Cartas sobre a hipermodernidade ou O hipermoderno explicado às crianças – CHARLES (C)

CHARLES, Sébastien. Cartas sobre a hipermodernidade ou O hipermoderno explicado às crianças. São Paulo: Barcarolla, 2009. Resenha de:GONÇALVES, Marco Antonio. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 3, Set/dez, 2011.

Num ensaio sobre nossa temporalidade qualificada como hipermoderna, diferenciando-a do conceito de pós-moderna, pois isso pressuporia a ideia de rompimento dos princípios constitutivos da modernidade – racionalidade técnica, economia de mercado, democratização do espaço público e extensão da lógica individualista – Charles parte da tese de que esses princípios não foram rompidos, mas que estão sim radicalizados.

Com conteúdos bastante relevantes, Cartas sobre a hipermodernidade reúne dez cartas que contribuem para o debate evitando uma atitude simplória de desespero ou indignação dessa lógica individualista presente em diversos níveis.

Sobre essa ótica, o autor procura, primeiramente, responder: o que é o pós-moderno? (Carta 1) – Vivemos num momento de instabilidades e de questionamentos acerca da relatividade dos valores e dos gostos.

Constata-se isso com as questões inéditas que as tecnociências nos trouxeram – estendidas ao campo dos direitos individuais –, o desaparecimento dos grandes projetos políticos e a angústia por não mais possuirmos referenciais seguros.

O autor questiona: por que utilizar o conceito de hipermodernidade e não se limitar a dizer simplesmente que a modernidade continua normalmente o seu desenvolvimento? A modernidade mobilizou intensamente os homens ao lhes prometer novos rumos: desaparecimento das tarefas inglórias e desgastantes graças ao progresso tecnológico, justiça e igualdade para todos após reformas políticas adequadas, e felicidade universal em razão de uma reformulação da ordem social. (p. 16). Mas essas promessas não foram honradas nem plenamente concretizadas: o progresso tecnológico colocando-se a serviço de causas nobres e vise a justiça e a igualdade permanecendo como reivindicações, e a felicidade, como ideal.

Surgiram novos temores e uma ambiguidade de sentimentos de fascinação e de angústia abordados na Carta 8 – “Entrada para um novo cenário”. As tecnociências não param de revolucionar os referenciais de nosso mundo e, infelizmente, a atual lógica da descoberta científica não está atendendo mais a uma visão humanista como no passado. Está mais preocupada com a rentabilidade do que com a verdade, esquecendo seu horizonte de inteligibilidade e de enquadramento ético.

Dentro deste panorama, a Carta 9 – “Glosa sobre a resistência” analisa as modificações pelas quais a universidade passa. Numa lógica mercantil balizada num cálculo individualista de custo e benefícios, vê-se inserida num contexto complexo de relações pessoais, pedagógicas e sociais.

Mas não seria correto reduzir a universidade a “supermercado do conhecimento” que visa apenas às exigências do mercado. Grande número de estudantes e professores assume as autênticas exigências universitárias e se dedica com abnegação e rigor aos seus estudos, com preocupações sociais, éticas ou ambientais, ou seja, são e formam cidadãos capazes de melhor compreender os desafios atuais e participam ou influenciam nas decisões coletivas assumidas.

Como explicar o retorno da temática da felicidade na filosofia contemporânea? Esse retorno a um pensamento preocupado com considerações eudemônicas – desaparecidas das considerações filosóficas no século XVIII – que contraponha a lógica hipermoderna é abordada em Comentários às metanarrativas (Carta 2). Fala-se que há uma falência do projeto moderno devido ao esvaziamento ou à eliminação das metanarrativas (sociedade sem classes, felicidade universal, realização do espírito, emancipação dos indivíduos).

Essa ideia, segundo o autor, é frágil se não levar em conta a complexidade da sociedade contemporânea. Argumenta que nem todas as grandes narrativas foram desacreditadas – os direitos humanos jamais foram tão festejados e consensuais – e o desaparecimento de boa parte das metanarrativas não significa o fim da modernidade. Ao contrário, há uma celebração do passado, a preservação da memória e a sensibilização para com um passado ao qual já não é mais possível voltar.

Alguns fatores podem ser destacados para exemplificar aquele abandono: a adoção de um discurso autônomo da ciência moderna como única detentora da verdade e conhecimento capaz de conduzir à felicidade, o aparecimento de uma nova reflexão política, social e econômica, assim como relacionado à filosofia de Kant e a substituição da questão da felicidade pela da obrigação. Todos nós desejamos ser felizes, mas somos incapazes de dizer o que, de fato, garante a nossa felicidade, fazendo dela um ideal da imaginação e nada mais.

Cresceu, no século XX – junto com o progresso científico e a experiência dos regimes totalitários –, nossa preocupação e desconfiança pelo fato de as ciências naturais e humanas serem incapazes de dar uma resposta ética aos desafios que elas mesmas criaram. Assistimos ao ressurgimento e à atualização no discurso filosófico sobre a felicidade.

O autor diz: Atualmente, são essas utopias que parecem ultrapassadas e a filosofia, entendida como sabedoria, perfeitamente atual. A função da filosofia, hoje, pode ser a de ocupar esse espaço deixado livre pelas utopias políticas, a fim de nos permitir pensar conjuntamente felicidade coletiva e felicidade individual, sem deixar o coletivo preponderar em detrimento do individual, o que representaria um retorno às experiências totalitárias, nem o individual predominar sobre o coletivo, o que representaria a anarquia. (p. 44).

A crença na regulação da ordem social pelo mercado, que teria a virtude de aumentar naturalmente a felicidade coletiva, também se enfraqueceu. A felicidade prometida pela sociedade de consumo que ainda não tornou realidade e a conscientização de que o bem-estar não pode ser garantido somente pela compra de bens materiais explicam a reabilitação de uma filosofia que pretende trazer respostas à felicidade.

A volta atual à filosofia se explica, sobretudo, pelo aumento do individualismo e do hedonismo que movem as nossas sociedades hipermodernas, que fazem do indivíduo o próprio centro da sua lógica e, da sua felicidade, o objetivo da existência humana. Contudo, a busca dessa felicidade hipermoderna está baseada numa filosofia sob a forma de iniciação aos grandes mestres espirituais, a qual reúne novas formas de religiosidade, caminhos espirituais de todo tipo, buscas místicas e o retorno às sabedorias filosóficas. Uma extensão da lógica do consumo ao domínio da espiritualidade e uma válvula de escape para as tristezas existenciais.

Os ensaios filosóficos obtêm, hoje, um sucesso excepcional, e a demanda social pela filosofia – seja através de cafés filosóficos, de especialistas em filosofia ou de programas na mídia – nunca foi tão forte. Os indivíduos buscam, em geral, mais o prazer do que o filosofar.

Esse modismo não encontra igual repercussão na invasão dos Departamentos de Filosofia nas universidades. A filosofia tem o objetivo de distinguir as falsas felicidades, o que se chama de ilusões, da verdadeira felicidade, relacionada com a verdade.

Se a filosofia não nos torna felizes, ela pode, ao menos, nos dar as chaves para sermos menos infelizes. A felicidade à qual a filosofia quer dar acesso não é qualquer felicidade, ela não está baseada em mentiras, na ilusão ou no esquecimento, mas sim sobre um máximo de lucidez.

Para o filósofo, mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa felicidade. (p. 51). Algumas reflexões filosóficas que nos permitem ao menos uma melhor compreensão das razões da infelicidade que afeta a nossa existência dizem respeito à própria vida e à relação natural e necessária que ela tem com a morte. Acredita-se que a felicidade se encontra em bens fugazes e efêmeros que acumulamos para sentir segurança. A mensagem da filosofia é simples: é preciso moderação, saber impor limites aos desejos, ao que é necessário à obtenção de uma vida agradável, sem ir além do que basta. Essa mensagem é bastante difícil de se entender numa sociedade de hiperconsumo, mas que retoma, apesar de tudo, as preocupações contemporâneas sobre a necessidade de se limitar à retirada de recursos naturais a fim de se preservar o meio ambiente e de se preocupar com o destino das gerações futuras.

Na “Mensagem sobre o curso de filosofia” – Carta 10, percebe-se que há um aumento de atenção com relação à filosofia, apesar de outras disciplinas tomarem o seu lugar na tarefa de pensar o mundo e não ser mais concebida como a única ciência com a pretensão à verdade. Nessa carta, o autor dá indicativos de uma crise da filosofia – com suas razões históricas e culturais – em torno das problemáticas metafísicas, morais e éticas. Ele defende uma filosofia modesta, essencial à nossa época, indispensável como disciplina a ser ensinada, mesmo com divergência sobre como ensiná-la e sobre o conteúdo a ser ensinado.

Filosofia modesta porque ela não pretende mais dizer onde está a verdade, mas filosofia essencial, apesar disso, pois ela pode permitir distinguir o falso ou indicar os limites que não devem ser transpostos.

E nós precisamos sim de filosofia, ou seja, de argumentação racional, de debates públicos e críticos, de reflexão sobre a vida, para responder aos desafios que as ciências nos trazem e que a administração das nossas sociedades democráticas exige. (p. 195).

Essa preocupação é percebida na Carta 3, – “Sobre a história universal”, ao se fazer um resgate histórico dessa questão até os dias atuais quando se afirma o fim das filosofias da história. Vê-se a necessidade de se pensar respostas coletivas em termos de desenvolvimento econômico, de visão de mundo e evitar “as armadilhas do etnocentrismo histórico e do universalismo abstrato, buscando o seu objetivo mais nobre, a preservação da humanidade e do meio ambiente que torna possível sua existência. (p. 75).

Na Carta 4 – “Apontamento sobre a legitimidade”, o texto aborda a questão do multiculturalismo contemporâneo a partir da linguagem da tolerância como virtude política. Analisada e valorizada filosoficamente, no seu sentido moderno, a tolerância é indissociável de uma reflexão política sobre os direitos individuais e sobretudo a liberdade de consciência e de crença. O autor afirma: O multiculturalismo não é uma posição frágil, mas forte, não se traduzindo por um relativismo moral ou uma anarquia total na qual todas as reivindicações seriam aceitáveis e aceitas. As nossas democracias, cujos recursos estão longe de se esgotarem, devem ser inflexíveis sobre os princípios (defesa dos direitos individuais, promoção da dignidade da pessoa humana) e flexível no tocante aos valores culturais problemáticos. (p. 94).

Vinculado a essa temática, “Mensagem sobre a confusão das razões” – Carta 5, sustenta que essa (in)flexibilidade só foi possível graças às revoluções sociais e políticas que redefiniram a natureza, o estatuto do Estado, da sociedade civil e do indivíduo.

O Estado pós-moderno apresenta-se como um Estado mínimo com prerrogativas reduzidas, ação mais modesta e mais atenta às necessidades sociais, descentralizado, pragmático, baseado em prioridades essenciais (educação, justiça e segurança). Contudo, percebe-se que há um discurso de crise da política-tradicional, indiferença ao jogo político, queda da militância política e presença da chamada política espetáculo. Contrapõe-se a isso um aumento de cidadãos mais exigentes e responsáveis, em instâncias de exercício de poder mais direto, mais consultivo e mais participativo. Torna-se necessário um novo pacto social. Em vez de Estado mínimo, o autor diz ser necessário se pensar num Estado responsável.

A Carta 6 – “Pós-escrito ao terror e ao sublime” analisa modernidade e estética, o início do desaparecimento e a dessacralização das “grandes narrativas” artísticas e literárias, a renovação da estética urbana moderna nos anos 60 (séc. XX) e a revolução nos comportamentos a partir dos anos 80 (séc. XX): a valorização do hedonismo, a preocupação com a sedução, a promoção do cotidiano, o desaparecimento das correntes artísticas em prol de iniciativas mais individualizadas, a valorização das emoções e das percepções, o fim das vanguardas, a negação das hierarquizações estéticas, etc. (p. 119).

A partir da segunda metade do séc. XX, o consumismo e os valores vinculados a ele, sob o manto de uma cultura narcisista, fizeram com que a arte se tornasse um produto social como qualquer outro, submetido às leis do mercado. O desaparecimento de normas estéticas provocou novas formas de ecletismo, cada um podendo ao mesmo tempo e sem contradição gostar de diferentes manifestações artísticas. Devemos cuidar para não cair num relativismo cultural, no qual tudo tem valor e, ao mesmo tempo, tudo não vale nada.

A situação do hiperindividualismo contemporâneo é o grande tema da Carta 7 – “Nota sobre o sentido da expressão ‘hiper’”, que é marcado por uma lógica paradoxal: vivemos numa sociedade que massifica, padroniza e, ao mesmo tempo, cria seres autônomos e ambíguos, estimula os prazeres e produz comportamentos angustiados e esquizofrênicos divididos entre uma cultura do excesso e o elogio da moderação. Sua superação pressupõe não só uma responsabilização coletiva, exercida em todos os setores do poder e do saber, mas também individual, ao assumir autonomamente o legado da modernidade.

O hiperconsumismo funciona como uma forma de hiperindividualismo. Não leva nem ao desaparecimento dos ideais nem à corrupção da moral – seria simplista dizer que a sociedade hipermoderna é um espaço sem valores. Várias pessoas sentem a necessidade de agir, de intervir, de ajudar, a partir de uma deliberação que lhes é própria e não em razão do pertencimento a tal ou a qual estrutura política ou religiosa.

Pelo que se pode perceber, a análise da hipermodernidade exige um esforço em eliminar certos dogmatismos intelectuais e ideológicos que, em nossa formação e no mesmo agir pedagógico e social, nos foram incutidos. Assim, numa mudança de paradigma epistemológico, é preciso ter a lucidez de perceber a complexidade de suas manifestações, para que as ações sejam eficazes nas transformações desejadas e necessárias.

Marco Antonio Gonçalves – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFil). Mestrado em Ética, da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

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Arte e Filosofia no Idealismo Alemão – WERLE; GALÉ (C-FA)

Marco Aurélio Werle; Pedro Fernandes Galé (Orgs). Arte e Filosofia no Idealismo Alemão. São Paulo: Barcarolla, 2009. Resenha de: VIDEIRA, Mario. Cadernos de Filosofia Alemã, São Paulo, n.15 Jun./Dez., 2009.

“A arte […] consegue para a intuição justamente aquilo que a mais alta filosofia consegue através da especulação”1

Numa carta de 06 de janeiro de 1795, Schelling escreve a Hegel: “A filosofia ainda não chegou ao final. Kant deu os resultados: faltam ainda as premissas”. E conclui: “Nós precisamos seguir adiante com a filosofia!”.

Um dos principais problemas herdados pelos filósofos póskantianos foi o da passagem entre filosofia teórica e filosofia prática. A exigência do incondicionado, indicada por Kant no § 76 da Crítica do Juízo foi profundamente sentida pelos pensadores pós-kantianos, para os quais o problema do Absoluto se resolveria, de certa forma, no âmbito da arte.

Desde o chamado “O mais antigo programa de sistema do Idealismo Alemão” já se indicava que a unificação entre teoria e prática deveria ser efetuada através da beleza:

Por último, a Idéia que unifica tudo, a Idéia da beleza, tomada a palavra em seu sentido superior, platônico. Pois estou convicto de que o ato supremo da Razão, aquele em que ela engloba todas as Idéias, é um ato estético, e que verdade e bondade só estão irmanadas na beleza. O filósofo tem de possuir tanta força estética quanto o poeta. Os homens sem senso estético [ästhetischen Sinn] são nossos filósofos da letra. A filosofia do espírito é uma filosofia estética […]

A poesia adquire com isso uma dignidade superior, torna-se outra vez no fim o que era no começo – mestra da humanidade ; pois não há mais filosofia, não há mais história, a arte poética sobreviverá a todas as outras ciências e artes.2

A união entre necessidade e liberdade, a passagem entre filosofia teórica e prática será consumada por meio da arte. Para alguns autores, a arte fornece de maneira imediata – isto é, através de uma intuição estética – aquilo que, no âmbito da teoria só pode ser concebido como uma “aproximação infinita”. No “Sistema do Idealismo Transcendental” (1800) de Schelling, o belo será considerado como sendo o infinito exposto finitamente [ das Unenedliche endlich dargestellt ]. Para ele, a intuição estética nada mais é do que a intuição intelectual que se tornou objetiva: “aquilo que para o filósofo já se divide no primeiro ato de consciência, e que é, de outra forma, inacessível a qualquer intuição, resplandece através do milagre da arte, a partir de seus produtos”3 Daí a tese, defendida por Schelling, de que a arte seria o único e verdadeiro órganon e, ao mesmo tempo, o documento da filosofia.

A partir dessas considerações pode-se perguntar: como foi possível que a arte alcançasse essa autonomia e dignidade? De que maneira a arte representa, a partir desse momento, um campo privilegiado para a afirmação do absoluto? Estas são algumas das questões investigadas na coletânea de ensaios intitulada “Arte e filosofia no Idealismo Alemão” que acaba de ser publicada pela Editora Barcarolla. Esse livro é resultado do colóquio internacional “Estética no Idealismo Alemão”, promovido pelo Departamento de Filosofia da USP em outubro de 2007, e reúne nove textos de importantes pesquisadores brasileiros e estrangeiros.

Como os organizadores ressaltam logo na introdução ao volume, o livro não pretende ser uma apresentação sistemática de todos os temas do Idealismo Alemão. Ao invés disso, procura-se tratar a estética desse período “como uma questão aberta, sobretudo como um desafio ao pensamento e que comporta diferentes enfoques” (p. 11). Com efeito, a variedade de enfoques e temáticas dos ensaios dão uma mostra da complexidade das relações entre arte e filosofia no Idealismo, que é certamente um dos períodos mais ricos da filosofia alemã. Os ensaios concentram-se principalmente no exame das filosofias de Kant, Schelling e Hegel. No campo da literatura, o autor-chave é Goethe.

A temática do gênio, central para a reflexão filosófica do período, é examinada num ensaio do professor Ubirajara Rancan de Azevedo. Trata-se de um estudo bastante específico, que por meio do confronto com outros textos de Kant (como alguns fragmentos das Preleções sobre Antropologia ), busca examinar a definição kantiana do gênio como “inata disposição de ânimo (ingenium) pela qual a natureza dá regra à arte”, tal como exposta no § 46 da Crítica do Juízo. A temática da experiência estética em Kant e Schiller é examinada num ensaio de Christian Hamm, que procura mostrar em que pontos a concepção schilleriana difere da kantiana e como “a instauração da nova perspectiva estética implica alterações absolutamente essenciais em quase todos os componentes da constelação original kantiana”, como por exemplo, na função sistemática do juízo (p. 72). Além disso, Hamm mostra de que maneira a interpretação (moral) da atividade estética do sujeito permite a Schiller o desenvolvimento de sua proposta de uma educação estética do homem.

A relação entre monismo e filosofia da arte em Schelling é estudada num excelente artigo de Christian Klotz, que examina a teoria da forma de representação simbólica exposta particularmente na parte geral das preleções sobre Filosofia da Arte (1804/05).

Klotz defende a tese de que essa teoria seria uma transformação da concepção kantiana de idéia estética, motivada pelo ponto de vista monista de Schelling (p. 107). Além disso, Klotz procura mostrar de que maneira as transformações da estética kantiana levadas a cabo por Schelling, de certa forma, podem ser consideradas como uma antecipação de elementos da estética de Hegel.

O artigo de Eduardo Brandão procura traçar alguns paralelos entre as filosofias de Schelling e de Schopenhauer, a partir da noção de “ideia”. Segundo Brandão (p. 15), o Mundo como Vontade e Representação de Schopenhauer “repõe no interior da metafísica da Vontade o problema clássico que se arma em torno da noção de ideia e que é enfrentado por Schelling”.

A filosofia de Hegel é trabalhada nos ensaios de Javier Dominguez Hernández, de Klaus Viehweg e de Marco Aurélio Werle. O professor Klaus Viehweg examina a superação da orientalidade e do classicismo pela arte moderna, bem como o tema do “fim da arte” na Estética de Hegel. Um ponto interessante para o qual Viehweg chama a atenção do leitor é a atualidade da filosofia de Hegel. Segundo ele (p. 159), Hegel “fixou linhas fundamentais, forneceu alicerces sobre os quais uma filosofia da ar te atual pode ser construída”. O tema do caráter pretérito da arte em Hegel é examinado também no artigo de Javier Hernández. Segundo ele, a definição da arte levada a cabo por Hegel é feita a partir de sua tarefa na formação do espírito e cultura humanos. Dessa forma, a função histórica da arte na cultura moderna não seria t anto de conteúdo, ou seja, “não se trata de uma formação substancial ( substantielle Bildung ), mas sim de uma formação formal ( formelle Bildung )” (p. 84). Tal como Viehweg, também Hernández critica uma interpretação classicista da estética de Hegel, que impede que se perceba “a atualidade de suas exposições” (p. 90). O artigo de Marco Aurélio Werle explora o tema da subjetividade artística em Goethe e Hegel. Partindo de uma análise do final da primeira parte dos Cursos de Estética (mais especificamente, do subcapítulo sobre o artista ), Werle defende que Hegel dialoga com Goethe e o toma como referência central em sua argumentação, de modo que Goethe seria, de certa forma, o protótipo da subjetividade para Hegel. Segundo Werle, “Goethe se apresenta, para Hegel, como um exemplo acabado da única possibilidade que resta para a arte na época moderna: seguir a via da interioridade subjetiva e reflexiva, priorizar os desdobramentos autônomos do sujeito em suas manifestações” (p.188).

Se Werle examina principalmente exemplos da produção lírica de Goethe nesse confronto com a estética de Hegel, o professor Vinícius de Figueiredo analisa o romance Os sofrimentos do jovem Werther, procurando assinalar um ponto de contato entre essa obra e a primeira Crítica de Kant. Segundo ele, “tanto Goethe quanto Kant edificam um modelo de crítica da positividade, que se legitima pelas prerrogativas literárias e especulativas atribuídas à indeterminação – seja do narrador, como no caso do Werther, seja da atividade reflexiva, como no caso da Terceira Seção da Analítica Transcendental da Crítica da Razão Pura ” (p. 39).

Também o artigo escrito por Franklin de Matos está voltado para uma análise do Werther. Mas aqui, o foco está mais no exame da forma literária adotada por Goethe, a saber: o romance epistolar, tão em voga no século XVIII. Matos compara as soluções adotadas por Goethe com aquelas adotadas por autores como Montesquieu, Rousseau e Laclos, e mostra de que maneira a forma d o romance epistolar seria a fórmula romanesca que mais se aproxima do drama pois, excetuando-se os prefácios, advertências ou notas de um editor fictício, são os próprios personagens que toma m a palavra.Por meio de uma análise exemplar, concisa e elegante, Franklin de Matos aponta a “notável destreza” de Goethe ao lidar com “as faces lírica e narrativa do gênero epistolar” (p. 147).

Através deste breve resumo da temática trabalhada em cada um dos capítulos, pode-se notar que os mesmos constituem uma contribuição valiosa para a compreensão de aspectos relevantes desse período decisivo da filosofia alemã. Embora o nível de detalhamento de alguns dos ensaios possa torná-los potencialmente mais úteis para os especialistas na área, parece-nos que o livro como um todo também pode ser de grande interesse para um público mais amplo, especialmente no que diz respeito ao exame das conexões entre a filosofia e a literatura.

Notas

1 SCHLEGEL, A. W. Die Kunstlehre. Hg. E. Lohner. Stuttgart: W. Kohlhammer, 1963, p. 72.

  1. SCHELLING, F.W.J. Obras escolhidas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1984, pp. 42-3.

3.SCHELLING, F. W. J. Ausgewälhte Schriften I. Frankfurt-am-Main.: Suhrkamp, 2003, p. 693.

Referências

SCHELLING, F.W.J. Obras escolhidas. Trad. Rubens Rodrigues Torres Filho. São Paulo: Abril Cultural, 1984.

_____.Ausgewälhte Schriften I. Frankfurt-am-Main: Suhrkamp, 2003.

SCHLEGEL, A. W.Die Kunstlehre. Hg. E. Lohner. Stuttgart: W.

Kohlhammer, 1963, p. 72.

Mario Videira Doutor em Filosofia (FFLCH-USP)

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