The restless clock: a history of the centuries-long argument over what makes living things tick | Jessica Riskin

The restless clock ( Riskin, 2016 ) é a mais recente obra da historiadora das ciências Jessica Riskin, professora da Universidade de Stanford e autora também das obras Science in the age of sensibility (2002) e Mind out of matter (2007). O presente livro analisa cinco séculos de intensos debates sobre agência: a capacidade intrínseca de qualquer entidade, seja ela humana ou não humana, de agir no mundo. A autora mostra como a emergência de santos, demônios, divindades gregas e criaturas autômatas no fim da Idade Média e a visão mecanicista de mundo do realismo cartesiano no século XVII originaram um dos maiores problemas ainda sem solução no âmago da ciência moderna: o das origens da vida e do movimento das coisas.

São variados os personagens dessa longa viagem pelos meandros do debate sobre agência: relojoeiros, autômatos, médicos, filósofos, matemáticos, engenheiros, androides, biólogos, teólogos, geneticistas, robôs, só para mencionar alguns. As máquinas são personagens ativos nessa história, favorecendo com suas presenças materiais e seus movimentos, em meio a olhares de espanto, admiração e curiosidade, a emergência de uma série de análises e debates sobre as origens da inteligência, dos movimentos, da fisiologia dos seres vivos, entre outros. Questões que permeiam esses debates são: a origem dos movimentos está em uma agência externa ao mundo (regida por um designer divino, por exemplo)? A origem dos movimentos e da vida está na própria natureza (sendo o mundo composto por entidades que possuem agência)? Ou os movimentos do mundo exibem uma agência aparente, mas são regidos por aleatoriedades?

O livro aborda essas controvérsias ao longo de dez densos capítulos que perfazem uma extensa viagem aos meandros das origens e da evolução da ciência moderna. Essa viagem começa com a emergência dos autômatos na Europa em meados do século XIV, que viraram presença marcante em igrejas, catedrais, palácios e jardins reais (capítulo 1). Esses autômatos terão um impacto significativo nas ideias mecanicistas sobre o corpo e a natureza no século XVII, especialmente nas obras de René Descartes (1596-1650). Os seres vivos foram alçados à condição de máquinas vivas, e cada aspecto de suas vidas poderia ser entendido em termos de uma maquinaria, um relógio analisado por um relojoeiro. Os animais, contudo, eram responsivos, agiam e se engajavam (capítulo 2). A separação espírito-matéria e os desenvolvimentos das pesquisas sobre telescópios e sobre o globo ocular geraram interpretações mecanicistas mais duras relacionadas à passividade e ao inanimado, ligando diretamente autômatos e animais. Mais do que isso, a natureza foi dotada de uma perfeição mecânica dada por um agente externo, um designer divino. Gottfried Leibniz (1646-1716) será um dos que vão se opor a essa visão, negando a noção de um Deus externo que produziria a natureza como faria um relojoeiro ou designer . Em sua proposta, Deus estava contido na própria organização e nos movimentos da natureza, que eram um conjunto de máquinas com uma força vital, uma agência própria, formadas por máquinas menores que se interligavam infinitamente (capítulo 3). Os primeiros androides (humanos e animais artificiais que imitavam aspectos fisiológicos do corpo) emergiram em fins do século XVII, intensificando os debates sobre a inteligência e a fisiologia humana (capítulo 4). Esses debates terão impacto significativo nas ideias e ideais iluministas (capítulo 5) e também no Romantismo e na emergência da biologia, com as teorias de Lamarck (capítulo 6).

Charles Darwin (1809-1882), de forma ambivalente, lutaria tanto contra os defensores da agência externa (dada por um designer divino) quanto contra os defensores da agência interna (dada por uma força vital intrínseca aos seres). Ainda assim, Riskin argumenta que ambas tradições se fizeram presentes na obra de Darwin, mantendo a controvérsia acesa (capítulo 7). Contudo, os neodarwinistas, defensores da exclusão da agência interna e de análises histórico-processuais nas pesquisas científicas, ganharam a batalha na virada do século XIX para o XX, na esteira das reformas nas universidades de origem protestante na Europa (capítulo 8). Os debates sobre a agência, contudo, voltariam a partir das décadas de 1910 e 1920, com a emergência dos robôs e da cibernética (capítulo 9), e permaneceriam também como um fantasma a assombrar campos científicos tão distintos como a inteligência artificial, a ciência cognitiva e a biologia evolutiva (capítulo 10).

Uma questão onipresente na análise de Jessica Riskin são as alianças estabelecidas entre as ciências modernas e a religião cristã (especialmente a protestante), assegurando uma separação e institucionalização coevolutiva entre essas ciências e a teologia. O banimento da agência na natureza e nas pesquisas científicas assegurou ao campo da teologia a sua existência, para explicar uma suposta agência externa. As hard sciences investigariam a natureza (formada por mecanismos bruto-passivos) e a teologia, a agência externa (Deus). Dessa forma seria desconstruída a suposta dicotomia que rege esses campos, sugerindo uma complementaridade no seio da revolução científica, que atualmente é bem menos visível.

The restless clock é uma obra densa, longa e de difícil compreensão para não iniciados. Ainda assim, nasce como um clássico que reabre os debates sobre a agência por meio de uma análise retrospectiva bastante instigante. É um livro que indica que a ausência de agência na natureza é uma construção histórica, e que deve ser encarada como tal, sendo passível de análise e mesmo de revisão diante do atual contexto de riscos de extinção em massa de espécies não humanas e de crise ecológica global.

Referências

RISKIN, Jessica. The restless clock: a history of the centuries-long argument over what makes living things tick. Chicago: The University of Chicago Press. 2016.

RISKIN, Jessica. The restless clock: a history of the centuries-long argument over what makes living things tick. Chicago: The University of Chicago Press. 2016. 548 p.


Resenhista

André Vasques Vital – Pesquisador. Programa de Pós-graduação em Sociedade, Tecnologia e Meio Ambiente. Centro Universitário de Anápolis. Anápolis – GO orcid.org/0000-0002-6959-3196 E-mail: [email protected]


Referências desta Resenha

RISKIN, Jessica. The restless clock: a history of the centuries-long argument over what makes living things tick. Chicago: The University of Chicago Press, 2016. Resenha de: VITAL, André Vasques. O problema da agência na ciência moderna: cinco séculos de debates e controvérsias. História, Ciência, Saúde-Manguinhos. Rio de Janeiro, v.26, n.3, jul./set. 2019. Acessar publicação original [DR]

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