Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação – FRANCO (RBHE)

FRANCO, Sebastião Pimentel; SÁ, Nicanor Palhares (Org.). Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação. Vitória: EDUFES, 2011. (Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, 9) Resenha De: FORDE, Gustavo Henrique Araújo. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 2 (32), p. 249-255, maio/ago. 2013.

Há parcerias que apresentam resultados bastante profícuos: a Coleção “Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil” é um deles. Resulta de bem-sucedida parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação (SBHE) e a Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), em comemoração ao aniversário de dez anos de existência da primeira.

Publicada pela Edufes, a coleção comprova o êxito notável desse projeto editorial, que busca refletir parte das pesquisas realizadas na última década em História da Educação no Brasil, e leva o leitor a percorrer, de maneira ampla e profunda, diferentes temáticas localizadas em espaços-tempos diversos, sob análises a partir de variadas perspectivas teórico-metodológicas. O volume 9 da coleção, organizado pelos pesquisadores Sebastião Pimentel Franco e Nicanor Palhares Sá e intitulado Gênero, etnia e movimentos sociais na história da educação, é o objeto desta resenha.

O primeiro capítulo do livro, “Mulheres preceptoras no Brasil oitocentista: gênero, sistema social e educação feminina”, de autoria de Maria Celi Chaves Vasconcelos, investiga a construção social do gênero feminino a partir da educação doméstica, realizada por mulheres preceptoras no Brasil. A pesquisa analisa o sistema societário vivido pelas mulheres durante a segunda metade dos Oitocentos (1850-1889) e seus papéis sociais como preceptoras, professoras ou mães/mestras dos filhos, em diálogo com o tipo de educação permitida e/ou negada nessa modalidade educativa.

O artigo de Vasconcelos apresenta as diferenciações de gênero na educação e na infância de meninos e meninas do Brasil e identifica o perfil das mulheres preceptoras e as possibilidades que elas viam para a educação formal. As análises revelam que tais mulheres colaboraram para iniciar as primeiras rupturas na ordem estabelecida, no que diz respeito aos limites e às possibilidades femininas de trabalho, sustento e independência no Brasil dos Oitocentos.

O segundo capítulo, “Gênero e partilha desigual: a escolarização de meninas e meninos nas escolas mineiras do século XIX”, de autoria de Diva do Couto Gontijo Muniz, de boa inspiração poética, com epígrafe em que é citado poema de Carlos Drummond de Andrade, nos convida a questionar a lógica da partilha binária do sistema sexo/ gênero. Com esse fio condutor, a autora observa que as salas mistas constituem uma mudança ocorrida apenas no regime republicano do País.

As análises percorrem os conflituosos processos de instruções públicas, problematizando a lógica de partilha binária e desigual de gênero na instrução pública, que separava meninas e meninos com um atendimento escolar diferenciado, em conformidade com as legislações da época, dedicadas à organização e ao funcionamento das escolas mineiras. A autora finaliza o trabalho, concluindo que, mesmo que o percurso escolar dos meninos oferecesse possibilidades para o mundo do trabalho e da política e o percurso das meninas fosse destinado ao mundo do lar e da família, muitas mulheres não se sujeitaram plenamente às imposições educacionais e sociais da época, tendo optado pelo exercício profissional e pela autonomia financeira a partir do ingresso no magistério.

“O sistema coeducativo nas escolas protestantes em São Paulo (séc. XIX/XX)”, de Jane Soares de Almeida, é o terceiro capítulo do livro. Contextualizando os anos iniciais do século XX a partir dos princípios liberais e da educação marcada pelo conservadorismo dos anos pré-republicanos, a autora afirma que, a partir de 1870, escolas protestantes adeptas da coeducação buscavam ampliar a sua atuação no nosso país, pautadas em seus objetivos igualitários e democráticos, tendo como missão não apenas evangelizar, mas, igualmente, educar os indivíduos no âmbito da moral e da ética.

O artigo ressalta que as missionárias protestantes eram ativas defensoras de ensino igual para os sexos, tendo sido, inclusive, adotado o sistema de classes mistas sob o princípio da coeducação, o que favorecia a igualdade de oportunidades educacionais entre meninos e meninas. Todavia, finaliza concluindo que, apesar das classes mistas e da coeducação, meninos e meninas, na vida social, eram educados separadamente, e o lugar das mulheres seria o lar, fossem elas católicas, protestantes ou de qualquer outra orientação religiosa.

Com foco nos estudos de gênero, o quarto capítulo, “A instrução feminina na visão dos presidentes de províncias do Espírito Santo (1845 – 1888)”, de Sebastião Pimentel Franco, investiga a ação do Estado em favor da ampliação da oferta de escolarização para as mulheres no século XIX. A pesquisa estuda os primeiros passos dados na instrução pública do Espírito Santo oitocentista, pautada na garantia e na ampliação da oferta da escolarização primária às mulheres.

O artigo destaca que a ideia da submissão da mulher foi instalada na sociedade brasileira desde o início da colonização. A partir da terceira década do período oitocentista, com o advento da ideia de que a instrução tiraria o País do atraso e da incivilidade, diz o autor, a mudança desse cenário tornou-se favorável, uma vez que, para formar bons homens, era preciso formar boas mães. Na visão dos dirigentes dessa época, as mulheres eram a força motriz que impulsionaria a sociedade, sendo elas as formadoras e as educadoras das gerações futuras. Esse fato fomentou ações dos dirigentes da província do Espírito Santo, no sentido de garantir o acesso das mulheres à instrução e a ampliação do número delas no magistério. Assim, até o final do século XIX, o magistério primário se transformaria numa atividade feminina.

Em “Educação e perspectiva de gênero no novo mercado de trabalho vitoriense”, o quinto capítulo do livro, de autoria de Maria Beatriz Nader, é analisado o processo que favoreceu, em fins do século XX, que as mulheres vitorienses deixassem a vida doméstica em busca do mercado de trabalho. O artigo faz breve abordagem sobre a história da educação feminina na perspectiva dos estudos de gênero e descreve as alterações na formação instrucional e profissional das mulheres, no período pesquisado, com base no novo segmento profissional terciário representado pelas indústrias de base.

A autora destaca que, ao lado da modernização urbana, que trouxe novas oportunidades educacionais e profissionais às mulheres, impulsionando-as a saírem do âmbito doméstico e a lançarem-se no mercado de trabalho, o período de 1990 a 2000 foi marcado por um maior grau de escolarização feminina, o que contribuiu para que o trabalho doméstico se tornasse algo desprezível para as mulheres. Nader finaliza, concluindo que a qualificação profissional veio a ser significativa na vida das mulheres, na medida em que lhes permitiu maiores e melhores oportunidades no mercado de trabalho, que propiciaram a sua emancipação estrutural, financeira e familiar.

Marcus Vinícius Fonseca é o autor do sexto capítulo do livro, “Entre o cativeiro e a liberdade: a educação das crianças escravas nos debates sobre a Lei do Ventre Livre”, que trata das conexões entre o processo de abolição do trabalho escravo e a educação dos indivíduos oriundos do cativeiro, questão esta que, na análise do autor, mobilizou a sociedade brasileira durante o século XIX, possibilitando, inclusive, algum tipo de instrução para as crianças nascidas livres, de mulheres escravas, a partir da Lei do Ventre Livre, em 1871.

As fontes investigadas pelo autor apontam para a preocupação, na época, com a necessidade de os indivíduos oriundos do cativeiro serem submetidos a uma formação diferente daquela ocorrida no bojo da escravidão, sinalizando que os debates tratavam a abolição da escravatura e a educação dos indivíduos originários do cativeiro como ações paralelas e complementares, ou seja, indicavam que era necessário um processo de educação diferente daquele levado a efeito na escravidão, acompanhando a libertação do ventre; do contrário, as vítimas libertas da escravidão se converteriam em uma ameaça à sociedade.

“Entre a enxada e a caneta: a educação entre imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul (Brasil)”, o sétimo capítulo, de autoria de Maria Catarina Zanini e Miriam de Oliveira Santos, investiga a importância da educação para imigrantes italianos e seus descendentes no Rio Grande do Sul, analisando o quanto a educação esteve presente na constituição das italianidades desse grupo étnico.

As análises demonstram que a família, vista como instância socializadora e compreendida dentro do contexto religioso e do mundo do trabalho, foi o elemento-chave para a sobrevivência desses imigrantes e descendentes, assegurando a transmissão do capital cultural e econômico e operando como espaço de socialização e preservação de práticas culturais e organizativas responsáveis pela existência cotidiana desses indivíduos.

Na época, o catolicismo de origem rural configurava-se como a religião trazida pelos imigrantes italianos, e muitas das ordens religiosas foram responsáveis por fundar escolas que ofereciam uma educação pragmática e positivista. O ensino, ali, desprezava o excesso de teorias, aproximando-se da visão expressa pelo ditado italiano “a enxada é o mais nobre instrumento do mundo, mais do que o livro e que a espada”.

O oitavo capítulo, “Uma escola luterana nas décadas de 1920 e 1930 no Rio Grande do Sul”, de Martin N. Dreher, registra que, no campo religioso, naquela época, a população estava dividida entre católicos romanos e evangélicos luteranos. Entre os luteranos, havia a instrução primária e a secundária. O ensino era bilíngue; a alfabetização se iniciava com a língua materna alemã e, posteriormente, sob a perspectiva do Estado Novo, as escolas comunitárias das colônias alemãs “desnacionalizavam” as crianças.

O artigo traz uma possível reconstrução do currículo da Escola Allemã de Montenegro, na qual grande importância foi dada ao estudo da organização social e política do Rio Grande do Sul; e, igualmente, apresenta uma possível reconstrução dos métodos de ensino utilizados nessas escolas comunitárias coloniais. No primeiro ano escolar, por exemplo, elas se pautavam no lema “escrever menos e falar mais”, evitando, assim, o método utilizado nas escolas brasileiras da época, que estava assentado em “desenhar” e “copiar”. O autor finaliza, apontando a riqueza dessas escolas, que formavam pessoas para o uso perfeito de dois idiomas e para uma futura vida profissional.

O nono capítulo, “Educação, negros e racismo em Mato Grosso na Primeira República”, de Nicanor Palhares Sá e Paulo Divino Ribeiro da Cruz, é uma importante contribuição para suprir a lacuna acerca da história da educação de negros e de mestiços indígenas com negros, em Mato Grosso.

Os autores revisitam conceitos como eurocentrismo, colonialidade do poder e racismo epistemológico. Afirmam eles que, na passagem do século XIX para o XX, o sistema escolar em Mato Grosso foi marcado pela discriminação contra negros, pardos e brancos pobres, ao hierarquizar a sociedade a partir de uma lógica racial e eurocêntrica, numa época em que a população mato-grossense era majoritariamente composta por mestiços de negros e indígenas – as duas raças inferiores, segundo esse pensamento europeu.

As análises dos autores indicam que essa bipolaridade entre brancos e negros influenciava a constituição dos materiais didáticos e das carreiras educacionais do magistério, contribuindo fortemente para o processo de subordinação cultural e simbólica do negro brasileiro.

Em “Educação e lutas populares na história mato-grossense”, décimo capítulo, Artemis Torres investiga a dimensão pedagógica das lutas e dos movimentos populares em busca de seus direitos. Apesar de possuírem um caráter educativo reconhecido, tais movimentos e lutas raramente estão entre os temas de interesse para pesquisa. O autor destaca que várias ações educativas vinculadas aos movimentos sociais estão presentes nos currículos das Faculdades de Educação.

Os movimentos sociais, nessa pesquisa, são compreendidos como instâncias formativas e organizativas potentes para as mudanças sociais. Em vista disso, o autor se debruça a investigar as lutas sociais dos trabalhadores em Mato Grosso, representados pelo movimento popular conhecido como “banditismo”, e outras lutas sociais, como as do movimento dos “sem-terra”, das associações de agricultores, do movimento dos “sem-teto” e dos sindicatos urbanos.

Marlúcia Menezes de Paiva é autora do décimo primeiro capítulo, intitulado “Movimentos de educação popular no Rio Grande do Norte (1958-1964)”. Ela investiga duas experiências educacionais populares. A primeira trata das Escolas Radiofônicas, uma experiência em educação e cultura popular de alfabetização pelo rádio, e a segunda trata da campanha “De pé no chão também se aprende a ler”, um movimento de educação voltado para as camadas populares; ambas as experiências foram realizadas na cidade de Natal. As Escolas Radiofônicas, destinadas prioritariamente à população rural, estavam assentadas no tripé: professoras-locutoras, monitores e rádio. Já a campanha “De pé no chão também se aprende a ler” esteve baseada na construção de escolas com cobertura de palha e chão de barro batido.

Esse último capítulo do livro ressalta que essas duas experiências de educação popular desenvolviam, ao lado da alfabetização, uma ação pedagógica conscientizadora. As análises priorizam os processos de formação dos professores, os materiais instrucionais e os conteúdos ditos conscientizadores, concluindo a autora que ambas as experiências representaram significativos movimentos sociais populares.

Por fim, o livro Gênero, etnia e movimentos sociais na História da Educação, organizado com maestria, reúne onze artigos que nos oferecem um bom panorama das pesquisas em História da Educação, orientados por três núcleos temáticos (gênero, etnia e movimentos sociais). Todavia, eles estabelecem conexões entre questões de gênero, classe, etnia e lutas sociais, conferindo significativa aderência aos trabalhos. Após a leitura do volume, é possível dizer, com tranquilidade, que se trata de obra imprescindível àqueles e àquelas que se dedicam ao estudo nesses campos de investigação que permeiam os “Horizontes da pesquisa em história da educação no Brasil”, título da coleção que resulta da parceria entre a Sociedade Brasileira de História da Educação e a Universidade Federal do Espírito Santo.

Gustavo Henrique Araújo Forde – Doutorando em Educação – PPGE/UFES. E-mail: [email protected]

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Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas – ALVES (RBHE)

ALVES, Claudia; LEITE, Juçara Luzia. Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: MAIA, Manna Nunes. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 261-266, jan./abr. 2013.

Nas últimas décadas, a produção em História da Educação expandiu-se consideravelmente”, como resultado do papel desempenhado tanto pela pós-graduação quanto por instâncias de organização, debate e divulgação da pesquisa histórico-educacional. Ao mesmo tempo, há um processo de inflexão dos modelos interpretativos, referenciais teóricos, objetos de investigação, objetivos, temáticas, fontes documentais, periodizações e metodologias de pesquisa da área.

Articulada a esses processos, houve a publicação de vários estudos que, ao analisarem aspectos da pesquisa histórico-educacional, têm permitido a problematização e (por que não?) renovação de categorias já consagradas. Entre elas, a categoria “intelectual” tornou-se objeto de investigação dos historiadores da educação, cujos trabalhos possibilitaram questionar o viés tradicional de abordagem histórica do tema. Propiciaram, portanto, superar análises que se centravam na exposição das ações e feitos dos considerados grandes personagens, de um lado, ou centradas em perspectivas que apagavam a ação dos sujeitos, de outro. Insere-se, nesses trabalhos, a publicação de Claudia Alves e Juçara Luzia Leite, intitulada Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas, que integra a coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, em comemoração aos dez anos de fundação da Sociedade Brasileira de História da Educação.

A primeira parte da coletânea procura iluminar o debate teórico com base nas contribuições de pesquisas dos autores que a compõem. No primeiro capítulo, Carlos Eduardo Vieira problematiza o conceito de intelectual a partir da análise das ideias e da trajetória do intelectual paranaense Erasmo Pilotto (1910-1992). A crença no protagonismo do Estado e no papel dos intelectuais, articulada à ideia de que o caminho para a modernidade seria trilhado por meio de investimentos na cultura e na educação, incentivou a militância de Erasmo Pilotto nos referidos campos, por meio da publicação de diferentes materiais, da ação enquanto educador, da criação de inúmeras instituições e grupos e, ainda, da ocupação de posições importantes na esfera política. Por meio do estudo dessa trajetória, o historiador põe em questão aspectos fundamentais do conceito em foco na coletânea, concernentes à construção da identidade dos intelectuais, envolvendo seu engajamento político e suas crenças na modernidade e no papel do Estado.

Em seu trabalho, Marlos Bessa Mendes da Rocha disserta sobre o Decreto-lei Couto Ferraz (1854) que instituiu, pela primeira vez, a educação como um sistema de política pública. Para analisar o referido decreto-lei, com foco na relação entre a história intelectual da política e a história institucional das práticas políticas, Rocha baseia-se em alguns pontos, dentre os quais: o vocabulário normativo da época; os axiomas herdados; os projetos de sociedade, Nação e Estado; a comparação entre o Decreto-lei Couto Ferraz e as leis que o antecederam e sucederam; a concepção de educação na época e a recepção da lei na sociedade. Além disso, o autor destaca a conjuntura da época, em especial o contexto intelectual em que as formulações do decreto-lei foram concebidas. Aqui, a questão conceitual margeia a história das ideias.

Na sequência, Claudia Alves analisa a formação da oficialidade do Exército no século XIX. Os sujeitos de pesquisa selecionados foram os intelectuais militares que desempenharam funções dirigentes e organizativas no Exército e em instâncias da sociedade e do Estado, atores não privilegiados na historiografia. Sem desmerecer o papel desempenhado pela Escola Militar e, a partir do conceito ampliado de formação (que englobaria a dimensão prática, dirigente e política), Alves demonstra que outros espaços no interior do Exército foram determinantes na formação da parcela intelectualizada da oficialidade durante o período investigado.

Amália Dias centra sua análise na dicotomia entre as funções de “intelectuais” e de “trabalhadores” que o magistério secundário enfrentou no pós-1930. De um lado, as leis e projetos implementados durante o Estado Novo puseram em marcha um projeto de profissionalização do magistério de ensino secundário, que o submetia aos parâmetros estatais, ao mesmo tempo que o requisitava como agente do “apostolado cívico”. Por outro lado, houve um movimento de reação organizada em sindicatos, efeito da condição de “trabalhadores do ensino” dos professores secundários, procurando garantir seus direitos e deveres. Nessa análise, Dias evidencia a defasagem entre o elevado prestígio social dos professores e a sua situação econômica, como trabalhadores assalariados, tratando de outra faceta da categoria intelectuais, associada à profissionalização do magistério.

A imprensa constituiu-se historicamente como locus de atuação dos intelectuais, estando fortemente imbricada à própria emergência social desse personagem no século XIX. Na segunda parte da coletânea, estudos que se debruçaram sobre a relação entre intelectuais e imprensa apresentam possibilidades de abordagem sobre esse aspecto. O capítulo de autoria de Bruno Bontempi Júnior aborda o Inquérito sobre a instrução pública em São Paulo, publicado em O Estado de São Paulo”, em que jornalistas e educadores teceram observações a respeito do ensino primário paulista. Uma série de aspectos validou a capacidade desses personagens de dissertarem sobre a situação educacional de São Paulo, que, somada à crescente influência do jornal mencionado, fizeram com que se produzissem e veiculassem discursos educacionais considerados legítimos acerca da situação e dos rumos da instrução pública nesse estado. Recorrendo à noção de expertos de Norberto Bobbio, o autor põe em questão a formação e o pertencimento dos respondentes ao Inquérito, que têm seus discursos potencializados pela ação do jornal.

Em seguida, Clarice Nunes reflete sobre como se tornou possível a afirmação de um grupo de mulheres como intelectuais na sociedade patriarcal do final do século XIX e início do XX. Em uma conjuntura de consolidação da imprensa como canal de difusão de ideias e de mudanças na indústria jornalística e literária, foram abertos espaços nas redações dos jornais e editoras para as mulheres. Por meio da publicação de seus escritos, algumas mulheres conseguiram ultrapassar as fronteiras da casa e da escola. Ou seja, ao se tornarem escritoras, as mulheres ganharam prestígio e visibilidade na sociedade, naquele período, constituindo um grupo novo, embora minoritário na categoria dos intelectuais, potencializado pelo trabalho no magistério.

Maria de Araújo Nepomuceno toma a revista Oeste como objeto de estudo e fonte de pesquisa. Iluminado pelos conceitos de Estado e intelectual de Antonio Gramsci, o estudo identificou que a citada revista foi, gradativamente, mudando sua proposta. Originalmente projetada no âmbito da “sociedade civil” para apresentar intelectuais goianos, a revista foi se constituindo em um veículo divulgador dos princípios político-ideológicos do Estado Novo e de propaganda de Goiânia e do interventor Pedro Ludovico. A ambivalência da atuação dos intelectuais, na sociedade civil e na sociedade política, transparece nas páginas do periódico.

Se a escrita é a forma de expressão evidente do intelectual, o livro é o objeto símbolo desse trabalho. A terceira parte da coletânea traz pesquisa que analisaram livros e seus escritores. André Luiz Bis Pirola faz uma reflexão sobre a obra didática Noções abreviadas de Geografia e História do Espírito Santo, escrita pelo professor Amâncio Pereira. Analisa-o como um documento privilegiado para compreender as disputas e as alianças em torno da correta leitura de história e de educação no esforço de forjar uma “identidade nacional”. Destaca os lugares de memória e os protocolos de pertencimento, em âmbito local, que organizaram a intelectualidade e os seus debates no processo de definição do cânone historiográfico.

No seu trabalho, Maria Arisnete Câmara de Morais estuda duas publicações da escritora Sophia Lyra: Vida íntima das moças de ontem e Rosas de neve. Nelas, Sophia Lyra exterioriza alguns questionamentos, costumes, linguajar, conflitos, problemas e a situação da mulher na década de 1930, assim como traça um painel dos hábitos, tradições e maneiras de ser da sociedade brasileira naquele período. Discorre, portanto, sobre vários assuntos latentes na sociedade na primeira metade do século XX. Por meio da análise desses ensaios, Morais consegue superar a recorrente noção de que as mulheres viviam alienadas da realidade do Brasil naquele período.

Dislane Zerbinatti Moraes toma como objeto de investigação os romances escritos por cinco professores-escritores entre os anos de l920 e l935. Apesar de terem interpretações e posições diferenciadas no campo do magistério, os autores analisados por Moraes têm em comum a utilização da ficção, mais especificamente do romance, como modo de expressão das tensões, expectativas e experiências desses intelectuais enquanto professores. Por conta disso, esses escritos destacam aspectos do contexto educacional da época, visando à produção de algum tipo de transformação na realidade escolar e à obtenção de reconhecimento profissional. O romance, como ferramenta intelectual, abre um campo de expressão de insatisfações, interditado no discurso pacificador dos historiadores da educação no mesmo período.

Marcus Aurélio Taborda de Oliveira analisa o compêndio História da América, de José Francisco da Rocha Pombo, que inaugurou uma tradição de reflexões críticas à colonização europeia na América Latina, considerando o ensino de história fundamental para conhecer o passado de opressão dos povos latino-americanos, resistir aos padrões civilizatórios e reverter o quadro de atraso da América Latina. Entretanto, essa forma de conceber a colonização não se repetiu nas demais obras do autor. O texto de Taborda coloca, então, em cena, contradições que marcam uma trajetória de vida e produção intelectual, na qual, por vezes, a grande originalidade pode estar no ponto de partida.

As relações entre educação, civilização e modernidade dão o tom dos textos da última parte da coletânea. Em seu estudo, Juçara Luzia Leite assinala que o pós-Primeira Guerra fortaleceu a preocupação sobre a influência do ensino de história nas relações entre povos e nações. No caso dos livros didáticos, sua função educativa e moralizadora aparece nos cuidados de agências de Estado, tratados inclusive em convênios internacionais. A participação de intelectuais, políticos e professores, na construção desses convênios, permite observar o sentido de missão que se autoatribuíam na construção de um projeto civilizatório. Com isso, as reflexões de Leite permitem-nos perceber nuançes do uso social do trabalho intelectual, envolvido por questões que marcam uma época.

Em seu trabalho, Maria Helena Câmara Bastos analisa a atuação de Manoel Francisco Correia, intelectual representativo dos debates que propugnavam o progresso da sociedade brasileira, defendendo avanços na instrução popular. Membro da elite intelectual e política da época, Manoel Francisco Correia pretendia promover os conhecimentos úteis ao progresso da sociedade, assumindo a tarefa de remodelar o imaginário e as práticas pedagógicas no país. Para isso, organizou as Conferências Populares da Freguesia da Glória, espaços privilegiados de discussão de ideias educacionais na cidade do Rio de Janeiro no período de 1873 a 1890. Aspectos da Modernidade, que se anunciam em fins do século XIX, podem ser apreendidos na análise desse intelectual.

Iranilson Buriti de Oliveira estuda algumas imagens construídas por Belisário Penna sobre a educação sanitária, problematizando as aproximações entre os saberes médico e pedagógico. Em uma conjuntura em que os médicos assumiram a responsabilidade de remediar e educar a população, preocupados em mudar a nação a partir da escola, Belisário Penna denunciou as precárias condições sanitárias da maioria das unidades da federação brasileira e fundou a “Liga Pró-Saneamento do Brasil”, em 1918. Oliveira procura compreendê-lo a partir dos seus escritos, mapas de viagem, fotografias, retratos, buscando captar sua perspectiva crítica, mas, também, suas angústias, medos, tensões. O texto convida o leitor a perceber o que a produção de um intelectual projeta como imagem de si.

Ao final, Maria do Amparo Borges Ferro analisa a figura e a atuação do padre Marcos de Araújo Costa na primeira metade do século XIX, que teve grande influência nos diversos setores em Oeiras, antiga capital do Piauí. Embora não tenha ocupado cargos ou funções na burocracia estatal, esse intelectual piauiense lutou contra a ameaça de retorno do Piauí à condição de dependência político-administrativa da província do Maranhão e se dedicou à educação do povo, usando o patrimônio herdado na fundação e manutenção de uma escola para garotos, que se tornou referência para toda a região, entre 1820 e 1850. O texto da autora instiga a atenção para sujeitos que utilizam sua capacidade intelectual para fazer história por meio da educação.

Na presente resenha, tentamos assinalar a contribuição dessa coletânea para os estudos histórico-educacionais. São autores de diferentes regiões do país e de competência reconhecida no campo da História da Educação, que, com suas especificidades, clareza de objetivos e delimitação precisa de suas questões, proporcionaram-nos uma leitura rica e nos dão a oportunidade de pensar, questionar e enriquecer futuros estudos na temática. Ao mesmo tempo, as análises empreendidas em cada estudo são de grande valia para os interessados no passado educacional brasileiro, abordado pelo prisma da ação de um grupo específico de agentes, os intelectuais.

Ao traçar um espectro da pesquisa sobre o tema, Intelectuais e história da educação no Brasil: poder, cultura e políticas traz uma contribuição particular aos estudos sobre a categoria intelectuais, em uma conjuntura em que emergem, cada vez mais, discussões teóricas e metodológicas em torno dela. O livro incentiva os historiadores da educação a fazerem uma (re)leitura de seus trabalhos sobre intelectuais, assim como estimula aqueles que pretendem trabalhar com essa categoria. Para isso, os trabalhos nele publicados indicam vias que podem ser exploradas: itinerários de formação; redes de sociabilidade; escritos; ligações com a formulação de políticas públicas de educação; iniciativas de escolarização lideradas; representações e práticas culturais; contextos sócio-educacionais; itinerários pessoais e coletivos; ambiência cultural; constructos intelectuais de época; lugares frequentados; ideários, leituras e representações.

Manna Nunes Maia – Pedagoga formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF) e Mestre em Educação também pela Universidade Federal Fluminense (UFF).  E-mail:[email protected]

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O ensino de História da Educação – CARVALHO (RBHE)

CARVALHO, Marta Maria Chagas de; GATTI JÚNIOR, Décio (Orgs.). O ensino de História da Educação. Coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil, v. 6. Vitória –ES: EDUFES, 2011. Resenha de: LIMA, Geraldo Gonçalves de. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 13, n. 1 (31), p. 255-260, jan./abr. 2013

O Ensino de História da Educação, organizado por Marta Maria Chagas de Carvalho e Décio Gatti Júnior, é o sexto volume da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil. Dedica-se à história disciplinar da História da Educação e seu ensino nos cursos de formação de professores (graduação) e de pesquisadores (pós-graduação stricto sensu), sendo composto por doze trabalhos que proporcionam ampla visão acerca da situação do ensino da referida disciplina.

O primeiro capítulo, de autoria de Claudemir de Quadros (Universidade Federal de Santa Maria), “Ensino com pesquisa, educação digital e formação de professores: possibilidades de ensinar e aprender acerca da História da Educação”, retrata uma experiência específica de ensino e aprendizagem em História da Educação e a sistematização de algumas problemáticas que orientam o planejamento de ensino. A experiência acontece no curso de Pedagogia do Centro Universitário Franciscano (Unifra) em Santa Maria – Rio Grande do Sul, entre os anos de 2007 e 2009, e perpassa as seguintes questões: processo de ensino e aprendizagem; promoção da curiosidade e da capacidade criadora como princípios educativos; educação digital; profissão docente.

Um dos organizadores do volume, Décio Gatti Júnior (Universidade Federal de Uberlândia), elaborou o capítulo “Intelectuais e circulação internacional de ideias na construção da disciplina História da Educação no Brasil (1955-2008)”, no âmbito da história disciplinar da História da Educação. Consiste na constatação do emprego de autores estrangeiros de manuais de História da Educação traduzidos para o português e que atingiram um alto índice de circulação nos cursos de Pedagogia: Franco Cambi, História da Pedagogia (25 indicações, 1ª edição em português: 1999); Mario Alighiero Manacorda, História da Educação: da Antiguidade aos nossos dias (20 indicações, 1ª edição em português: 1989); Luzuriaga, História da Educação e da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1955); Francisco Larroyo, História Geral da Pedagogia (10 indicações, 1ª edição em português: 1970 – com dois tomos). O intuito da investigação consistiu em verificar a forma como esses quatro autores concebem a História da Educação e da Pedagogia, partindo do pressuposto de que esses manuais comportam posicionamentos historiográficos distintos, embasados em teorizações diversas, de ordem ontológica, epistêmica e política.

José Carlos Souza Araújo, Betânia de Oliveira Laterza Ribeiro e Sauloéber Társio de Souza, da Universidade Federal de Uberlândia, discutiram a problemática “Haveria uma historiografia educacional brasileira expressa pelos manuais didáticos publicados entre 1914 e 1972?” Muito do que foi produzido a partir da expansão escolar, em meados do século XX, particularmente da formação de professores, sofreu grande influência de autores europeus. A produção de manuais didáticos, até os anos 1960, se caracteriza pela hegemonia do pensamento católico, embasada em orientação tridentina. Foram analisados dez diferentes manuais em circulação no período determinado, com a intenção de investigar a natureza, as interferências e as motivações, pelas quais foram produzidos. Os manuais explicitam os valores e o contexto da época em que foram produzidos, proporcionando a consolidação da ideologia, das concepções veiculadas e a construção de um conjunto de valores tidos como ideais, além de explicitar o público a que se destinam.

A seguir, José Roberto Gomes Rodrigues (Universidade do Estado da Bahia – campus de Juazeiro) discute “O ensino de História da Educação: um olhar reflexivo a partir da análise de planos e programas curriculares”, abrangendo a realidade de universidades de Belo Horizonte e da Bahia. A análise de planos e programas de ensino possibilita o entendimento de algumas questões referentes, destacadamente, ao papel que a disciplina História da Educação assume na formação de educadores em geral e de pedagogos em particular. O objetivo do capítulo consiste em contribuir para o debate em torno do processo instrucional da disciplina História da Educação e estimular questões relacionadas diretamente ao campo investigativo. Todo o conhecimento produzido na academia apresenta nova configuração ao ser ministrado de forma escolarizada. As atividades de ensino e aprendizagem exigem uma operacionalização diferenciada e institucionalizada conforme novos padrões. A disciplina História da Educação demonstra ser uma disciplina em constante embate entre a tendência à formalização e rigidez nos programas de ensino e a flexibilidade dos professores em tentar mudar a forma de ofertar a disciplina, com a introdução de novos temas.

Justino Magalhães, da Universidade de Lisboa, no capítulo “O ensino da História da Educação”, demonstra a necessidade de buscar as bases de uma reformulação do pensamento em torno da historiografia e a emergência de novos objetos de estudo a partir de determinadas influências ao longo do século XX. Surgem novos objetos, métodos e abordagens que proporcionam um diálogo entre a investigação historiográfica e o ato de ensinar. O ensino de História da Educação forma professores e pesquisadores, levando a uma gama de tendências, percebida no meio acadêmico e universitário. A História da Educação se manifesta, desde as décadas de 1960-1970, associada às ciências da Educação. A disciplina assume basicamente três naturezas possíveis: memória e patrimônio simbólico, discurso e prática historiográfica; disciplina de informação; componente epistemológico/domínio científico. Salienta-se a atualidade e a necessidade da História da Educação como componente de formação acadêmica, científica e profissional, no sentido de pensar a educação por meio da história.

Em seguida, Luiz Carlos Barreira, da Universidade Católica de Santos, apresenta o trabalho “Ensino de História da Educação na pós-graduação em Educação, no Brasil, na década de 1980: uma experiência revisitada”. Trata-se de uma reflexão sobre o lugar da disciplina História da Educação como parte das disciplinas básicas e obrigatórias dos cursos de pós-graduação stricto sensu, com base em quatro programas de ensino elaborados por professores da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na década de 1980. O autor traça, de forma panorâmica, as diversas tendências temáticas, metodológicas de ensino e pesquisa, percebidas no interior dos referidos programas. Assim, os citados programas de ensino demonstram a ideia de que, após a tomada de consciência dos processos de produção e de transformação da sociedade, é possível o empreendimento da reflexão acerca das condições sócio-históricas, destacadamente as de economia política.

O próximo trabalho, “Internacionalização de cânones de leitura: as Atualidades pedagógicas na Biblioteca Museu do Ensino Primário e o ensino de História da Educação”, de autoria de Maria Rita de Almeida Toledo (Universidade Federal de São Paulo – campus Guarulhos), ressalta a relevância da coleção Atualidades Pedagógicas, da Companhia Editora Nacional, em bibliotecas destinadas à formação docente em Portugal. Sempre houve uma intensa relação entre os mercados editoriais português e brasileiro. A Biblioteca Museu do Ensino Primário (BMEP) foi instalada em 1933 na Escola do Magistério Primário de Lisboa, sob a direção do intelectual escolanovista Adolfo Lima, com o objetivo de atender à formação de leitura dos professores primários. Entre os números que compunham o acervo da Biblioteca, estavam os livros da coleção Atualidades Pedagógicas, com significativa circulação de exemplares entre os docentes portugueses. Quanto aos exemplares de História da Educação da coleção Atualidades Pedagógicas em circulação no Brasil, apenas o volume de Paul Monroe foi disponibilizado no catálogo da BMEP, de Portugal, mesmo que Afrânio Peixoto tenha mantido estreita relação com o meio acadêmico português. Por ser um autor militante católico e, portanto, contrário aos interesses teóricos escolanovistas da BMEP, o volume de História da Educação de Theobaldo Miranda Santos não foi incluído.

A organizadora do volume, Marta Maria Chagas de Carvalho (Universidade de São Paulo), elaborou o trabalho “Por entre restos de memória: um relato sobre o ensino de História da Educação no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da USP (1971-1997)”. Trata-se do relato de experiência referente ao período de atuação docente da própria autora, envolvida diretamente na organização do ensino da disciplina História da Educação. Concentra-se no depoimento e caracterização a partir de anotações acerca da militância institucional, redefinição da identidade e da organização da disciplina no curso. Com a crescente mobilização acadêmica, houve a gradativa inclusão dos estudos históricos da educação no currículo oficial do curso. A disciplina História da Educação assume constante e gradativamente a função formativa, possibilitando a construção de uma identidade imaginária do estudante.

Mirian Jorge Warde (Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – campus Araraquara) escreve “Brincando nos campos do senhor: anotações para uma história da formação dos professores e do ensino da História da Educação no Brasil”. Segundo a autora, nas duas últimas décadas, houve uma dinamização da produção acadêmica em torno da História da Educação, ressaltando-se o surgimento de associações acadêmicas especializadas, o crescente lançamento de periódicos, assim como a organização de eventos nacionais e internacionais. Outro indício de seu crescimento como disciplina acadêmica consiste na realização crescente do número de pesquisas e o interesse cada vez maior do público em seus resultados. A partir desses pressupostos, a autora promove a investigação do perfil dos docentes em História da Educação em atuação nos cursos superiores brasileiros, respeitando alguns critérios como: o doutoramento como titulação mínima; uma constante e significativa produção acadêmica voltada exclusivamente para a área; a participação em associações e entidades representativas da categoria; a consulta a bases de dados como a plataforma Lattes do CNPq. Como resultado da análise empreendida, a autora confirma a existência de um grupo bastante heterogêneo em relação aos cursos de formação inicial (graduação) dos docentes de História da Educação no Brasil. Além disso, ressalta o momento atual de intensa renovação temática e metodológica, assim como a mobilização em torno da consolidação da disciplina História da Educação no meio acadêmico.

O trabalho, “Qual História da Educação ensinar?”, de autoria de Norberto Dallabrida (Universidade do Estado de Santa Catarina), funda-se no questionamento de qual disciplina escolar voltada para a história educacional deve ser ensinada, haja visto o recente crescimento e desenvolvimento da área no meio acadêmico/científico, demonstrando uma dinamização em torno de novos e desafiadores objetos de abordagem, assim como novas perspectivas teóricas e metodológicas. Há uma tendência notável para a microanálise, destacando-se a cultura escolar, existente em instituições escolares, bem como o exame das disciplinas escolares prescritas oficialmente e suas repercussões na prática cotidiana. Outra temática de destaque é a investigação de trajetórias profissionais de docentes. O propósito do capítulo consiste em repensar a seleção e organização dos conteúdos veiculados pela disciplina História da Educação ministrada nos cursos de formação de professores e de pedagogia, sobretudo.

A obra traz também a investigação intitulada “O período colonial nos manuais de História da Educação brasileira”, de Thais Nivia de Lima e Fonseca (Universidade Federal de Minas Gerais). A autora afirma que a maior parte dos livros voltados para a formação de professores, usualmente, categoriza os períodos da História da Educação brasileira com base em critérios políticos, sendo a classificação mais conhecida e difundida: colonial, imperial e republicano. O texto tem como objetivo analisar um conjunto de obras utilizadas nos cursos de formação de professores, assim como as obras de referência para a História da Educação no Brasil, voltadas especificamente para o período colonial (o menos investigado diante dos períodos imperial e republicano). Ressalta o aspecto de que, mesmo com as mais recentes remodelações da historiografia educacional brasileira, o período colonial ainda se mostra bastante defasado em termos de análise perante os outros dois períodos tradicionais (imperial/ republicano). Além disso, alerta que é fundamental maior cuidado no tratamento dado ao período colonial, sobretudo durante as aulas de História da Educação, de modo a desfazer os preconceitos difundidos entre os educadores, assim como estímular novas investigações acerca deste importante momento histórico do Brasil.

Finalmente, Zuleide Fernandes de Queiroz (Universidade Regional do Cariri) realiza, em “Ensinando História da Educação no curso de Pedagogia da Universidade Regional do Cariri”, uma análise da trajetória do ensino da disciplina no período compreendido entre 1998 e 2008. Seus objetivos são o registro, como historiadora da educação, da experiência de ensino da disciplina História da Educação e a análise dos efeitos de tal disciplina na formação acadêmica, demonstrando resultados voltados para o ensino e a pesquisa nas áreas de História, memória e políticas educacionais. A autora confirma a importância da constante renovação do ensino de História da Educação, ampliando os horizontes teóricos na formação acadêmica dos estudantes. Além disso, ressalta a necessidade do desenvolvimento de atividades de ensino articuladas à pesquisa.

Dessa forma, o volume seis da coleção Horizontes da pesquisa em História da Educação no Brasil enfatiza a necessária reflexão acerca dos elementos da história disciplinar da História da Educação e do seu ensino nos cursos de formação de professores, de nível superior, abrangendo cursos de graduação, e de formação de pesquisadores, nos cursos de pós-graduação (stricto sensu). Demonstra-se a existência de uma vitalidade de pesquisa em História da Educação no Brasil em geral e, particularmente, nota-se o surgimento de estudos e pesquisas sobre sua trajetória histórica disciplinar. Por sua vez, percebe-se também a ênfase de análises sobre as finalidades e os procedimentos metodológicos usualmente empregados no ensino da disciplina em diversos cursos na realidade educacional brasileira.

Geraldo Gonçalves de Lima – Doutor e Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia. É membro do GEPEDHE – Grupo de Estudos e Pesquisas sobre a Disciplina História da Educação. Atualmente é professor do quadro efetivo do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Triângulo Mineiro (IFTM – Campus Uberaba).  E-mail: [email protected]; [email protected]

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Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889) – GONDRA (RBHE)

GONDRA, José Gonçalves. Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822-1889). Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: PAULILO, André Luiz. Revista Brasileira de História da Educação, Campinas, v. 12, n. 3 (30), p. 235-241, set./dez. 2012

As dificuldades da compreensão histórica do que foi a educação no Império brasileiro são muitas e vão desde o trabalho cotidiano nos acervos públicos e as dificuldades de acesso à documentação até a sofisticada crítica da memória, constituída posteriormente, que o tema exige. É verdade que atualmente a tradição historiográfica republicana, que produziu o enorme vazio a respeito da educação organizada e mantida durante o Império no Brasil, foi superada por um sistematizado esforço de pesquisa e análise. A articulação de grupos de pesquisadores, em torno do período em eventos, como os Seminários de Fontes para a Pesquisa em História da Educação do Século XIX, e a publicação das conclusões de estudos sobre o oitocentos brasileiro vêm mostrando, há mais de uma década e com muita intensidade, que a educação brasileira oitocentista é um período fértil tanto para a problematização de questões atuais do campo educacional quanto da produção historiográfica.

No entanto, ainda há bastante o que fazer, conforme atesta o livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial (Brasil, 1822‑1889). O mais recente esforço para pensar a educação e a instrução nas províncias e na Corte é a obra organizada por José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, que reúne, em 15 artigos, uma plêiade de 23 especialistas no estudo da educação no tempo do Império, com o objetivo de “[…] visibilizar as experiências em termos de educação e instrução desenvolvidas na complexa malha provincial e na Capital do Império […]” (p. 13). Trata-se do terceiro volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, iniciativa da editora da Universidade Federal do Espírito Santo e da Sociedade Brasileira de História da Educação. Embora o título delimite o período 1822-1889 como recorte, e a proposta de organização dos capítulos tenha se efetivado em função da abrangência das iniciativas regionais então projetadas e desenvolvidas, as histórias que este livro traz não se prendem aos limites da história institucional e político-administrativa.

As orientações diversas da escrita e a própria diversidade dos autores preservam uma pluralidade de perspectivas que contribui para a compreensão das possibilidades de análise hoje presentes na historiografia. Entre outros, estão presentes investimentos de pesquisa sobre a educação dos índios amansados, sobre o uso dos métodos, dos espaços e dos tempos escolares e acerca das estratégias populares de educação ou de resistência ao modelo oficial de instrução. Cotejar esses diferentes interesses revela um importante trabalho com as categorias da análise histórica. Sob esse aspecto, perpassam o livro desde abordagens ancoradas na utilização de categorias como cultura escolar e forma escolar até a elaboração de instrumentos de análise muito próprios como o de processo escolarizador.

Outra chave de entrada para a leitura é o escopo dos textos. Nos estudos que estão reunidos em Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, há, por um lado, o esforço de síntese e interpretação e, por outro, a organização de inventários empenhados na discussão historiográfica da pesquisa acerca da educação no período. Sobretudo nos textos em que predomina o primeiro tipo de expediente, é possível acompanhar a construção de quadros compreensivos capazes de mostrar os principais resultados das iniciativas educacionais dos governos provinciais. Para as províncias do Amazonas e Pará, Ceará e Rio Grande do Norte, Paraíba e Pernambuco, Sergipe, Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, os autores indicam formas de abordar o processo de escolarização das suas sociedades e, principalmente, tecem relações entre o político e o cultural. De outro tipo é o entendimento que os mapeamentos da produção permitem ter. O levantamento dos estudos a respeito da história da educação no Maranhão e Piauí, no Rio de Janeiro, no Paraná, em Alagoas, em Goiás e Mato Grosso, e em Santa Catarina informa sobre a profusão dos objetos de pesquisa e dos meios de análise que vem sendo utilizada no trabalho com o oitocentos brasileiro. Por se tratar de uma diferença de ênfase e não de uma opção entre um expediente e outro, os 15 artigos reunidos neste livro auxiliam na tarefa de compreensão histórica, senão das realizações dos governos provinciais e da Corte, ao menos dos mecanismos explicativos que lhes indiciam as interpretações possíveis. Dessa perspectiva, o texto escrito por Maria Lucia Hilsdorf acerca de São Paulo é exemplar.

Mesmo que, de fato, se beneficie dos diferentes interesses de pesquisa e da pluralidade das perspectivas de análise dos seus autores, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial é daqueles casos raros de coletânea cuja força está no conjunto, no arranjo obtido pelo livro. Conforme os organizadores esclarecem no prefácio, solicitou-se aos autores que procurassem contemplar a bibliografia existente sobre educação na região, mapear o tipo de documentação disponível e pensar as perspectivas e desafios para a pesquisa em história da educação e instrução nas províncias e na Corte. Outra orientação geral do livro foi observar o emprego dos termos educação e instrução à época. Considerando que, então, a distinção entre as ações sobre os variados aspectos da conduta dos sujeitos sociais e as medidas voltadas para organizar e legitimar a escola na sociedade brasileira pautaram o debate acerca das modalidades de intervenção educativa, sugeriu-se rever e observar o uso dos termos educação e instrução na literatura pedagógica do período. O resultado conseguido, efetivamente, contribui para melhor entendimento da organização do ensino nas províncias e na Corte Imperial e das premissas teórico-metodológicas da sua historiografia. Uma leitura transversal, articulada e integrada, das contribuições que o volume colige mostra-o bem, sobretudo nos quatro pontos indicados pelos organizadores.

Primeiro, a varredura que os artigos realizaram da bibliografia acerca da educação nas províncias e na Corte mostra um importante acúmulo de reflexões. Trata-se de obras que são já clássicos de referência, como nos casos do que José Veríssimo, José Ricardo Pires de Almeida e Primitivo Moacyr publicaram. Há, igualmente, um conjunto de obras que, provenientes do campo da história, tornaram-se referência fundamental para o trabalho com a história da educação, como O Tempo Saquarema de Ilmar Rhollof de Mattos e os trabalhos de Sidney Chalhoub e Eni de Mesquita Samara. No campo específico da história da educação, as produções de, por exemplo, Oscar Thompson, Archimiro Mattos, J. L. Rodrigues, João Craveiro Costa, José Calasans, J. B. Mello, José Mendonça e Abelardo Duarte constituem referências significativas para a historiografia das províncias. Principalmente, chama atenção a profusão das novas produções. Maria Stephanou, Maria Helena Câmara Bastos, Elomar Tambara, Luciano Mendes de Faria Filho, Heloisa Villela e Tarcísio Mauro Vago são nomes que, na última década e meia, vêm consolidando a pesquisa sobre a educação oitocentista com suas publicações. Seus estudos são amplamente referenciados nos artigos editados nesta compilação. Também as teses e dissertações elaboradas nos programas de pós-graduação das universidades de diferentes estados brasileiros vão contribuindo com novas perspectivas de estudo. Nesse aspecto, o levantamento realizado da produção aponta que, de Norte a Sul, há trabalhos representativos da renovação dos estudos sobre o Império. Além da rede de referências que articulam, é relevante dizer que as contribuições reunidas neste volume foram produzidas por autores que igualmente têm publicado trabalhos fundamentais para o entendimento da história da educação oitocentista. Junto aos organizadores, José Gonçalves Gondra e Omar Schneider, colaboraram Adriana Feitosa, Adriana Maria Paulo da Silva, Alessandra Schueler, Berenice Corsetti, César Augusto Castro, Cynthia Greive Veiga, Elizabeth Siqueira, Fátima Neves, Ione de Souza, Irma Rizzini, José Carlos Silva, Leonete Schmidt, Maria das Graças Loiola, Maria Lucia Hilsdorf, Mauricéia Ananias, Samuel Castellanos, Sandra de Abreu, Sônia Maria Araújo e Terciane Luchese.

Depois, o mapeamento das fontes disponíveis para pensar a educação nas províncias e na Corte Imperial esclarece acerca dos caminhos da pesquisa histórica a respeito da escola oitocentista. Sob esse aspecto, Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial constitui um testemunho do quanto têm sido diversificadas as estratégias dos historiadores para definir seus objetos de pesquisa. Todo seu conjunto repõe a profícua discussão sobre as fontes da história da educação que, da última década e meia para cá, orientou grande parte da renovação historiográfica no país. Por um lado, a cuidadosa lembrança dos limites impostos pelas fontes ditas oficiais, como o são os relatórios das inspetorias provinciais e suas comissões, as estatísticas e recenseamentos, as atas e a legislação, não deixa esquecer a necessária crítica das fontes. Por outro lado, acompanha a reflexão sobre o uso de outros tipos de documentação a necessária crítica dos métodos e das categorias de análise empregadas. Assim, mostra-se que o trabalho com impressos, inventários, prestação de contas, listas de compra e de despesas com educação, livros, utensílios e boletins escolares, cartões-postais, fotografias, abaixo-assinados, anais de congresso, entre tantas mais, não tem renovado apenas os temas de pesquisa e sua abordagem, mas a própria elaboração metodológica que a interpretação dessas fontes implica.

Há também a preocupação com as possibilidades e limites da pesquisa sobre os processos de escolarização durante o Império e os desafios que atualmente se impõem aos profissionais deste canteiro da história da educação. A varredura da bibliografia e o mapeamento das fontes que resultam do trabalho realizado para a composição do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial delineiam-se numa espécie de estado da arte da investigação sobre os processos de escolarização do Brasil oitocentista. O avanço sobre os limites impostos pela historiografia produzida pelos renovadores escolanovistas e por uma certa história das ideias pedagógicas fica marcado tanto pela abrangência e natureza das fontes mobilizadas nas análises, quanto pela prática insistente da crítica historiográfica. No entanto, outras lacunas aparecem e, conforme orientação dos organizadores, são consideradas pelos autores. Não obstante a especificidade dos interesses e das expectativas de pesquisa em cada região, há preocupações muito gerais e indicativas dos espaços para a inovação. É recorrente, por exemplo, a constatação de que ainda se sabe pouco sobre a cultura material das escolas oitocentistas, compreende-se mal a história das redes de ensino constituídas fora das capitais e de que o conhecimento histórico sobre os processos de educação não formais continua precário. De outra parte, a pesquisa sobre a educação e os processos de aprendizagem entre escravos e libertos, as questões relativas aos povos indígenas, as dinâmicas educativas instituídas pelo viés do gênero, da etnia e da geração são igualmente campos ainda pouco lavrados. Também é significativo o número de relações que, segundo os autores, demandam investimento. Precisamente nesse sentido, reconhece-se o pouco que foi feito para se compreender, por exemplo, as relações entre as práticas prescritas e a atuação dos agentes do processo de escolarização; as táticas das populações consideradas escolarizáveis e as estratégias governamentais; a escolarização, a maçonaria e o ensino laico; e as relações das famílias e tutores com a questão da formação.

Finalmente, quarto ponto. A concepção do período em que a educação era um importante instrumento civilizador e a escola seu principal veículo se impõe às principais conclusões das pesquisas. Mesmo diante dos reduzidos números de atendimento escolar, foi por um hábil discurso acerca da educação que se procurou “superar a selvageria pela civilização” (p. 18), articular uma “estratégia civilizadora do povo” (p. 272) ou “promover os progressos civilizadores, materiais e políticos” (p. 446) da nação. E não só nos resultados, os estudos reunidos neste 3º volume da coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação expressam essa compreensão da época, a respeito das medidas tomadas para organizar as escolas e das ações efetuadas sobre a conduta de diferentes sujeitos sociais. Igualmente, os protocolos de leitura construídos pelos autores exploram o caráter civilizatório que então se queria dar à educação pública. A ênfase das análises nas iniciativas do poder público mostram sobretudo que a escola foi uma instituição constituída, justificada e disseminada no Brasil-Império como signo de civilização e progresso. Nesse sentido, além de delinear uma espécie de estado da arte da produção sobre a educação do período e apontar as ainda importantes lacunas da pesquisa, o livro organizado por Gondra e Schneider permite uma revisão das interpretações sobre as realizações da escola oitocentista no país. Trata-se, assim, de um livro útil tanto pelas referências de pesquisa e possibilidades de trabalho que sistematiza quanto pelas leituras que propõe.

A proposta deste volume determinou tarefas gerais a respeito do estudo da história da educação nas províncias e na Corte, que fizeram as análises individuais convergirem em pelo menos outros quatro aspectos. Por um lado, o trabalho de varredura e mapeamento se completa com a identificação dos grupos de pesquisa que atuam no estudo da educação no Império e dos arquivos e acervos que têm sido frequentados. Por outro, na reflexão sobre a história e a historiografia da educação à época, são insistentes a discussão da obra de Primitivo Moacyr e as preocupações com a distância entre o proclamado e prescrito em relação ao vivido e realizado. Assim, primeiro aspecto, o conjunto dos artigos compilados mostra uma rede de grupos de estudo e pesquisa, que indica a importância do trabalho coletivo na consolidação de um campo de investigação. Os relatos apontam que a atuação de pesquisadores vinculados ao GHIMEM/ MA, NEDHEL/MA, NEPHEPE/UFPE, GHENO/UFPB, HISTEDBR, CEDU/UFAL, GEPHE/UFMG, NEPHE/UERJ e GEM/UFMT, por exemplo, vem constituindo pontos de apoio e oportunidade de formação imprescindíveis para a consecução de investigações mais abrangentes e com capacidade comparativa. Decorre desse trabalho conjunto, um segundo aspecto das pesquisas sobre a educação oitocentista que os estudos demarcam com firmeza, o trabalho nos arquivos públicos estaduais. Os arquivos públicos de praticamente todos os estados do país são lembrados e têm uma parte do seu acervo analisada pelos autores. Terceiro aspecto: a obra de Primitivo Moacyr é presença marcante na análise de muitos dos artigos publicados neste livro. A compilação de fontes que ele produziu e as análises que articulou, num esforço de compreensão das iniciativas públicas na área da educação entre 1834 e 1889, são consideradas e discutidas em diferentes momentos e a propósito de diferentes províncias. Sobretudo, compreende-se, de diversas perspectivas, que as interpretações de Primitivo Moacyr precisam ser matizadas quando se quer analisar não só a história da educação no Império, mas também os programas a partir dos quais sua historiografia foi construída.

A respeito das preocupações com a sempre distante relação entre o prescrito e o realizado na educação brasileira, verificada em boa parte dos autores que colaboraram para as muitas realizações do livro Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um último comentário. Essa grade de leitura acerca da instrução do oitocentos é o que me pareceu mais próximo dos instrumentos de interpretação de uma história vista do centro, institucional e político-administrativa, presente no livro. Pretender compreender o alcance das iniciativas do poder público e as alterações nas práticas educativas a partir da análise da legislação, dos discursos da prática legislativa e de toda a série de documentos administrativos é operação que continua produzindo resultados. Ao lado do estudo das práticas e instituições da educação nas províncias e na Corte Imperial, o trabalho de reexame e de reescrita da história da educação daquele período atualmente em andamento, e de que este livro é um testemunho, tem sido feito em meio à abordagem desse tipo de documentação. No entanto, o trabalho com esse tipo de fonte não impede a elaboração de outras operações de leitura e interpretação. Nesse sentido e a título de exemplo, a reflexão acerca da relação que os vários grupos sociais que frequentavam a escola mantinham com seu funcionamento e com os mecanismos que aí estavam à disposição, ou sobre os que lhe resistiam, também visibiliza elementos tão fundamentais da situação concreta do fazer ordinário da escola, quanto os que foram manejados sob as vistas das instâncias do poder administrativo. Uma vez mais se trata de evitar a produção de um vazio, agora a respeito das tensões que se estabelecem na sociedade entre as suas várias instituições, entre diferentes grupos sociais e entre os múltiplos sujeitos que vivenciaram o cotidiano escolar.

No momento mesmo em que é revista, a história da educação e da escola oitocentista recebe, com a publicação de Educação e instrução nas províncias e na Corte Imperial, um tipo de contribuição que é característica dos períodos de reformulação dos problemas de pesquisa. Ao mesmo tempo em que insiste nos estados da arte e balanços, pratica modelos híbridos de compreensão dos objetos de investigação e sugere novos protocolos de análise e crítica.

André Luiz Paulilo – Professor na Faculdade de Educação Universidade Estadual de Campinas. E-mail: [email protected]

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História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI – XAVIER (RBHE)

XAVIER, Libânia; TAMBARA, Elomar; PINHEIRO, Antônio Carlos Ferreira. História da educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CARVALHO, Fábio Garcez de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

O leitor interessado em conhecer os caminhos que a pesquisa em História da Educação vem trilhando nesse curto século XXI encontrará nos dez volumes da Coleção Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil uma rica coletânea de artigos representativos do debate intelectual no campo. Aos organizadores coube a difícil tarefa de selecionar e organizar uma amostra dessa produção, que tem como marca identitária a pluralidade de abordagens teórico-metodológicas, fruto das mudanças de paradigmas nas Ciências Humanas.

Tal tendência renovadora se faz representar na seleção e organização do volume 5, denominado História da Educação no Brasil: Matrizes interpretativas, abordagens e fontes predominantes na primeira década do século XXI. O sumário é dividido em três partes que abrange o largo espectro de mudanças da historiografia da educação brasileira nas últimas décadas. A primeira parte é reservada às matrizes interpretativas. Nelas encontraremos os grandes sistemas de pensamento, que forjaram as tradições intelectuais que ainda hoje se fazem presentes no debate acerca da escrita da História em Educação. Na segunda parte privilegia-se o debate sobre métodos, onde são apresentados resultados de pesquisas em curso a partir do uso de diferentes fontes: oralidade, estatísticas educacionais e livro didático. Por último, a temática das novas abordagens se faz representar com a seleção de algumas pesquisas, representativas de tendências renovadoras.

No que se refere à primeira parte, o artigo Matrizes interpretativas da história da educação no Brasil republicano, de Libânia Xavier, nos oferece um painel apropriado da trajetória da historiografia da educação em relação com o pensamento social brasileiro mediante a operacionalização da definição de matrizes, proposta por Wanderley Guilherme dos Santos. Assim, dispomos de uma grade interpretativa que se propõe a analisar a construção da disciplina História da Educação em sua relação com os intelectuais e sistemas de pensamento que influenciaram de alguma maneira o próprio campo da educação no Brasil, a saber: 1) matriz político-institucional; 2) matriz sociológica; 3) matriz político-ideológica; 4) matriz histórico-cultural (p.20). Além de servir como texto orientador para a organização e seleção dos textos da primeira parte, representa também uma iniciativa de contribuir para o debate acerca das relações da historiografia da educação com o campo educacional, propriamente dito.

Assim sendo, cada um dos textos refere-se a uma matriz específica, diferenciando-se entre si no tipo de abordagem, questão e recorte temático proposto. É o que podemos constatar na leitura de O centenário de Sérgio Buarque de Holanda diz respeito à história da educação, de Marcos Cezar de Freitas. O autor explora as possíveis conexões entre o pensamento educacional de Anísio Teixeira e a historiografia de Sérgio Buarque de Holanda, na concepção intelectual do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Proposta de análise fecunda uma vez que nos remete a uma reflexão acerca de quão complexas foram as imbricações intelectuais que percorreram a construção do campo da pesquisa educacional no Brasil.

Outra análise centrada no intelectual representativo de uma respectiva matriz está presente em Florestan Fernandes e a construção de um padrão científico na educação brasileira, de Marcelo Augusto Totti. Evidencia-se no artigo a função desempenhada por Florestan Fernandes em tornar a sociologia uma disciplina norteadora dos padrões de cientificidade a que carecia, a seu ver, o campo educacional brasileiro. Os artigos supracitados tratam, portanto, de tradições intelectuais que se forjaram no interior do campo da educação brasileira a partir da interseção entre diferentes áreas de conhecimento.

Já os dois artigos seguintes, espelham uma das vertentes de pensamento presente no campo da educação: o marxismo. Em Marxismo e culturalismo: reflexões epistemológicas sobre a pesquisa em História da educação, de Marisa Bittar e Amarílio Ferreira Jr., o percurso do marxismo na pesquisa educacional – paradigma representativo da matriz político-ideológica – é abordado à luz de uma proposta interpretativa que leva em consideração a militância política e a formação teórica dos respectivos pesquisadores. Perspectiva que se evidenciou fecunda uma vez que os autores articularam a sua condição de testemunho da história com a sua prática de pesquisa no interior da Universidade. O marxismo, assim, torna-se um problema de pesquisa, conforme podemos atestar na própria opção em investigar a presença desse referencial teórico nas dissertações de mestrado da UFSCar entre os anos de 1976-1993. Tal pesquisa resultou no balanço crítico da produção fundamentada no corte temático das instituições escolares, que tem marcado intensamente o campo da história da educação no contexto da renovação historiográfica.

O leitor encontra outras considerações críticas acerca das tendências renovadoras da historiografia educacional em História cultural e educação: questões teórico-metodológicas, de Sérgio Castanho. O autor é claro em sua inquirição à influência da História Cultural na pesquisa em educação na medida em que sugere uma reflexão sobre os seus possíveis limites na abordagem de temas relativos “[…] à profissionalização docente, a temporalidade e a espacialidade escolar, o impacto da passagem da cultura ágrafa à alfabetização e outros âmbitos educacionais específicos” (p.109).

As questões propostas tornam-se instigantes em face da hegemonia da História Cultural nos estudos em História da Educação. Ao propor debater as relações entre os respectivos campos, o autor explicita a sua crítica às concepções que elevam a cultura à causa primeira dos acontecimentos sociais, subordinando o processo histórico a sua dinâmica. De modo geral, é uma questão teórica fundamental que tem colocado em lados opostos defensores e críticos da História Cultural.

Quanto à segunda parte da coletânea, dispomos de quatro textos representativos do impacto das tendências historiográficas renovadoras na escrita em História da Educação. O primeiro deles, Fontes e métodos na história da educação, de Elomar Tambara & Avelino Rosa Oliveira, segue na linha de questionamentos, a partir de uma abordagem marxista, à influência da Nova História. Concordando ou não com as concepções esposadas pelos autores sobre a construção do conhecimento histórico e as críticas às novas tendências historiográficas, o leitor tem em mãos os argumentos críticos às novas metodologias em história da educação que tem resultado na fragmentação do objeto de estudo e o ‘(…) relativo afastamento da idéia de totalidade”(p.160).

Por outro lado para demonstrar a vitalidade da renovação dos estudos em história da educação, o leitor dispõe de A História da Educação conjugada à história Oral em Imagem videográfica, de Bernadeth Maria Pereira. De acordo com a sua análise, a oralidade contribui para a renovação historiográfica sob três perspectivas: 1) destaca-se por sua especificidade metodológica à medida que problematiza a relação entre entrevistado e entrevistador; 2) a oralidade pode trazer à baila a voz dos “excluídos” e dos “esquecidos” para o âmbito da pesquisa acadêmica. Outrossim, a autora demonstra que a contribuição da história oral para a renovação da historiografia educacional não é tão recente quanto se parece, mas remonta aos anos 1970, a exemplo do trabalho de pesquisa de Zeila Dermatini (1979), que focado no estudo da memória de professores, “objetivou trazer à luz o conhecimento de um período ainda bastante desconhecido naquela época sobretudo no tocante ao aspecto educacional em áreas rurais no estado paulista” (p. 182)

Se uma das virtualidades do uso da história oral foi a deampliar o escopo documental dos pesquisadores para além dos dados quantitativos, no artigo Os limites das estatísticas educacionais por aqueles que os produziram, de Natália de Lacerda Gil, somos convidados a uma reflexão crítica sobre um tipo de fonte tradicional, que os historiadores de ofício denominam de fonte serial. No caso do estudo em questão, a autora se debruça sobre as estatísticas educacionais. As certezas quanto a sua objetividade e infalibilidade para orientar as políticas educacionais são postas em cheque a partir de uma investigação de alguns trabalhos estatísticos realizados pelo estado brasileiro no final do século XIX e a primeira metade do século XX. Ao explorar essa produção, a autora, tece a sua argumentação em duas direções: 1) as lacunas que envolvem os problemas técnicos de seleção e operacionalização de dados estatísticos; 2) analisa os discursos, fundamentados no universo simbólico de certezas científicas, que acompanha a construção do saber estatístico em sua aplicação na área da educação. As tensões advindas da interseção entre duas áreas distintas de conhecimento são exploradas com competência, a ponto de, ao final da leitura, ser possível refletir acerca da complexidade do campo educacional. Aliás, convite sugerido pela própria autora ao advogar uma postura crítica dos pesquisadores frente à “apropriação no meio educacional de qualquer conhecimento produzido no meio científico” (p.215).

A segunda parte da coletânea é finalizada com a apresentação de uma pesquisa de doutorado em andamento. O artigo: Pesquisa em História da Educação: localização e seleção de livros didáticos de história do Brasil no contexto republicano, de Kênia Hilda Moreira, é um relato de pesquisa cujo foco é a apresentação dos procedimentos metodológicos para a busca, seleção e construção do corpus documental que, no caso em questão, são os livros didáticos de História. Aliás, uma fonte que apresenta um enorme potencial a ser explorada, conforme defende a autora. Dispomos, então, de um artigo representativo da produção atual em história da educação que, por sua vez, segue os caminhos de renovação historiográfica a partir da incorporação de novas fontes.

Ao chegarmos à terceira parte da coletânea referente às abordagens, encontramos em As novas abordagens no campo da história da educação brasileira, de Antônio Carlos Ferreira Pinheiro, um texto-síntese acerca dos percursos da renovação da História da Educação. Esta é relacionada às mudanças no campo historiográfico, em que despontam três segmentos: a Nova História Cultural, a História Social inglesa e a Micro-história italiana; lugares a partir dos quais os historiadores da educação brasileira têm buscado os seus referenciais teóricos. As experiências de pesquisa com a história oral, de acordo com o autor, têm contribuído para os estudos de história de vida, bem como possibilitado uma “aproximação com as temporalidades mais contemporâneas, ou seja, produzir na perspectiva da história do tempo presente’. (p.257). Este insight nos faz refletir acerca das possibilidades futuras que envolvem o diálogo com a História do Tempo Presente – território ainda inexplorado na comunidade de historiadores da educação.

Em seguida, nos deparamos com dois artigos que corroboram a tendência marcante do uso da oralidade na pesquisa em História da Educação nos últimos dez anos. Sem dúvida é uma metodologia que vem norteando o debate e configurando linhas de pesquisa na pós-graduação. No entanto, o que chama a atenção são os distintos usos a que foi submetida. Em Histórias de vida de destacados educadores no contexto espaço-temporal da história do Rio Grande do Sul, de Maria Helena Menna Barreto Abrahão, a História Oral serve como suporte para a construção da metodologia em História de Vida. Ao advogar a relevância teórico-metodológica dos estudos em História de Vida, a autora trata das implicações desses estudos para a própria formação e profissionalização de professores. Ou seja, a História da Educação imbrica-se com a pesquisa educacional, conforme se explicita no diálogo com a produção bibliográfica de estudos de currículo e de formação docente. Já no artigo História oral e processos de participação nas culturas do escrito, de Ana Maria de Oliveira Galvão, há o relato do desenvolvimento da pesquisa sobre osprocessos de inserção de indivíduos e grupos sujeitos à oralidade na cultura escrita, onde são tecidas algumas considerações críticas acerca das potencialidades e limites dos testemunhos orais. “Afinal, se a ‘história’ oral tem o poder de desmistificar, pode também ser objeto de mistificação, como qualquer outro tipo de fonte” (p. 316). A pesquisa em questão estrutura-se em torno de forte diálogo com a História Cultural.

Seguindo na trilha desse diálogo, o artigo A teoria sobre associações voluntárias como matriz interpretativa das instituições escolares protestantes no Brasil, de Ester Fraga Vilas-Bôas Carvalho do Nascimento, reafirma a riqueza de possibilidades que a História Cultural oferece ao realizar uma pesquisa inovadora sobre as escolas protestantes no Brasil à luz dos escritos de Norbert Elias. Tendo a preocupação de romper com uma visão excessivamente mecânica da circulação das missões protestantes na América latina – vistas como representativa da crescente hegemonia norte-americana no continente -, a investigação traz questões instigantes referentes às conexões entre a dinâmica do protestantismo nos Estados Unidos e a sua expansão no Brasil.

A abordagem em História Cultural, a partir do conceito de representação de Roger Chartier, se faz presente no artigo Arquivo pessoal como fonte para a História da educação: Coleção professor Jerônimo Arantes, Uberlândia-MG (1919-1961), de Sandra Cristina Fagundes de Lima. Nele, a autora discorre sobre a formação do arquivo histórico da cidade de Uberlândia a partir do acervo pessoal do professor Jerônimo de Albuquerque; acervo esse que abrange documentos iconográficos, impressos variados, correspondências e documentos escolares. Esta dimensão da pesquisa, relatada pela autora, motiva uma reflexão acerca da relevância dos arquivos públicos municipais em cidades médias e pequenas em sua tarefa de preservar e organizar documentos locais. Tarefa indispensável para viabilizar os estudos em História Local, ainda ser explorado no País, bem como ampliar as possibilidades de diálogo da História da Educação com essa área de pesquisa.

A despeito das diferenças teórico-metodológicas e de suas polêmicas, cada um dos artigos, a seu modo, contribui para uma reflexão mais ampla sobre os aspectos teórico-metodológicos da escrita em História da Educação. Da mesma maneira que nos permitem refletir sobre questões específicas que acompanham as diferentes matrizes interpretativas.

Por tudo o que foi apresentado, podemos afirmar sem sombra de dúvidas que esta Coleção é um retrato da dimensão a que os estudos em História da Educação assumiram para a pesquisa educacional brasileira. Concordamos com Ângela de Castro Gomes, no prefácio da obra, quando afirma que este “[…] crescimento quantitativo e qualitativo é um ‘fato social’ a ser remarcado, seguindo-se a linha de se pensar a historicamente a História da Educação […]” (p. 13). Nesse sentido, é mister reconhecer a relevância da iniciativa editorial que cumpre o papel estratégico de apresentar para um público mais amplo um panorama do rico e complexo campo da produção intelectual realizada nos programas de pós-graduação em educação das universidades brasileiras.

No tocante ao volume cinco, este objetivo foi amplamente alcançado, pois algumas tendências podem ser destacadas após o término da leitura. A primeira refere-se ao estreitamento do diálogo com a produção historiográfica internacional como fato relevante na reconfiguração da escrita em História em Educação. Fato que se pode constatar de imediato após a consulta aos referenciais bibliográficos, geralmente vinculados à denominada Nova História, mas não exclusivamente. A segunda refere-se à vitalidade da produção nacional, oriunda dos programas de pós-graduação que tem servido como parâmetro para a elaboração de novos projetos, formulação de novas questões e uma reflexão sobre si mesma que demonstra o amadurecimento intelectual e a criatividade imperante nas pesquisas em curso.

Fábio Garcez de Carvalho – Doutorando em História da Educação na Universidade Federal do

Rio de Janeiro. E-mail: [email protected]

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Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX) – GONÇALVES NETO et al. (RBHE)

GONÇALVES NETO, Wenceslau; MIGUEL, Maria Elisabeth Blank; FERREIRA NETO, Amarílio. Práticas escolares e Processos Educativos: Currículo, Disciplinas e Instituições Escolares (séculos XIX e XX). Coleção: Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil, 4.  Vitória: Edufes, 2011. Resenha de: OLIVEIRA, Antoniette Camargo de. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011.

Este livro é o volume quatro da coleção “Horizontes da Pesquisa em História da Educação no Brasil”, resultado da parceria entre a SBHE e a Ufes, cujo primeiro volume foi publicado (em 2009) para comemorar o décimo aniversário da SB HE. Assim como os outros três volumes, seu objetivo é reunir pesquisas e estudos tanto sobre perspectivas teóricas, metodológicas e temporais diversas ou complementares entre si, quanto aquelas originárias das várias instituições acadêmicas e localidades nacionais e ou internacionais, preocupadas em produzir conhecimento principalmente sobre história da educação. Nesse sentido, tal iniciativa tem vindo ao encontro de uma necessidade premente por uma visão mais ampla, possibilitadora de estudos comparativos que efetivamente contribuam para a compreensão crítica do processo histórico e para o apontamento de projetos e ações positivas na área escolar.

Optou-se por comentar os quinze capítulos, dispondo-os tanto numa sequência temporal crescente, do Império ao século XX, quanto buscando integrá-los em termos de fontes, objetos, contextos e perspectivas. Sobre a Região Sudeste há quatro capítulos, sobre a Região Sul há três, e um sobre a Norte. Quanto aos outros, de maneira geral, dizem respeito a especificidades da educação enquanto referência nacional.

Analete Regina Schelbauer, ao abordar a escolaridade primária em São Paulo, com o seu “Das normas prescritas às práticas escolares: a escola primária paulista no final do século XIX”, deixa à mostra preocupações que não eram apenas nacionais, mas também internacionais, a respeito da necessidade de se alcançar efetivamente os trabalhadores, de forma a “cidadanizá-los” e civilizá-los. Inicialmente ela aponta para o que se idealizava em termos de educação popular e que servia de modelo, a partir dos ministérios da instrução de outros países na mesma época. Ao lançar mão de leis e regulamentos, bem como de relatórios de professores primários da então província paulista, a autora traz para o âmbito nacional as propostas (normatizações) e práticas implementadas (instituídas) ou apenas relatadas pelos professores da província de São Paulo, colaborando por formar a nação brasileira, moderna e competitiva que se queria. Normas e relatos estes – em termos de divisão do alunos, matérias ou disciplinas a serem ensinados, métodos e instrumentos ou utensílios de ensino –, que pela perspectiva da autora em questão, podem servir de referência para futuras pesquisas, a partir de outras províncias, e decorrentes trabalhos de comparação.

Comparação, esta, que já se mostra possível, considerando outro autor, o qual também cuida das preocupações relativas ao ensino primário, voltado para os homens livres, pobres e ex-escravos, também a partir da segunda metade do século XIX, em preparação às esperadas mudanças advindas com a República. Trata-se de Carlos Henrique de Carvalho, com o seu “Legislação, civilidade e currículo: processo de escolarização primária em Minas Gerais (1835-1889)”. Escrevendo a partir das leis, regulamentos, resoluções e portarias mineiras, estabelecidas no decorrer do período, o autor chama a atenção para a influência da Igreja Católica, nas instâncias legislativa e executiva relativas à educação, aspecto que pode constituir-se num diferencial desta província em relação às outras. É interessante também comparar Minas e São Paulo, nos quadros de Carvalho (p. 214) e Schelbauer (p. 38), a respeito da divisão do ensino primário em graus e matérias, sendo que o mineiro diz respeito a 1859 e o paulista a 1887, o que pode ser demonstrativo da posição de vanguarda de Minas em termos de preocupações com o ensino “popular” em relação a outras províncias.

Ainda relativo ao ensino primário, e em complemento aos dois trabalhos anteriores, Rosa Fátima de Souza escreve sobre “A organização pedagógica da escola primária no Brasil: do modo individual, mútuo, simultâneo e misto à escola graduada (1827-1893)”. Os autores já resenhados apontam para a existência de supostos métodos de ensino no Império, seja a partir das legislações ou dos relatórios de professores. Entretanto, é Souza quem vai problematizar seus respectivos conceitos, origens, diferentes significados ou concepções que circularam no país em cada situação e em certas províncias. Conforme a autora, o Brasil carece de estudos sobre o surgimento e alterações sofridas pelo método simultâneo.

Maria Elizabeth Blanck Miguel, em “Práticas escolares e processos educativos na escola provincial paranaense (1854-1889)”, se utiliza de leis e regulamentos enquanto fontes, mas também, especialmente, de relatórios de professores, ricos em detalhes a respeito dos reais problemas educacionais daquela província do Sul. Quanto ao processo de instalação do método simultâneo na província do Paraná (que remete ao capítulo de Souza), é um trabalho indicativo das diferenças e semelhanças educacionais daquela região em relação ao Sudeste, região em torno da qual parecem estar voltados a maioria dos trabalhos nesta área. Verifiquem que há um trecho da Instrução Geral de 27 de dezembro de 1856, transcrito por Souza (p. 356), o qual também foi utilizado de forma mais completa por Blanck Miguel, nas páginas 184 e 185.

Para além de tais métodos ou modos (p. 339) de ensino que, grosso modo, vieram se desenhando no Império brasileiro, Wenceslau Gonçalves Neto com o capítulo “A organização escolar em Minas Gerais no início da República: intenções, métodos e currículos nas propostas educacionais do Estado e dos Municípios”, chama a atenção, pelo menos no caso de Minas Gerais, para o método intuitivo, o qual talvez proporcionasse uma segurança maior ao professor na condução dos alunos, método este mais direcionador que os anteriormente apontados por Souza. A suposição de que fosse o método intuitivo o adotado nas escolas públicas, deve-se inclusive ao instrumental ou mobiliário escolar apontado na legislação mineira. Um outro tópico trabalhado por Gonçalves Neto, e que também nos dá pistas para outras percepções, é o que trata do currículo. Se compararmos o que estava prescrito na legislação estadual para as escolas primárias no início da República (p. 443) com os quadros das páginas 214 e 220, relativos ao Império na província mineira, perceberemos que muito pouca coisa mudou em termos de parâmetros disciplinares. Entretanto, ficam claras as diferenças entre o prescrito pelo Estado e o instituído pelos municípios. Tal capítulo é uma referência importante para aqueles que queiram desenvolver suas pesquisas e estudos sobre a História da Educação de quaisquer municípios mineiros.

Na passagem do Império para a República, Lúcio Kreutz, em “Práticas escolares entre imigrantes no Rio Grande do Sul: 1870-1940”, elabora uma espécie de síntese das considerações desenvolvidas ao longo de sua trajetória enquanto pesquisador da educação. De qualquer maneira, são nítidas as diferenças em relação aos trabalhos sobre os quais já se comentou, considerando a especificidade do seu objeto, consubstanciado em comunidades rurais étnicas, a partir do que ele intitula “escolas de imigração”. Deixa claro o papel da Igreja e do Estado, bem como as características, inclusive físicas, que favoreceram a formação dos núcleos rurais e suas respectivas escolas. Mesmo heterogêneas entre si – além de denotar uma contradição, por terem favorecido a cultura de origem dos imigrantes em detrimento da nacional –, não deixa de ser uma experiência referencial em termos de participação comunitária, onde a cultura e a religião foram primordiais no sucesso daqueles experimentos de ensino e aprendizagem.

“A escolarização da infância: prescrições na imprensa periódica da Educação Física (1932-1945)”, de Rosianny Campos Berto e Amarílio Ferreira Neto, toma como fonte/objeto duas revistas publicadas no período, uma sob a responsabilidade da Escola de Educação Física do Exército e outra sob a de civis, ligados à Associação Cristã de Moços e elaborada pela Companhia Brasil Editora. De ambas as revistas, publicadas no Rio de Janeiro, os autores analisam os artigos voltados para a educação física escolar infantil, assunto priorizado pelos respectivos editores no período. Destacam a necessidade de demarcação de poder por parte de cada grupo, a partir de suas publicações, bem como as diferentes concepções que tinham a respeito da infância.

“Práticas escolares em escolas normais rurais do Rio Grande do Sul (1940-1970)”, de Flávia Obino Corrêa Werle aponta para uma das consequências das propostas de nacionalização do ensino, responsáveis pelo fechamento de muitas escolas étnicas a partir dos anos de 1930, especialmente nas colônias rurais rio-grandenses das quais trata o já citado Lúcio Kreutz. A autora chama a atenção para o caráter masculino dos discentes nas então escolas normais rurais, a contrapelo da ideia de feminização do magistério, prevalente nos diversos estudos; deixando claro também a valorização do esporte pela comunidade escolar, dentro e fora do currículo, enquanto forma de reforço do pertencimento e integração escola/comunidade; o que corrobora, em parte, com os ideais preconizados pelas fontes/ objetos do estudo de Berto e Neto a respeito da educação física.

No capítulo “A centralidade do instrumento de trabalho na relação educativa: a escola moderna brasileira nos séculos XIX e XX”, Gilberto Luiz Alves é objetivo nas suas impressões a respeito de como veio se consolidando o uso dos manuais ou livros didáticos em sala de aula no Brasil. Manuais estes que, segundo ele, deram vida à organização do trabalho didático ideada por Comenius no século XVII, em que a centralidade na relação educativa passa a ser o instrumento de trabalho, em detrimento do professor ou do aluno. Referência a respeito deste objeto, o autor estabelece os avanços em termos de outras pesquisas já produzidas, dando destaque à tese de Gatti Júnior (2004).

Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas, ao escrever sobre “As lições de português para o ensino ginasial no Estado Novo, nas Páginas floridas”, dá continuidade à problemática dos livros didáticos, especialmente nas décadas de 1930, 1940 e 1950. Para tanto, trata do então competitivo mercado editorial e da legislação relativa à produção de tais livros, antecedendo o período trabalhado por Gatti Júnior (citado anteriormente). Para o editor da coleção Páginas floridas, o livro ditático não deveria ter um papel central enquanto instrumento de trabalho na relação educativa, conforme consta no trecho de um prefácio transcrito nas páginas 103 e 104.

Maria Elizabete Sampaio Prado Xavier, escrevendo quanto às “Noções de História da Educação para professores: o manual de Afrânio Peixoto (1876-1947)”, nos dá indícios sobre o tipo de conhecimento a respeito da História da Educação a que os normalistas das décadas de 1930 e 1940 tiveram acesso. Contribui, igualmente, para um debate atual relativo à distância entre o conhecimento produzido e aquele diretamente utilizado na sala de aula, especialmente na formação de professores.

“O debate ciências versus humanidades no século XIX: reflexões sobre o ensino de ciências no Collegio de Pedro II”, de Karl Michael Lorenz e Ariclê Vechia, nos remete a um contexto geral ainda atual. Os autores concluem – através da análise e comparação das diversas reformas do ensino secundário, bem como dos currículos implantados nos Colégio de Pedro II e Gymnasio Nacional (referência para o ensino no Brasil a partir da então capital federal) – sobre a prevalência das disciplinas humanísticas ou clássicas em detrimento das científicas, técnicas ou realistas. Também apontam para as razões que levaram tanto autoridades quanto público, “a rejeitar o papel das ciências na vida acadêmica dos alunos secundários” ao longo de todo o XIX.

Complementarmente, Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França escreve sobre a “História do ensino secundário brasileiro republicano: o Liceu Paraense”, a reboque da legislação nacional. Suas análises, sem dúvida, servem de modelo para outros trabalhos a respeito deste grau de ensino nos demais estados brasileiros. Enquanto Lorenz e Vechia chamam mais a atenção para a característica propedêutica, do secundário para o superior, França joga luz sobre o sistema de exames parcelados, prática comum durante o Império e que pode explicar o esvaziamento e as desistências verificadas nas então escolas secundárias públicas. Esta autora também analisa detidamente as mudanças curriculares pelas quais passou o Liceu Paraense na República.

Em “‘Uma aventura para o dia de amanhã’: o projeto do serviço de ortofrenia e higiene mental na reforma Anísio Teixeir (1930)”, Adir da Luz Almeida e Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi acabam por estabelecer como se deu, no Brasil, as ideias precursoras dos princípios de normatização, integração e inclusão que se sucederam a partir dos anos de 1950. Tratou-se de uma das frentes da referida reforma, em que as “crianças problema” ou detentoras de alguma “anormalidade”, a princípio indicadas pelos seus professores, teriam sua vida (dentro e fora da escola) esquadrinhada numa ficha, a partir da qual profissionais especializados apontariam o tratamento mais adequado a receberem, pelos pais ou professores, no sentido de melhor se socializarem.

Finalmente, Ester Buffa e Gelson de Almeida Pinto, em “A educação infantil e o espaço escolar: três instituições criadas no final do século XX”, nos dão indicativos sobre a arquitetura escolar mais contemporânea, de escolas cujos projetos de construção foram pensados a partir de seus respectivos ideais pedagógicos. Duas escolas construtivistas, em Porto Alegre e Uberlândia e uma outra que adota a Pedagogia Waldorf, em Capão Bonito, ambas criadas nas décadas de 1980 e 1990. Além de nos incitar a observar e refletir a respeito dos projetos arquitetônicos das instituições escolares as/nas quais trabalhamos e ou pesquisamos, os autores apontam para a necessidade de um trabalho multidisciplinar, no sentido de se pensar, projetar e construir espaços escolares infantis, que possibilitem sua utilização “plena e intensamente”.

Referências 

GATTI JR., Décio. Livro Didático e Ensino de História: dos anos sesenta aos nossos dias. São Paulo: PUC-SP, 1998.

Antoniette Camargo de Oliveira – E-mail: [email protected]

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Estado e políticas educacionais na educação brasileira – SAVIANI (RBHE)

SAVIANI, Dermeval. Estado e políticas educacionais na educação brasileira. Vitória: EDUFES, 2011. Resenha de: CASTANHO, Sérgio. Revista Brasileira de História da Educação, v. 11, n. 3 (27), p. 153-182, set./dez. 2011

Uma fecunda parceria entre a Universidade Federal do Espírito Santo, por sua editora, e a Sociedade Brasileira de História da Educação, para comemorar os dez anos de existência desta última, completados em 28 de setembro de 2009, resultou numa iniciativa editorial das mais importantes: uma dezena de volumes sobre dezeixos temáticos em torno da história da educação. O volume de número 6 é este de que aqui nos ocupamos. Organizado pelo renomado educador Dermeval Saviani, cuja contribuição à história da educação brasileira tem sido das mais relevantes, este livro acrescenta muito à reflexão histórica sobre o papel do Estado nas políticas educacionais no Brasil. Sem mais delongas, passemos ao conteúdo do volume.

Abrindo a coletânea, deparamo-nos com o capítulo de seu organizador, Dermeval Saviani, intitulado “O Estado e a promiscuidade entre o público e o privado na história da educação brasileira”. O autor revela essa “promiscuidade” (termo que ele próprio questiona, mas defendendo sua utilização) entre as esferas pública e privada na educação brasileira. Isso é feito rastreando a simbiose público-privada desde o período da “Educação pública religiosa (1549-1759)” até o atual, objeto da indagação “Educação pública: dever de todos, direito do Estado? (1961-2007)”, passando pelos momentos da “Educação pública estatal confessional” (1759-1827)”, da “Instrução pública e ensino livre (1827-1890)”, da “Instrução pública para os filhos das oligarquias (1890-1931)” e da “Educação pública e industrialismo: o protagonismo das três trindades (1931-1961). Ao chegar à atualidade, Saviani mostra o paroxismo dessa promiscuidade “assumindo novas e variadas formas que estão em curso”. O autor é incisivo na sua crítica: “Tudo se passa como se a educação tivesse deixado de ser assunto de responsabilidade pública a cargo do Estado, transformando-se em questão da alçada da filantropia”. Na conclusão, o caminho aventado por Saviani é o de radicalizar o caráter da educação como coisa pública (res publica): “Republicanizando a educação, estaremos radicalizando uma das promessas da burguesia liberal e, com isso, explorando seu caráter contraditório tendo em vista a superação dessa forma social”.

O segundo artigo, “Estado e cristandade nos primórdios da colonização do Brasil: implicações para a política educacional”, é assinado por José Maria de Paiva, autor clássico no estudo desse período de nossa história da educação. O capítulo traz a marca registrada de Paiva, que imprime a seus trabalhos invulgar profundidade de reflexão e análise, a par de um extremo cuidado no trato com as fontes. A gênese do Estado, na passagem do medievo para a modernidade, é estudada a partir de textos de Tomás de Aquino e John Locke. Referência central no pensamento histórico do autor é a necessidade de partir da cultura social para o entendimento do Estado. É por esse caminho que Paiva chega ao Estado português no período da colonização americana, ininteligível fora do âmbito da cristandade – que é o “modo de ser social” conformador da esfera pública. Como era a relação entre o Estado e a educação? Talvez uma passagem do texto em foco possa contribuir para responder a indagação: “Pela tradição, a escola refletia o religioso, como toda a vida social, mas tinha como objeto o cultivo do que então se entendia por ciência. Pelo papel que lhe cabia – de assegurar a manutenção da cultura – era ofício real; em termos atuais, ofício do Estado”. Realeza, Igreja, Educação – tudo fazia parte de um mesmo bloco, eu quase diria um “bloco histórico”, marcado ademais pela prática mercantil, que na modernidade passou a reclamar o tipo de conhecimento que a escola podia fornecer, basicamente a leitura e a escrita. Do geral o autor passa para o específico, o colégio jesuítico no Brasil. Os jesuítas, no entender de Paiva, foram a única ordem religiosa a estabelecer colégios no Brasil, o que se deve a que a eles, e a mais ninguém, o rei delegou a tarefa de evangelizar os índios e preparar os futuros evangelizadores. Trabalhando com a categoria histórica de “experiência”, o autor mostra que os colégios foram organizados tendo por base a experiência das universidades que os antecederam cronologicamente. Conjugados, os conceitos de cultura social e de experiência dão conta, no trabalho de Paiva, de explicar a política educacional na América colonial portuguesa a cargo dos agentes inacianos.

Ainda trabalhando com esse tema, com fundamentos e propósitos que ora se aproximam ora se afastam do precedente, o artigo terceiro tem o timbre de Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro, intelectual atuante na docência e pesquisa da UESB – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. O título do capítulo é “O Estado e a política educativa dos jesuítas na história da educação brasileira”. Iniciando por evidenciar as raízes da ordem jesuítica no cenário mundial marcado pelo concílio tridentino, Ana Palmira detém-se no estabelecimento e expansão da Companhia em Portugal e seu posicionamento no contexto da Igreja e da Realeza nessa parte da Ibéria. Só então estuda os jesuítas no Brasil, suas províncias, suas casas de profissão, seus colégios e seus seminários. Taxativa, para ela a “história da companhia de Jesus confunde-se com a própria história da educação brasileira colonial”. Alargando a mirada, Ana Palmira afirma que “os jesuítas palmilharam todos os espaços d território colonial: o campo econômico, pacificando e adestrando a mão de obra indígena e negra; a seara política, exercendo forte influência na Coroa Portuguesa e participando das mais importantes decisões de caráter político e religiosa da época; as diversas instâncias da vida cultural, veiculando ideologias literárias, imagéticas e religiosas; e, finalmente, o terreno prático, mediante o exercício do apostolado missionário da educação formal, ministrada nos colégios, e do sermonário religioso, pregado no púlpito das igrejas”. Não resisto à tentação, para usar uma expressão que cabe à talha ao tema em foco, de uma citação final, em que Ana Palmira sintetiza o sentido da educação jesuítica no Brasil: “Nesse sentido, especialmente o ensino religioso, compreendido no seu sentido lato (a catequese, as normas religiosas impostas e obrigatórias, a doutrinação, os castigos, as representações imagéticas, os rituais, os cultos e, principalmente, a pregação), foi a forma mais eficiente de educação daquele tempo, pois doutrinava, simultaneamente, os senhores e os escravos, os possuidores e os despossuídos, os poderosos e os subjugados. Os jesuítas educaram para o êxito da empresa colonial, para a manutenção do status quo de um pequeno grupo e para a instauração de formas de mentalidades peculiares, que ultrapassaram as barreiras daquele período e que perduram, até hoje, como traços característicos da sociedade brasileira”.

O quarto artigo é da uspiana e pesquisadora do CNPq Carlota dos Reis Boto, tendo por título “Pombalismo e escola de estado na história da educação brasileira”. Para a autora, é preciso deixar de lado a ideia de que o ensino público no Brasil foi obra dos republicanos, pois remonta à ação do Marquês de Pombal, bem antes da eclosão da República no país. Boto não se restringe a mapear os feitos pombalinos. Ad astra per aspera: ela procura o caminho mais penoso, pesquisando o iluminismo português, de que Pombal foi adepto e coautor. Vendo uma das características desse iluminismo, a secularização, como “um modo de ser mundo”, ela esclarece por que a educação pombalina, no contexto iluminista, não poderia deixar de ser secularizada, ainda que não laicizada. Em seguida, ela destrincha a vida e obra de três pilares do iluminismo português que estiveram intimamente vinculados à política educacional desencadeada por Pombal: D. Luís da Cunha, Ribeiro Sanches e suas Cartas sobre a educação da mocidade e Verney com seu Verdadeiro método de estudar. Passando das bases teóricas às diretrizes práticas, Boto mostra o que foi e como foi a escola pública traçada por Pombal. Nas conclusões, revisita o legado pombalino, considerando-o como “um modo de ser escola do Estado-Nação”. E considera, fechando o artigo, que a escola pública é “o lugar mais progressista em matéria de educação”.

O capítulo seguinte é de Maria Cristina Gomes Machado e versa sobre “Estado e políticas educacionais no Império brasileiro”. A autora é especialista em educação no Império e já nos havia brindado com seu indispensável Rui Barbosa: pensamento e ação. O problema que Machado coloca e procura resolver no artigo é o de como a educação atuou no período imperial para constituir o Estado-nação no Brasil. Para isso vasculha a política educacional imperial, desde as primeiras iniciativas sob D. Pedro I até o desfecho republicano. Grande destaque é dado às reformas Couto Ferraz (1854) e Leôncio de Carvalho (1879), esta última com mais amplidão por ter ensejado os pareceres de Rui Barbosa. No ocaso do Império – mostra Machado – dá-se a emergência das questões da liberdade de ensino e do caráter religioso ou laico do ensino conduzido pelo Estado.

Segue-se o capítulo de Luís Antônio Cunha sobre essa última questão: “Confessionalismo versus laicidade no ensino público”. Cunha – ou LAC como ele se autorrefere utilizando suas iniciais – principia com uma bem centrada conceituação de “laico” em confronto com “leigo”. Depois disso volta-se para os primórdios da educação na América portuguesa: a educação religiosa no Estado confessional. Nas três décadas finais do século XIX LAC vislumbra o surgimento da laicidade como superação da incomodatícia “simbiose Igreja-Estado”. Essa laicidade (“de elite”, acentua LAC) acaba por marcar a institucionalização do Estado republicano. A despeito da laicidade, o ensino religioso acaba por retornar à política educacional, como forma de “controle político-ideológico”. Entre outras pontuações históricas interessantes, LAC mostra que o manifesto dos “pioneiros” de 32 não teve consequências práticas no tocante à laicidade do ensino público, pois a Igreja Católica saiu-se amplamente vitoriosa na Constituição de 1934. Passando em revista a questão após a era Vargas, atravessando o debate ocasionado pelas vicissitudes da nossa primeira LDB (1961) e a problemática da “religião, moral e civismo na ditadura militar”, Cunha chega aos dias atuais percebendo algo de novo, a “emergência do movimento laico”, que se distingue do laicismo republicano.

Chegamos assim ao sétimo artigo, a cargo da dupla Geraldo Inácio Filho e Maria Aparecida da Silva. Seu título: “Reformas educacionais durante a Primeira República no Brasil (1889-1930)”. A primeira constatação dos autores é que as reformas imperiais deixaram intocado o panorama educacional que vinha do período pombalino: “Dessa forma, a nascente República herdou as escolas isoladas e o descaso com a instrução pública”. A partir desse ponto de partida, não é difícil à dupla mostrar os avanços na política educacional da Primeira República, que implanta os grupos escolares, garante a laicidade do ensino público, promove reformas estaduais significativas e dá ênfase ao ensino primário, vale dizer, ao que na ocasião se poderia entender por “educação popular”. Tópicos especiais do artigo são dedicados à educação de adultos, ao ensino secundário e à educação superior. Nas conclusões, não deixa de causar impacto a constatação dos autores de que as políticas educacionais da Primeira República “não eram formuladas como um projeto de Estado, mas como iniciativas de governo, sem continuidade, após as eleições substitutivas dos governantes”.

O oitavo capítulo, de autoria de Marcus Vinicius da Cunha, tem por título “Estado e escola nova na história da educação brasileira”. O artigo é inovador por não se contentar com as análises correntes da escola nova, que por vezes datam-na do manifesto de 1932, mas aprofunda-se na questão, buscando as origens e bases teóricas do escolanovismo. No Brasil Cunha localiza, na esteira de Antunha, em Oscar Thompson o primeiro ato da cena escolanovista, apesar de seu caráter elitista, que não chega a impressionar o professorado. O interessante é que o autor vê no escolanovismo uma expressão educacional do ideário liberal. E é com esse fundamento que analisa as contribuições de Sampaio Dória, de Lourenço Filho, de Anísio Teixeira, de Francisco Campos e de Fernando Azevedo. Maior destaque vai para Anísio Teixeira, apesar da ressalva de que seus argumentos e conceitos eram “extraídos diretamente da filosofia de Dewey, filha do mesmo ambiente que deu à luz Jefferson”. O último parágrafo é imprescindível: “As iniciativas e as ideias de Anísio Teixeira redefiniram as relações da Escola Nova com o Estado: a realização do Estado Educador exigia, antes de tudo, manter contato íntimo com a sociedade (…). Restava saber se, até que ponto ou até quando o Estado seria sensível essa proposta. A resposta veio em 1964”.

“A política educacional do Estado Novo” é o trabalho com que José Silvério Baia Horta comparece a esta coletânea. Trabalho de historiador, o artigo de Baia Horta garimpa os discursos oficiais do varguismo. E encontra, na política educacional que tais documentos revelam, uma constante: “colocar o sistema educacional a serviço da implantação da política autoritária”. É com essa ótica que o autor repassa a política educacional do Estado Novo (1937- 1945), examinando a reforma do Ministério da Educação e Saúde empreendida pela dupla Getúlio Vargas-Gustavo Capanema e em seguida a legislação de ensino do período, detendo-se nos seus níveis primário, médio e superior. Deixando de lado a identificação fácil e nem sempre convincente entre o varguismo e o fascismo mussolinista, Baia Horta conclui: “(…) a não concretização das diferentes propostas oficiais mostra que o regime nunca chegou a impor à escola um papel político idêntico àquele instituído na Itália fascista. Assim, a escola no Brasil pôde conservar, durante todo o período, uma relativa autonomia”.

José Luís Sanfelice, que já havia percorrido algumas salas e muitos porões da ditadura militar com seu trabalho sobre o movimento estudantil no período, volta ao tema de sua predileção com o décimo capítulo deste volume, intitulado “O Estado e a política educacional do regime militar”. Revolução? Golpe? Sanfelice não se furta a responder a tais perguntas, mas inova mesmo ao caracterizar o Estado pós-64 como “Estado de Segurança Nacional e Desenvolvimento”. Qual foi a política educacional a cargo desse Estado? De imediato, responde Sanfelice, falou mais alto a Segurança Nacional. Nesse sentido, a política do início da ditadura foi de repressão, tanto ao movimento estudantil quanto às universidades e aos profissionais que atuavam no seu âmbito. Paulatinamente, porém, passou a falar alto a outra face, a do Desenvolvimento, e foi assim que medidas de financiamento do ensino primário via salário educação foram implantadas, juntamente com outras como a da Reforma Universitária (1968), a do MOBRAL (1967) e a da reforma do ensino de 1º e 2º graus (1971, Lei 5.692). Sanfelice, em parágrafo abrangente, sintetiza: “A política educacional dos governos militares pode então ser definida como a política da modernização conservadora e que expressou: o autoritarismo dos mandatários (os docentes, as resistências das universidades, o movimento estudantil foram calados); a subordinação a um modelo econômico excludente e, portanto, elitista, de privilegiamento do grande capital; o tecnicismo burocrático (as medidas em geral não contaram com a participação dos educadores); a mentalidade empresarial no campo da educação, assaltada por princípios de eficiência, produtividade, racionalidade e economia de recursos”.

O volume se encerra com um instigante artigo de Carlos Roberto Jamil Cury sobre “Reformas educacionais no Brasil”. Antes de entrar no mérito, Cury investiga o significado de “reforma” em geral e de “reforma educacional” em particular. Ao conceituar a reforma da educação, o autor considera-a como uma decisão de autoridade para mudar, com base em lei, a política educacional, tornando “a situação considerada mais congruente com a realidade”. Como é preciso, segundo essa conceituação, uma base legal, Cury passa em revista as principais leis sobre matéria educacional no país, dadas sob as diferentes Constituições que aqui tivemos. Como a primeira Constituição foi a imperial de 1824, o estudo abarca as leis a partir desse marco. São revistas as reformas no Império, na Primeira República, na Era Vargas, no Regime Militar e enfim no atual Estado Democrático de Direito. Encerrando o artigo, Cury aposta: novas reformas virão. E deixa no ar uma pergunta: “Será que elas serão de molde a serem inovadoras de modo a conduzir a uma verdadeira mudança social?”.

Em conclusão, trata-se de uma visão panorâmica, porém profunda, sobre o Estado e as políticas de educação na história educacional brasileira. Cobrindo todos os períodos em que essa relação entre Estado e educação se dá no Brasil, o livro traz inestimável contribuição para todos aqueles que se dedicam a seu estudo, apresentando, ademais, preciosa colaboração ao contemporâneo debate sobre os rumos da educação brasileira.

Sérgio Castanho

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