Ciência e arte: Euclides da Cunha e as ciências naturais | José Carlos Barreto de Santana

Monumentos textuais costumam dificultar a entrada em cena de novos olhares críticos, pois a repetição do já dito, que sobre eles recai, geralmente obstrui a visão dessas obras e impede a passagem da luz que vivifica a permanência dos textos na tradição cultural em que eles se inserem. Às vezes, somente um olhar de fora, alheio ao consagrado espaço crítico do texto, pode ser capaz de desobstruir os pontos de vista e colocar de novo em circulação a potência das obras. Este é o caso de Ciência e arte: Euclides da Cunha e as ciências naturais, de José Carlos Barreto de Santana, o qual, debruçando-se sobre a obra e o percurso intelectual de Euclides da Cunha, e em especial sobre Os sertões, enfoca o conjunto por um viés alheio àquele construído durante décadas por críticos literários, historiadores sociais, antropólogos e sociólogos.

Barreto de Santana é geólogo por formação. Seu olhar, definido pelas ciências naturais, busca iluminar o texto de Euclides a partir da presença do discurso científico, do trabalho de campo e das redes de pesquisadores das ciências naturais no percurso intelectual e nos textos do autor de Os sertões. Como historiador da ciência, Santana alinha-se a uma vertente historiográfica que privilegia a inserção da prática científica no âmbito da cultura, e se recusa a ver as ciências como um saber isolado das relações históricas e políticas. Esse duplo estatuto – de geólogo e historiador cultural das ciências naturais – habilita o autor a caminhar por sendas críticas antes pouco exploradas em relação às obras de Euclides da Cunha. Assim fazendo, Santana enriquece os dois vetores que se cruzam em seu trabalho: por um lado, o autor submete à reflexão da história das ciências um texto não estritamente científico, tal como Os sertões, num procedimento heterodoxo que só amplia os horizontes da historiografia das ciências no Brasil; por outro, a crítica literária, a história e a sociologia que se debruçam sobre o cronista de Canudos dispõem, a partir de agora, de largo arsenal de novos argumentos sobre o texto, advindos da pena de um geólogo. Leia Mais