Secularização inacabada: política e direito em Carl Schmitt – CASTELO BRANCO (C)

CASTELO BRANCO, P. H. V. B. Secularização inacabada: política e direito em Carl Schmitt. Curitiba: Appris, 2011. Resenha de: ROIZ, Diogo da Silva. Conjectura, Caxias do Sul, v. 17, n. 2, p. 187-190, maio/ago, 2012.

A obra de Carl Schmitt foi, durante muito tempo, lida em função das ligações de seu autor com o Terceiro Reich na Alemanha nazista. Entre essa e outras razões permaneceu silenciada na França, como nos indica o estudo de Jean-François Kervégan (2006), ao analisar as dimensões da ideia de político e da ação política nas obras de Hegel e Schmitt. Além disso, prossegue o autor, “o fato de Schmitt ter se alinhado ao nacional-socialismo, cuja vitória foi descrita por ele mesmo como ‘a morte de Hegel’, parece ser a confissão de um xeque especulativo: o decisionismo professado durante os anos 1920″. (2006, p. XIV). Isso, por acaso, não redundou somente na França, mas também na Itália, na Alemanha e nos Estados Unidos, na elaboração de estudos polêmicos, cujo norte era justamente o de alinhar a obra de Schmitt ao antissemitismo e ao nazismo.

Ainda que não parta de avaliação semelhante, a obra de Castelo Branco procura justamente destacar em que medida as tentativas de secularização da política e do direito permaneceram inacabadas na obra de Schmitt.

Versão revista de sua Tese de Doutorado, seu texto nos apresenta de que maneira Schmitt construiu seu projeto político e intelectual. Para Gabriel Cohn, que faz o prefácio da obra, secularização “é mais do que trânsito de ideias no éter dos significados”, pois é “literalmente trazê-las para o século, torná-las efetivas aqui e agora, manchá-las com a marca da empiria e da existência concreta”. (2011, p. 15). Para efetuar tal análise, Castelo Branco efetua um estudo minucioso da obra de Carl Schmitt, detalhando como  apreendia a questão da lei e da decisão, qual era a representatividade do Estado e qual era a função da secularização nos processos de formação de suas estruturas institucionais, e em que medida a secularização do conceito de político agiria em prol desse processo. Nesse aspecto, sua hipótese é de que “o conceito de secularização é um pressuposto imprescindível para compreender alguns dos principais temas abordados por Schmitt nos seus estudos, como é o caso da decisão, do significado do Estado e do indivíduo e dos critérios do político”; assim, por “desempenhar um papel epistemológico no pensamento de Schmitt, entender seu conceito de secularização é uma condição essencial para tornar acessível o modo como o autor desenvolve outros conceitos, como decisionismo, exceção, mediação e soberania”. (2001, p. 20).

Desse modo, antes de aprofundar como Schmitt entende a secularização, o autor nos demonstra seu itinerário, tendo em vista que o progresso da razão universal e autônoma da época das Luzes do século XVIII teria eliminado os laços tradicionais e realizado a independência de uma esfera temporal. Sob este ponto de vista, os conceitos jurídicos e políticos do Estado moderno encontrariam seu fundamento racional no aperfeiçoamento moral e no progresso de um desenvolvimento histórico. O uso do conceito de secularização é objeto de disputa, por ser utilizado para legitimar a descontinuidade da modernidade e, consequentemente, do fundamento dos conceitos jurídicos que surgem com o Estado moderno. (p. 21).

E que, aliás, estaria na obra de Schmitt, apesar de suas preocupações, numa forma inacabada. Mas entender como tal questão se processa em sua obra não é uma tarefa nada fácil, e Castelo Branco conduz com desenvoltura seus argumentos para nos demonstrar que, ainda que esteja em estado inacabado, a ideia de secularização construída na obra de Schmitt é fundamental para entender todos os nexos de sua interpretação do político e do Estado, da lei e da decisão. Apesar de se aproximar da concepção de secularização de Löwith, que “não reconhece uma modernidade autônoma”, Schmitt percebe que a “transformação da religião em assunto privado não elimina a existência de um núcleo metafísico ou a crença de que o privado ocupe o lugar de algo sagrado”, entre outras razões, porque a “cultura da satisfação individual, do consumo ou da possibilidade de subjetivação de toda sorte de experiência, remete ao tema da secularização e, consequentemente, ao problema do esvaziamento de referências supraindividuais de orientação da conduta”. (p. 22). Por isso, o autor indica que “sob o ponto de vista político, mais importante do que a privatização dos bens da Igreja seria examinar a privatização do meio ambiente que fornece a medida ou diretriz às ações humanas” (p. 23), e é esse o caminho que segue para compreender a obra de Schmitt.

Ao centrar seu olhar sobre a obra de Schmitt, a partir da maneira que ele constrói seu conceito de secularização, o autor entende que sem ela esse não teria chegado a seu conceito de decisão. Daí a importância de inquirir a lei e a decisão, como se articulam e como são produzidas e empreendidas.

Com isso, passa a inquirir como a secularização constitui um dos alicerces fundamentais, para dar solidez à formação do Estado moderno, significado às suas instituições e bases às suas regulamentações. Por fim, demonstra como o conceito de secularização atua sobre o conceito de político.

Depois de efetuar tal análise, observa que “o sentido principal do conceito de secularização de Schmitt revela que a negação dos conflitos eleva o grau de contingência, aumentando o risco dos antagonismos”, pois a “omissão ou o encobrimento do conflito impede a sua restrição”, e o “reconhecimento da impossibilidade de se extinguir os antagonismos da vida humana abre a possibilidade para a sua contenção” (p. 291), ao se efetuar uma distinção clara entre amigo e inimigo. Além disso, o “conceito de secularização de Schmitt intenta recuperar as distinções nítidas alcançadas pelo Estado moderno europeu com a neutralização das guerras religiosas, a fim de postular o monopólio do político pelo Estado e evitar sua subordinação a categorias econômicas e princípios universalizantes”.

(p. 292). Por outro lado, após definir amigo e inimigo, e revelar o caráter inevitável dos antagonismos, o autor nos indica que secularizar, para Schmitt, “consiste em romper a generalidade e a regularidade de ordenamento de normas e expor a realidade concreta do sentido político do agir e decidir humanos”, tendo em vista que “não está mais em jogo o enfrentamento do poder espiritual de representantes da Igreja que buscam intervir na esfera secular de um domínio público, mas combater o encobrimento do político por parte do liberalismo e do positivismo”. (p. 295).

Portanto, ao descortinar os nexos e os significados do conceito de secularização na obra de Carl Schmitt, Castelo Branco, além de nos oferecer caminhos instigantes para rever a obra desse autor, a oportunidade de verificar que, apesar de aparecer de modo inacabado, a secularização constituía verdadeiramente um dos núcleos pelos quais Schmitt pensou a política, definiu a ideia de amigo e inimigo, como os antagonismos poderiam ser arrefecidos, mas não anulados completamente, e de que forma lei e decisão estavam articuladas em sua obra para perfazer a compreensão do conceito de político.

Referências

KERVÉGAN, J-F. Hegel, Carl Schmitt: o político entre a especulação e a positividade. Barueri: Manole, 2006. Recebido em 26 de abril de 2012.

Diogo da Silva Roiz – Doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Bolsista do CNPq. Mestre em História pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp). Professor na Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (Uems). E-mail: [email protected]

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