O ensino de História da Educação – CARVALHO (RBHE)

CARVALHO, Marta Maria Chagas de; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.). O ensino de História da Educação. Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, v. 6. Vitória –ES: EDUFES, 2011. Resenha de: LIMA, Geraldo Gonçalves de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 255-260, jan./abr. 2013

O Ensino de História da Educação, organizado por Marta Maria Chagas de Carvalho e Décio Gatti Júnior, é o sexto volume da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil. Dedica-se à história disciplinar da História da Educação e seu ensino nos cursos de formação de professores (graduação) e de pesquisadores (pós-graduação stricto sensu), sendo composto por doze trabalhos que proporcionam ampla visão acerca da situação do ensino da referida disciplina.

O primeiro capítulo, de autoria de Claudemir de Quadros (Universidade Federal de Santa Maria), “Ensino com pesquisa, educação digital e formação de professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da Educação”, retrata uma experiência específica de ensino e aprendizagem em História da Educação e a sistematização de algumas problemáticas que orientam o planejamento de ensino. A experiência acontece no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano (Unifra) em Santa Maria – Rio Grande do Sul, entre os anos de 2007 e 2009, e perpassa as seguintes questões: processo de ensino e aprendizagem; promoção da curiosidade e da capacidade criadora como princípios educativos; educação digital; profissão docente.

Um dos organizadores do volume, Décio Gatti Júnior (Universidade Federal de Uberlândia), elaborou o capítulo “Intelectuais e circulação internacional de ideias na construção da disciplina História da Educação no Brasil (1955-2008)”, no âmbito da história disciplinar da História da Educação. Consiste na constatação do emprego de autores estrangeiros de manuais de História da Educação traduzidos para o português e que atingiram um alto índice de circulação nos cursos de Pedagogia: Franco Cambi, História da Pedagogia (25 indicações, 1ª edição em português: 1999); Mario Alighiero Manacorda, História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias (20 indicações, 1ª edição em português: 1989); Luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1955); Francisco Larroyo, História Geral da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1970 – com dois tomos). O intuito da investigação consistiu em verificar a forma como esses quatro autores concebem a História da Educação e da Pedagogia, partindo do pressuposto de que esses manuais comportam posicionamentos historiográficos distintos, embasados em teorizações diversas, de ordem ontológica, epistêmica e política.

José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza, da Universidade Federal de Uberlândia, discutiram a problemática “Haveria uma historiografia educacional brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972?” Muito do que foi produzido a partir da expansão escolar, em meados do século XX, particularmente da formação de professores, sofreu grande influência de autores europeus. A produção de manuais didáticos, até os anos 1960, se caracteriza pela hegemonia do pensamento católico, embasada em orientação tridentina. Foram analisados dez diferentes manuais em circulação no período determinado, com a intenção de investigar a natureza, as interferências e as motivações, pelas quais foram produzidos. Os manuais explicitam os valores e o contexto da época em que foram produzidos, proporcionando a consolidação da ideologia, das concepções veiculadas e a construção de um conjunto de valores tidos como ideais, além de explicitar o público a que se destinam.

A seguir, José Roberto Gomes Rodrigues (Universidade do Estado da Bahia – campus de Juazeiro) discute “O ensino de História da Educação: um olhar reflexivo a partir da análise de planos e programas curriculares”, abrangendo a realidade de universidades de Belo Horizonte e da Bahia. A análise de planos e programas de ensino possibilita o entendimento de algumas questões referentes, destacadamente, ao papel que a disciplina História da Educação assume na formação de educadores em geral e de pedagogos em particular. O objetivo do capítulo consiste em contribuir para o debate em torno do processo instrucional da disciplina História da Educação e estimular questões relacionadas diretamente ao campo investigativo. Todo o conhecimento produzido na academia apresenta nova configuração ao ser ministrado de forma escolarizada. As atividades de ensino e aprendizagem exigem uma operacionalização diferenciada e institucionalizada conforme novos padrões. A disciplina História da Educação demonstra ser uma disciplina em constante embate entre a tendência à formalização e rigidez nos programas de ensino e a flexibilidade dos professores em tentar mudar a forma de ofertar a disciplina, com a introdução de novos temas.

Justino Magalhães, da Universidade de Lisboa, no capítulo “O ensino da História da Educação”, demonstra a necessidade de buscar as bases de uma reformulação do pensamento em torno da historiografia e a emergência de novos objetos de estudo a partir de determinadas influências ao longo do século XX. Surgem novos objetos, métodos e abordagens que proporcionam um diálogo entre a investigação historiográfica e o ato de ensinar. O ensino de História da Educação forma professores e pesquisadores, levando a uma gama de tendências, percebida no meio acadêmico e universitário. A História da Educação se manifesta, desde as décadas de 1960-1970, associada às ciências da Educação. A disciplina assume basicamente três naturezas possíveis: memória e patrimônio simbólico, discurso e prática historiográfica; disciplina de informação; componente epistemológico/domínio científico. Salienta-se a atualidade e a necessidade da História da Educação como componente de formação acadêmica, científica e profissional, no sentido de pensar a educação por meio da história.

Em seguida, Luiz Carlos Barreira, da Universidade Católica de Santos, apresenta o trabalho “Ensino de História da Educação na pós-graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada”. Trata-se de uma reflexão sobre o lugar da disciplina História da Educação como parte das disciplinas básicas e obrigatórias dos cursos de pós-graduação stricto sensu, com base em quatro programas de ensino elaborados por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na década de 1980. O autor traça, de forma panorâmica, as diversas tendências temáticas, metodológicas de ensino e pesquisa, percebidas no interior dos referidos programas. Assim, os citados programas de ensino demonstram a ideia de que, após a tomada de consciência dos processos de produção e de transformação da sociedade, é possível o empreendimento da reflexão acerca das condições sócio-históricas, destacadamente as de economia política.

O próximo trabalho, “Internacionalização de cânones de leitura: as Atualidades pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário e o ensino de História da Educação”, de autoria de Maria Rita de Almeida Toledo (Universidade Federal de São Paulo – campus Guarulhos), ressalta a relevância da coleção Atualidades Pedagógicas, da Companhia Editora Nacional, em bibliotecas destinadas à formação docente em Portugal. Sempre houve uma intensa relação entre os mercados editoriais português e brasileiro. A Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP) foi instalada em 1933 na Escola do Magistério Primário de Lisboa, sob a direção do intelectual escolanovista Adolfo Lima, com o objetivo de atender à formação de leitura dos professores primários. Entre os números que compunham o acervo da Biblioteca, estavam os livros da coleção Atualidades Pedagógicas, com significativa circulação de exemplares entre os docentes portugueses. Quanto aos exemplares de História da Educação da coleção Atualidades Pedagógicas em circulação no Brasil, apenas o volume de Paul Monroe foi disponibilizado no catálogo da BMEP, de Portugal, mesmo que Afrânio Peixoto tenha mantido estreita relação com o meio acadêmico português. Por ser um autor militante católico e, portanto, contrário aos interesses teóricos escolanovistas da BMEP, o volume de História da Educação de Theobaldo Miranda Santos não foi incluído.

A organizadora do volume, Marta Maria Chagas de Carvalho (Universidade de São Paulo), elaborou o trabalho “Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da Educação no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997)”. Trata-se do relato de experiência referente ao período de atuação docente da própria autora, envolvida diretamente na organização do ensino da disciplina História da Educação. Concentra-se no depoimento e caracterização a partir de anotações acerca da militância institucional, redefinição da identidade e da organização da disciplina no curso. Com a crescente mobilização acadêmica, houve a gradativa inclusão dos estudos históricos da educação no currículo oficial do curso. A disciplina História da Educação assume constante e gradativamente a função formativa, possibilitando a construção de uma identidade imaginária do estudante.

Mirian Jorge Warde (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – campus Araraquara) escreve “Brincando nos campos do senhor: anotações para uma história da formação dos professores e do ensino da História da Educação no Brasil”. Segundo a autora, nas duas últimas décadas, houve uma dinamização da produção acadêmica em torno da História da Educação, ressaltando-se o surgimento de associações acadêmicas especializadas, o crescente lançamento de periódicos, assim como a organização de eventos nacionais e internacionais. Outro indício de seu crescimento como disciplina acadêmica consiste na realização crescente do número de pesquisas e o interesse cada vez maior do público em seus resultados. A partir desses pressupostos, a autora promove a investigação do perfil dos docentes em História da Educação em atuação nos cursos superiores brasileiros, respeitando alguns critérios como: o doutoramento como titulação mínima; uma constante e significativa produção acadêmica voltada exclusivamente para a área; a participação em associações e entidades representativas da categoria; a consulta a bases de dados como a plataforma Lattes do CNPq. Como resultado da análise empreendida, a autora confirma a existência de um grupo bastante heterogêneo em relação aos cursos de formação inicial (graduação) dos docentes de História da Educação no Brasil. Além disso, ressalta o momento atual de intensa renovação temática e metodológica, assim como a mobilização em torno da consolidação da disciplina História da Educação no meio acadêmico.

O trabalho, “Qual História da Educação ensinar?”, de autoria de Norberto Dallabrida (Universidade do Estado de Santa Catarina), funda-se no questionamento de qual disciplina escolar voltada para a história educacional deve ser ensinada, haja visto o recente crescimento e desenvolvimento da área no meio acadêmico/científico, demonstrando uma dinamização em torno de novos e desafiadores objetos de abordagem, assim como novas perspectivas teóricas e metodológicas. Há uma tendência notável para a microanálise, destacando-se a cultura escolar, existente em instituições escolares, bem como o exame das disciplinas escolares prescritas oficialmente e suas repercussões na prática cotidiana. Outra temática de destaque é a investigação de trajetórias profissionais de docentes. O propósito do capítulo consiste em repensar a seleção e organização dos conteúdos veiculados pela disciplina História da Educação ministrada nos cursos de formação de professores e de pedagogia, sobretudo.

A obra traz também a investigação intitulada “O período colonial nos manuais de História da Educação brasileira”, de Thais Nivia de Lima e Fonseca (Universidade Federal de Minas Gerais). A autora afirma que a maior parte dos livros voltados para a formação de professores, usualmente, categoriza os períodos da História da Educação brasileira com base em critérios políticos, sendo a classificação mais conhecida e difundida: colonial, imperial e republicano. O texto tem como objetivo analisar um conjunto de obras utilizadas nos cursos de formação de professores, assim como as obras de referência para a História da Educação no Brasil, voltadas especificamente para o período colonial (o menos investigado diante dos períodos imperial e republicano). Ressalta o aspecto de que, mesmo com as mais recentes remodelações da historiografia educacional brasileira, o período colonial ainda se mostra bastante defasado em termos de análise perante os outros dois períodos tradicionais (imperial/ republicano). Além disso, alerta que é fundamental maior cuidado no tratamento dado ao período colonial, sobretudo durante as aulas de História da Educação, de modo a desfazer os preconceitos difundidos entre os educadores, assim como estímular novas investigações acerca deste importante momento histórico do Brasil.

Finalmente, Zuleide Fernandes de Queiroz (Universidade Regional do Cariri) realiza, em “Ensinando História da Educação no curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri”, uma análise da trajetória do ensino da disciplina no período compreendido entre 1998 e 2008. Seus objetivos são o registro, como historiadora da educação, da experiência de ensino da disciplina História da Educação e a análise dos efeitos de tal disciplina na formação acadêmica, demonstrando resultados voltados para o ensino e a pesquisa nas áreas de História, memória e políticas educacionais. A autora confirma a importância da constante renovação do ensino de História da Educação, ampliando os horizontes teóricos na formação acadêmica dos estudantes. Além disso, ressalta a necessidade do desenvolvimento de atividades de ensino articuladas à pesquisa.

Dessa forma, o volume seis da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil enfatiza a necessária reflexão acerca dos elementos da história disciplinar da História da Educação e do seu ensino nos cursos de formação de professores, de nível superior, abrangendo cursos de graduação, e de formação de pesquisadores, nos cursos de pós-graduação (stricto sensu). Demonstra-se a existência de uma vitalidade de pesquisa em História da Educação no Brasil em geral e, particularmente, nota-se o surgimento de estudos e pesquisas sobre sua trajetória histórica disciplinar. Por sua vez, percebe-se também a ênfase de análises sobre as finalidades e os procedimentos metodológicos usualmente empregados no ensino da disciplina em diversos cursos na realidade educacional brasileira.

Geraldo Gonçalves de Lima – Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. É membro do GEPEDHE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação. Atualmente é professor do quadro efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM – Campus Uberaba).  E-mail: [email protected]; [email protected]

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