História e Audiovisual: pode(res), discursos, linguagens, mitos e mitologias políticas | Temporalidades | 2022

Detalhe de capa de Historia Audiovisual de Rafael Rosa Hagemeyer Autentica 2012
Detalhe de capa de História & Audiovisual, de Rafael Rosa Hagemeyer (Autêntica, 2012)

Trata-se de uma experiência interessante refletir sobre o percurso da Revista Temporalidades, desde sua concepção até a sua atual edição, e perceber como os dossiês temáticos apresentados pela Revista dialogam com perspectivas de naturezas distintas em termos de fontes historiográficas. Por meio da diversidade de temas seus textos trazem, associados a historiografia e debates que proporcionam, percebe-se que, de fato, a Revista Temporalidades cumpre o papel que se propõe.

Fiz parte da equipe de concepção e produção da Revista entre os anos de 2013 e 2014, e hoje, quase uma década depois, me sinto lisonjeado de ser convidado a escrever a apresentação da Revista, sobretudo, diante de um dossiê que me compraz e que também faz parte de minha trajetória enquanto discente do Programa de Pós-graduação em História da UFMG e dos seguimentos de minhas pesquisas.

Interessante notar também que a temática do dossiê desta edição traz um filme a mente, pois considero que nem sempre, desde o seu advento como fonte importante na historiografia, o audiovisual teve o destaque merecido entre as pesquisas historiográficas no Departamento de Pósgraduação em História da UFMG. Confesso que na primeira década do século XXI, quando ingressei na linha de pesquisa “História e Culturas Políticas”, senti que as pesquisas de História que traziam o cinema e o audiovisual como fonte geravam estranhamentos, assim como pesquisas de outros colegas que, em alguns casos, nas mesas das lanchonetes da FAFICH ou mesmo em salas de aulas ou bares, chegaram a ser chamadas de fontes alternativas. Desde daquele momento nós, os poucos pretendentes a pesquisadores que nos aventurávamos por essa área, indagávamos o sentido do termo alternativa, ou seja, alternativa ao que e a quem?

Pesquisas sobre audiovisual ou quadrinhos, entre outros temas correlatos, muitas vezes causavam a sensação em alguns como “escapismo” as fontes tradicionais, aquelas de arquivos empoeirados, como se tinha na memória de alguns como a imagem do historiador padrão. Daí questionávamos: O que são fontes tradicionais?

Muito longe de incomodar, estas percepções nos deixavam mais seguros a respeito do que estávamos fazendo. Afinal de contas, as pesquisas foram selecionadas e nossos orientadores, bem mais experientes, sabiam o que estavam propondo. E não sentíamos também a necessidade da legitimação por pares das salas de aula, pois naquele momento já existia toda uma gama de bibliografias e eventos sobre o tema, que por si só, asseguravam nossas pesquisas vindouras. Na verdade, a necessidade de explicar muitas vezes a importância do audiovisual como fonte da historiografia pode ter sido até mesmo positiva, pois nos fez ler e conhecer mais sobre o tema. Digo isto porque ninguém neste contexto precisou ficar explicando que as Cúrias de Mariana e seus documentos eram fontes importantes de pesquisa para a historiografia, como de fato, o são. Mas as necessidades de explicações para se justificar as pesquisas tendo o audiovisual como fonte eram recorrentes. E hoje, mediante o exemplo desta publicação, ao que parece, esta necessidade foi superada e o audiovisual é compreendido na proporção de sua importância entre os discentes do Programa.

Percebia-se também, na primeira década do século XXI, que esse estranhamento de alguns não era a tônica geral. Entre os docentes, percebia-se uma maior abertura, uma maior propensão ao debate sobre o tema, embora também era recorrente alguns argumentos de que projetos que tinham o audiovisual como fonte, por vezes, não eram aprovados pela inexistência de orientadores para o tema.

O curioso, neste sentido, é que o audiovisual já era considerado fonte da historiografia há bastante tempo. E claro, por sua abrangência e pertinência, o Departamento de História da UFMG se abriu cada vez mais as pesquisas nesta linha.

Não considero que este tipo de situação ocorreu apenas em relação ao audiovisual como fonte. Outros temas podem ter passado pela mesma situação, em ocasiões e temporalidades diferentes. No entanto, ao depararmos com uma Revista tão importante para o Programa de Pós-graduação em História da UFMG, produzida pelos discentes, e com o audiovisual como tema de dossiê, percebe-se duas situações no que se propõe por meio desta apresentação: Que o audiovisual ganhou força e que as mudanças de perspectivas relacionadas aos estudos das imagens, tão caras a este primeiro quarto do século XXI, foram incorporadas de vez nos debates historiográficos, e que a sensibilidade e percepção de interrelações das linhas de pesquisas do Departamento de Pós-graduação em História da UFMG se tornaram mais sensíveis aos estudos do audiovisual como fonte da historiografia. Estas duas situações se apresentam nesta edição da Revista Temporalidades.

Diante do advento da natureza distinta do audiovisual como fonte nas linhas de pesquisa no Departamento, evidenciou-se ainda mais que, de acordo com suas escolhas e recortes temáticos, a pesquisa historiográfica permite análises sobre formas sociais de expressão dos imaginários, por meio de seus vários modos de comunicação, seja ela verbal, escrita, gestual, iconográfica e/ou simbólica, fazendo também uso de suas diferentes linguagens, tais como a política, religiosa, filosófica, arquitetônica e artística, como sugerem Maria Helena Rolim Capelato e Eliana Regina de Freitas Dutra. (CARDOSO, MALERBA, 1999: p. 258) As pesquisas historiográficas também possibilitam a reflexão sobre “práticas de representação acionadas em diferentes sociedades e em variadas circunstâncias históricas”, e exploram “por meio de documentos de distintas naturezas, um rico estoque de representações, que nos mostram as fortes conexões existentes entre estética, política e cultura”. (CARDOSO, MALERBA, 1999: p. 258).

Partindo deste pressuposto, consideramos o audiovisual como um espaço de importantes conexões entre a estética, a ciência, a cultura e a política, uma vez que o audiovisual buscou, no decorrer de seu desenvolvimento e da construção de suas variadas linguagens, também construir um discurso sobre o homem e sua relação com o espaço e tempo na história. Deste modo, o audiovisual pode evidencia e suscita reflexões sobre as sociedades, culturas e políticas em geral, além de servir também como importante meio pelo qual podemos nos fazer representar.

As pesquisas historiográficas que pretendem dialogar com o audiovisual devem levar em conta que os “conceitos-imagens” (CABRERA, 2006), produzidos pelo conjunto da obra fílmica, representam a experiência de uma linguagem que pretende produzir um impacto emocional e que ao mesmo tempo diz algo sobre o mundo e a condição humana. Ainda que estes conceitos não se voltem exclusivamente para o passado, o audiovisual é sempre uma leitura de sua época, uma releitura de algum momento do passado ou mesmo uma representação imagética de um futuro presumido do ponto de vista dos construtores da obra audiovisual.

O audiovisual também já não mais interessa as pesquisas historiográficas por ser, em muitos casos, unicamente representações monumentalizadas do passado: os aspectos extra audiovisuais também fazem parte do universo de possibilidades que as pesquisas historiográficas tem diante de si para moldar suas análises e reflexões sobre o audiovisual em si, levando em conta suas temporalidades e descartando também possibilidades de fidedignidade ao passado. Os conceitos-imagens apresentados pelo audiovisual expressam valores, linguagens, diálogos iconográficos e posturas políticas/ideológicas que compõe um determinado contexto sociocultural.

Também vale ressaltar que o universo do audiovisual como um todo, que vai além do específico fílmico, é hoje considerado objeto de estudo importante no interior da historiografia que lida com o audiovisual como objeto de estudo. Revistas, star-system, diferentes formas de linguagens e narrativas, formas de recepção, grupos que se formam no entorno, produtos os mais variados, entre tantas outras possibilidades, correspondem o que extrapola as telas ou quadros e se constitui como espaço de continuidade da matéria audiovisual em si.

Há quem diga que as linguagens audiovisuais se sobrepujarão a escrita. Já temos exemplos de teses que não foram escritas ou digitadas, e sim, filmadas, entregues e defendidas em formato audiovisual. Também temos exemplos de profissionais da historiografia que são convidados a prestarem curadoria em produções audiovisuais que trazem momentos da história como elemento constitutivo da obra. Talvez o debate da forma, tempo e percurso em que a historiografia levou e traçou para incorporar o audiovisual em seu rol de fontes, possa ter o seu reverso mais perceptível em um panorama onde se percebe que, muito mais, parece ser o audiovisual que há muito mais tempo e em formatos os mais variados tem a história como fonte.

Há uma dança entre estes pares, e parece que o convite para ser par do audiovisual, por parte da historiografia, de forma mais ampla, demorou mais tempo para ser aceito. E agora, plenamente aceito, tem sido gratificante verificar os ritmos e passos desta sintonia.

Esta edição da Revista Temporalidades, por meio da variedade e diversidade dos textos que apresenta, baila, em um salão amplo, com o que temos de culminante e mais contemporâneo na historiografia das relações entre história e audiovisual.


Organizador

Geovano Moreira Chaves – Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – IFMS. E-mail: [email protected]


Referências desta apresentação

CHAVES, Geovano Moreira. Apresentação. Temporalidades. Belo Horizonte,  v. 14, n. 1, p.15-18, jan./ago. 2022. Acessar publicação original [DR]

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