História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa / Vozes Pretérito & Devir / 2019

Ao elaborarmos a proposta deste dossiê sobre História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa tivemos a intenção de fomentar a reflexão em torno de estudos recentes relacionados ao campo da história militar fossem eles voltados para a análise de eventos bélicos, os chamados temas tradicionais da história militar, e seus desdobramentos sociais, fossem eles voltados para a atuação de grupos, instituições e eventos militares em tempos de paz. O leitor da presente edição da revista Vozes, Pretério & Devir se deparará, portanto, com um conjunto de trabalhos que se debruça com maior empenho sobre a preparação da sociedade para a guerra, o papel das forças armadas na organização cotidiana da sociedade brasileira, a construção de mitologias e legitimidades em torno da atuação política de militares, o papel normatizador da instituição sobre a população, como também a problematização da escrita existente sobre essas temáticas. A multiplicidade de enfoques oferece ao leitor o afastamento em relação aos campos de batalha, o que permite perceber estes enquanto apenas um dos palcos de atuação dos militares e de seus projetos para a sociedade. Os artigos arrolados apresentam contextos e relações sociais diversos, pondo em suspeição imagens simplistas e heroicizantes. Trata-se da efetivação do dever estruturante da História enquanto ciência: questionar as certezas herdadas do passado.

É interessante perceber que todos os trabalhos apresentados se alicerçam em episódios transcorridos no Brasil, tradicionalmente rotulado enquanto um país pacífico e que não se envolveu em guerras de forma significante. Na contracorrente deste lugar comum, o dossiê mostra o amadurecimento da História Militar em nosso país, fomentado a partir da década de 1990, devido ao distanciamento do período ditatorial (1964-1985) e à expansão das pós-graduações nas universidades brasileiras. Ressalte-se que no regime militar o espaço acadêmico não teve interesse (ou liberdade) em discutir as Forças Armadas e os poucos estudos voltaram-se para a pesquisa do envolvimento militar na política, desconsiderando outras análises sobre a instituição (CASTRO; IZECKSOHN; KRAAY, 2004, p. 13). A profissionalização dos arquivos militares, com o ingresso nesses espaços de historiadores e arquivistas de formação, a progressiva abertura de acervos produzidos ou relacionados ao meio castrense, bem como a crescente profissionalização dos pesquisadores através dos cursos de pós-graduação proporcionaram o crescimento dos estudos nesta área (FIGUEIREDO, 2015, p.12-14).

O estudo dos militares e sua relação com aspectos da vida social como a política, a cultura e a sociedade, em suas várias temporalidades, é fundamental para a compreensão da trajetória histórica dos povos, especialmente na América Latina, onde os militares ou se apresentam historicamente como força democrática, de acordo com tese de Nelson Werneck Sodré (CUNHA, 2010, p. 07-17), ou como força conservadora e até reacionária. Sendo assim, o uso de novos temas, fontes e abordagens na produção da História Militar articulada à expansão dessa área de estudo no universo acadêmico vem contribuindo de forma relevante para a interpretação do papel dos militares nos movimentos históricos, tanto em seus avanços quanto em seus retrocessos, assim como a influência sofridas por eles do mundo social.

Dessa forma, levando em consideração a relevância do tema na atualidade e a necessidade de se compreender as relações que se estabeleceram ao longo do processo histórico entre Militares, política e sociedade, a Revista de História da Universidade Estadual do Piauí torna público o dossiê História Militar, Historiografia e Caminhos de Pesquisa, composto por oito artigos.

Os dois artigos que abrem o dossiê afastam-se do teatro de guerra, mas apresentam outras formas de encenar o poder, qual seja a construção de legitimidades. Ronaldo Zatta e Ismael Antônio Vannini abordam as comemorações e a ritualização nacionalista durante o período ditatorial civil-militar. Ao dirigirem sua atenção para o município paranaense de Francisco Beltrão em 1980 nos propiciam compreender como as autoridades locais buscaram alinhar-se aos símbolos e à pedagogia militarista apresentada em celebrações do sete de setembro. Os esforços em cumprir determinações militares terminaram por adequar associações civis e estudantes em nível escolar à disciplina determinada pelos presidentes-generais.

Bárbara Tikami de Lima, por sua vez, investe em balanço da História Militar e a da Arte. Para tanto, explora as trajetórias dos pintores das obras que imortalizaram a participação do exército e marinha do Brasil na guerra do Paraguai. Telas como Batalha do Avahy e Batalha Naval do Riachuelo são frequentemente evocadas na liturgia militar, enquanto símbolos do denodo e sacrifício realizados em nome da pátria. O argumento da autora aposta na indissociação entre a experiências dos artistas e a dos militares na elaboração da imagética iconográfica.

Os dois artigos seguintes examinam a importância que as guerras civis tiveram no país. Gustavo Figueira Andrade explora a associação entre duas experiências diferentes. A Vozes Pretérito & Devir Ano VI, Vol. X Nº I (2019) Apresentação ISSN: 2317-1979 6 primeira é a da guerra civil em si, neste caso a transcorrida entre 1893 e 1895 no Rio Grande do Sul. A segunda é a da mobilização de efetivos ao longo do país e seu deslocamento para frentes muito diversas das que originalmente serviam os soldados. Valendo-se das memórias de um praça cearense recém-chegado ao território sulista, Andrade nos oferece tanto a análise sobre as condições de vida de um soldado na jovem república brasileira quanto a perspectiva de estranhamento de um oriundo de parte muito diversa da mesma. Vivência castrense e civil se misturam, apontando as limitações da homogeneização do treinamento militar.

Determinado a recapitular o desenvolvimento do tenentismo, Amílcar Guidolim Vitor passa em revista as ações que deram origem a esta categoria. A alternância entre a narrativa e a análise da repercussão das manifestações de jovens oficiais em jornais da época aponta para o sofisma que é afirmar que no Brasil os combates militares estiveram ausentes. De fato, nas mobilizações dos “tenentes” foram recorrentes as marchas forçadas e o confronto com outras unidades do exército ou de polícias militares estaduais. A guerra brasileira teve uma manifestação endêmica e interna.

O artigo de Johny Santana de Araújo foca na ação do exército enquanto transformador dos cidadãos brasileiros, um objetivo praticado com particular recorrência na primeira república. Ao verificar a implantação do 25º batalhão de caçadores em Teresina, o professor nos apresenta o quanto a promoção de atividades de entretenimento e de sociabilidade foram utilizadas para oferecer uma imagem positiva do exército e, por conseguinte do Estado brasileiro. No Piauí, estado no qual as Forças Armadas e o poder central tinham presença pouco expressiva, fazia-se necessário não apenas atuar, mas também ganhar corações e mentes da população. Para tanto, lançava-se mão do soft power como meio de adesão.

Mas o que será de um exército sem um inimigo? Wilson de Oliveira Neto nos mostra que a definição de um antagonista não era óbvia, obrigando a uma pedagogia política para apontar aos cidadãos quem eram os opositores da pátria. No caso da II Guerra Mundial a imprensa, articulada com a propaganda estado-unidense foi fundamental para transformar os alemães, outrora aliados, no inimigo nazista que deveria ser combatido. Novamente, coloca-se em jogo a legitimidade das ações militares e sua relevância política no cotidiano.

Lucas Mateus Vieira de Godoy Stringuetti, por sua vez, discute como carreiras militares se desdobraram em carreiras políticas, valendo-se para tanto das biografias elogiosas ao brigadeiro Eduardo Gomes. Tendo as biografias surgido no embalo das discussões para apontar o candidato da UDN à presidência da república em 1945, eram menos estudos desinteressados do que peças de propaganda. Nesse sentido, tratavam não apenas de relatar as proezas militares do brigadeiro, mas construir a figura de um líder nacional.

Fechando o dossiê, Marcelo Cardoso examina as escritas acadêmica e institucional produzidas sobre a Polícia Militar Brasileira e Piauiense entre os anos de 1975 e 2010. O autor analisa os distanciamentos e aproximações existentes entre essas narrativas levando em consideração o lugar social de produção e os procedimentos metodológicos utilizados. A partir desse debate, Cardoso apresenta através de seu percurso acadêmico uma proposta para a história acadêmica da Polícia Militar no Piauí.

Além do material do dossiê o leitor conta com a seção de Artigos Livres, que totaliza seis trabalhos autorais. O primeiro deles realiza uma transição entre o militarismo do dossiê e as demais contribuições, ao explorar a utilização de corsários pelo movimento revolucionário e emancipador de Buenos Aires no início do século XIX. Eduardo Sartoretto analisa a participação de marinheiros e oficiais que vendiam seus serviços a favor da revolução, mas também visando a própria sobrevivência. Valendo-se de um diálogo sólido com a historiografia internacional, percebe como a definição da soberania da nação nascente foi atravessada por questões internacionais que se evidenciavam na ação corsária.

Erick Matheus Bezerra Mendonça Rodrigues retorna ao século XVI para averiguar o quanto a obtenção de informações e sua transformação em conhecimento era fundamental para a monarquia hispânica manter sua dominação sobre territórios ultramarinos. Conhecer para conquistar era uma prática recorrente no mundo moderno e os espanhóis fomentaram o conhecimento científico pautados pelo uso imediato que poderiam lhe dar.

Rodrigo de Morais Guerra também se ocupa de analisar a ação sobre o espaço, mas seu esforço se desenvolve no sentido de uma reflexão teórica em torno de como diferentes historiadores pensaram esta categoria. Procurando distanciar-se de uma perspectiva na qual o espaço seria tão somente o palco da ação humana o autor enfrenta o desafio de contrastar nomes díspares como Koselleck, Foucault e Benedict Anderson, entre outros.

As políticas públicas são objeto em dois artigos distintos. Werbeth Serejo Belo se ocupa do sistema de proteção social em Portugal, no início do século XX. Joseanne Zingleara Soares Marinho tem por recortes o Piauí entre 1930 e 1945, estudando a saúde maternoinfantil. Em ambos os casos há uma preocupação com grupos muitas vezes excluídos da história, embora as categorias de análise sejam diferentes: o trabalho e a divisão social para o primeiro, o gênero para a segunda.

Finalmente, Elaine Ignácio e Erasmo Marcio Falcão nos oferecem um trabalho sobre educação patrimonial, o que permite a sempre salutar aproximação com a antropologia. Seu alvo é a importância das práticas culturais populares, incluindo as elaborações que fazem da sua memória social e consequentemente do seu pertencimento ao espaço social.

Para encerrar o volume, a resenha de Pedro Pio Fontineles Filho sobre a coletânea Nordeste do Brasil na II Guerra Mundial, retoma em alguma medida a História Militar proposta no dossiê, da mesma maneira que nos permite revisitar e repensar a experiência brasileira no conflito. Ao dedicar-se a uma fração do Brasil, o livro nos convida a conhecer histórias que foram por muito tempo ofuscadas pela narrativa centralista do centro-sul. O que o leitor encontra no presente volume, seja em artigos articulados pelo dossiê temático, seja em contribuições livres, é a necessidade de concatenarmos múltiplos pontos de vista para a compreensão dos fenômenos sociais do presente e do passado, sempre complexos e desafiadores.

Com votos de uma boa leitura,

Referências

CASTRO, Celso; IZECKSOHN, Vítor; KRAAY. Da história militar à “nova” história militar. In: Nova história militar brasileira. Rio de janeiro: Editora FGV, 2004. p. 11-42.

CUNHA, Paulo Ribeiro. Um clássico mais que contemporâneo. Prefácio. In: SODRÉ, Nelson Werneck. História militar do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 7-17.

RODRIGUES, Fernando da Silva; FERRAZ, Francisco; PINTO, Surama Conde Sá (orgs.). Introdução. In: História militar: novos caminhos e novas abordagens. Jundiaí / SP: Paco Editorial, 2015. p. 11-17.

Adriano Comissoli – Professor Doutor. (Docente Permanente do PPGH / UFSM)

Clarice Helena Santiago Lira – Mestra (Professora da UESPI / Doutoranda do PPGH / UFSM)


COMISSOLI, Adriano; LIRA, Clarice Helena Santiago. Apresentação. Vozes Pretérito & Devir. Teresina, v.10, n.1, 2019. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê

Câmaras municipais na América portuguesa: entre o universal e o específico / História Revista / 2016

O dossiê que apresentamos nesta edição de História Revista procura realizar um balanço da produção sobre a instituição camarária na América portuguesa, a qual assistiu um bem-vindo crescimento nos últimos 20 anos. De órgãos periféricos e subsidiários do poder central português, as Câmaras passaram a ser compreendidas como palco de poder de elites locais, as quais atrelavam-se à monarquia com um duplo e paradoxal compromisso. De um lado estavam comprometidas a empregar-se no real serviço, de outro guiar-se pelo que de melhor houvesse para o bem público, isto é, o interesse da comunidade (república). Ocupados por grupos de destaque em cada vila, as Câmaras intermediavam estes objetivos mesclando muitos dos projetos dos poderosos locais, demonstrando abrigar contradições e conflitos em seu seio.

Nas câmaras reuniam-se elites locais das diferentes comunidades, exibindo tanto as características desejadas na Corte quanto valores cujo sentido possuía alcance mais limitado. Suas funções incluíam discutir a organização do espaço, a limpeza e abastecimento da comunidade, mas ainda tratar de crianças expostas, do comércio, das procissões religiosas e festividades em honra de Sua Majestade Fidelíssima. Tratavam da política e da gestão humana em nível cotidiano tencionada pela confluência entre interesses locais e projetos do poder central.

Esta reunião de artigos se ancora na diversidade apresentada pela instituição na América, motivo pelo qual se privilegiou diferentes espacialidades. Tal diversidade se apresenta tanto pelas nuances de cada caso, mas igualmente porque os trabalhos demonstram as múltiplas funções desempenhadas pelas Câmaras. Esta diversidade já fora contemplada por Russel-Wood, que destacara a divergência cultural que pontuava os diversos conselhos espalhados no universo oceânico lusitano. As peculiaridades locais, entrementes, não impediram que alguns mecanismos se fizessem presentes, como destaca o mesmo autor, tornando a instituição um elemento de continuidade na dispersão espacial.[1] Daí a ideia de oscilar entre o específico e o universal, tônica presente nos trabalhos que compõem o dossiê.

Há uma clara predominância temporal do século XVIII, o que se explica por ter sido um momento de multiplicação de vilas na América portuguesa. Foi no 700 que a instituição camarária adentrou inúmeros sertões, fazendo-se presente em diferentes realidades e abrigando grupos de elite com características específicas em cada região.

Em Frágeis poderes: governadores e oficiais municipais em Goiás na segunda metade do século XVIII, encontramos tema recorrente no estudo das Câmaras, sua relação com os governadores. Esse relacionamento que recorrentemente alternou atritos e colaborações se desenvolveu pela falta de clareza jurisdicional das duas esferas. Estavam as Câmaras subordinadas ao governador ou eram órgãos independentes? O artigo escapa a uma dualidade simplificadora e propõe que as duas esferas de poder apresentavam fragilidades e autonomias, sendo necessárias em atender os desígnios de Sua Majestade. Não obstante, a Câmara de Vila Boa de Goiás não se curvava às imposições do governador Luís da Cunha de Meneses, valendo-se do recurso ao arbítrio régio para defender suas prerrogativas. Uma demonstração da inserção e retroalimentação entre periferia e centro.

O artigo Na confraria e na Câmara: a correspondência entre a Irmandade do Santíssimo do Pilar do Ouro Preto e a Câmara de Vila Rica aborda a relação entre o que Boxer chamou de pilares gêmeos da sociedade do império marítimo português. Desviando-se do binômio Câmara-Misericórdia, a escolha inclina-se ao senado e à confraria laica do Santíssimo Sacramento da igreja matriz de Vila Rica. Avalia-se a presença de indivíduos nas duas instituições e os auxílios prestados de uma à outra. Desvela-se na sociedade mineira não dois, mas um mesmo palco alargado de atuação da elite, o que implica em afirmar a ingerência do grupo tanto em assuntos administrativos quanto religiosos, um dado que celebra a proximidade entre religião e Estado no Antigo Regime.

Tão interessante quanto necessário é o estudo intitulado Redes associativas e de comunicação entre as câmaras de uma capitania, São Paulo (século XVIII). Aqui se aborda um tema em franco desenvolvimento no estudo camarário, o da comunicação política. Contudo, a fim de complementar e contrastar com estudos que optam pela correspondência entre os poderes locais e central privilegia-se a troca de cartas entre instituições municipais da capitania de São Paulo e destas com a da cidade do Rio de Janeiro. Os resultados apontam para uma capacidade de articulação surpreendente, na qual várias Câmaras enviavam requisições ao poder central, simultaneamente, tendo previamente, compartilhado entre si as informações e as impressões sobre o melhor modo de fazê-lo. A perspectiva horizontal da comunicação lança bastante luz sobre o funcionamento da América portuguesa e convida à multiplicação de estudos deste tipo. Neste, em específico, fica demonstrada a extrema vitalidade das Câmaras paulistas, capazes de realizar uma frente única de reivindicações. A pergunta inevitável ao final da leitura é quantas outras Câmaras se comunicavam desta forma?

A vitalidade expressa nos artigos anteriores encontra contraste no caso alagoano, no qual a Câmara se reunia pouco e, quando o fazia, limitava-se a assuntos de escopo local. A administração de duas Câmaras de perfil diferente é comparada em Variações do poder camarário na capitania de Pernambuco: Olinda e Alagoas do Sul na segunda metade do século XVII, com os benefícios costumeiros dessa abordagem, isto é, colocar em perspectiva a autonomia e o alcance da instituição. Se, por um lado é de se esperar que as vilas e cidades maiores atinjam maior influência, por outro é necessário perceber a realidade empírica das vereanças das mais modestas. Se dispensarmos estas considerações, teremos uma história parcial, que terminaria por anular o sentido da multiplicação de Câmaras citada acima. O modelo estabelecido nos grandes centros encontra um teste rigoroso no estudo de uma Câmara secundária e é na correlação entre ambos que é possível desenhar o funcionamento do Império Português e refinar nosso entendimento sobre o mesmo.

Câmaras municipais e ordenanças no Estado do Maranhão e Grão-Pará: constituição de uma elite de poder na Amazônia seiscentista analisa outro conjunto de relações institucionais de âmbito municipal. No artigo, as tropas de Ordenanças surgem como contraparte à ocupação dos principais cargos camaristas como modo de afirmação da elite residente. Concentrando-se em Belém e São Luís, o artigo mostra como a tendência a adaptar preceitos de nobreza à realidade amazônica fez da conjugação vereador-oficial de ordenanças um requisito para que o poder régio garantisse o monopólio social ao grupo. Novamente, esta situação é complicada pelos conflitos envolvendo oficiais nomeados diretamente pela Coroa, situação que não se encerrou com a passagem do século XVII para o XVIII.

O rei nas Minas: a construção simbólica do Império português na Capitania de Minas Gerais aborda um parâmetro não menos importante da ação camarária. A promoção de festividades conectava as várias partes do império ao fazerem circular símbolos da monarquia lusa. Ao construírem arcos triunfais decorados e iluminados e desfilarem retratos dos reis os camaristas confirmavam sua disposição em cumprir ao real serviço, fazendo o monarca materializar-se em duas diversas possessões, o que também conferia aos vassalos a ideia de participarem de um império de grandes proporções.

Em seu conjunto o dossiê mostra o crescimento do tema e da produção historiográfica brasileira, que recuperou um tema durante muito tempo considerado menor, executando um maduro debate com a historiografia internacional. Apesar de ser não mais do que uma amostra dos vários trabalhos existentes, mostra-se como a Câmara tornou-se um objeto de estudo privilegiado por permitir acessar a cultura, economia, política e sociedade da América lusitana, considerada sempre em sua relação com a totalidade do Império Português. Boa leitura!

Nota

1 RUSSEL-WOOD, A. J.R. Local Government in Portuguese America: A Study in Cultural Divergence. Comparative Studies in Society and History, vol. 16, n 2, mar. 1974, pp. 187-231. RUSSEL-WOOD, A.J.R. A base moral e ética do governo local no Atlântico luso-brasileiro durante o Antigo Regime. In. GONÇALVES, Andréa Lisly; CHAVES, Cláudia Maria das Graças; VENÂNCIO, Renato Pinto. Administrando Impérios: Portugal e Brasil nos séculos XVIII e XIX. Belo Horizonte: Fino Traço, 2012.

Adriano Comissoli – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2011). Professor do Departamento de História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)


COMISSOLI, Adriano. Apresentação. História Revista. Goiânia, v. 21, n. 1, jan. / abr., 2016. Acessar publicação original [DR]

Acessar dossiê