História e Pós-Modernidade – BARROS (FH)

BARROS, José D’ Assunção. História e Pós-Modernidade. Petrópolis, RJ: Editora Vozes, 2018. Resenha de: OLIVEIRA, Ana Carolina. História e pós-modernidade: uma polêmica na historiografia. Faces da História, Assis, v.6, n.2, p.547-552, jul./dez., 2919.

Perante as polêmicas na historiografia sobre uma história pós-moderna, as quais trazem à tona os debates sobre a aproximação da história com a ficção e com seu significado polissêmico, o embasamento argumentativo deve encaminhar aspectos teóricos e não de senso comum. Sendo assim, é necessário pontuar, de forma teórica e crítica, o conceito de pós-modernidade e o que isso representa na historiografia.

O livro História e Pós-Modernidade, escrito pelo autor José D’ Assunção Barros, possui o objetivo de pontuar questões que permeiam a discussão da pós-modernidade na história, compondo uma estruturação explicativa e básica sobre o tema. O autor procura expor referências e indicações de leituras, mas os seus capítulos são curtos, o que torna o livro uma introdução com possíveis caminhos de leituras, isso se deve à intencionalidade de Barros em escrever algo mais próximo de um manual, em pequenos capítulos, para aqueles que não têm conhecimento sobre o tema.

O livro contém treze capítulos que estão elencados na seguinte ordem: “Pós-Modernidade: referências iniciais”, “Pós-Modernismo: o conceito e algumas análises clássicas”, “A análise de Fredric Jameson sobre o pós-modernismo”, “Historiografia e Pós-Modernismo: a polêmica de Ankersmit”, “A crise da história total e a fragmentação da história”, “Narrativa e cognição histórica: interações e conflitos”, “Hayden White: a História como gênero literário”, “Resistências à redução da história ao discurso”, “Paul Ricoeur: tempo e narrativa”, “A Pós- Modernidade e os novos modos de escrita historiográfica”, “Traços do Pós-Modernismo: alguma síntese”, “Quem são os pós- modernos”, “Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das crises historiográficas”. Os capítulos são escritos de forma acessível, para aqueles que queiram tirar dúvidas ou ter uma visão geral do tema.

A proposta de Barros foi de elaborar uma escrita que dialogasse com o contexto histórico e a promoção de discussões historiográficas, trazendo uma análise da pós-modernidade, sob a ótica de vários autores como Jameson e Ankersmit.

Barros começa seu livro com a discussão acerca do conceito de pós-modernidade, por tratar-se de uma definição conceitual que impõe consigo ambiguidades. Às vezes, pós-modernidade e pós-modernismo são usados como sinônimos, causando confusão. É no capítulo “Pós-Modernismo: o conceito e algumas análises clássicas” que as diferenças conceituais são apresentadas. Segundo Barros, a pós-modernidade significa um período específico da História Contemporânea, enquanto o pós-modernismo representa um campo da esfera cultural (BARROS, 2018, p. 11). Seguindo o conceito, a linha de pensamento da pós-modernidade é questionar a concepção de verdade clássica, a ideia de progresso ou de uma possível emancipação universal, como se a história tivesse um objetivo para ser atingido, o conceito de razão, a questão da identidade e objetividade, além das críticas contra as grandes narrativas.

A pós-modernidade surge da mudança histórica no Ocidente, quando o capitalismo se implanta na sociedade, na qual encontramos um mundo do consumismo e da indústria cultural. Por meio de uma análise marxista sobre a cultura e a história no pós-modernismo, Barros trabalha em seu capítulo “A análise de Fredric Jameson sobre o pós-modernismo”, com a posição de Jameson sobre a pós-modernidade, apontando para o poder imensurável que a mídia passa a conter. Tudo é comercializado, tanto produtos materiais quanto imateriais e com a historiografia não poderia ser diferente, pois ela transformou-se em um produto. Por conta do consumismo houve o crescimento de livros no mercado. Os historiadores passaram a escrever obras literárias ao estilo do romance histórico, para que seus livros chegassem à maior parte da população, além dos historiadores, visando à ampliação do lucro. O problema é que não fica nítido se nesses livros a obra é uma ficção para entretenimento literário ou se contém alguma metodologia científica (BARROS, 2018, p. 21-22). Segundo Jameson:  na cultura pós-moderna, a própria cultura se tornou um produto, o mercado tornou-se seu próprio substituto, um produto exatamente igual a qualquer um dos itens que o constituem: o modernismo era, ainda que minimamente e de forma tendencial, uma crítica à mercadoria e um esforço de forçá-la a se autotranscender. O pós-modernismo é o consumo da própria produção de mercadorias como processo (JAMESON, 1997, p. 14).

Da esfera cultural para a historiografia, Barros utiliza o artigo Historiografia e pós-modernismo, escrito por Frank Ankersmit, a fim de iniciar as discussões sobre a historiografia no capítulo “Historiografia e Pós-Modernismo: a polêmica de Ankersmit”. O artigo de Ankersmit trabalha a historiografia pós-moderna, mostrando uma quebra de paradigma, com a crítica de que a “crise das metanarrativas seria o traço principal da Condição Pós-Moderna” (BARROS, 2018, p. 27).

Por meio da historiografia pós-modernista, encontrada principalmente na história das mentalidades, é realizada uma ruptura com a tradição essencialista, no pensamento pós-moderno. O objetivo não é mais a integração, uma totalidade ou uma história universal. Para Ankersmit as principais diferenças entre uma história moderna e pós-modernista são:  Para o modernista, dentro de sua noção científica de mundo, dentro da visão de história que inicialmente todos aceitamos, evidências são essencialmente evidência de que algo aconteceu no passado. O historiador modernista seguia uma linha de raciocínio que parte de suas fontes e evidências até a descoberta de uma realidade histórica escondida por trás destas fontes. De outra forma, sob o olhar pós-modernista, as evidências não apontam para o passado; mas sim para interpretações do passado; pois é para tanto que de fato usamos essas evidências (ANKERSMIT, 2001, p. 124).

Portanto, não apontar para os padrões essencialistas no passado é, antes de tudo, a essência da pós-modernidade. Nesta fase da historiografia, parece que o significado adquiriu mais importância que a reconstrução, sendo o objetivo dos historiadores desvendar o significado do acontecimento no passado, para poder informar gerações atuais e posteriores. A historiografia pós-moderna é enquadrada em um paradigma historiográfico, em uma alternativa ao positivismo, historicismo, entre outros inúmeros existentes. Barros chama a atenção para a indagação que Ankersmit transmite “o nosso insight sobre o passado e a nossa relação com ele serão, no futuro, de natureza metafórica, e não real” (ANKERSMIT apud BARROS, 2018, p. 33), ou seja, é o momento de colocar em primeiro plano o pensar sobre o passado e em segundo lugar investigá-lo.

Para a corrente historiográfica pós-modernista “a História seria essencialmente construção e representação, com pouca ou nenhuma ligação em relação a uma realidade externa” (BARROS, 2018, p. 77). Desta afirmação surgem diversos posicionamentos. Existem aqueles que veem a história com ceticismo ou como uma possível alternativa de misturar história e ficção ou aqueles que relacionam a construção da história com práticas disciplinares e com um sistema de poder.

A História (ou as histórias) torna-se aqui profundamente subjetivada no que se refere a suas destinações. E, mais ainda, ao escrever uma história dirigida para um público específico, o historiador pode pensar isto socialmente – direcionando-a a grupos que cultivem identidades específicas, como a negritude, o feminismo, o ecologismo, o movimento gay, as identidades religiosas ou simplesmente pensar a destinação do seu trabalho em termos de públicos consumidores, pois o mercado editorial contemporâneo até mesmo o estimula a isto (BARROS, 2018, p. 78).

Aqui voltamos para a questão da superprodução historiográfica: por um lado existem obras que misturam história e ficção. Os historiadores escrevem romances históricos e apresentam uma narrativa sem problematização ou sem uma metodologia científica. Por outro lado, encontramos algo importante, como as histórias que foram deixadas de lado. Podemos aqui direcionar a história para um público, como a história das mulheres, a cultura africana, as diversas religiões excluídas; encontramos uma variedade de histórias que antes não seriam escritas e aceitas no meio acadêmico. Encontramos na historiografia um diálogo com a sociedade. Se antes os paradigmas historiográficos ou os grupos acadêmicos não aceitavam determinado tema, como os pesquisados na micro-história ou dos pós-modernistas, com o tempo esses aspectos importantes foram modificados.

Os historiadores dificilmente se assumem pós-modernistas, por conta das polêmicas e atritos na historiografia. O que implicaria ser um historiador pós-moderno? Seguindo um modelo de apresentação, Barros utiliza as definições de Ciro Flamarion Cardoso, no capítulo “Traços do Pós-Modernismo: alguma síntese”, para pontuar as cinco características principais de um historiador pós-moderno: “(1) a desvalorização da Presença em favor da Representação; (2) a crítica da origem; (3) a rejeição da unidade em favor da pluralidade; (4) a crítica da transcendência das normas, em favor da sua imanência; (5) uma análise centrada na alteridade constitutiva” (BARROS, 2019, p. 81-82). No entanto, são apenas tentativas de atribuir características, pois a rotulação de historiadores e suas pesquisas são difíceis.

Por fim, Barros apresenta muitos questionamentos interessantes. Um deles é a seguinte pergunta, no capítulo “Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das crises historiográficas”: “Será a historiografia pós-moderna um produto das crises historiográficas, ou uma resposta a estas mesmas crises?” (BARROS, 2018, p. 99).

Em primeiro lugar, vivemos em uma época com alternativas para o historiador optar ao escrever história, conceitos e paradigmas. Como a história é devir, é natural que comecem a surgir novos paradigmas e questionamentos das concepções de história existentes. A crise acontece com frequência, é a partir dela que repensamos a própria forma de escrever e se essa ou aquela corrente historiográfica precisa ser modificada. Neste caso, podemos expor dois fatores: os “endógenos, que são aqueles que foram produzidos pelo próprio sistema em causa; e há os fatores exógenos, que são aqueles que intervieram de fora” (BARROS, 2018, p. 99).

Se analisarmos a historiografia do início do século XIX, por exemplo, nota-se que, com seu próprio desenvolvimento, surge a superconsciência histórica, o historiador contemporâneo começa a elaborar a sua própria consciência histórica, a qual condiz com a historicidade e relatividade da história que são frutos, desde as mudanças “dos desenvolvimentos da hermenêutica historicista à crescente tomada de consciência gerada pela própria prática historiográfica, ao se confrontar com níveis vários de subjetividade” (BARROS, 2018, p. 100). Este processo é algo que ocorreu no âmbito interno da história como campo de disciplina, pois o historiador entra em contato com “a natureza relativa e histórica daquilo que servirá de base material para a produção do conhecimento histórico: a fonte” (BARROS, 2018, p. 100).

As discussões em relação ao tratamento dos documentos foram debatidas já com os primeiros historicistas. O texto historiográfico não era mais visto com neutralidade ou como um documento oficial detentor de verdades inquestionáveis. As críticas documentais mostraram que um texto sempre carrega a subjetividade e o contexto da época de sua escrita. Com o tempo, o texto escrito pelo historiador passou a ser analisado da mesma forma, considerando a subjetividade. Já no século XX, o historiador contemporâneo constatou a necessidade de lançar críticas e refletir sobre a própria historiografia.

As obras com as discussões sobre a historiografia surgiram em 1970, como por exemplo, A Operação Historiográfica de Michel de Certeau, Como se escreve a História de Paul Veyne, A Meta História de Hayden White, entre outras, a partir de obras como estas “foi se desenvolvendo no historiador contemporâneo, enfim, aquilo que poderemos categorizar como uma superconsciência histórica” (BARROS, 2018, p. 101).

No entanto, o fator “endógeno” é um produto do próprio “sistema em causa”, ou seja, é a superconsciência histórica. Por se tratar de um processo interno da história, ela é produto e causa. Por conter a superconsciência, o historiador vê-se obrigado a repensar a historiografia que escreve promovendo uma transformação na historiografia. Já o fator “exógeno” é o conjunto de acontecimentos externos que afetam a história, como a reflexão vinda da linguística que trouxe questionamentos sobre os limites da narrativa histórica. Com esta reflexão surgiu a centralização das “práticas e representações de um setor da chamada historiografia pós-moderna que, no limite, passou a reduzir a Historiografia apenas ao Discurso” (BARROS, 2018, p. 102).

São inúmeras as crises na historiografia, como aponta Barros no capítulo “Conclusões: a história pós-moderna e o contexto das crises historiográficas”, sendo que uma delas é marcada pela afirmação de Fukuyama, em 1989, sobre o “fim da história”, que usou como argumento a queda do socialismo como um sinal de que a “história tinha chegado ao fim”, por atingir o capitalismo (BARROS, 2018, p. 102). Essa afirmação, de que a “a história tinha chegado ao fim”, recebeu mais críticas do que elogios, pois foi na realidade um efeito político e midiático e não um posicionamento pautado em argumentos históricos fundamentados e verossímeis. Por outro lado, a crise da cientificidade de 1980 proporcionou um questionamento da História Serial e gerou uma crise para os herdeiros da corrente historiográfica dos Annales. Para concluir, Barros afirma que:  as crises na história – das de baixo impacto às de alto impacto, das fugazes às de longa duração, das que trazem decadência às que permitem crescimento, das que perturbam às que autorregulam, das que são geradas por dentro às que vêm de fora – podem ser pensadas, em um plano mais alto, como partes importantes desta complexa história da historiografia. Os rumos da história pós-moderna, se assim podemos chamar a um certo setor da historiografia contemporânea, e também os futuros desenvolvimentos de uma série de outras propostas que não se adequem propriamente ao conceito de “pós-modernismo historiográfico”, ainda estão por se definir no interior desta mesma complexidade (BARROS, 2018, p. 104).

Portanto, estamos diante de um livro que contém vantagens e desvantagens. A vantagem é que os capítulos trazem uma leitura, que flui com explicações simples e objetivas. Outro ponto positivo é que Barros cita e indica várias obras para leitura sobre o tema. A desvantagem é que o livro se aproxima de um manual com capítulos curtos. Seria interessante se estes fossem densos, pois é um tema pouco trabalhado, mas acredito que o objetivo de Barros tenha sido o de apontar um panorama geral. Além de tudo, o livro compõe uma leitura dinâmica e agradável, com uma linguagem objetiva e didática, fato que impulsiona a leitura até o fim do livro, prendendo a atenção aos argumentos e indicações que Barros coloca em sua narrativa.

Referências

ANKERSMIT, Franklin Rudolf. Historiografia e Pós-Modernismo. Topoi, Rio de Janeiro, p. 113-135, mar. 2001.

BARROS, José D’ Assunção. História e Pós-Modernidade. Petrópolis, Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2018.

JAMESON, Fredic. Pós-Modernismo: a Lógica Cultural do Capitalismo Tardio. São Paulo: Editora Ática, 1997.

Ana Carolina Oliveira – Mestranda na Pós-Graduação em História da UNESP de Assis, estado de São Paulo (SP), Brasil. Atualmente é bolsista CAPES. E-mail para contato: [email protected].

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A identidade cultural na pós-modernidade – HALL (C)

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 9. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. Resenha de: POLETTO, Júlia; KREUTZ, Lúcio. Conjectura, Caxias do Sul, v. 19, n. 2, p. 199-203, maio/ago, 2014.

É indiscutível a satisfação que, como pesquisadores, sentimos ao ler um livro que amplia as compreensões sobre determinado assunto. Mais do que apenas ler, é encontrar e explorar esses escritos, os quais nos auxiliam na “desconstrução” de conceitos e na reconstrução do conhecimento, ampliando assim nossas lentes sobre o assunto pesquisado.

Assim acontece em A identidade cultural na pós-modernidade, livro escrito por Stuart Hall e editado pela DP&A. Stuart Hall (1932-2014) foi um jamaicano que viveu e trabalhou na Inglaterra, transitando constantemente entre culturas diferentes em seu próprio processo identitário. Esta experiência o motivou e inspirou para as reflexões que construiu acerca da identidade, dentro da perspectiva dos estudos culturais. O autor faleceu recentemente (fevereiro de 2014) e deixou para os pesquisadores um primoroso legado científico, sendo alguns de seus escritos mais importantes: Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais; Raça, cultura e comunicações: olhando para trás e para frente dos estudos culturais; Centralidade da Cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo e Da diáspora: identidade e mediações culturais. Da mesma forma, a obra A identidade cultural na pósmodernidade elaborada por Stuart Hall contribui para esse arsenal de produções que discutem cultura e identidade. Leia Mais

Ensaios: teoria, história e ciências sociais – MALERBA (HH)

MALERBA, Jurandir. Ensaios: teoria, história e ciências sociais. Londrina: EDUEL, 2011, 240 p. Resenha de: GONÇALVES, Sérgio Campos. Enfrentamentos epistemológicos: teoria da história e problemática pós-moderna. História da Historiografia. Ouro Preto, n. 8, p.187-196, abril 2012.

“Papai, então me explica para que serve a história”. A pergunta infantil com que Marc Bloch (2001, p. 41) inaugura seu último escrito introduz um chamado para que o historiador preste contas acerca da legitimidade de sua profissão. É esse mesmo “ajuste existencial” que Jurandir Malerba busca em seu livro Ensaios: teoria, história e ciências sociais. Porém, enquanto a autorreflexão de Bloch se deu ao aguardar o próprio fuzilamento, na condição de prisioneiro das tropas alemãs do final da Segunda Guerra, a inquietude do pensar o ofício de Malerba é de outro tempo e coloca outras perguntas: Diante da crise do racionalismo moderno e dos desdobramentos da linguistic turn, qual a validade epistemológica da história? Quando a cientificidade de sua profissão parece em xeque, qual o remédio para a angústia do historiador? No centro da questão está a objetividade da história, motivo de variadas reações daqueles que se debruçam sobre o assunto e na qual reside a diferença entre o tempo de Bloch e o do debate contemporâneo do qual Malerba está inserido.1 No pósguerra, segundo Peter Novick (1988, p. 522-572), já não existiria mais o consenso da ampla comunidade de discurso formada por estudiosos unidos por interesses, propósitos e padrões comuns no qual se baseou a disciplina da história até o início da década de 1960. Pois, a partir de então, teriam reinado o ceticismo diante da promessa iluminista de progresso e a crise cognitiva do historicismo, devido à historicização e à relativização do próprio conhecimento, da qual a ansiedade generalizada da comunidade acadêmica seria sintomática.

É nesse campo de batalha em que Jurandir Malerba cava sua trincheira, de onde é franco-atirador contra a dita história pós-moderna, a qual se ampararia, notadamente, na teoria da linguagem e na negação do realismo.

Reunindo suas reflexões sobre a história e o ofício do historiador em oito capítulos, os Ensaios de Malerba compõem um manual de teoria da história que é espelho de sua trajetória intelectual. Ao mesmo tempo em que permitem acompanhar a evolução da erudição e da maturidade do autor, oferecem uma proposta de solução às inquietações epistemológicas que o conhecimento histórico passou a enfrentar no século XX, através de estudos sobre os temas e conceitos que se tornaram incontornáveis para o historiador: ficção e escrita da história, memória, acontecimento, estrutura, narrativa, historiografia, processos e representações. O fio condutor que os perpassa é a problemática pós-moderna, a questão da legitimidade e da objetividade da história.

Abre-se o livro com um escrito de juventude, de ar irônico, em que trata da noção de representação e de narrativa para demarcar a distância entre o escritor de ficção e o escritor-historiador de história. Para o jovem Malerba, o estatuto científico e de objetividade da história ancorar-se-ia na interdisciplinaridade, isto é, a proximidade com as ciências humanas é o que distanciaria o historiador do ficcionista. O tom juvenil contrasta com o capítulo II, que apresenta um texto inédito sobre as concepções de memória e suas discussões no campo historiográfico, no qual Malerba versa sobre “o quadrante memorial avassalador no qual estamos vivendo”, tempo em que efemérides são acompanhadas de “estardalhaços” mercadológicos – vide os 200 anos da chegada da Corte portuguesa ao Brasil, mas que convida a refletir acerca do processo de significação do passado e sobre a operação de seleção entre memória e esquecimento.

Os próximos três capítulos abordam, nas palavras do autor, “questões que se constituem nos maiores desafios que assolaram o pensamento de historiadores e cientistas sociais há décadas” (MALERBA 2011, p. 55).

Respectivamente, a tarefa a que Malerba se propõe é pensar acontecimento, estrutura e narrativa através de suas relações com tempo, sujeito e causalidade, tratando de como tais conceitos podem estar conectados ou apartados em correntes de reflexão teórica da história específicas.

Malerba trata das definições e propriedades do acontecimento na história em relação à noção de estrutura. Objeto e unidade da história, o acontecimento existiria dentro de uma rede causal e inserida em determinada duração temporal: “os acontecimentos existem objetivamente, como dados, e […] os historiadores fazem deles diferentes usos conforme sua visão de que os fatos são únicos e singulares ou manifestação de fenômenos que se repetem” (MALERBA 2011, p. 70); ao historiador caberia narrar e/ou estabelecer as tramas causais que ligam os fatos. O propósito de Malerba é aprofundar a “questão da ‘realidade’ ou ‘objetividade’ do fato”, diferenciando fato de acontecimento a partir de um itinerário de reflexões sobre o caráter histórico dos fatos e sobre como tal processo de diferenciação perpassa as questões ligadas à construção da memória e do exercício do poder. Contudo, a tônica do capítulo III, e que perpassa todo o livro, é a crítica à concepção de história narrativista e suas implicações acerca da objetividade do ofício do historiador. O principal alvo é Paul Veyne (1982, p. 14-18), autor que afirmaria ser contraditória a cientificidade da história, pois, se seu objeto é constituído de eventos individuais e, portanto, impassíveis de serem analisados em série, a história não estaria habilitada a construir tipologias de guerras, culturas e revoluções. Com isso, o historiador estaria fadado a elaborar sua trama apenas a partir dos acontecimentos que conseguiu “caçar” e, invariavelmente, com as muitas lacunas daqueles inúmeros eventos de que não obteve registro. Essa visão sobre a história é, para Malerba, equivocada e impregnada de “conservadorismo epistemológico”. Em Veyne, a história seria anedótica, uma síntese narrativa, quase ficcional, e não uma síntese explicativa da realidade do passado, dado que compreende o fato histórico, antes de tudo, como um atributo da percepção e da linguagem, estabelecido pela intervenção seletiva e subjetiva do historiador. Para Malerba, no entanto, tal perspectiva demonstra “extrema debilidade conceitual”, pois confunde o plano ontológico da história e da sociedade com o plano epistemológico, isto é, com os modos de conhecê-la: O fato histórico, reconstituído pelo historiador, só existe no segundo plano, epistemológico. É o resultado de uma operação intelectual, a qual é moderada por regras metódicas preestabelecidas e amparada no uso de fontes, ou indícios, ou vestígios. Não se trata de ciência, que seria uma atitude gnosiológica limitada e insuficiente para resolver o problema do conhecimento histórico, o qual lida com operações mentais e obstáculos operacionais infinitamente mais complexos do que os apresentados pela operação cientificamente regulada (MALERBA 2011, p. 85).

Da mesma maneira que a estrutura, Malerba compreende que o acontecimento é um constructo intelectual, que ambos são “elaborações teóricas que o historiador produz e das quais se utiliza para conhecer a história” (MALERBA 2011, p. 87).

Malerba explica que, associado à concepção positivista ou metódica, o conceito de acontecimento foi preterido pela proposta de renovação historiográfica da primeira geração dos Annales, a qual se opunha ao que denominava história événementielle, acusada de factual e narrativa, advogando em favor de uma história explicativa, científica e, a partir de Braudel, estrutural.

No capítulo IV, Malerba apresenta uma contextualização do estruturalismo e seus impactos nas ciências humanas, traçando uma distinção entre estruturalismo e história estrutural, apoiada, sobretudo, na articulação conceitual de Koselleck entre acontecimento, estrutura e narrativa. Com isso, constrói uma linha de raciocínio em que o sujeito da história se libertaria das “prisões do imóvel”, diante da ontologização da estrutura, e o historiador se reabilitaria como sujeito cognoscente, diante da ruptura entre conhecimento e verdade, provocada pela “exorbitação da linguagem” de Foucault (MALERBA 2011, p. 97).

Narrativa, história e discurso compõem a temática do capítulo V. Malerba abre o texto de forma inusitada, descrevendo imagens de desastres e problemas sociais para chocar o leitor. Estético, o objetivo é proporcionar um choque de “realismo histórico” para intimar o historiador a comprometer-se com sua profissão. Como no prefácio dos Combats pour l’historie, de Lucien Febvre (1992), propõe-se que a história deve ser um compromisso apelo à vida.

Contudo, Malerba detecta um problema: “em função do próprio cenário intelectual vigente em nosso tempo”, o historiador não tem apresentado respostas aos problemas que lhe caberia responder. Tal cenário intelectual que Malerba diagnostica como causa da angústia e inércia dos historiadores configurou-se, conforme entende, através dos desdobramentos radicais da epistemologia pós-estruturalista que se converteram na historiografia pós- -modernista, antirrealista e narrativista: Num sentido muito geral, o pós-modernismo sustenta a proposição de que a sociedade ocidental passou nas últimas décadas por uma mudança de uma era moderna para uma pós-moderna, a qual se caracterizaria pelo repúdio final da herança da ilustração, particularmente da crença na Razão e no Progresso, e por uma insistente incredulidade nas grandes metanarrativas, que imporiam uma direção e um sentido à História, em particular a noção de que a história humana é um processo de emancipação universal. No lugar dessas grandes metanarrativas surge agora uma multiplicidade de discursos e jogos de linguagem, o questionamento da natureza do conhecimento junto com a dissolução da ideia de verdade […] (MALERBA 2011, p. 124).

Na visão de Malerba (2006, p. 13-14), esse “cenário intelectual” se fundamentaria em dois postulados da teoria do conhecimento pós-moderna: na tese da negação da realidade e na teoria da linguagem. A primeira, a tese do antirrealismo epistemológico, sustentaria “que o passado não pode ser objeto do conhecimento histórico ou, mais especificamente, que o passado não é e não pode ser o referente das afirmações e representações históricas”. A segunda, a tese do narrativismo, conferiria aos “imperativos da linguagem e aos tropos ou figuras do discurso, inerentes a seu estatuto linguístico, a prioridade na criação das narrativas históricas”, com isso, em essência, não haveria diferença entre a narrativa do ficcionista e a do historiador, já que ambas “seriam constituídas pela linguagem e igualmente submetidas às suas regras na prática da retórica e da construção das narrativas”. Fundada no antirrealismo histórico e no narrativismo, a prática da escrita da história pós-moderna colocou em xeque “a objetividade do conhecimento histórico e, consequentemente, os limites estruturais da verdade e de seus enunciados”.

Entretanto, a opinião de Malerba é que “a teoria pós-moderna da linguagem é produto das interpretações enviesadas pós-estruturalistas do trabalho do linguista suíço Ferdinand de Saussure”, que conformam uma espécie de “filosofia idealista, uma espécie de filosofia metafísica fundada em assertivas não provadas e improváveis a respeito da natureza da linguagem” (MALERBA 2011, p. 126).

Malerba procura desmontar os postulados do antirrealismo e do narrativismo: enquanto o narrativismo, ao eliminar a distinção entre as narrativas históricas e ficcionais, nega à historiografia a aspiração de verdade que ela reclama em suas abordagens do passado, tornando inócuo o ofício do historiador, o antirrealismo, por sua vez, seria uma consequência infeliz de “uma compreensão tacanha da relação cognitiva”, pois ignora que a história é uma forma distinta de conhecimento que tem a experiência dos seres humanos no tempo como seu objeto: Talvez a melhor resposta que pode ser dada ao ceticismo pós-moderno é a de que a ideia de um passado independentemente real ou atual não se apoia em qualquer teoria e não é uma conclusão filosófica. Ela é, antes, uma exigência da razão histórica e uma necessidade conceitual, autorizada pela memória, bem como implicada na linguagem humana, que inclui sentenças no tempo passado, e é imposta pela ideia de história como uma forma distinta de conhecimento que tem a experiência dos seres humanos no tempo como seu objeto. Negar a existência do passado como algo real a que os historiadores podem se referir e conhecer é, portanto, algo fútil, porque se trata de uma condição essencial da possibilidade da história como campo de conhecimento cientificamente regulado (MALERBA 2011, p. 134).

Contra tais postulados, Malerba propõe um enfrentamento teórico que se ampara nos conceitos de realidade social e de habitus de Pierre Bourdieu (MALERBA 2011, p. 138) e na teoria simbólica de Norbert Elias (MALERBA 2011, p. 145) – tal solução é retomada e aprofundada nos capítulos finais do livro. O que Malerba evidencia no pensamento de Bourdieu é que a linguagem não é uma categoria independente do real, pois, antes de tudo, a realidade social é que configura os meios através dos quais se percebe a realidade e se constrói atos de fala para representá-la. Assim, argumenta Malerba, ao contrário do que prescreve a concepção estruturalista da linguagem e sua epistemologia pós-moderna, “a constituição de uma língua, por meio da qual representamos o mundo (social inclusive), é um processo eminentemente histórico e social e o sujeito do conhecimento é sempre coletivo”. Por conseguinte, os signos, conceitos e discursos sobre o mundo seriam formulados “a partir de um conjunto de determinantes sociais que são interiorizadas pelo indivíduo, a partir das quais ele constrói as lentes (os conceitos) com os quais apreende (percebe, classifica, narra) o mundo” (MALERBA 2011, p. 141). Além disso, Malerba procura religar o discurso ao mundo real, ou a linguagem ao mundo real, que teriam sido separados pelos pós-modernos. Através da teoria simbólica de Elias, busca mostrar que o elo entre o processo de representação e o real é o “fundo social do conhecimento”, isto é, a língua de uma comunidade linguística contém as experiências sintetizadas historicamente (MALERBA 2011, p. 145-147). A articulação entre realidade e conhecimento que Malerba advoga seria um ponto de convergência entre o conceito de habitus de Bourdieu e a teoria simbólica de Elias; tal articulação valeria plenamente também entre narrativa e história, ou entre narrativa e mundo real. Desse modo, para Malerba, assim como para Jörn Rüsen (2001, p. 54), a consciência histórica nasceria da experiência do tempo, e isso, invariavelmente, perpassaria a relação entre realidade e conhecimento histórico: A história existe, como resultado do conflito de interesses e ações complexas dos indivíduos em seus grupos; o conhecimento desse processo de transformações de si e do mundo a que chamamos de história é possível, não deixando-se de fora o que há no sujeito do conhecimento de tudo o que lhe constitui como ser humano (imaginação criadora, instinto, paixão…), mas “controlando” racionalmente o processo do conhecimento. A história existe e pode ser conhecida, como vem sendo feita cada vez mais e melhor. O resto é discurso (MALERBA 2011, p. 153).

Os desdobramentos conflituosos da epistemologia pós-moderna, na concepção de Malerba, transcendem as questões da cientificidade da história e suas alternativas teóricas e metodológicas. De fato, Malerba aproxima-se das assertivas de José Honório Rodrigues (1966, p. 23), para o qual “não há história pura, não há história imparcial” e “toda história serve à vida, é testemunho e compromisso”, ao afirmar que a relação entre conhecimento, vida e realidade diria respeito, em verdade, à função da história nas sociedades e à responsabilidade social do historiador. A perspectiva de Malerba é que a fixação do conhecimento dentro dos limites do discurso seria uma “atitude escapista, evasiva da realidade, que é virulenta e ameaçadora”, e, consequentemente, argumenta, “a opção pelo discurso desvinculado da realidade não deixa de ser, igualmente, uma posição submetida, submissa ao status quo, portanto, conservadora” (MALERBA 2011, p. 152-153).

Nos Ensaios de Malerba, à crítica à epistemologia pós-moderna sucede uma busca por uma definição do conceito de historiografia, conformado, sobretudo, a partir da teoria da história de Rüsen (2001), para o qual a função da teoria seria enunciar “os princípios que consigam a pretensão de racionalidade da ciência histórica de tal forma que eles valham também para a historiografia”. Assim, cumprindo o papel de garantia de cientificidade epistemológica, soma-se à teoria da história a função de racionalizar a pragmática textual exercida pela teoria da história na historiografia. Com isso, a historiografia passaria a ser parte integrante da pesquisa histórica, cujos resultados se enunciariam na forma de um saber redigido, textual, mas cientificamente satisfatório. No capítulo VI, Malerba defende que a teoria da história deve refletir sobre as formas de apresentação do conhecimento histórico como um dos fundamentos da ciência histórica e que, também, deve valorizar a historiografia como seu campo específico. A historiografia, então, é compreendida enquanto produto intelectual dos historiadores, mas, concomitantemente, como prática cultural necessária de orientação social que é resultante da experiência histórica da humanidade. Apresentando-se duplamente como objeto e fonte histórica, a historiografia estaria vinculada à história das ideias e dos conceitos (MALERBA 2011, p. 171-175).

Os dois últimos capítulos trazem uma tentativa de xeque-mate contra a problemática pós-moderna. Retomando e aprofundando algumas das discussões desenvolvidas no capítulo V, Malerba propõe que o antídoto para o questionamento sobre a validade epistemológica da história e a cientificidade do ofício do historiador seja concebido a partir de uma via metodológica estabelecida pelo conceito de habitus de Bourdieu e pela teoria simbólica de Elias. Assim como o ceticismo pós-moderno havia historicizado e relativizado o conhecimento científico, a estratégia de Malerba é mostrar que a crise do racionalismo moderno também é uma contingência historicizável. Isto é, Malerba relativiza a própria problemática pós-moderna ao observar que tal “fratura epistemológica” da modernidade, da qual advém a concepção antirrealista e narrativista da história, se dá no Renascimento, no momento em que o conhecimento sobre o mundo se objetiva e, como consequência, cria-se a problemática da percepção do humano entre o que é ilusão e o que é realidade. É nesse contexto, segundo Malerba, em que se inicia a problemática da representação, da dúvida sobre a correspondência entre os conceitos (as palavras) e o real (as coisas). A problemática epistemológica contemporânea, assim, seria fruto do “questionamento ao niilismo pós-moderno em relação à suposta inacessibilidade do conhecimento a um mundo caótico ou irreal” (MALERBA 2011, p. 209). A preocupação de Malerba é compreender as representações e resolver o problema da verdade no conhecimento. Para tanto, contudo, adverte que seria preciso superar o hábito enraizado desde o Renascimento de se separar o real e o abstrato.

Daí se amparar na solução eliaseana, assumindo que não há correspondência entre conhecimento e o mundo que não seja representacional, socialmente herdada e constituída. Para Malerba, se a representação é uma prática social, seria um absurdo se conceber as representações como discurso e linguagem sem referente.

Dada à amplitude temática, cada um dos oito capítulos poderia gerar apreciações distintas, iniciando, cada qual, discussões novas ou reeditando velhos debates, cada um apontando para uma direção, sem necessariamente convergir.

As teses que o livro contém, ao pôr em relevo a questão da legitimidade e da objetividade da história, entretanto, orbitam o mesmo centro de gravidade temático: a problemática pós-moderna. Mas a linha que perpassa as partes e as articula ao todo não é somente temática, também revela uma forma específica de compreensão sobre o que é a problemática pós-moderna que é bastante comum entre os historiadores.

Grosso modo, aos olhos do filósofo, a problemática pós-moderna sucede à crise do racionalismo moderno, nascida da crítica à tradição iluminista e à razão ocidental. De maneira violentamente sumária, pode-se dizer que se trata de uma crise acerca do fundamento do conhecimento humano: a partir da “revolução copernicana” do conhecimento de Kant, o fundante da operacionalização da correspondência entre o concreto e o pensamento deslocou-se de Deus para o Homem; com isso, o sujeito do conhecimento deixa de ser um ente fixo, atemporal, e o fator “tempo” passa a ser decisivo para o conhecimento – a razão está no homem, com suas capacidades e limites, há uma morte epistemológica de Deus – tal concepção está cristalizada em Hegel, em sua acepção de que o movimento do espírito humano se desdobra no tempo; no entanto, com Nietzsche há uma ruptura total com o racionalismo moderno (da racionalidade argumentativa, da lógica, do conhecimento científico, da demonstração), o qual, segundo ele, era a causa da decadência e da fraqueza do homem – o objetivo de sua crítica é revelar os pressupostos das crenças e preconceitos (a construção do sentido no tempo), e não legitimar o conhecimento ou a moral – agora, a morte epistemológica é do Homem (cf.

DELEUZE 2009; HABERMAS 2000; MACHADO 1999). Nesse contexto, o que ficou marcado como “virada linguística” (linguistic turn) começa a entrar em cena a partir da tentativa de fundar a razão do conhecimento ocidental na linguagem, começando por Wittgenstein, para o qual a lógica da linguagem corresponderia à lógica do mundo – não a concretude, mas o que é inteligível: o mundo social (CONDÉ 2004). Daí em diante, na filosofia contemporânea, vários foram desdobramentos da busca de solução para a problemática pósmoderna (RORTY 2007, p. 25-129).

De modo geral, o historiador parece captar essas questões da filosofia de forma bastante singular, entre apropriações acertadas e errôneas. Ao se sentir afetado pelos desdobramentos da problemática pós-moderna, frequentemente, o historiador entra em debates e toma posições (tanto prós quanto contras) despertando um olhar indulgente do filósofo, seja ao confundir as noções de discurso e de ideologia, como faz Jenkins (2001), seja ao afirmar que há uma “exorbitação da linguagem” responsável por uma ruptura entre conhecimento e verdade e por uma negação da realidade, como faz Malerba; acreditar que há antirrealismo, por exemplo, na compreensão foucaultiana acerca da forma como o discurso de certa época constrói determinadas verdades é partir, desde o início, de pressupostos equivocados, pois não se discute se o mundo real (concreto) realmente existe e se os fatos que nele ocorrem são positivos, mas se trata de pensar o mundo inteligível, socialmente construído e compartilhado (VEYNE 2011, p. 9-65).

Isso não significa, no entanto, que a leitura de Malerba sobre a problemática pós-moderna e suas correlativas preocupações profissionais seja ilegítima e desprovida de valor. Ao contrário, ela é autêntica representante da compreensão generalizada que os historiadores têm da questão. De tão disseminada essa compreensão acerca do que é e de quais são os desdobramentos da problemática pós-moderna e da linguistic turn, para bem ou para mal, criou-se, entre os historiadores, uma comunidade de sentido em que todos se entendem, na qual percebem e reagem à questão da mesma maneira ou de forma bastante semelhante, como se compartilhassem o mesmo aquário; um aquário diferente dos filósofos. Por isso, ainda que talvez os Ensaios de Malerba não despertem o fascínio do filósofo, o livro tem méritos inquestionáveis por oferecer uma proposição original de solução e de enfrentamento que, dentro do aquário do historiador, faz completo sentido e representa uma proposta teóricometodológica plausível.

Referências

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BLOCH, Marc. A apologia da história ou o ofício do historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

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CONDÉ, Mauro Lúcio Leitão. As teias da razão: Wittgenstein e a crise da racionalidade moderna. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2004.

DELEUZE, Gilles. A filosofia crítica de Kant. Lisboa: Edições 70, 2009.

FEBVRE, Lucien. Les idées, les arts, les sociétés. Combats pour l’historie. Paris : Libraire Armand Colin, 1992.

HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

IGGERS, Georg G. Historiography in the twentieth century: from scientific objectivity to the postmodern challenge. Hanover, NH: Wesleyan University Press, 1997.

JENKINS, Keith. A história repensada. Tradução de Mario Vilela. Revisão técnica de Margareth Rago. São Paulo: Contexto, 2001.

MACHADO, Roberto. Nietzsche e a verdade. São Paulo: Graal, 1999.

196 Sérgio Campos Gonçalves História da Historiografia. Ouro Preto, n. 8 abril 2012 187-196 MALERBA, Jurandir. A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006.

____________. Ensaios: teoria, história e ciências sociais. Londrina: EDUEL, 2011.

NOVICK, Peter. That noble dream: the “objectivity question” and the American historical profession. Cambridge: Cambridge University Press, 1988.

REIS, José Carlos. A história, entre a filosofia e a ciência. 3ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

RODRIGUES, José Honório. Vida e história. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1966.

RORTY, Richard. Contingência, ironia e solidariedade. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

RÜSEN, Jörn. Razão histórica: teoria da história: os fundamentos da ciência histórica. Tradução de Estevão de Rezende Martins. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 2001.

VEYNE, Paul. Como se escreve a história: Foucault revoluciona a história. Brasília: UNB, 1982.

VEYNE, Paul. Foucault: seu pensamento, sua pessoa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011.

WINDSCHUTTLE, Keith. The killing of history: how literacy critics and social theorists are murdering our past. Paddington, NSW: Macleay Press, 1996.

Nota

1 Para compreender o impacto da chamada linguistic turn na história e a dificuldade que seus desdobramentos trouxeram para os historiadores, ver APPLEBY; HUNT; JACOB 1994; CLARK 2005; IGGERS 1997; REIS 2006; WINDSCHUTTLE 1996.

Sérgio Campos Gonçalves – Doutorando Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho [email protected] Avenida Eufrásia Monteiro Petráglia, 900 – Jardim Dr. Antonio Petráglia 14409 -160 – Franca – SP Brasil.

Epistemologias da história: verdade, linguagem, realidade, interpretação e sentido na pós-modernidade | Gabriel Giannattasio e Rogério Ivano

Nas últimas décadas, e bem mais recente quando se tem por base o cenário brasileiro, os debates no campo da História (e também, claro, no da Filosofia e no das Ciências Sociais), mais especificamente na área de Teoria e Metodologia da História tem direcionado suas preocupações em torno de um objeto, ou pode-se dizer ainda, tema, ideia, paradigma, pois as designações são múltiplas. De fato, o que é possível afirmar, aqui sim com convicção, é que a pós-modernidade é a pauta do momento, seja para arrancar suspiros daqueles que a defendem e/ou idolatram, seja para nausear aqueles que acreditam que tudo isso não passa de mera invenção de alguns intelectuais equivocados. E é com a intenção de esclarecer alguns tópicos que a torrente pós-moderna e a enxurrada de problemas, novidades, embates etc que a ela são intrínsecos, que surge o livro organizado pelos historiadores Gabriel Giannattasio e Rogério Ivano. Leia Mais

Cartas sobre a hipermodernidade ou O hipermoderno explicado às crianças – CHARLES (C)

CHARLES, Sébastien. Cartas sobre a hipermodernidade ou O hipermoderno explicado às crianças. São Paulo: Barcarolla, 2009. Resenha de:GONÇALVES, Marco Antonio. Conjectura, Caxias do Sul, v. 16, n. 3, Set/dez, 2011.

Num ensaio sobre nossa temporalidade qualificada como hipermoderna, diferenciando-a do conceito de pós-moderna, pois isso pressuporia a ideia de rompimento dos princípios constitutivos da modernidade – racionalidade técnica, economia de mercado, democratização do espaço público e extensão da lógica individualista – Charles parte da tese de que esses princípios não foram rompidos, mas que estão sim radicalizados.

Com conteúdos bastante relevantes, Cartas sobre a hipermodernidade reúne dez cartas que contribuem para o debate evitando uma atitude simplória de desespero ou indignação dessa lógica individualista presente em diversos níveis.

Sobre essa ótica, o autor procura, primeiramente, responder: o que é o pós-moderno? (Carta 1) – Vivemos num momento de instabilidades e de questionamentos acerca da relatividade dos valores e dos gostos.

Constata-se isso com as questões inéditas que as tecnociências nos trouxeram – estendidas ao campo dos direitos individuais –, o desaparecimento dos grandes projetos políticos e a angústia por não mais possuirmos referenciais seguros.

O autor questiona: por que utilizar o conceito de hipermodernidade e não se limitar a dizer simplesmente que a modernidade continua normalmente o seu desenvolvimento? A modernidade mobilizou intensamente os homens ao lhes prometer novos rumos: desaparecimento das tarefas inglórias e desgastantes graças ao progresso tecnológico, justiça e igualdade para todos após reformas políticas adequadas, e felicidade universal em razão de uma reformulação da ordem social. (p. 16). Mas essas promessas não foram honradas nem plenamente concretizadas: o progresso tecnológico colocando-se a serviço de causas nobres e vise a justiça e a igualdade permanecendo como reivindicações, e a felicidade, como ideal.

Surgiram novos temores e uma ambiguidade de sentimentos de fascinação e de angústia abordados na Carta 8 – “Entrada para um novo cenário”. As tecnociências não param de revolucionar os referenciais de nosso mundo e, infelizmente, a atual lógica da descoberta científica não está atendendo mais a uma visão humanista como no passado. Está mais preocupada com a rentabilidade do que com a verdade, esquecendo seu horizonte de inteligibilidade e de enquadramento ético.

Dentro deste panorama, a Carta 9 – “Glosa sobre a resistência” analisa as modificações pelas quais a universidade passa. Numa lógica mercantil balizada num cálculo individualista de custo e benefícios, vê-se inserida num contexto complexo de relações pessoais, pedagógicas e sociais.

Mas não seria correto reduzir a universidade a “supermercado do conhecimento” que visa apenas às exigências do mercado. Grande número de estudantes e professores assume as autênticas exigências universitárias e se dedica com abnegação e rigor aos seus estudos, com preocupações sociais, éticas ou ambientais, ou seja, são e formam cidadãos capazes de melhor compreender os desafios atuais e participam ou influenciam nas decisões coletivas assumidas.

Como explicar o retorno da temática da felicidade na filosofia contemporânea? Esse retorno a um pensamento preocupado com considerações eudemônicas – desaparecidas das considerações filosóficas no século XVIII – que contraponha a lógica hipermoderna é abordada em Comentários às metanarrativas (Carta 2). Fala-se que há uma falência do projeto moderno devido ao esvaziamento ou à eliminação das metanarrativas (sociedade sem classes, felicidade universal, realização do espírito, emancipação dos indivíduos).

Essa ideia, segundo o autor, é frágil se não levar em conta a complexidade da sociedade contemporânea. Argumenta que nem todas as grandes narrativas foram desacreditadas – os direitos humanos jamais foram tão festejados e consensuais – e o desaparecimento de boa parte das metanarrativas não significa o fim da modernidade. Ao contrário, há uma celebração do passado, a preservação da memória e a sensibilização para com um passado ao qual já não é mais possível voltar.

Alguns fatores podem ser destacados para exemplificar aquele abandono: a adoção de um discurso autônomo da ciência moderna como única detentora da verdade e conhecimento capaz de conduzir à felicidade, o aparecimento de uma nova reflexão política, social e econômica, assim como relacionado à filosofia de Kant e a substituição da questão da felicidade pela da obrigação. Todos nós desejamos ser felizes, mas somos incapazes de dizer o que, de fato, garante a nossa felicidade, fazendo dela um ideal da imaginação e nada mais.

Cresceu, no século XX – junto com o progresso científico e a experiência dos regimes totalitários –, nossa preocupação e desconfiança pelo fato de as ciências naturais e humanas serem incapazes de dar uma resposta ética aos desafios que elas mesmas criaram. Assistimos ao ressurgimento e à atualização no discurso filosófico sobre a felicidade.

O autor diz: Atualmente, são essas utopias que parecem ultrapassadas e a filosofia, entendida como sabedoria, perfeitamente atual. A função da filosofia, hoje, pode ser a de ocupar esse espaço deixado livre pelas utopias políticas, a fim de nos permitir pensar conjuntamente felicidade coletiva e felicidade individual, sem deixar o coletivo preponderar em detrimento do individual, o que representaria um retorno às experiências totalitárias, nem o individual predominar sobre o coletivo, o que representaria a anarquia. (p. 44).

A crença na regulação da ordem social pelo mercado, que teria a virtude de aumentar naturalmente a felicidade coletiva, também se enfraqueceu. A felicidade prometida pela sociedade de consumo que ainda não tornou realidade e a conscientização de que o bem-estar não pode ser garantido somente pela compra de bens materiais explicam a reabilitação de uma filosofia que pretende trazer respostas à felicidade.

A volta atual à filosofia se explica, sobretudo, pelo aumento do individualismo e do hedonismo que movem as nossas sociedades hipermodernas, que fazem do indivíduo o próprio centro da sua lógica e, da sua felicidade, o objetivo da existência humana. Contudo, a busca dessa felicidade hipermoderna está baseada numa filosofia sob a forma de iniciação aos grandes mestres espirituais, a qual reúne novas formas de religiosidade, caminhos espirituais de todo tipo, buscas místicas e o retorno às sabedorias filosóficas. Uma extensão da lógica do consumo ao domínio da espiritualidade e uma válvula de escape para as tristezas existenciais.

Os ensaios filosóficos obtêm, hoje, um sucesso excepcional, e a demanda social pela filosofia – seja através de cafés filosóficos, de especialistas em filosofia ou de programas na mídia – nunca foi tão forte. Os indivíduos buscam, em geral, mais o prazer do que o filosofar.

Esse modismo não encontra igual repercussão na invasão dos Departamentos de Filosofia nas universidades. A filosofia tem o objetivo de distinguir as falsas felicidades, o que se chama de ilusões, da verdadeira felicidade, relacionada com a verdade.

Se a filosofia não nos torna felizes, ela pode, ao menos, nos dar as chaves para sermos menos infelizes. A felicidade à qual a filosofia quer dar acesso não é qualquer felicidade, ela não está baseada em mentiras, na ilusão ou no esquecimento, mas sim sobre um máximo de lucidez.

Para o filósofo, mais vale uma verdadeira tristeza do que uma falsa felicidade. (p. 51). Algumas reflexões filosóficas que nos permitem ao menos uma melhor compreensão das razões da infelicidade que afeta a nossa existência dizem respeito à própria vida e à relação natural e necessária que ela tem com a morte. Acredita-se que a felicidade se encontra em bens fugazes e efêmeros que acumulamos para sentir segurança. A mensagem da filosofia é simples: é preciso moderação, saber impor limites aos desejos, ao que é necessário à obtenção de uma vida agradável, sem ir além do que basta. Essa mensagem é bastante difícil de se entender numa sociedade de hiperconsumo, mas que retoma, apesar de tudo, as preocupações contemporâneas sobre a necessidade de se limitar à retirada de recursos naturais a fim de se preservar o meio ambiente e de se preocupar com o destino das gerações futuras.

Na “Mensagem sobre o curso de filosofia” – Carta 10, percebe-se que há um aumento de atenção com relação à filosofia, apesar de outras disciplinas tomarem o seu lugar na tarefa de pensar o mundo e não ser mais concebida como a única ciência com a pretensão à verdade. Nessa carta, o autor dá indicativos de uma crise da filosofia – com suas razões históricas e culturais – em torno das problemáticas metafísicas, morais e éticas. Ele defende uma filosofia modesta, essencial à nossa época, indispensável como disciplina a ser ensinada, mesmo com divergência sobre como ensiná-la e sobre o conteúdo a ser ensinado.

Filosofia modesta porque ela não pretende mais dizer onde está a verdade, mas filosofia essencial, apesar disso, pois ela pode permitir distinguir o falso ou indicar os limites que não devem ser transpostos.

E nós precisamos sim de filosofia, ou seja, de argumentação racional, de debates públicos e críticos, de reflexão sobre a vida, para responder aos desafios que as ciências nos trazem e que a administração das nossas sociedades democráticas exige. (p. 195).

Essa preocupação é percebida na Carta 3, – “Sobre a história universal”, ao se fazer um resgate histórico dessa questão até os dias atuais quando se afirma o fim das filosofias da história. Vê-se a necessidade de se pensar respostas coletivas em termos de desenvolvimento econômico, de visão de mundo e evitar “as armadilhas do etnocentrismo histórico e do universalismo abstrato, buscando o seu objetivo mais nobre, a preservação da humanidade e do meio ambiente que torna possível sua existência. (p. 75).

Na Carta 4 – “Apontamento sobre a legitimidade”, o texto aborda a questão do multiculturalismo contemporâneo a partir da linguagem da tolerância como virtude política. Analisada e valorizada filosoficamente, no seu sentido moderno, a tolerância é indissociável de uma reflexão política sobre os direitos individuais e sobretudo a liberdade de consciência e de crença. O autor afirma: O multiculturalismo não é uma posição frágil, mas forte, não se traduzindo por um relativismo moral ou uma anarquia total na qual todas as reivindicações seriam aceitáveis e aceitas. As nossas democracias, cujos recursos estão longe de se esgotarem, devem ser inflexíveis sobre os princípios (defesa dos direitos individuais, promoção da dignidade da pessoa humana) e flexível no tocante aos valores culturais problemáticos. (p. 94).

Vinculado a essa temática, “Mensagem sobre a confusão das razões” – Carta 5, sustenta que essa (in)flexibilidade só foi possível graças às revoluções sociais e políticas que redefiniram a natureza, o estatuto do Estado, da sociedade civil e do indivíduo.

O Estado pós-moderno apresenta-se como um Estado mínimo com prerrogativas reduzidas, ação mais modesta e mais atenta às necessidades sociais, descentralizado, pragmático, baseado em prioridades essenciais (educação, justiça e segurança). Contudo, percebe-se que há um discurso de crise da política-tradicional, indiferença ao jogo político, queda da militância política e presença da chamada política espetáculo. Contrapõe-se a isso um aumento de cidadãos mais exigentes e responsáveis, em instâncias de exercício de poder mais direto, mais consultivo e mais participativo. Torna-se necessário um novo pacto social. Em vez de Estado mínimo, o autor diz ser necessário se pensar num Estado responsável.

A Carta 6 – “Pós-escrito ao terror e ao sublime” analisa modernidade e estética, o início do desaparecimento e a dessacralização das “grandes narrativas” artísticas e literárias, a renovação da estética urbana moderna nos anos 60 (séc. XX) e a revolução nos comportamentos a partir dos anos 80 (séc. XX): a valorização do hedonismo, a preocupação com a sedução, a promoção do cotidiano, o desaparecimento das correntes artísticas em prol de iniciativas mais individualizadas, a valorização das emoções e das percepções, o fim das vanguardas, a negação das hierarquizações estéticas, etc. (p. 119).

A partir da segunda metade do séc. XX, o consumismo e os valores vinculados a ele, sob o manto de uma cultura narcisista, fizeram com que a arte se tornasse um produto social como qualquer outro, submetido às leis do mercado. O desaparecimento de normas estéticas provocou novas formas de ecletismo, cada um podendo ao mesmo tempo e sem contradição gostar de diferentes manifestações artísticas. Devemos cuidar para não cair num relativismo cultural, no qual tudo tem valor e, ao mesmo tempo, tudo não vale nada.

A situação do hiperindividualismo contemporâneo é o grande tema da Carta 7 – “Nota sobre o sentido da expressão ‘hiper’”, que é marcado por uma lógica paradoxal: vivemos numa sociedade que massifica, padroniza e, ao mesmo tempo, cria seres autônomos e ambíguos, estimula os prazeres e produz comportamentos angustiados e esquizofrênicos divididos entre uma cultura do excesso e o elogio da moderação. Sua superação pressupõe não só uma responsabilização coletiva, exercida em todos os setores do poder e do saber, mas também individual, ao assumir autonomamente o legado da modernidade.

O hiperconsumismo funciona como uma forma de hiperindividualismo. Não leva nem ao desaparecimento dos ideais nem à corrupção da moral – seria simplista dizer que a sociedade hipermoderna é um espaço sem valores. Várias pessoas sentem a necessidade de agir, de intervir, de ajudar, a partir de uma deliberação que lhes é própria e não em razão do pertencimento a tal ou a qual estrutura política ou religiosa.

Pelo que se pode perceber, a análise da hipermodernidade exige um esforço em eliminar certos dogmatismos intelectuais e ideológicos que, em nossa formação e no mesmo agir pedagógico e social, nos foram incutidos. Assim, numa mudança de paradigma epistemológico, é preciso ter a lucidez de perceber a complexidade de suas manifestações, para que as ações sejam eficazes nas transformações desejadas e necessárias.

Marco Antonio Gonçalves – Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Filosofia (PPGFil). Mestrado em Ética, da Universidade de Caxias do Sul (UCS).

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Saturação – MAFFESOLI (ER)

MAFFESOLI, Michel. Saturação. Tradução de Ana Goldberger. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2010. Resenha de: DORNELES, Malvina do Amaral. Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 36, n. 2, p. 627-632, maio/ago., 2011.

Pode-se dizer que o politeísmo teórico que caracteriza a Faculdade de Educação, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, é referência da diversidade de pontos de vista que podem ser compartilhados numa instituição educativa e apresentam-se como múltiplos portais de mundos e possibilidades do conhecimento. Mostra uma vocação institucional de pensar, o fazer e o pensar, do fazer pedagógico em espaços escolares e não escolares referidos às complexidades do estar-junto nas diferentes dimensões que compõem as socialidades dos seres humanos. Uma incomensurável ancestralidade intelectual mostra-se e adquire carne e consubstancia-se nas mentes, nos corpos e nos espíritos daqueles que os estudam, os debatem, os acolhem, em seus estudos e pesquisas, em suas atitudes, em suas manifestações do viver e conviver. É nesse banquete pagão que Michel Maffesoli, nela presente em diversos estudos e pesquisas em educação, pode ser devidamente, e confortavelmente, apresentado.

Esse pensador francês é conhecido e respeitado pelos seus estudos sobre a Pós-Modernidade, o Imaginário, a Cultura, no contexto da Sociologia do Cotidiano, da qual pode ser considerado um dos maiores entre os seus fundadores.

É professor da Université de Paris-Descartes – Sorbonne, secretário geral do Centre de Recherche Sur L’Imaginaire, vice-presidente do Institut International de Sociologie (IIS), membro do Institut Universitaire de France (IUF), autor de algumas dezenas de livros traduzidos em várias línguas, grande parte disponível na língua portuguesa.

Nesse cerimonial delicado, o de decifrar a dizibilidade de um livro, a publicação de 2010, pela Editora Iluminuras Ltda., de São Paulo, e o Observatório Itaú Cultural, traduzida por Ana Goldberger, pode encarnar um apresentar-se de Michel Maffesoli aos leitores iniciados e não iniciados. Intitulado Saturação, o livro junta dois textos, editados originalmente pela CNRS Éditions, na forma de dois livros, cada um com título próprio: Apocalipse e Matrimoniun: pequeno tratado de ecosofia. O primeiro foi publicado, também em 2010, pela Editora Sulina, de Porto Alegre, sob o título Apocalipse: Opinião Pública e Opinião Publicada. A iniciativa brasileira de reunir os textos foi acolhida pelo autor, que lhe conferiu o título Saturação e acrescentou um Prefácio à Edição Brasileira. Neste, explica o significado da palavra título:

“[…] processo, quase químico, que dá conta da desestruturação de um dado corpo e que é seguida pela reestruturação desse corpo com os mesmos elementos daquilo que foi desconstruído […] vida e morte ligadas numa combinação íntima e infinita” (Maffesoli, 2010, p. 12).

Autor polêmico, inovador, provocador, revolve com elegância a etimologia, adentra sem pudor pela semântica, criando neologismos instigantes, profundos, abissais, que compõem, com lirismo e leveza, uma cosmovisão paradoxal da tragédia de seres humanos sem qualidades, comuns, ordinários, que criam, pela ética da pertença, a estética do viver societário. Sua forma singular de pensar o Cotidiano, a Cultura, apresenta como fundamento uma disposição de ver o mundo assim como ele é e não a partir de um julgamento “daquilo que existe em função do que deveria ser” (p. 48).

Sem ser otimista, mostra um olhar generoso, que aprecia o que está sendo vivido; que privilegia a dimensão trágica do dizer sim à vida, ao que existe, ao estar-junto ético-estético-afetualemocional; que “substitui a perfeição pela completude” na “aceitação do claroescuro da existência” (p. 63). Tudo isso num tempo paradoxal, desconcertante, tribal, em que os fenômenos para existir precisam apresentar-se, rompendo com as “costumeiras representações filosóficas” (p. 90). Daí a prevalência, nas suas obras, da apresentação das coisas sobre a sua representação, da sua mostração sobre a demonstração. No entanto, “[…] retornar ao simples, àquilo que é simplesmente a vida, necessita uma forma de conversão do espírito” (p. 97). Para Maffesoli, nada mais, nada menos, do que deixar de odiar o presente, abandonar o ressentimento, o desprezo e a hostilidade por aqueles que negam este mundo, por achá-lo imundo, infame, por recusá-lo assim como existe.

A palavra Apocalipse, de origem grega kaliptô (cobrir, encobrir, ocultar) e apó (descobrir, desvendar, revelar), toma o sentido de revelação. É esse entendimento que conduz todo o seu argumento. Ao afirmar que, “quando uma civilização já deu o melhor de si mesma, ela sente a necessidade de retornar a sua origem” e que, “invertida, ela se transforma em cultura” (p. 21), ele mostra o design da sua reflexão: é como se fosse um bordar em ponto cheio. Ao mesmo tempo em que introduz a agulha com linha (a da crítica) no tecido (quando, por exemplo, afirma (p. 14) que as “[…] fundações arquitetônicas do mundo ocidental – Indivíduo, Razão, Economia, Progresso – estão saturadas”), puxa a mesm agulha com seu fio de linha, compondo uma trama, bordando o argumento para esse “misterioso ectoplasma que é a crise” (p. 21), apresentando um novo ponto de vista para este mundo que aí está. Crise esta que “[…] acontece nos momentos em que, em seguida a uma aceleração ou mesmo intensificação da energia, o corpo (físico, social, individual, místico) alcança seu apogeu”, e que, “por um curioso paradoxo, inverte-se em hipogeu”, ou seja, “retorno ao subterrâneo, retorno ao túmulo, símbolos de uma reconstrução futura” (p. 21). Por isso, “[…] nos períodos de mudança é urgente encontrar palavras, […] que, pouco a pouco, (re)transformam-se em palavras fundadoras, ou seja, garantem a instalação do estar-junto que está emergindo” (p. 19).

Essa crise apocalíptica decorre da saturação de três dimensões sociopolíticas preciosas à Modernidade: a opinião pública, a sociedade e o contrato social. Para o autor, “[…] a economia da salvação, depois a economia stricto sensu, a história da salvação, depois a história consolidada em si mesma, terminando, nesse esquema, na primazia do Político” (p. 30), resultou numa opinião pública confundida com opinião publicada. Esta, “[…] não deixa de ser uma opinião, mas pretende ser um saber, uma competência, até mesmo uma ciência” (p. 20). Ao mesmo tempo, a opinião pública, enquanto tal, “tem consciência da sua fragilidade, de sua versatilidade, em suma, de sua humanidade” (p. 20). É uma nova opinião pública emergente, cuja vitalidade irreprimível transfigura o político através de uma ética da estética, onde “o jogo das paixões, a importância das emoções, a pregnância dos sonhos” (p. 28) constituem o cimento coletivo. A primazia da estética “é tão evidente que a própria política teatralizou-se” (p. 31).

Sua afirmação de que “a época trocou de pele” (p. 26) é uma provocação aos sistemas de interpretação, cujas evidências intelectuais se ressentem de saudades onipresentes, sejam as de um paraíso perdido, sejam as de um paraíso futuro. Para o autor, evidente é o fato de que o estar-junto em curso “neste mundo e não num outro porvir” (p. 23) não é mais o “[…] simples social de dominante racional, tendo por expressão o político e o econômico, mas sim uma outra maneira de estar junto, em que o imaginário, o onírico, o lúdico, justamente, ocupam um lugar primordial” (p. 27). A essa outra maneira de estar-junto denomina de societal, constituída pelas socialidades das tribos pós-modernas. Nestas, o predomínio do presente, do instante, tem pouco a ver com a ideologia moderna de projeto. O presenteísmo privilegia a estética, presta atenção ao ethos local, ao lugar. Pode ser “uma ética, às vezes imoral, que se manifesta nas inúmeras efervescências da vida social” (p. 25). Se a isso se acrescenta “[…] a tônica colocada no qualitativo, a recusa da pilhagem produtivista, a rebelião contra a devastação dos espíritos” (p. 29), esse estar-junto ético-político, inspira temor, engendra uma opinião publicada que estigmatiza, principalmente, as tribos dos bairros distantes e das diversas periferias urbanas.

As novas socialidades mostram realidades que obrigam a constatação da heterogeneidade, do politeísmo de valores, da “[…] reafirmação da diferença, dos diversos localismos, das especificidades das línguas e das culturas, das reivindicações étnicas, sexuais, religiosas, dos vários agrupamentos em torno de uma origem comum, real ou mitificada” (p. 38). É o tempo das tribos, que ocupam o espaço público e celebram um “vínculo social fundado na disparidade, no policulturalismo, na polissemia” (p. 39). Constituem uma coerência aberta que o termo medieval unicidade parece designar melhor, em lugar do ideal unitário e identitário em processo de saturação. Maffesoli as promove a um novo paradigma, caracterizado por um potente imanentismo, onde “o hedonismo, os prazeres do corpo, o jogo das aparências” constituem a aceitação de um mundo como ele é, “com tudo que isso comporta de trágico (amor fati), bem como de alegria” (p. 35). Nessa perspectiva, a política transfigurada se converte em doméstica, transforma-se em ecologia, designa o domus, o oikos, a “moradia comum que convém proteger da devastação a que fomos acostumados pela modernidade” (p. 36). Para o autor, um pensamento amplo, “que esteja altura de apreender as novas configurações sociais”, exige que os intelectuai abdiquem de “criar o mundo à imagem daquilo que se quer que ele seja” (p. 39).

A magnitude do que é proposto por Maffesoli é estonteante pelo paradoxo que compõe ao juntar a antiga noção de tribo com as mais diversas formas de solidariedades e sensibilidades emergentes, nelas incluindo todas as possibilidades apresentadas pelas novas tecnologias da informação e comunicação, as redes sociais, a vida on-line. Uma das suas definições para a pós-modernidade é a de que esta se constitui pela “sinergia entre o arcaico e o desenvolvimento tecnológico” (p. 40). Ao acompanhar a lógica argumentativa do autor, nem sempre fácil, pois se caracteriza por um pensamento em espiral (a espiralidade é uma característica do mundo vegetal, e também representa o elemento feminino), que foge da linearidade, chega-se ao âmago da sua disposição ético-política-afetual (mesmo não explicitada por ele como tal) para o que entende como sendo o estarjunto ético-político das socialidades presentes no mundo atual.

A exuberância dessas socialidades, que priorizam o sentimento de pertencer, a experiência vivida em comum, o enraizamento no aqui e agora, “[…] quer seja no território stricto sensu, quer nos territórios simbólicos que são os sites comunitários na Internet” (p. 53), acontece no contexto de múltiplas formas de pacto tribal (pacto ecológico, pacto governamental, pacto político, pacto afetivo, e tantos outros). Há a prevalência do envolvimento sobre o desenvolvimento: as tribos urbanas, “[…] com seus piercings, seus cabelos rebuscados e multicoloridos, com suas roupas em que o étnico disputa com o sofisticado” (p. 86), suas invenções de linguagem, sua abertura para o mundo anunciam um jogo de aparências, bem diferente da geração perdida ou cristalizada em devoções econômicas.

No entanto, enquanto “[…] a mãe terra, ‘Gaia’, recupera sua honra e a lei dos irmãos, feita de horizontalidade, tende a reencontrar alguma força e vigor” (p. 53), enquanto a verticalidade da “[…] lei do Pai, de um Deus único, ou do Estado onipotente, a do patriarcado e da predominância masculina, está superada” (p. 52), pergunta-se, então, onde está o consenso necessário a toda a vida em sociedade? Sua resposta é categórica: “[…] o consenso (cum sensualis) não se reduz à racionalidade, mas comporta uma forte carga emocional, […] põe em jogo paixões e afetos diversos” (p. 52). Daí ser significativo “o deslizar das palavras, do contrato ao pacto” (p. 53). Ao lembrar que o contrato social é “causa e efeito de um estarjunto puramente racional” (p. 46), o autor mostra seu desencanto e apresenta uma crítica implacável às elites intelectuais, constituídas de falsos professores e verdadeiros bandidos. Falsos professores porque “[…] aproveitando-se de sua posição – eles detêm o poder legítimo para dizer, publicar, escrever, agir, organizar – continuam a instilar e a pôr em prática as ideias de um mundo que acaba, cegos que são para o mundo que começa” (p. 46). Verdadeiros bandidos porque “[…] ao fazer isso, de uma maneira um tanto irresponsável, são eles que provocam as várias explosões, os comportamentos antissociais e as diversas formas de violência que pontuam a vida de nossas sociedades” (p. 47).

Maffesoli deixa claro que suas palavras não são mera provocação e que, tampouco, vê como sendo um paradoxo a impertinência de uma elite que se repete, que não encontra mais as palavras pertinentes, e mantém, impunemente, uma ficção da representação da realidade, através de teorias incendiárias, cuja defasagem não só envia alguns ao front, mas constitui “[…] o pavio curto da guerra civil latente que é um elemento notável da época” (p. 47). De maneira quase feroz, estilo incomum nos seus escritos, critica alguns métodos sociológicos voltados para a educação, principalmente aqueles presentes nas escolas de formação de professores, que, afirma, formam para o totalitarismo (ao julgar aquilo que existe em função do que gostariam que fosse), semeando o desprezo por este mundo e incitando, a priori, sempre dizer não ao que existe. Mesmo assim, apesar e para além, “o contracânone que opera no inconsciente coletivo” (p. 51) mantém-se como sensibilidade panteísta, a qual, no contexto de um pacto tribal, todos “[…] se dedicam a aproveitar como podem aquilo que se deixa ver e aquilo que se deixa viver” (p. 51). Eis aí um espetacular paradoxo, bem ao gosto e ao estilo do autor.

Como fundamento a esse contracânone, Maffesoli apresenta a noção de invaginação do sentido, para designar o retorno à natureza essencial das coisas, “ao nada fundador, ao vazio natural, ao dado protetor e matricial” (p. 107), característica também do espírito do tempo. Com o trocadilho (p. 59) “só tem sentido (significação) aquilo que tem um sentido (finalidade)”, define o ambiente específico da modernidade ocidental, em seu sentido etimológico, como espermático, projetivo, referendado em expressões filosóficas como logos spermatikus, ratio seminalis. Por outro lado, sua compreensão da metamorfose em curso pede um esclarecimento retrospectivo, um retroceder do derivado ao essencial, “[…] passar de um progressismo (que foi vigoroso, que deu bons resultados, mas que se torna um pouco doentio) para uma progressividade que reinveste em ‘arcaísmos’ povo, território, natureza, sentimentos, humores” (p. 62).

Ao citar uma inscrição que viu num muro de subúrbio, em Porto Alegre, Brasil – “A crise passa. A vida continua” (p. 61) – argumenta que “[…] o que está em jogo é uma forma de concordância com o ser do mundo em sua realidade múltipla” (p. 63). Não vê mais lugar para as quimeras relacionadas à noção de Progresso (e seu utilitarismo) com seu enfoque na imperfeição, alisando as dobras do ser, mas sim na noção de progressivo que as implica e as aceita (a imperfeição e as dobras). Tratase de “um sim, apesar de tudo àquilo que é” (p. 63). Uma aceitação, como atitude afirmativa, que confere, ao animal humano, a dimensão trágica de ser natureza.
Busca em Fernando Pessoa a definição de “sociologia das profundezas” para expressar, dar forma, “àquilo que, vindo de muito longe, fala através de nós” (p. 61), onde se encontra os arquétipos fundadores, sendo a “Grande Mãe, Terra Mãe, Gaia”, (p. 83) um deles. Esse seria o fundamento inconsciente da sensibilidade ecológica que, ao contrário do antropocentrismo, coloca em evidência aquilo que no homem “ultrapassa o homem” (p. 65); anuncia o vigor selvagem, ancestral, que “[…] reencontra uma nova vitalidade nas atividades dos jovens, nas multidões esportivas, nas histerias musicais e outras reuniões religiosas” (p. 64).

Apresenta-se sob a forma de um paganismo contemporâneo que se expressa no sucesso dos produtos bio, orgânicos, e na intensificação de valores relacionados ao terreno, ao território, ao lugar, onde “o lugar faz a ligação” (p. 104). E que traz consigo o chamado a uma qualidade de vida, uma vida cotidiana onde o bem-estar nada significa diante do “melhor-estar existencial em que a Mãe-Natureza desempenha um papel não negligenciável” (p. 86).

É o retorno a uma organicidade cósmica, uma geossociologia, cujas forças subterrâneas constituem as “origens de todos os adventos” (p. 97), e compõem “[…] essa atitude instituinte, em estado nascente, que se pode qualificar de holística, termo utilizado por Durkheim para designar o aspecto global da vida social” (p. 99). Talvez, essa lógica da conjunção, da copertença, esse matrimonium, seja um conhecimento que renasce “como uma espécie de ecosofia que ainda não sabe como nomear-se” (p. 101), mas que se capilariza nas práticas da vida corrente, na moradia, na alimentação, na vestimenta, mesclando corpo e espírito. Para Maffesoli, “mais vividas do que pensadas” e “pouco reconhecidas pelas instituições sociais” (p. 102).

Malvina do Amaral Dorneles – doutora em Ciências da Educação pela Universidad Católica de Córdoba. É professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atua nas seguintes linhas de pesquisa: Políticas e Gestão de Processos Educacionais e o Núcleo de Estudos da Educação e Gestão do Cuidado. E-mail: [email protected]

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