos relevantes do trabalho, pois mesmo utilizando documentação oficial não cai na retórica dos discursos. E ao mesmo tempo essa documentação reforça a compreensão das escolhas desenvolvimentistas e do uso da ciência como um mecanismo institucional do grande projeto de desenvolvimento do governo cubano, antes e depois de 1959. Um destaque para a geografia, que exerce protagonismo no livro. O campo geográfico promove o diálogo interdisciplinar, além de ser a disciplina que consolida as instituições científicas e o sentido identitário. É simultaneamente científica e ideológica, pois lida com projetos de desenvolvimento e uso dos recursos naturais. Aqui enfatizo de forma absoluta o protagonismo de Antonio Nuñes Jiménez (1923-1998), que ganha na obra de Monzote mais notoriedade do que o próprio Fidel Castro. O livro evidencia a sua atuação como pesquisador, divulgador da ciência e responsável pelos fundamentos da geotransformación da natureza em Cuba. Nuñes Jiménez aparece em vários momentos da obra, e em diferentes funções, o que reforça seu envolvimento científico e também como agente público na implementação de políticas de desenvolvimento agrícola e conservação da natureza no período pós-revolucionário. Mas outros geógrafos são destacados, com papel igualmente importante na história da transformação das paisagens em Cuba.
A experiência cubana na transformação da natureza reforças as heranças históricas latino-americanas da “conquista” imperialistas dos trópicos. Modelo que perdura, mas que no século XX marcou a polarização mundial durante a Guerra Fria e a descolonização. Heranças como monocultura, desflorestamento, exploração dos recursos naturais, doenças, por exemplo, são marcas sociais do subdesenvolvimento. Nesse sentido é que as teorias do desenvolvimento aparecem como importante orientação, reforçando a luta pela conquista da natureza e o domínio sobre os recursos naturais, considerados elementos basilares ao crescimento, sobretudo na América Latina. E nesse contexto as questões ambientais sofrem com ondas de avanços e retrocessos – o Brasil atual é um exemplo nítido desse retrocesso. O caso cubano não foi uma exceção, coexistindo essa complexa relação. No entanto, as questões ambientais passaram a ter uma conotação também social, como mostram as políticas de planificação nas décadas de 1960 e 1970. Apesar dos investimentos socioambientais, o livro evidencia as metas ousadas na produção agrícola com a tão sonhada “Zafra de los Diez Millones” (Monzote, 2019, p.188). A utópica safra recorde adotou padrões semelhantes aos da revolução verde, como a mecanização, fertilização, obras hidráulicas, além de pesquisas edáficas necessárias para o controle da natureza. No entanto, um evento emblemático e cheio de simbolismo é a “Brigada Che Guevara”, com seus milhares de tratores a serviço da geotransformação. Isso porque a brigada evidencia o discurso belicoso do progresso contra a natureza, presente em governos capitalistas e socialistas no passado (Josephson et al., 2013; Shapiro, 2001). Mas, ainda hoje, governos aproveitam crises para fazer a “boiada passar”. O valor simbólico da brigada é fascinante e recorrente, e ressalta o espírito revolucionário (e desenvolvimentista) em “guerra para poder dominar la Naturaleza” (Monzote, 2019, p.199).
A ausência iconográfica, que seria muito bem vinda, não prejudicou as análises e a compreensão histórica. Mas o diálogo com mapas e fotografias seria outro recurso importante para esse tão rico debate. Em vários momentos o texto implorava por uma referência cartográfica ou mesmo fotográfica. Em alguns momentos o autor mencionou algumas fotografias, o que aguçou a curiosidade em ter acesso a elas. Reitero, porém, que isso não prejudicou a narrativa nem o argumento central do livro.
A obra de Monzote é, portanto, uma referência fundamental para a historiográfica cubana, mas sobretudo para a compreensão dos processos de transformação das paisagens em suas conexões com economia, ciência e cultura na América Latina. O certo é que esse livro é mais um trabalho fundamental que Monzote oferece à historiografia ambiental latino-americana.
Referências
DUTRA E SILVA, Sandro. Challenging the environmental history of the Cerrado: science, biodiversity and politics on the Brazilian agricultural frontier. Historia Ambiental Latinoamericana Y Caribeña, v.10, n.1, p.82-116, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i1>. Acesso em: 9 jan. 2020. [ Links ]
JOSEPHSON, Paul et al. An environmental history of Russia. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. [ Links ]
MONZOTE, Reinaldo Funes. Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria. La Habana: Fondo Editorial Casa de las Américas, 2019. [ Links ]
SHAPIRO, Judith. Mao’s war against nature: politics and the environment in revolutionary China. Cambridge: Cambridge University Press, 2001. [ Links ]
WORSTER, Donald. A new science for a post-frontier world. Historia Ambiental Latinoamericana Y Caribeña, v.10, n.1, p.117-124, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.32991/2237-2717.2020v10i1.p117-124>. Acesso em: 9 jan. 2020. [ Links ]
Sandro Dutra e Silva – Professor, Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Recursos Naturais do Cerrado/Universidade Estadual de Goiás.Anápolis – GO – Brasil sandrodutr@hotmail.com.
MONZOTE, Reinaldo Funes. Nuestro viaje a la Luna: la idea de la transformación de la naturaleza en Cuba durante la Guerra Fria. La Habana: Fondo Editorial Casa de las Américas, 2019. 528p. Resenha de: DUTRA E SILVA, Sandro. A simbólica viagem à Lua e a geotransformação da natureza em Cuba. História, Ciencia, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.28 n.1, mar. 2021. Acessar publicação original [IF].