¡Presente! la política de la presencia | Diana Taylor

Enquanto caminha pelo tempo e pelo espaço com, para e entre artistas e ativistas políticos do continente americano, Diana Taylor narra suas experiências e nos desafia a pensar como estar ¡presentes! em um mundo saturado de impossibilidades. Em ¡Presente! la política de la presencia (2020), a autora enfatiza a importância do posicionamento político e ético diante da questão “o que posso fazer quando não há nada o que fazer e o fazer nada não é uma opção?”. Analisando criticamente o seu posicionamento frente as cercas, em cima das cercas, ao transpassar as cercas e ao tentar derrubar as cercas que nos separam, ela expõe as narrativas de suas vivências, sentidos e afetos diante das performances experimentadas.

O projeto, concebido simultaneamente em espanhol e em inglês, foi lançado originalmente pela Duke University Press em agosto de 2020, e em dezembro do mesmo ano pela Ediciones Universidad Alberto Hurtado, versão traduzida pela historiadora australiana Ana Stervenson. O ¡presente! como tema central é abordado como algo que está para além da presença em si, e a palavra/ato segue a grafia em espanhol também na edição inglesa, na tentativa de enfatizar a sua potência pelos dois pontos de exclamação que a acompanha.

Em sua trajetória como pesquisadora, Diana Taylor refletiu sobre os conhecimentos corporificados que tiveram sua validade questionada e que foram subjugados nos processos de colonização da América. Nesta obra, a autora aprofundou os debates sobre a transmissão do repertório como ato político, expondo as implicações da violência colonial na manutenção da vida e tendo a performance política como cerne de suas análises.

Diana Taylor reitera que há muitas possibilidades para a manifestação do ¡presente! e que todas se fazem de forma relacional. A lista do que é ser/estar ¡presente! é complementada em cada capítulo, revelando que neste conceito não existe o fora, e que ele está sempre em curso:

Simultaneamente um ato, uma palavra e uma atitude, ¡presente! pode ser entendido com um grito de guerra frente a anulação, um ato de solidariedade que é respondido, que se mostra e que espera com, um compromisso com o testemunho, um acompanhar alegre, estar presente entre, com, estando, caminhando e falando com outros, uma antológica e epistêmica reflexão sobre a presença e a subjetividade em processo, um devir contínuo em oposição ao ser estático, o participativo e relacional, fundada no reconhecimento mútuo, um mostrar e expor diante dos outros, uma atitude militante, um gesto e declaração de presença, o imperativo ético de que Gayatri Spivak fala, o estar de pé e falar contra a injustiça (TAYLOR, 2020, p. 16, trad. nossa)2 .

¡Presente! em sua escrita, a autora questiona a manutenção de um projeto de morte aos povos que tiveram a sua humanidade retirada pela colonialidade, como proposto no capítulo Hacer Presencia. Diana Taylor relaciona a obra Terra, onde a artista guatemalteca Regina José Galindo está de pé, nua, em um terreno gradualmente escavado por uma retroescavadeira; com os relatos de brutalidades cometidas contra o povo maya ixil durante a ditadura da Guatemala (1982-1983). Em sua análise, Taylor entende que o corpo subalternizado de Galindo se impõe como vítima/testemunho e obstáculo ao progresso, denunciando aquilo que seu público já se sabe: que o desaparecimento e o descarte de populações inteiras são parte de um evento transnacional financeiro, e que somos parte disso.

As violências contra “aquele” que foi transformado “naquilo” pela colonialidade, transformado em nada no processo de ningunear, continuam circunscrevendo nossas vidas em um para-tempo de um futuro que foi colonizado no passado. Enquanto nos atravessa pelos afetos sentidos ao observar a obra de Galindo, a autora também ressalta que as palavras empregadas para nomear cada sistema, colonialismo, ditadura ou democracia, servem apenas para nos distrair destas práticas contínuas.

Essa luta contra o processo de ningunear é capaz de produzir performances específicas, como descrito no capítulo memes traumáticos. A autora apresenta a ação de familiares e companheiros dos 43 desaparecidos em 2014 em Ayotzinapa, México, que no estar ¡presentes! por aqueles que não podem mais estar ali, perturbam e revelam o que não se quer discutir. Os 43 desaparecidos são convocados como uma poderosa presença através da performance, luta que se assemelha a das Madres de la Plaza de Mayo na argentina e a do Comitê Eureka no México, o que autora identifica como “meme traumático”. Esses grupos utilizam a estrutura mãe (ou parente) do desaparecido, foto e palavra de ordem para alertar o desaparecimento, a violência de Estado e exigir que os jovens que foram levados voltem vivos, enquanto caminham e expressam sua dor.

O sequestro, o desaparecimento, o assassinato e o deixar morrer são respostas contínuas de um projeto político que nasce e permanece como sintoma da conquista, das histórias coloniais, das intervenções imperialistas e do extrativismo neoliberal, ressurgindo e se desdobrando continuamente nos novos projetos de violência e desaparecimento. A autora ressalta que esses padrões hostis de silenciamento e esquecimento se repetem nas fronteiras com os imigrantes que caminham rumo ao norte, e também com os sobreviventes que lutam por manter a memória de dor de mortos e desaparecidos na ditadura chilena na Villa Grimaldi.

No cenário brasileiro, há uma urgência pela presença na luta pela vida e pelo amanhã, “coisas” que não podem ser descartadas como os manequins da performance teatral “Bom Retiro, 958 metros”, realizada pelo grupo Teatro da Vertigem e analisada por Taylor no capítulo Capital Muerto. Para quem está na luta, esse nosotros – coletivo em que também me insiro –, é necessário estar ¡presente! no posicionamento contra a ordem de esquecimento e apagamento de populações subalternizadas, contra uma política de morte sistematicamente apontada para as pessoas negras, para as comunidades indígenas, para a população LGTBQIA+, para as mulheres e para o povo em situação de vulnerabilidade social.

Estamos ¡presentes! para Marielle Franco, vereadora do Rio de Janeiro, ativista pelos direitos humanos, negra, bissexual e periférica, assassinada junto com seu motorista Anderson Gomes em um atentado ocorrido em 2018. Performances foram criadas para expor as tentativas de silenciamento e a ausência de respostas sobre os mandantes deste crime e Marielle se tornou símbolo. O grito “Marielle, ¡presente!” ecoa como ato animativo para reavivar constantemente a sua luta por um outro mundo possível, luta que é nossa e é também por todos aqueles que foram ausentados pela violência de Estado.

No caminhar com outros que podemos reaprender o mundo para Diana Taylor, ouvindo os que estão ¡presentes! e relembrando que o sistema fundamentado pelo percepticído e pela necropolítica não podem esquecer dessas dores. Nas performances apresentadas pela autora, pessoas falam de um lugar de morte e, por isso, ressignificam práticas que lhes foram impostas, como no capítulo “Camino Largo: el largo recorrido de los zapatistas hacia la autonomía”. A autora analisa as estratégias de performance que fazem com que os zapatistas estejam ¡presentes! em uma região onde a eliminação da população indígena faz parte da estratégia (ainda em curso) de construção do México como um país moderno.

O silêncio e o uso de máscaras são fontes de poder dos zapatistas e são a forma que eles criaram para estar ¡presentes!. Eles nos desafiam a repensar os modos, os tempos e as temporalidades de uma performance política através do longo caminho trilhado pelo grupo na construção de epistemes. Como performance, reitera-se o silenciamento e o anonimato que lhes foi imposto quando transformados em ninguém pelo neoliberalismo, sistema onde o indígena não tem cara, voz ou nome. Em seu silêncio e no encobrimento de seus rostos, ressignificam e retomam a sua identidade como algo privado, que é compartida por um “nosotros” restrito, transformando o indígena mascarado em uma representação anônima construída por eles para os outros, aqueles que estão fora, em um outro tipo de presença.

As formas de estar ¡presentes! são diversas e se modificam diante das impossibilidades. Neste momento pandêmico, nos reinventamos, desaprendemos, reaprendemos e continuamos, criando outras formas de estar para reocupar nossos futuros e manter a esperança. Batemos palmas para aqueles que ficaram na linha de frente, batemos panelas contra os que torciam pela morte, invadimos o mundo virtual, organizamos ações remotas, renovamos as rotinas de ações presenciais, divulgamos formas de cuidado comunitários. Os nossos repertórios continuaram transmitindo genealogias, gestos e atos, dialogando com diferentes identificações, afinidades, alianças e saberes na reperformance da luta. Em cada ação em que estamos ¡presentes!, ousamos reocupar o futuro.

Diana Taylor encerra sua reflexão em um prólogo esperançoso sobre o trabalho do grupo Las Patronas, mulheres que se organizaram de forma autônoma para dar auxílio aos imigrantes que passam todos os dias por sua vila no trem denominado La Bestia. Para a autora, mesmo com o mundo caindo ao nosso redor, mesmo diante de grandes traumas decorrentes da pandemia ocasionada pela Covid, da crise climática que se intensifica e do desrespeito aos direitos humanos que estampa as notícias diariamente, só podemos fazer o que podemos fazer, o que é, aparentemente, muita coisa. Estender a mão, aceitar nossa responsabilidade diante do mundo e estar ¡presente! é o começo de tudo.

Notas

1 “Gostaria de agradecer aos participantes do Grupo de Estudos sobre Patrimônio Cultural do Laboratório de Patrimônio Cultural (LabPac/UDESC) que colaboraram muito com as reflexões que aqui apresento. O conhecimento se constrói no caminhar juntos”.

2 Simultáneamente un acto, una palabra y una actitud, ¡presente! Puede entenderse como un grito de guerra frente a la anulación; un acto de solidaridad; un compromiso a ser testigo; un acompañar alegre; presente entre, con y al caminar y hablar con otros, una reflexión ontológica y epistémica sobre presencia y subjetividad como participativa y relacional, fundada en el reconocimiento mutuo. Un mostrar y exponer frente a otros; una actitud, gesto de declaración de presencia militante; la ‘imperativa ética’ como describe Gayatri Spivak, a enfrentarse y hablar de la justicia (TAYLOR, 2020, p. 16).


Resenhista

Luciana Mendes dos Santos – Doutoranda em História na Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC). lattes.cnpq.br/3339021242171280 E-mail: [email protected]  orcid.org/0000-0002-2568-8556


Referências desta Resenha

TAYLOR, Diana. ¡Presente! la política de la presencia. Trad. Ana Stevenson. Santiago: Ediciones Universidad Alberto Hurtado, 2020. Resenha de: SANTOS, Luciana Mendes dos. Aparentemente, muitas coisas1. Tempo e Argumento. Florianópolis, v. 14, n. 35, jan./abr. 2022. Acessar publicação original [DR]

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