Ocidentalismo: o Ocidente aos olhos dos seus inimigos – BURUMA; MARGALIT (PL)

Nas últimas décadas, as obras que refletiram a herança colonial européia na América, África e Oriente, consolidaram uma área distinta no campo dos estudos culturais que se convencionou chamar estudos pós-coloniais. Essa resenha considera o exemplar Ocidentalismo, livro de Ian Buruma e Avishai Margalit, motivado pelo atentado de 11 de setembro de 2001, quando o Word Trade Center, de Nova York, ruiu com o choque de aviões seqüestrados por terroristas da Al Qaeda, de Osama Bin Laden. Mas é possível relacionar Ocidentalismo à principal obra de Edward Said, Orientalismo, publicado em 1978. Nesta o intelectual palestino desmistifica a construção discursiva e histórica dos ocidentais acerca do que viria a ser o oriente, acenando que a opção a alteridade européia/norte-americana não seria o ocidentalismo, seu oposto. Foi justamente para substantivar o léxico que Buruma e Margalit enriquecem os estudos pós-coloniais com sua obra.

Ocidentalismo se acha dividido em seis tópicos. O principal argumento dos autores é que o ocidentalismo que incita um segmento árabe a demonização dos Estados Unidos tem uma historicidade, também foi construído enquanto discurso e representação, mas diferente do orientalismo teve sua origem no campo inimigo, ou seja, no próprio ocidente. Esclareço. Tanto os regimes totalitários, caso do fascismo de Mussolini e do nazismo de Adolf Hitler, quanto o socialismo da União Soviética stalinista tiveram no anti-americanismo, sinônimo de ocidentalismo, um dos seus antecedentes. E se existem ao longo da história diferentes justificativas para o combate a ocidentoxicação, neologismo cunhado pelo intelectual iraniano Al-e Ahmed para designar os valores materiais e espirituais do mundo globalizado representado pelos Estados Unidos, os autores demonstram que nem sempre Nova York representou a Babilônia, cidade mítica do dinheiro, do cosmopolitismo, do secularismo, alvo de ocidentalistas fanáticos.

Embasado em pesquisas no âmbito da história e filosofia, o brilhante ensaio evidencia traços particulares do ocidentalismo em diferentes contextos que se manifestou. Embora os autores confessem a impossibilidade de definir suas fronteiras geográficas, é certo que a disseminação dos valores liberais pelo imperialismo na África e Ásia geraram reações nativistas, da qual a conferência de Kyoto, no Japão, em 1942, figure como exemplo, à medida que seus mentores definiram a “modernidade” como legado e chaga européia a ser execrada da sociedade tradicional. Pertinente a lembrança que o Japão xintoísta, berço de um ocidentalismo kamikaze na primeira metade do século XX, atualmente constitui um dos seus alvos.

A experiência ocidentalista e ocidentalizada do Japão e da Rússia destaca-se no evolver da narrativa. À luz de fatos e personagens assaz conhecido, Buruma e Margalit rememoram que um e outro pretendeu absorver a modernidade européia, desconsiderando seu potencial metafísico, mas fracassaram. Historicamente, a Rússia esteve na fronteira entre a Europa e o Oriente, no caso de sua igreja católica; foi ocidentalizada por Catarina e Pedro, o Grande; declarou guerra ideológica ao ocidente capitalista empunhando a bandeira comunista durante o século XX, de modo a representar um capítulo incontornável nessa discussão. Guerras contra o ocidente foram declaradas em nome da Rússia comunista, do Japão xintoísta, da Alemanha nazista. Hoje, o fundamentalismo islâmico ocupa a cena e ameaça a paz mundial. Buruma e Margalit explicitam que, aos olhos do oriente, o processo de valorização de uma vida urbana em detrimento de uma vida agrária, fruto da industrialização, da mesma forma que o liberalismo extirpou a espiritualidade do horizonte humano. E se a matéria é o deus dos ocidentais, o dinheiro figura como agente da idolatria ocidental. O que intriga é a revelação da apropriação que fez ocidentalistas como Ali Shari’ati da teoria marxista para justificar como o fetichismo da mercadoria corresponde à idolatria materialista denominada jahiliyya. Assim como a Jahiliyya, os autores desvelam que o (res)sentimento que os homens-bombas alimentam contra o ocidente nasceu também da crítica de ocidentais como Karl Marx, Nietzsche, Fitche, Haeder, senão de traumáticos processos de descolonização no Oriente Médio. Ex-colônias como Egito, Síria, Líbano e Índia tiveram governos híbridos denominados gharbzadegi, corrompendo preceitos morais e costumes políticos, segundo intelectuais muçulmanos. Assim, Buruma e Margalit defendem que Jahiliyya e gharbzadegi representam palavras-chaves a compreensão do ocidentalismo e da nefasta ação terrorista dele decorrente.

Também, outra raiz do ocidentalismo está relacionada à difícil convivência entre árabes e judeus, na Palestina, onde foi criado o Estado de Israel, em 1948. Aí também, o sionismocruzado ou movimento internacional para legalização da causa judaica converteu-se numa questão imperialista em razão do petróleo ambicionado pelo governo norte-americano, que tem suscitado conflitos entre os dois povos. Desde o fim da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) os Estados Unidos assumiram posição, antes ocupada pela Inglaterra, no controle político-econômico da região. Seu panóptico vigia o Iraque para garantia da paz, democracia e liberdade enquanto valores estranhos ao mundo orientalizado. Será? A visão maniqueísta ou a guerra ideológica entre ocidentalistas e orientalistas que perdura séculos terá fim? Otimistas, Buruma e Margalit resumem alternativas a paz. Primeiro, creditar a religião como meio da fraternidade entre povos significa extinguir a Sharia, ou seja, o corpo de anciões que detém poderes moralizadores e políticos, misturando a Jahiliyya e o gharbzadegi, ingredientes explosivos nas ditaduras do Oriente Médio. Segundo, apelar por uma solidariedade de sangue entre árabes e judeus, ambos de origem semita, não terá o efeito esperado enquanto a bandeira da paz se achar no arbítrio dos Estados Unidos.

Ao endossar perspectiva pacifista de um (re) encontro de culturas, no caso de uma possível resolução da questão palestina, os autores aderem à proposta defendida por Edward Said até sua morte em 2003.

Acuso deslize na fundamentação do ocidentalismo. A construção desse conceito, mesmo considerando sua gênese no próprio ocidente, não terá o Antigo Testamento como principal fonte ou documento. Então, porque os professores-autores privilegiam este em detrimento do Suna e do Alcorão? Parece-me verdade que o fanatismo religioso decorre de interpretações desses livros.

Ocidentalismo, obra resenhada, iluminará os interessados em apreender as raízes da guerra santa que tem vitimado símbolos e valores do ocidente. Num momento em que o mundo procura culpados para o assassinato de Benazir Bhutto, liderança paquistanesa e representante do ideário ocidental nas eleições de 2008, a leitura deste livro fornecerá pistas valiosas para investigação da tragédia.

Thiago Fragata –  Licenciado em História pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Pós-graduando em História Cultural (UFS). Professor de História da Rede Estadual de Educação (SEED-SE). Sócio efetivo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe (IHGSE). E-mail: [email protected]


BURUMA, Ian; MARGALIT, Avishai. Ocidentalismo: o Ocidente aos olhos dos seus inimigos. Tradução de Sérgio Lopes. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2006. Resenha de: FRAGATA, Thiago. “Ocidentoxicação”: a gênese do terrorismo. Resenha de: FRAGATA, Thiago. Ponta de Lança, São Cristóvão v.1, n. 2, p.133-136, abr./out., 2008. Acessar publicação original [DR]

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