Poder e Trabalho – Experiências em História Comparada | Fábio de Souza Lessa

Em Poder e Trabalho, livro organizado pelo Prof. Dr. Fábio de Souza Lessa do Departamento de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), encontramos uma síntese das amplas possibilidades apresentadas aos estudos históricos pelo método comparativo: a análise de diversos acontecimentos e fenômenos históricos a partir da “perspectiva construtiva”, baseada na apresentação de um conjunto de problemas em comum.

Poder e Trabalho traz o que há de mais significativo no método comparativo: a possibilidade de termos uma temática eleita e esta ser desenvolvida, através do comparativismo, em diversos períodos históricos. A partir dos eixos Poder e Trabalho, professores, mestres e mestrandos do Programa de Pós-Graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ, elaboram reflexões acerca da temática central do livro, mas em períodos e espaços distintos, como África Antiga, Brasil Contemporâneo, Grécia antiga, Península Ibérica Medieval, dentre outros.

Neste sentido, o livro expressa um dos principais objetivos da historiografia comparada: a inovação e o trabalho coletivo. Podemos ver no livro que as diversas pesquisas realizadas dentro do programa se intercruzam e apresentam nódulos de conexão, apesar da pluralidade de opções em relação aos objetos, temáticas, conceitos e tempos históricos.

Dentro do debate teórico do comparativismo, compreendemos a existência de três pilares sustentadores desta metodologia apresentada pelos seguintes autores: Marc Bloch, Jügen Kocka e Marcel Detienne. Em Bloch, a aplicabilidade do método comparativo consiste na busca das semelhanças e diferenças de duas séries análogas e contemporâneas, tomadas de meios sociais distintos. Nesta perspectiva, a localização das diferenças e a busca dos fatores que as determinam e a fixação das regularidades manifestadas entre dois ou mais processos observados estarão presentes em nosso trabalho.

Em Kocka, a concepção do método comparativo se amplia, permitindo aos historiadores a discussão de dois ou mais fenômenos históricos de forma sistemática e intercruzada, levando os historiadores a identificarem as similaridades e diferenciações entre fenômenos históricos. As continuidades, contextos históricos e as interrelações entre os casos a serem estudos são aspectos essenciais para Kocka no desenvolvimento da pesquisa histórica comparativa.

Por fim, em Comparar o incomparável, Marcel Detienne afirma que o comparativismo construtivo deve buscar as representações culturais entre as sociedades do passado e os grupos humanos vivos. Sua proposta almeja criar um conjunto de comparáveis a partir de um problema comum que pode e deve ser debatido por diferentes objetos de diálogo. Não há fronteira de tempo e de espaço, mas a análise a partir de variadas perspectivas das sociedades.

Dentro destes três pilares considerados por nós como fundamentais para o desenvolvimento da metodologia comparativista, afirmamos que Poder e Trabalho busca proporcionar, ao mesmo tempo, as interconexões da sua problemática entre as diversas temporalidades e fenômenos históricos. Assim, deparamo-nos com as múltiplas perspectivas desta problemática em variados espaços e períodos históricos, que se interconectam através da metodologia que rompe com as fronteiras e com os espaços, dois nódulos recorrentes hoje em nossa sociedade globalizada.

No primeiro capítulo, “Masculinidade? Uma reflexão comparativa” os professores do PPGHC Fábio Lessa e Silvo Carvalho incitam as ciências humanas a desenvolverem pesquisas sobre a masculinidade, temática relegada a um segundo plano nas pesquisas sobre gênero. Não se busca neste trabalho uma definição ou, para utilizar as palavras dos autores, “uma essência masculina”, mas pensar que a masculinidade varia de cultura para cultura, de acordo com o tempo e espaço, por ser um constructo social.

No segundo capítulo, “Relações de poder na crônica de Idácio e nas histórias de Isidoro de Sevilha: um estudo comparado sobre suevos e visigodos”, as professoras Leila Rodrigues e Rita de Cássia Diniz analisam, através dos relatos de dois bispos hispânicos, Idácio de Chaves e Isidoro de Sevilha, os impactos da chegada de suevos, vândalos, alanos e visigodos à Península Ibérica. Elaborando suas obras em temporalidades distintas, Idácio no Século V e Isidoro no Século VII apresentam problemáticas e questões sobre o impacto da chegada destes povos à península relacionadas aos seus próprios contextos que são apresentados e discutidas pelas autoras.

No terceiro capítulo, “A cúria papal e a diocese de Calahorra: as transferências normativas do poder eclesiástico central ao local no século XIII”, a professora Andréa Frazão busca comparar, através das transferências culturais, a aplicação na diocese ibérica de Calahorra das normativas presentes nos cânones do IV Concílio de Latrão, promovido e dirigido pelo Papa No trabalho, os cânones de Latrão e as normas aplicadas pelos calagurritanos são estudados tendo como base um dos métodos de comparação: a história comparada das transferências culturais entre dois espaços sociais. Neste sentido, o estudo do dinamismo da transferência dos desígnios canônicos papais e não uma transferência automática e simplista destas normas é analisado neste trabalho.

No quarto capítulo, “A Fundação Leão XIII e a consolidação do mito da marginalidade moral favelada”, Cíntia Aparecida, mestre em História Comparada, busca estudar o momento de formação da Leão XIII, suas relações com o Estado e a Igreja, buscando compreender o assistencialismo presente em ambas as instituições. Além disso, as atividades e peculiaridades da Instituição em seus primeiros anos de existência são debatidas ao longo do trabalho, conjuntamente à legitimação frente à opinião pública do debate sobre a intervenção assistencial em favelas.

No quinto capítulo, “Seria o canto dos Aedos um trabalho?”, o mestre em História Comparada Alexandre Moraes avalia se as práticas enunciatárias dos aedos gregos do período Arcaico (VII ao VI a.C) podem ser compreendidas como um trabalho em que os simbolismos atuam no sentido de legitimar sua atividade. Baseado no comparativismo, o autor analisa Hermes e Apolo nas narrativas que representam as investiduras desses dois deuses como poetas. O valor do mito na sociedade grega, possuidor de um caráter pedagógico, é um dos aspectos mais instigantes do trabalho.

No sexto capítulo, “Comparando a construção do ideal de cidadão na Atenas Clássica – o que a poesia, o esporte e o teatro têm a nos dizer?”, os mestrandos Carmen Lucia, Fabio Bianchini e Vanessa Codeço estudam a construção do cidadão na Grécia Antiga. Os ideais e práticas presentes para a construção de um cidadão ateniense são estudados em perspectiva comparada, a partir de três práticas fundamentais naquela sociedade para a propagação de valores e conduta: a poesia, o teatro e as práticas esportivas. Estes possuíam um papel fundamental na educação e na formação do cidadão ateniense.

No sétimo capítulo, “Não-trabalho e poder: o esporte e o lazer entre impressionistas e futuristas”, o professor Victor Melo discute o nascimento da sociedade de massa ao final do século XIX. Neste quadro, o lazer foi utilizado como um instrumento para a distensão das relações sociais, dentro do quadro de construção de uma cidade moderna, marcada por disputas e resistência. Desta forma, o trabalho visa analisar o papel do esporte e lazer dentro da construção de sociedades de massas ao final do século XIX.

No oitavo capítulo, “Contendas da globalização: imigração e trabalho na contemporaneidade”, a professora Sabrina Medeiros analisa dois dos principais aspectos da globalização, que são ao mesmo tempo foco de tensão nas sociedades modernas: a imigração e o trabalho. Neste sentido, o texto busca compreender porquê a migração é utilizada por grupos sociais, sobretudo do terceiro mundo, na busca de melhores oportunidades de vida e também como uma conseqüência de fuga de problemática política adversas, como por exemplo um cenário de guerra civil.

Além disso, o texto buscou sistematizar as principais características do mundo do trabalho, ressaltando a quebra do welfare state. Igualmente, o texto procura discutir a questão da previdência hoje, ressaltando, inclusive, o impacto positivo que o trabalho do imigrante representa para a previdência do receptor deste.

No novo capítulo, “Manifestações populares no Rio de Janeiro: as contribuições de uma sociedade na virada do século XIX para o XX”, o mestre em História Comparada Eleomar Cândido trabalha comparativamente duas manifestações populares ocorridas entre os últimos anos do regime imperial e durante o início de nossa república, “A revolta do motim do vintém” e uma revolta ocorrida durante o primeiro ano de governo Campo Salles contra o aumento do preço da passagem dos bondes. Ambos os movimento demonstram que a população não era amorfa, mas que lutava por melhorias em suas condições objetivas de vida e pela emancipação em relação à exploração a que eram submetidas.

No décimo capítulo, “O PCB, a crise do movimento comunista (1956/1957) e o nacionalismo”, a professora Anita Prestes discute as análises políticas realizadas pelo PCB (Partido Comunista Brasileiro) em dois momentos distintos: as décadas de 1920-1940 e as novas defesas na década de 1950. Além disso, busca compreender as distintas vertentes do nacionalismo do PCB nestes dois períodos distintos de sua história, um de ascensão e outro de crise.

No décimo primeiro capítulo, “A propaganda política no cinema nacional-socialista: uma análise comparativa de o Triunfo da Vontade e Olympa”, o mestre em história comparada Kimon Speciale analisou como as obras cinematográficas foram utilizadas para realizarem a difusão dos ideais presentes no nacional-socialismo alemão. Neste sentido, o papel principal das obras era fazer a propaganda do regime nazista alemão, de forma simples, pedagógica e direta. A utilização propaganda nas duas obras é buscada pelo autor neste texto.

No décimo segundo capítulo, “Imagens de poder: comparando dois mosaicos de cinegética da África Antiga”, a professora Regina Maria Bustamante estuda dois mosaicos com temática de cinegética da África do Norte: um do século III e outro, provavelmente, do século IV. A busca da interação do discurso visual e as relações de poder na Antiguidade tardia é o objetivo central deste texto.

Na obra apresentada são muitas as formas de tratar as temáticas poder e trabalho, empregando diversas metodologias e quadros conceituais, mas construindo um campo de experimentação comparada. Ainda que elaborada por historiadores, as discussões presentes nesta obra não se dirigem somente a este campo do conhecimento. A diversidade de recortes e problemáticas faz com que o livro Poder e Trabalho – Experiências em História Comparada, possa ser aproveitado pelas demais áreas das ciências humanas e sociais, como economia, sociologia, ciência política, literatura, etc..


Resenhista

Rafael Pinheiro de Araujo – Mestre em História Comparada pelo PPGHC/UFRJ e Pesquisador do Laboratório TEMPO PRESENTE/UFRJ. E-mails:: [email protected][email protected]


Referências desta Resenha

LESSA, Fábio de Souza (Org). Poder e Trabalho – Experiências em História Comparada. Rio de Janeiro: Mauad X, 2008. Resenha de: ARAUJO, Rafael Pinheiro de. Revista de História Comparada. Rio de Janeiro, v.3, n.1, 2009. Acessar publicação original [DR]

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