Ciência/ civilização e império nos trópicos | Alda Heizer

O desenvolvimento das práticas científicas e sua consolidação em museus e instituições de pesquisa, e ainda a criação de redes de cientistas e mecanismos de intercâmbio e divulgação, constituem uma parte fascinante da história do século XIX brasileiro, à espera de ser contada. O fascínio, seja para o historiador ou para o leigo, está na complexa teia de relações que as ciências ali estabelecem com a história social e econômica, com o desenvolvimento das artes e das letras, e também com os meandros políticos e culturais da nação em formação. Não eram apenas as ciências que se estruturavam nos trópicos, mas o próprio país, o que torna o campo de estudo mais intrincado e, por isso mesmo, mais instigante. Dois são os motivos básicos para que essa história não esteja de todo contada: a história social e material do nosso século XIX — ponto de partida para os historiadores das ciências — ainda possui grandes lacunas; e a formação de uma cultura histórica das ciências é fato recente entre nós. Assim, os historiadores das ciências que se debruçam sobre o Império brasileiro acabam desenvolvendo simultaneamente duas frentes de trabalho. Talvez pela necessidade mesma desse múltiplo embate, esses historiadores especializados estão entre os que mais têm contribuído para uma reavaliação global do tempo do Império.

Nada mais oportuno, portanto, do que a publicação do volume Ciência, civilização e império nos trópicos, organizado por Alda Heizer, pesquisadora do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST/MCT), e Antônio Augusto Passos Videira, professor de epistemologia e história da ciência na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a partir das conferências apresentadas no colóquio Ciência, Civilização e Império nos Trópicos, que teve lugar no Rio Janeiro, em 7 e 8 de novembro de 2000, sob a direção do MAST/MCT e da UERJ, com patrocínio da FAPERJ. Leia Mais

Ciência e arte: Euclides da Cunha e as ciências naturais | José Carlos Barreto de Santana

Monumentos textuais costumam dificultar a entrada em cena de novos olhares críticos, pois a repetição do já dito, que sobre eles recai, geralmente obstrui a visão dessas obras e impede a passagem da luz que vivifica a permanência dos textos na tradição cultural em que eles se inserem. Às vezes, somente um olhar de fora, alheio ao consagrado espaço crítico do texto, pode ser capaz de desobstruir os pontos de vista e colocar de novo em circulação a potência das obras. Este é o caso de Ciência e arte: Euclides da Cunha e as ciências naturais, de José Carlos Barreto de Santana, o qual, debruçando-se sobre a obra e o percurso intelectual de Euclides da Cunha, e em especial sobre Os sertões, enfoca o conjunto por um viés alheio àquele construído durante décadas por críticos literários, historiadores sociais, antropólogos e sociólogos.

Barreto de Santana é geólogo por formação. Seu olhar, definido pelas ciências naturais, busca iluminar o texto de Euclides a partir da presença do discurso científico, do trabalho de campo e das redes de pesquisadores das ciências naturais no percurso intelectual e nos textos do autor de Os sertões. Como historiador da ciência, Santana alinha-se a uma vertente historiográfica que privilegia a inserção da prática científica no âmbito da cultura, e se recusa a ver as ciências como um saber isolado das relações históricas e políticas. Esse duplo estatuto – de geólogo e historiador cultural das ciências naturais – habilita o autor a caminhar por sendas críticas antes pouco exploradas em relação às obras de Euclides da Cunha. Assim fazendo, Santana enriquece os dois vetores que se cruzam em seu trabalho: por um lado, o autor submete à reflexão da história das ciências um texto não estritamente científico, tal como Os sertões, num procedimento heterodoxo que só amplia os horizontes da historiografia das ciências no Brasil; por outro, a crítica literária, a história e a sociologia que se debruçam sobre o cronista de Canudos dispõem, a partir de agora, de largo arsenal de novos argumentos sobre o texto, advindos da pena de um geólogo. Leia Mais

As barbas do imperador: dom Pedro II, um monarca nos trópicos | Lília Moritz Schwarcz

O novo livro de Lilia Moritz Schwarcz, intitulado As barbas do imperador: dom Pedro II, um monarca nos trópicos, busca fazer uma reconstrução da figura e do papel simbólico ocupado pelo imperador Pedro II durante esse momento fulcral da história brasileira que foi o século XIX.

Entre a herança colonial e o país moderno, o tempo do império foi aquele em que as contradições da passagem do estatuto de colônia ao de país soberano solidificaram-se em instituições que até hoje marcam a vida brasileira: o favor, o beletrismo, as dúbias fronteiras entre as esferas do público e do privado são algumas das heranças que nos legou o império. Leia Mais

A majestade do Xingu Z Moacyr Scliar

O novo romance de Moacyr Scliar, A majestade do Xingu, parece ser, a princípio, uma biografia romanceada do médico sanitarista Noel Nutels, imigrante russo de origem judaica que dedicou vida e profissão a cuidar dos índios brasileiros. Até aí não haveria nada de especial a destacar, uma vez que o romance seria unicamente a moldura que permitiria narrar a vida do biografado. A literatura seria apenas o expediente para cativar o leitor, e o interesse do texto reduzir-se-ia às peripécias da vida do médico. Mas, felizmente para a literatura, para a medicina e especialmente para o leitor, estamos diante de um texto que vai muito além de qualquer mecanismo mercadológico daquela espécie.

Felizmente para a literatura porque, ao invés de ser uma biografia romanceada, o livro constitui, antes de tudo, um romance, em que a biografia funciona como um catalisador, um ponto de partida e não de chegada. A diferença é vital: mais do que a vida do “médico dos índios”, o que importa ao autor são as relações dessa vida com o mundo que a cerca e, por extensão, com o mundo que nos cerca, a nós leitores. Não por acaso, a figura do narrador, um homem comum no leito de morte, meditando sobre sua vicia, ganha muito mais vulto do que a personagem de Noel Nutels. O médico paira sobre o texto, mas nunca é o seu centro absoluto, servindo antes de contraponto à vida e à narrativa desse moribundo, de onde emerge uma reflexão sobre a própria condição humana. Leia Mais