Women in Ancient Egypt – ROBBINS (RMA)

ROBBINS, Gay. Women in Ancient Egypt. Cambridge: Harvard University Press, 1993. 205p. ROBBINS, Gay. Reflections of Women in the New Kingdom: Ancient Egyptian Art from the British Museum. San Antonio: Van Siclen Books, 1995. 142p. Resenha de: SANTOS, Moacir Elias. A Mulher no Antigo Egito nas obras de Gay Robbins. Revista Mundo Antigo, v.2, n.4, dez., 2013.

Para a presente resenha acreditamos que não deveríamos apresentar apenas uma obra, mas duas. Tal escolha refere-se ao fato destas terem sido produzidas pela mesma autora, a egiptóloga norte-americana Gay Robbins, e também pelo conjunto que ambas formam, sendo a segunda complementar à primeira, embora não pertençam a nenhuma série ou algo semelhante. Robbins é atualmente Associate Professor de História da Arte e Curadora de arte egípcia no Museu Michael C. Carlos, na Universidade Emory. O primeiro livro, Women in Ancient Egypt, foi concebido a partir de um projeto da autora, encorajado e auxiliado por inúmeros estudiosos do Antigo Egito, dentre os quais destacam-se Vivian Davies, John Baines, Richard Parkinson e Stephen Quirke. Já o segundo, Reflections of Women in the _ew Kingdom: Ancient Egyptian Art from the British Museum, originou-se de uma exposição organizada por diversos especialistas, americanos e ingleses, dentre os quais figura a Dra. Robbins. Realizada no período de 4 de fevereiro a 14 de maio de 1995, no Museu Michael C. Carlos, a mostra revelou inúmeros artefatos, que representavam mulheres ou estavam a elas relacionados. A temática explorou diversos aspectos significativos que, desde o planejamento da exposição seriam ampliados e reunidos em um catálogo especializado. Entretanto este não se frutificou, devido à falta de recursos, todavia, pouco antes do encerramento da mostra, Clarles C. Van Siclen III ofereceu-se como patrocinador do catálogo. Embora seja “menos ambicioso que o catálogo original”, conforme as palavras de Gay Robbins, o presente conserva os mesmos textos didáticos.

Em Women in Ancient Egypt, Robbins questiona-se constantemente, e por vezes responde sobejamente. Já no início indaga-se sobre a importância de um livro sobre as mulheres. Ele tem suas justificativas… “basta afirmar-mos que metade da população egípcia era constituída por mulheres – portanto era necessário que voltássemos nossa atenção para elas”, conclui a autora. Mas há dificuldades presentes, pois o governo egípcio era majoritamente constituído por homens, e a própria visão de mundo egípcia era masculina. Tal fato não difere das sociedades atuais, cuja mentalidade influenciou, e ainda influencia, os estudos do antigo Egito. Esta tendência é difícil de ser mudada, mas Robbins aponta mudanças significativas ocorridas ao longo do século XX: o movimento feminista e as disciplinas acadêmicas relacionadas ao estudo das mulheres. Ambas ganharam espaço e geraram uma revisão das regras tanto no passado quanto no presente, criando assim um novo entendimento das contribuições femininas para a história. O principal intento nesta obra de Robbins foi o de estender esta nova visão, e também interesse, para o real papel das mulheres egípcias, conferindo a elas seu merecido lugar de destaque.

Mas para que seja possível o estabelecimento de uma nova visão sobre as mulheres, diversos problemas devem ser apontados, parte dos quais são compartilhados pelos demais egiptólogos em qualquer tema relacionado ao Egito Antigo. A primeira dificuldade mencionada pela autora são as fontes, diferenciadas em arqueológicas, textuais e iconográficas. Cerca de dois mil e trinta anos separam a atualidade da conquista do Egito pelos romanos. Neste espaço temporal muitas fontes foram perdidas, o que deixou inúmeras lacunas para o conhecimento. As práticas científicas utilizadas no passado também dificultam os estudos, pois não havia um registro completo da origem das fontes. Muitos materiais considerados sem importância, na época de sua descoberta, atualmente podem proporcionar muitos dados para uma pesquisa. Outro problema diz respeito às peculiaridades geográficas. As áreas férteis do Vale, e inúmeras regiões do Delta não foram ainda pesquisadas, devido ao custo e à dificuldade de exploração. Cidades e vilas antigas atualmente estão sepultadas sob ocupações modernas, o que inviabiliza seu acesso. Até este ponto os problemas, como mencionamos anteriormente, são comuns ao estudo do Egito. Mas para o aspecto da história feminina, a situação torna-se mais complicada na medida em que Robbins aponta as fontes textuais. Os propósitos para que serviam os textos (religiosos, estatais, legais, econômicos, dentre outros) e sua produção pelos escribas, os quais formavam a classe elitista masculina, nos fornecem dados sobre regras gerais, mas muito pouco sobre as mulheres. As representações iconográficas apresentam problemas semelhantes aos dos textos escritos, pois eram planejados e executados por homens.

Nas palavras de Robbins há uma tendência dos egiptólogos a olhar o passado com a “visão ocidental”. Escrever sobre as mulheres antes do movimento feminista conduzia a outros caminhos, os quais eram criados pela própria inserção social dos egiptólogos. Assim verifica-se que, nos trabalhos publicados, as mulheres são referidas como a “esposa perfeita”, ou a “mãe do lar”, passivas quanto à vida pública. Os assuntos eram direcionados para as vestimentas, a maquiagem ou a joalheria, temas que a sociedade moderna associa às mulheres. A autora altera esta visão mostrando uma posição mais ativa da mulher na sociedade egípcia.

Ao longo de dez capítulos Gay Robbins trata de diversos assuntos concernentes aos diversos papéis das mulheres e aos temas associados a elas, restritos, entretanto, à existência de fontes principalmente datadas do Reino Novo, mas também a outros períodos quando estas aparecem. Aqui, cabe-nos ressaltar ao leitor que a autora chama a atenção para a definição do termo “mulheres”. Estas não devem ser referidas como um grupo homogêneo, afirma Robbins. Tal como os homens, elas organizavam-se hierarquicamente com poucas características em comum. A posição social a que pertenciam ocasionava distintas experiências. Neste ponto sua segunda obra, Reflections of Women in the _ew Kingdom, complementa o que acabamos de nos referir: há um ponto específico onde a posição da mulher é discutida juntamente com a estrutura social egípcia.

Vejamos agora, brevemente, os principais conteúdos descritos nos capítulos que formam Women in Ancient Egypt, e eventuais complementações a estes que figuram em Reflections of Women in the _ew Kingdom: Ancient Egyptian Art from the British Museum. Robbins dedicou os dois primeiros capítulos para discutir a posição das mulheres ligadas diretamente à realeza. No primeiro, ela efetuou uma análise brilhante, utilizando-se da iconografia: esclarece o caráter divino sobre o reinado da principal esposa real, conferindo a elas uma importância não percebida anteriormente. No que diz respeito a uma antiga hipótese, na qual acreditava-se que a legitimação ao trono era conferida através da linhagem feminina, Robbins argumenta, segundo suas próprias palavras, que “esta linhagem não existe”. Através de um estudo detalhado ela identificou rainhas de origem real e não-real, provando a existência de ambas no poder, fato que contradiz a antiga hipótese, na qual nós mesmos achávamos condizente. A refutação à hipótese da “herdeira” também está presente em Reflections of Women in the _ew Kingdom, no capítulo sobre as mulheres reais. Sobre a origem das esposas nãoreais dos faraós, a autora, impossibilitada pela ausência de fontes, pouco consegue explicar. Uma exceção, neste caso, é a discussão sobre a rainha Tiy, a principal esposa de Amenhotep III: inúmeros documentos da época referem-se à sua ascensão e a de seus pais. Em Reflections of Women in the _ew Kingdom, Robbins dedica uma pequena parte à rainha e apresenta algumas fontes (escaravelhos comemorativos) onde ela aparece representada.

Novamente em Women in Ancient Egypt, no que se refere ao casamento entre pais e filhas, a egiptóloga combate a visão tradicional, a qual afirma que o título de esposa real, que determinadas princesas possuíam, lhes era dado para que pudessem substituir a rainha em alguns casos. Tal posição, na realidade reflete somente o pensamento moderno sobre o incesto: um tabu. Evita-se portanto, desta maneira, uma união consumada entre pai e filha. Mesmo sem estar explícito, fica claro para o leitor que este tema ainda não foi explicado satisfatoriamente. Sobre os casamentos dos faraós com princesas estrangeiras, a autora articula diversas fontes para apontar duas formas: a primeira relacionada a um acordo diplomático entre os reis, e a segunda trata-se de uma forma de tributo. Robbins desenvolve uma análise interessante, não apenas expõe as situações pelas quais realizavam-se os acordos diplomáticos, mas também como seria proveitoso para um rei estrangeiro ser “sogro” de um faraó. A autora, surpreendentemente, quase se coloca na posição das esposas estrangeiras, quando analisa o tratamento que estas recebiam no Egito, os problemas que certamente passavam, e o papel econômico que representavam. Devemos destacar aqui a existência de uma fonte completa, utilizada por Robbins, que está incluída em Reflections of Women in the _ew Kingdom. Trata-se de um escaravelho comemorativo de Amenhotep III, que registra a chegada de uma princesa Mitanni, chamada Gilukhepa, ao Egito.

A sucessão real é abordada não apenas pelas representações convencionais, presente nos trabalhos de outros autores, mas também pela nova visão a que Robbins se dedica. Ela analisa a participação, mesmo que não oficialmente, das mulheres reais nas decisões para a sucessão do trono, apontando influências e conspirações. Ao dedicar uma parte à instituição do Harém, a principal contribuição da autora refere-se à independência deste na confecção de tecidos; uma forma de contribuição ou cobertura de custos para as mulheres que lá residiam. O último tema abordado no primeiro capítulo refere-se aos rituais da “mãe do rei” e da “principal esposa real”. Robbins explica os títulos destas mulheres e suas funções nas cerimônias. Também menciona a importância da mãe do rei na teogonia: quando esta recebia a visita do deus Amon, a fim de que um novo faraó pudesse ser gerado.

No segundo capítulo, a autora dedica-se ao estudo de algumas rainhas e suas manipulações no poder. Embora não exista um modelo sugerindo quanto poder era à elas destinado, Robbins mostra como Ahhotep, Ahmose Nefertari, Hatshepsut, Tiy e Nefertiti procederam. Dentre estas rainhas, Hatshepsut merece destaque, pois diferencia-se das demais pelo fato de ter se tornado uma faraó, utilizando todas as representações iconográficas reais masculinas. As principais contribuições de Robbins aos estudos desta rainha-faraó referem-se à refutação da hipótese que propunha a ascensão de Hatshepsut como “herdeira” da linhagem real, já que Tothmés II e III eram filhos de esposas não-reais; e também a de que Hatshepsut teria mantido Tothmés afastado do governo, o que na realidade pode ser descartado, já que ambos aparecem retratados lado a lado nos monumentos. A autora também discute como Hatshepsut conseguiu desafiar a tradição e como a burocracia masculina tolerou seus atos. O ponto máximo de sua crítica refere-se à destruição da memória de Hatshepsut por Tothmés III.

A hipótese do “ódio” foi repetida por inúmeros autores, mas Robbins aponta dados que a descartam, como o fato desta destruição ter sido levada a cabo nos últimos anos do reinado de Tothmés III. Ela aponta a probabilidade de que o próprio Tothmés talvez tenha relutado à destruição da memória de Hatshepsut. Assim, esta teria sido levada a cabo a partir de uma pressão política, já que a monarquia não estava destinada às mulheres.

Os capítulos seguintes de Women in Ancient Egypt tratam das mulheres não reais e de diversas atividades a elas relacionadas, tanto em casa quanto fora desta. O terceiro capítulo é dedicado ao casamento, ao divórcio e ao adultério. Como a organização social egípcia era baseada na família, o casamento era importante, porém, este é de difícil entendimento. Robbins aponta a ausência de fontes oficiais e religiosas para analisá-lo. As poucas fontes existentes, anteriores ao século VII a.C., mencionam o que provavelmente representaria a união de casais, mas possuem uma forte conotação econômica. O próprio entendimento das palavras para “casamento” e “divórcio” não são totalmente claras. Os primeiros “contratos de casamento” surgem no Período Tardio e prosseguem na Época Ptolomaica. Robbins conscientemente alerta sobre sua aplicação, seguida por alguns autores, para períodos históricos anteriores. O significado de algumas palavras apresentadas (hemet, hebsut e senet) traduzidas constantemente como “esposa”, são colocados em discussão pela autora, a qual verifica existir uma distinção entre elas. Tal como o casamento, o divórcio não é bem conhecido, mas Robbins apresenta suas prováveis causas, e defende a posição que este era majoritariamente iniciado pelas mulheres. Os casamentos múltiplos são, com freqüência, debatidos nas obras sobre as mulheres. Casar várias vezes era comum para homens e mulheres, mas a autora é cautelosa na análise das fontes. Os textos na maioria são ambíguos pois ao se referirem à várias esposas de um homem, é difícil distinguir se ambas esposas conviveram, ou o marido casou-se novamente após a morte da primeira. Robbins finaliza este capítulo com um estudo detalhado do adultério, reunindo fontes que o mencionam e também o condenam.

O quarto capítulo refere-se à fertilidade, à gravidez e ao nascimento. Perpetuar a família para os egípcios era essencial, segundo sua visão de mundo, daí a importância da fertilidade. Já no início do capítulo, Robbins desenvolve uma crítica aos egiptólogos que denominavam determinadas estatuetas femininas de “concubinas do morto”, e as interpretavam como responsáveis pelo estímulo sexual destes. Acaba desmantelando tais interpretações, apenas apontando a existência das referidas estatuetas nas tumbas femininas, nas casas e nos templos. Sua interpretação, mais coerente, refere-se à esperança de renascimento, o que as liga à fertilidade. Outros temas discutidos neste ponto são os pedidos aos mortos para intercederem em favor da fertilidade dos vivos e a adoção. A menstruação e a gravidez são expostas segundo as poucas fontes existentes.

Neste ponto Robbins destaca a importância da ginecologia, obstetrícia e os cuidados com as crianças na sociedade egípcia. Uma das discussões mais interessantes refere-se ao problema da análise das fontes escritas: a autora aponta que as falhas do conhecimento lexicográfico tornam difícil a descoberta dos ingredientes utilizados nas prescrições médicas, principalmente às relacionadas ao tema. Já os anticoncepcionais femininos são bem conhecidos, entretanto ela afirma a inexistência de métodos destinados aos homens. A autora também analisa as representações de gravidez em vasos esculpidos e relevos, bem como descreve seus usos. Neste capítulo encaixa-se perfeitamente uma parte especialmente destinada à gravidez e ao nascimento em Reflections of Women in the _ew Kingdom. Inúmeros exemplares de figuras da fertilidade a que nos referimos, bem como vasos com a forma de mulheres grávidas e mulheres amamentando, são descritas e analisadas por Robbins em detalhe.

No que se refere ao nascimento há, segundo a autora, poucos dados. Mas no decorrer deste tópico, aponta um amplo uso de fórmulas mágicas, expostas em pormenores, destinadas a assegurar bons partos, e descreve os locais onde estes ocorriam, juntamente com as cerimônias que o seguiam. Tal como no parto, a proteção mágica também estava presente durante a infância, assunto que Robbins dedica-se amplamente apresentando inúmeros encantamentos. O último tema do capítulo quatro é a amamentação; assunto para o qual a autora reuniu uma grande quantidade de imagens, com as quais explica como as mães procediam desde o indivíduo comum até os jovens filhos do rei.

O quinto capítulo destina-se à família e à casa. Já de início, Robbins apresenta a nebet-per, isto é a dona de casa, e prossegue indicando as localidades onde os sítios com vestígios de habitações foram encontrados, respectivamente: Kahun, Amarna e Deir el- Medina. As plantas das casas são descritas em detalhe, bem como as áreas destinadas à diversas atividades. As modificações de uma localidade para outra também são ressaltadas. Os problemas relacionados à ocupação de uma família em uma casa apontados por Robbins são, segundo ela, de difíceis respostas. Neste ponto ela analisa, com prudência, documentos que apresentam inúmeros indivíduos da mesma família e conclui que tais representações por vezes, podem facilmente nos enganar. Em uma rica discussão ela aponta a ocupação de inúmeras pessoas em pequenos espaços e acaba questionando a própria noção de família no antigo Egito, posta em dúvida segundo as traduções de determinadas palavras como “irmão”, em egípcio sen, que podem também significar “primo”, “tio”, sobrinho” e “cunhado”. Robbins finaliza a questão, apontando que as famílias não seriam tão grandes como aparecem nas fontes.

Em seguida, dentro do mesmo tema, a posição da dona de casa é colocada em discussão e correlacionada com a das outras mulheres. Robbins critica as fontes, que apontam a possibilidade das atividades administrativas domésticas estarem fora da esfera de responsabilidade da dona de casa. Tal crítica é obvia, já que as fontes foram produzidas por homens, o que perfeitamente pode não condizer com a realidade.

Enquanto na esfera popular as mulheres eram responsáveis por todos os afazeres domésticos, as mais abastadas aproveitaram sua situação privilegiada para aspirar cargos sacerdotais, fato que comprova estilos de vida completamente diferentes. As posições que a mulher ocupava na sociedade também estão presentes em Reflections of Women in the _ew Kingdom (capítulo V). Novamente em Women in Ancient Egypt, os dados econômicos sobre a casa são apontados durante a exposição das atividades de preparação do pão, cerveja, e tecidos. A passividade das mulheres, sugerida por outros autores, é totalmente excluída por Robbins no tema seguinte, relacionado à transação de negócios. Trocas comerciais são analisadas pela autora, que aponta o sistema como o principal responsável pela acumulação dos bens femininos os quais conferiam à mulher sua independência. A última parte deste capítulo foi destinada às classes menos favorecidas. Aqui, Robbins aponta falhas para o entendimento destas classes, primeiramente pelo fato da maioria da população ser iletrada, e segundo por seus enterros não serem suficientemente conhecidos. A solução apontada pela autora seria a pesquisa de fontes que a elite produziu a respeito das demais classes. Mas as cenas de diversas atividades levadas a cabo pelos comuns estão longe ser representativas, pois há a quase total ausência da mulher. Novamente ela remete-se a uma crítica já efetuada anteriormente, a qual diz respeito à produção destas cenas por homens. A autora finaliza apontando cautela para a análise das fontes, por mais claras que estas sejam.

No sexto capítulo Robbins dedica-se à exposição das atividades femininas fora de casa. De início, aponta a existência clara de uma distinção das ocupações entre os gêneros, fato que excluía a mulher de certas atividades. Através de algumas fontes ela discute a função de escriba que algumas mulheres parecem ter recebido, mas impossibilitada pela falta de dados, pouco consegue concluir a respeito. Robbins claramente posiciona uma dificuldade: escrever sobre as mulheres que fazem parte de uma sociedade quando esta não é totalmente entendida. A autora explica a estrutura por nós conhecida, mas afirma não ser capaz de escrever mais que uma simples imagem das mulheres em uma cultura bastante complexa. Uma das soluções para seu problema é exposta em seguida. Ela propõe um exame dos títulos que as mulheres recebiam, e chega a conclusões satisfatórias. Efetuadas em três grupos, de acordo com a posição social das mulheres, a análise demonstrou o seguinte: entre as mulheres mais privilegiadas, os títulos podem refletir tanto uma posição conquistada ou refletida a partir da do marido; no grupo seguinte, reunindo mulheres comuns, os títulos referem-se a uma posição verdadeira; e entre as mulheres mais humildes, tais títulos são menores e refletem atividades simples.

As mulheres estavam envolvidas em uma série de atividades fora de casa tais como música, dança, fiação, tecelagem, moagem, e também em trabalhos menos envolventes como a preparação de alimentos, produção artesanal e produção agrícola.

Nestas atividades, Robbins examina as representações textuais e materiais para estabelecer qual eram os efeitos da divisão do trabalho entre os gêneros. Dentre as conclusões apontadas ela verificou a vinculação do trabalho ao status do marido e que tal distinção também ocorre nas classes mais baixas.

O sétimo capítulo apresenta aspectos jurídicos ligados às mulheres. Robbins verifica situações que não diferem muito das atuais: os indivíduos comuns nem sempre eram protegidos enquanto que os possuidores de altos cargos e títulos recebiam privilégios. O tratamento das mulheres egípcias da elite eram iguais aos dos homens, mas nas classes inferiores isto nem sempre ocorria. Aspectos jurídicos que envolviam as mulheres parecem, segundo a autora, exceções. Robbins apresenta uma discussão sobre a imparcialidade do sistema egípcio, apontando os problemas que este apresentava.

Verifica-se, na maioria das vezes, que o sistema era quase totalmente contra a mulher, como nos casos das viúvas. Estas não eram amparadas pelas leis, mas pelas boas ações dos oficiais. Robbins conclui o capítulo apontando que o direito concedido às mulheres da elite, não foi popularizado, restando às demais a proteção efetiva de suas famílias.

O oitavo capítulo trata da participação das mulheres nos rituais. Robbins analisa os títulos existentes nos Reinos Antigo e Médio, dentre os quais o de hemet netjer e wabet, mas aponta que alguns dados sobre suas funções ainda não podem ser esclarecidas em detalhe. A ausência das sacerdotisas em certas posições é vista pela autora como reflexo da supremacia masculina, fato que aparece na sua discussão sobre o Reino Novo. Nesta época as mulheres continuaram ligadas aos templos com outra ocupação: musicistas. Ao longo do capítulo, Robbins discute a origem destas mulheres, descreve os instrumentos por elas utilizados e analisa diversas cenas que mostram sua participação em rituais. A partir do Reino Novo surge um conjunto de mulheres, sempre presentes em rituais, denominadas nas fontes como “grupo de musicistas”. Neste ponto Robbins explica sua origem e aponta uma crítica sobre a tradução do termo que denomina o grupo: khener. Por muito tempo os egiptólogos empregaram esta palavra para indicar “harém”, fato que acaba contradizendo sua real função. Para ela a palavra deve ser analisada a partir de seu contexto, portanto pode ser melhor entendida como “grupo de musicistas”. Uma mulher liderava o “grupo de musicistas”, seu título define-a como “a maior no grupo de musicistas”. O real papel destas mulheres nos templos está, contudo, longe de ser compreendido. Tal afirmativa é um pouco comum na obra de Robbins, mas o leitor acaba se surpreendendo com tantos questionamentos apontados aqui, relacionados à distinção de pagamentos, trabalho voluntário, posição hierárquica, entre outros.

Outro título apresentado pela autora é o da “divina adoradora”, destinado às mulheres da realeza, mas também pouco conhecido. No Terceiro Período Intermediário o título “divina adoradora” foi associado a outro chamado “divina esposa de Amon”.

Robbins questiona a função da esposa, e critica os egiptólogos que a interpretavam como a “herdeira” real, a qual o rei deveria unir-se para ascender ao trono. Tal suposição é desmentida, ao passo que a autora apresenta muitas rainhas que não se utilizaram deste título. Há muitas cenas onde a “divina esposa de Amon” são descritas, e junto surge uma questão em torno do papel desta mulher no ritual divino diário. Se elas possuíam acesso ao “Santo dos Santos”, seria possível presidirem o ritual? Infelizmente Robbins nos deixa com esta dúvida. Dentre as fontes utilizadas neste capítulo merece destaque um piramidion fragmentado, pertencente á princesa Aset. Tal peça é descrita em um capítulo destinado às mulheres reais, presente em Reflections of Women in the _ew Kingdom. A força política da “divina esposa de Amon” é também discutida, quando estas serviam de representantes em locais onde os faraós não estavam presentes.

A avaliação de um texto feita por Robbins, sobre a estela de Nitiqret, é particularmente interessante, pois traz dados que explicam como era intitulada a “divina esposa de Amon”. Ao término do capítulo a autora faz uma análise da iconografia da divina esposa, apresentando suas modificações e semelhanças com a iconografia dos reis.

A religião pessoal e a morte são os temas do nono capítulo, sem dúvida um dos mais interessantes em minha opinião. Neste ponto a autora apresenta as funções das estelas e das estátuas votivas principalmente ligadas ao templos. Também distingue as diversas formas presentes na estatuária destinadas aos homens e mulheres. Tais diferenças na representação imagética também estão presentes em Reflections of Women in the _ew Kingdom, ao longo dos três primeiros capítulos. A dedicatória das esculturas era, geralmente, uma prerrogativa masculina, mas Robbins aponta que mesmo indiretamente, as mulheres se beneficiaram nas representações. Já com as estelas há uma mudança, tanto homens quanto as mulheres poderiam igualmente oferecê-las. No decorrer deste assunto as modificações que ocorreram na escrita e na iconografia, dentre as quais figuram as regras de decoro, são abordadas. Diversas razões econômicas sobre a elaboração destes monumentos pelas mulheres também são tratados em detalhe.

Robbins surpreende-se pela preferência feminina na adoração das deusas, e descreve uma quase distinção de gênero nas cenas que as representam. Ela também aponta dificuldades para o estudo do tema, já que os inúmeros objetos votivos sem inscrições, tornam-se fontes difíceis para a investigação de gênero. Diversos objetos deste tipo, dedicados à deusa Hátor, entre estatuetas, tecidos e estelas, são analisados em detalhe no nono capítulo de Reflections of Women in the _ew Kingdom.

As visitas efetuadas aos templos e o culto doméstico realizados pelas mulheres são explicados a partir de fontes escritas e arqueológicas, mas com pouco conteúdo. Esta situação altera-se com a participação das mulheres no culto funerário, a qual é apresentada em seguida. Robbins descreve os ritos funerários desde a época prédinástica, salientando uma aparente igualdade dos homens e mulheres em face à morte.

A presença de sacerdotisas funerárias no Reino Antigo e seu posterior desaparecimento são tratados juntamente com os rituais por elas realizados. A análise efetuada por Robbins sobre o funeral das mulheres, semelhante ao dos homens, foi baseada principalmente em dados referentes à classe dos escribas, e apresenta informações de três grandes períodos: os reinos Antigo, Médio e Novo. O tratamento do corpo, a deposição de bens na tumba e as cerimônias em capelas são assuntos de uma grande discussão, na qual Robbins aponta sutis diferenças entre os gêneros. Dentre as diferenças está a ausência de capelas pessoais para as mulheres, o que segundo ela reflete um fator de desigualdade, já que o privilégio era somente conferido à burocracia masculina. Uma contribuição nova de Robbins ao tema refere-se à responsabilidade do homem em prover o funeral, e todas as suas parafernálias, para sua esposa. Tal questão é afirmada pela análise das estelas funerárias, encontradas em tumbas ou capelas, do Livro dos Mortos, e de demais artefatos funerários. Há diferenças consideráveis no equipamento funerário de um casal, o do homem, sem dúvida, é mais rico. Na penúltima parte ela remete-se às portas-falsas e estelas funerárias, onde apresenta seu significado e desenvolvimento através da história egípcia. Finalizando o capítulo, Robbins trata dos ritos funerários das mulheres, parte onde realiza uma brilhante exposição sobre as fórmulas funerárias, e conclui com as adaptações que a cultura material sofreu para se adequarem ao uso pelas mulheres. Em Reflections of Women in the _ew Kingdom, Robbins dedica o décimo primeiro capítulo a morte, onde faz uma análise de algumas cenas do Livro dos Mortos e estatuetas shabtis pertencentes ao Museu Britânico.

O décimo e último capítulo de Women in Ancient Egypt, é dedicado às imagens das mulheres na literatura e na arte. Aqui Robbins faz um pequeno retrospecto no estudo das mulheres na sociedade egípcia e aponta problemas que deixaram falhas, devido a falta de fontes, ou por estas serem escritas ou produzidas por homens. A autora aponta que através do estudo das fontes disponíveis é possível compreendermos os ideais masculinos a respeito das mulheres e de seu lugar na sociedade. Robbins elabora um estudo apontando o tratamento das mulheres através dos textos de sabedoria, como os de Any e de Ptahotep. Estes ensinam o papel da mulher como donas de casa, como mães e também alertam para o perigo de se envolver com mulheres desconhecidas. Mostrando estas várias facetas, a autora explica como os homens percebiam a natureza dual das mulheres: boa, caso seguisse as normas sociais, e má ao contrário.

Em uma segunda parte Robbins trata das representações imagéticas masculinas e femininas. De início explica as características da arte egípcia e sua importância nos templos e tumbas. Ela indica suas idealização nos aspectos físicos de em ambos gêneros, incluindo aqui a aparência jovial, cor da pele e proporções corpóreas. As vestimentas são descritas à parte através da estatuária, dos relevos, das pinturas e também com as próprias roupas que foram encontradas nas tumbas. As formas das vestimentas são expostas como vetores de relações sociais. Robbins também apresenta o estilo dos cabelos e perucas de homens, mulheres e crianças, a partir de fontes do Reino Novo. Ela indica a necessidade de mais pesquisas sobre o tema, a fim de que seu significado social possa ser completamente compreendido. Um motivo apresentado pela autora, e que foge das representações convencionais, é o da adolescente nua – presente em colheres, recipientes para cosméticos, espelhos e objetos da vida cotidiana. Robbins analisa tais imagens e concluí que o tema possui conotação sexual, visto que seriam responsáveis pela fertilidade de seus proprietários. A última parte do capítulo refere-se ao sexo e à alusão sexual em imagens. A autora explica a ausência das cenas sexuais em templos e tumbas, e aponta que as mesmas estão presentes através de alusões simbólicas. Através de uma extensa análise iconográfica, ela verifica a existência de narrativas mitológicas representadas através de símbolos e palavras que aludem à fertilidade. Detalhes expostos neste último capítulo, referentes às imagens das mulheres na arte egípcia, fazem parte da linha temática central que está presente em Reflections of Women in the _ew Kingdom. Nesta obra, que privilegia o feminino, a maioria dos artefatos descritos traz aspectos importantes para a compreensão do papel da mulher na sociedade egípcia.

Infelizmente os dois livros aqui expostos só se encontram disponíveis em sua versão original na língua inglesa, o que certamente dificulta a circulação de idéias tão estimulantes sobre o papel das mulheres no Egito, como as que foram expostas por Robbins, em países como o Brasil.

Moacir Elias Santos – Doutor em História Antiga pela UFF e Pós-Doutorando pelo PPGH da Universidade Estadual de Ponta Grossa.

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