Las Mujeres de X’Oyep – TRONCOSO (RTF)

TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía). Resenha de: ALCÂNTARA, Mauro Henrique Miranda. Revista Territórios & Fronteiras, Cuiabá, v. 9, n. 2, jul.-dez., 2016.

Alberto Del Castillo Troncoso na obra Las Mujeres de X’Oyep, teve como principal objetivo realizar uma leitura histórica da fotografia tirada por Pedro Valtierra, na localidade de X’Oyep, no México, em 3 de janeiro de 1998. Região próxima ao cenário de uma chacina, ocasionada pela repressão do exército mexicano ao movimento zapatista. O evento ficou conhecido como La matanza de Acteal.

A prestigiada fotografia tirada por Valtierra, retrata o avanço de uma jovem e pequena mulher da etnia tzotzil, habitante de X’oyep, contra um militar armado com um fuzil AR-15, arma esta que, pela perspectiva da imagem, aparenta ser maior que a menina. O militar parece estar assustado com tal avanço. Ao fundo é possível ver outras mulheres e soldados, agitados, parecendo estarem também em confronto.

Essa fotografia, primeiramente publicada pelo Jornal La Jornada na manhã seguinte aos acontecimentos, posteriormente publicada em outros periódicos e revistas, tanto do México como de outros países, teve ampla repercussão e passou a ser ícone do movimento zapatista, e a partir daí um objeto aberto a disputas e interpretações. Ter ganho o prêmio de Jornalismo Rei da Espanha, potencializou o aspecto simbólico dessa imagem, e o seu poder de construção de um significado histórico.

Diante dessa repercussão, e das diversas leituras sobre essa fotografia, Alberto del Castillo Troncoso, enveredou-se na trajetória da produção, circulação, interpretação, significação e ressignificação dessa fotografia que se transformara em ícone de um período e de uma luta histórica.

Sua obra, portanto, busca apresentar uma leitura histórica dessa imagem, descrevendo a trajetória dos fotógrafos e jornalistas até o palco dos acontecimentos, realizando uma “leitura iconográfica” da fotografia, analisando o ponto de vista dos editores e a cobertura dos jornais, principalmente o La Jornada, da foto e do evento retratado por ela. Alberto del Castillo verificou também, os usos e recepções da imagem e a narrativa dos jornalistas, fotógrafos e editores envolvidos com a produção e publicação da fotografia.

O historiador mexicano utiliza-se de entrevistas realizadas com os envolvidos na trajetória da fotografia, para construção de sua obra. Importante frisar que os depoimentos recolhidos junto aos fotógrafos, jornalistas e outros envolvidos, são analisados e problematizados.

Além desse material, Troncoso utiliza de jornais e revistas que publicaram fotos sobre o episódio ou sobre os movimentos indígenas e zapatistas, para verificar a recepção e os usos dessa fotografia. Realiza também uma breve análise estética da fotografia protagonista e também de outras tiradas no evento ou em outros momentos. Por fim, Alberto de Castillo em uma atividade ao mesmo tempo de historiador e de antropólogo, vai até X’Oyep, e descreve o cenário que encontrou lá quinze anos depois, e a relação que os habitantes da localidade possuem com a famosa fotografia.

No primeiro capítulo da obra, La difusión del zapatismo y la masacre de Acteal, Alberto del Castillo Troncoso perfaz o caminho histórico para que a fotografia tirada por Pedro Valtierra pudesse ser produzida naquele lugar e data. Ele descreve, logo no início, que houvera um avanço do movimento zapatista na década de 1990, buscando conquistas sociais para os campesinos e para a cultura indígena. No entanto, essa movimentação gerou tensão entre as atividades zapatistas e o governo mexicano, resultando na militarização da região de atuação dos zapatistas.

O historiador insere diversas fotografias, manchetes e recortes de jornais, apresentando os diversos discursos e representações sobre essa situação vivida e vivenciada pelas comunidades indígenas no Estado de Chiapas. Utilizar essas fontes, foi uma forma encontrado por Troncoso para poder apresentar tanto o contexto histórico dos eventos presenciados pelos fotógrafos em X’Oyep, quanto apresentar as intencionalidades destes ao percorrerem árduos trajetos para cobrir jornalisticamente os acontecimentos.

Se o historiador tivesse apresentado uma contextualização historiográfica dos movimentos campesinos mexicanos na década de 1990, teria enriquecido a sua obra, favorecendo uma maior compreensão dos acontecimentos em janeiro de 1998 na localidade de X’Oyep.

No capítulo seguinte, Crónica de un registro fotográfico, Alberto del Castillo descreve o contexto imediato da produção fotográfica encabeçada por Pedro Valtierra. Descreve minuciosamente a região de X’Oyep, inclusive, apresentando um mapa para que o leitor se situe geograficamente. Assim como no capítulo anterior, várias fotografias são utilizadas para representar o ambiente encontrado e representado pelos jornalistas na localidade. Outra estratégia utilizada por Troncoso para narrar sobre a trajetória da famosa fotografia tirada por Pedro Valtierra, apresenta-se nesse capítulo: os relatos orais.

Através dos relatos dos jornalistas Juan Balboa e Pedro Valtierra, o historiador descreve o período anterior a chegada deles na localidade de X’Oyep, as atividades que eles estavam realizando até então, como foi o envio deles para a região, a dificuldade do caminho, os preparativos, as surpresas, os temores e até mesmo o papel que eles tiveram direta ou indiretamente no palco dos acontecimentos.

Ao final do capítulo, Alberto del Castillo descreve o que ele chama de algumas “pistas” para realizar a leitura das imagens. Sinteticamente, ele argumenta que vários fatores precisam ser levados em conta para compreender/entender o resultado do trabalho dos jornalistas: a dificuldade encontrada para a realização das fotos; o currículo profissional do Pedro Valtierra facilitou para que ele pudesse estar à frente dos acontecimentos, antes de outros meios de comunicação; a reciprocidade entre os jornalistas e os indígenas, pois estes tinham interesse em verem suas demandas circulando na imprensa, para pressionar o governo, e Valtierra tinha interesse na exclusividade, ou ao menos, no pioneirismo jornalístico dos eventos; e por fim, a presença dos jornalistas que inibiu as ações dos militares na localidade.1 O capítulo “Del revelado a la edición periodística” descreve o processo da revelação das fotografias, ou melhor, da fotografia, tirada por Valtierra e sua publicação no La Jornada. No entanto, não se trata de mera descrição do processo de revelação, escolha, envio, recebimento na edição do jornal, sua publicação e circulação. Troncoso, no final do capítulo, deixa claro que: A publicação da foto na primeira página do diário não se limita na tradução em imagens de uma informação jornalística, e sim na contribuição da construção de um relato que gerou o início de uma iconografia sempre sujeita a debate.2 Para o historiador mexicano, o processo pelo qual passou a imagem, desde a sua tirada até a sua publicação, apresentou uma interpretação dos fatos ocorridos na localidade de X’Oyep. E por isso, essa mesma imagem foi objeto de reinterpretações e ressignificações, tanto pela imprensa, quanto pelos atores envolvidos diretamente: os indígenas e até mesmo o governo mexicano.

Neste capítulo Alberto del Castillo realiza análises estéticas, tanto da foto, quanto dos negativos de Pedro Valtierra. Ele verifica que os negativos apresentam uma narrativa dos acontecimentos, apresentando-os de forma serial, quase em movimento. Também se atém na análise da fotografia mais famosa, escolhida para estampar a capa do jornal La Jornada no dia posterior ao evento ocorrido em X’Oyep. Ele detecta que a experiência profissional do fotógrafo, o favoreceu para capturar o melhor ângulo e melhor perspectiva da situação vivenciada na localidade. A análise sobre os negativos, permitiu Troncoso afirmar essa perspectiva. Porém, mais uma vez, o historiador reafirma que essa mesma experiência do fotógrafo o favoreceu a capturar tal imagem, por provocar diferentes reações, tanto dos militares, quanto dos indígenas, como também “peso para que a divulgação jornalística da imagem se realizasse nas melhores condições possíveis e contribuiu de maneira substancial para a construção de uma plataforma midiática para a foto”.3 O capítulo seguinte, Historia de un ícono, é destinado a apresentar a mudança da fotografia, de uma imagem reproduzida na capa de jornais e revistas, para a sua transformação em um ícone, sendo reinterpretada diversas vezes e representando muito mais que um momento vivido, experimentado, mas tomando dimensões históricas e memorialísticas sobre o episódio vivenciado em X’Oyep. A fotografia tomou dimensão de um ícone, que para Troncoso, se tornou no mais importante “da luta indígena e do movimento zapatista”.4 A imagem ganhou reconhecimento internacional, ao ser prestigiada com o Prêmio Internacional de Jornalismo Rei da Espanha, promovido pela Agência EFE e Agência Espanhola de Cooperação Internacional.

Novas entrevistas são apresentadas neste capítulo. Elas são utilizadas para apresentar as diferentes representações que foram realizadas da mesma imagem. Troncoso analisa também a publicação da fotografia em outros periódicos e constatou que de principal ícone de luta dos indígenas e do movimento zapatista, essa imagem ganhou até mesmo a interpretação de ser uma “prova documental da legitimidade do Estado e da tolerância e equanimidade do exército mexicano”.5 O historiador descreve que a foto passou a ser a síntese de um momento histórico vivido no México, sendo interpretada de diferentes maneiras, ou melhor, da maneira que os atores tinham interesse em interpretá-la. Mas o mais importante, ela não podia ser negligenciada, esquecida, pois se transformou em um ícone importante do momento vivido. Ela foi lida e relida no México e no mundo. Além da constatação da luta indígena, ou da prova da tolerância do exército, a imagem foi representada como a defesa da preservação ambiental, por parte dos indígenas e também interpretada como o avanço neoliberal, que acaba por não valorizar ou assegurar os direitos políticos, culturais e sociais dos habitantes da localidade. Até mesmo o subcomandante Marcos, líder do campesinato no México, apresenta uma interpretação da fotografia: ela seria a síntese do movimento zapatista. Como escreve Alberto del Castillo, essa imagem resulta em uma “rede de leituras e interpretações” quase infinita.6 No derradeiro capítulo, X’Oyep, a 15 años de distancia, Alberto del Castillo Troncoso, viaja até a localidade de X’Oyep e vai em busca de compreender as consequências das lutas travadas no momento em que foi tirada a famosa foto. Desde o início o historiador detectou a dificuldade de chegar até o local. Ainda hoje, de difícil acesso.

Ao chegar, constatou a árdua e pobre realidade dos poucos habitantes que ainda residem ali. Em X’Oyep, Troncoso entrevistou Antonio López, testemunhos dos conflitos entre o exército e a população indígena em janeiro de 1998. Apesar de frutífera, o que mais chamou atenção do historiador, foi um desenho que ele encontrou em uma pequena casa. Tratava-se da representação em um desenho de conotações infantis, da famosa fotografia tirada por Valtierra: A minha frente estava uma pintura, realizada com traços aparentemente infantis, que reproduzia, de maneira muito próxima, a famosa fotografia de Valtierra, embora tenha inserido elementos procedentes, talvez, do relato de Balboa, como a presença de um helicóptero no centro, e outros, sem dúvida, fruto da imaginação do próprio autor da obra, como um grupo de abelhas sobrevoando a cena e um monumento com uma cruz, representando talvez as almas de Acteal, e finalmente, na margem inferior direita e muito pouco visível, um grupo de zapatistas enfunados em suas casamatas e escondendo-se na selva. Ao lado, em uma pequena folha, se informava sobre os nomes do acampamento e as comunidades formadas pelas 1190 pessoas deslocadas que haviam vivido em X’Oyep.7 O espanto do historiador foi grande com essa representação. Neste momento ele constatou que a fotografia havia se transformado em um ícone, podemos afirmar, que um ícone mítico, que representa um período grandioso, vivenciado e vencido, e sempre relembrado, tal qual no desenho, como um momento único. Troncoso descreve que a fotografia se transformou, nessa localidade, em um ex-voto, uma fábula popular, com conotações mágico-religiosas.8 Por fim, Alberto del Castillo apresenta a importância da fotografia como documento histórico. Melhor seria dizer, que pare ele, as fotografias possuem uma grafia histórica, tão autêntica e carregada de valores e símbolos, como a escrita. O percurso que o historiador mexicano faz nesse livro, nos demonstra essa importância. Ele apresenta o quão importante é a fotografia para história, mas não somente suas características estéticas ou suas condições de produção, mas tudo que a envolve desde a chegada do fotógrafo no local até a circulação e representações que perfaz a trajetória de uma fotografia.

Por se tratar de um ensaio, como o próprio Troncoso descreve, não há maiores informações historiográficas sobre o episódio vivido em X’Oyep. Portanto, pensamos que essa obra possuí uma importante contribuição para os historiadores, se tomada como um exemplar riquíssimo em informações e metodologias, para se pesquisar e investigar a fotografia como documento histórico. Talvez essa seja a maior contribuição deixada por Alberto del Castillo Troncoso. E ainda podemos ler e compreender melhor a vida dos indígenas e dos campesinos no México e a suas históricas e importantes lutas.

Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México

1 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía).

2 Ibidem, p. 83. Todos os fragmentos citados diretamente da obra foram traduzidos para o português, livremente.

3 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep, Op. cit., p. 79.

4 Ibidem, p. 85.

5 Ibidem, p. 89

6 Ibidem, p. 101.

7 TRONCOSO, Alberto del Castillo. Las Mujeres de X’Oyep , Op. cit ., p. 108.

8 Ibidem.

Mauro Henrique Miranda de Alcântara – Mestre em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Professor do Instituto Federal de Rondônia. Correspondência: Rod. RO 399, km 5, Zona Rural Colorado do Oeste – Rondônia – Brasil. Caixa Postal 51. CEP: 76993-000 E-mail : [email protected].

Las mujeres de X’oyep – DEL CASTILLO TRONCOSO – (HO)

DEL CASTILLO TRONCOSO, Alberto. Las mujeres de X’oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía). 116 p. Resenha de: PORFIRIO, Pablo F. de A. História, imagem e memória: a trajetória de uma fotografia
(México, anos 1990), História Oral, v. 18, n. 1, p. 241-246, jan./jun. 2015.

Alberto del Castillo Troncoso é um historiador mexicano – vinculado ao Instituto Mora – que há alguns anos desenvolve pesquisas que tomam a fotografia como principal fonte documental. Ele investigou as representações fotográficas de crianças no período do governo de Porfírio Diaz; estudou a trajetória do fotógrafo Rodrigo Moya com base nas análises da sua produção nas décadas de 1950 e 1960, na cobertura fotojornalística de guerrilhas e golpes militares em países da América Latina como República Dominicana, Guatemala e Venezuela. Mais recentemente, Alberto del Castillo lançou um livro resultante de anos de estudos sobre as fotografias do movimento estudantil de 1968 no México, marcado pelo Massacre de Tlatelolco, em 2 de outubro daquele ano. No seu último livro, objeto desta resenha, o historiador analisa a fotografia de Pedro Valtierra Las mujeres de X’oyep, que dá nome à publicação.

Essa imagem retrata as mulheres tzotziles da comunidade de X’oyep, localizada no município de Chenalhó, no estado de Chiapas, sul do México.

Registra o momento em que essas mulheres avançam sobre os soldados do exército mexicano que chegavam para ocupar parte do seu território, no dia 3 de janeiro de 1998. Segundo Deborah Dorotinsky (2013), Alberto del Castillo produz uma biografia dessa fotografia. Ou seja, identifica seu surgimento e cartografa sua trajetória do quarto escuro à publicação no jornal mexicano La Jornada. O historiador esmiúça como a imagem ganhou um formato editorial, como foi selecionada para estampar a primeira página do periódico e se tornar um ícone, isto é, uma fotografia emblemática, que forma parte da cultura visual de uma geração (Del Castillo Troncoso, 2013, p. 25).

O trabalho realizado por Alberto del Castillo mapeou as posições sociais e políticas ocupadas pela imagem para assim entender os significados a ela atribuídos, seja na relação construída entre a fotografia e os textos da imprensa, seja no vínculo entre imagem e memória. Desse modo, o autor assevera: as imagens em si não dizem nada. Podemos nos inspirar nas considerações de Pierre Bourdieu, em seu clássico texto sobre a “ilusão biográfica”, no qual afirma que os acontecimentos biográficos se definem como colocações e deslocamentos no espaço social, e não como uma série única de acontecimentos sucessivos (2000, p. 189-190). Claro que aqui não estamos falando da trajetória de um indivíduo, mas da fotografia produzida por um indivíduo. O historiador mexicano analisa de modo instigante as colocações políticas da imagem e seus deslocamentos de sentido, quebrando a “ilusão biográfica” de que a fotografia teria um único significado definido desde o momento do registro. A indicação de Deborah Dorotinsky na apresentação do livro, de que Alberto del Castillo seria um biógrafo de imagens, se confirma no decorrer do texto.

Para tal análise, o historiador mexicano estuda o cenário social e político em que a fotografia foi elaborada. Leva o leitor à parte sul do México, estado de Chiapas, que em janeiro de 1994 viu irromper um destacado movimento social, definido pelo escritor Carlos Fuentes como “a primeira guerrilha do período pós-moderno”. O zapatismo era um movimento que contava com um exército de trabalhadores pobres e que tinha a internet como uma das suas principais armas. Valendo-se ainda de um líder midiático, o Subcomandante Marcos, o zapatismo conseguiu, entre 1994 e 1995, recolocar o debate sobre as comunidades indígenas do México na agenda política nacional e internacional, rompendo as fronteiras do estereótipo turístico-folclórico do exótico.

O município chiapaneco de Chenalhó foi palco, em dezembro de 1997, da atuação de um grupo de paramilitares ligado ao Partido Revolucionario Institucional (PRI) que assassinou 45 indígenas simpatizantes do Ejército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN), que rezavam em uma pequena igreja na localidade de Acteal.

O episódio ganhou repercussão internacional. Equipes da imprensa televisiva e escrita se dirigiram para a região. Uma ampla cobertura fotográfica também foi produzida. O massacre em Acteal provocou, nos últimos dias de dezembro de 1997, uma presença ainda maior das forças do exército mexicano na localidade. Dirigiu-se também à região, em 1º de janeiro de 1998, o fotógrafo Pedro Valtierra, que passou a coordenar a cobertura dos acontecimentos para o jornal La Jornada.

Alberto del Castillo investigou e apresenta ao leitor a narrativa visual produzida pelo jornal entre o final de dezembro de 1997 e o início do mês seguinte. Analisa as primeiras fotos de Pedro Valtierra na região, feitas em janeiro de 1998, que registravam a tensão existente e os movimentos do exército mexicano e dos nativos. O autor ressalta o protagonismo das mulheres nesse momento, que resistiram à presença militarizada do Estado e, sabiamente, utilizaram a imprensa para fortalecer suas ações.

Em 3 de janeiro de 1998, o fotógrafo Pedro Valtierra e o jornalista Juan Balboa saíram da cidade de San Cristóbal de las Casas e se dirigiram à região de X’oyep. Na localidade de difícil acesso, alcançada por uma caminhada de horas pela montanha, existiam algumas poucas casas pobres e, desde os assassinatos em Acteal, centenas de pessoas em busca de refúgio.

A entrada de Valtierra e Balboa nessa história marca o agenciamento de uma nova fonte por parte do historiador: o relato de memória. Ele entrevistou o fotógrafo e o jornalista buscando informações sobre como foi a chegada deles a X’oyep, o que encontraram no local, como ocorreu a produção das imagens. Mais ainda, interessam a Del Castillo os relatos sobre o período posterior, isto é, quando Pedro Valtierra regressou de X’oyep a San Cristóbal de las Casas, iniciando o processo de revelação das imagens, o envio para os editores do La Jornada, a escolha da fotografia a ser publicada, a mudança no seu enquadramento do horizontal para o vertical e a decisão de publicá-la na primeira página.

O livro tem por objetivo investigar como a fotografia de Pedro Valtierra, Las mujeres de X’oyep, tornou-se um ícone e formou a cultura visual de uma geração. Para isso, as informações obtidas por meio das entrevistas são fundamentais. Mas também interessa a Alberto del Castillo o uso da memória por parte dos seus entrevistados no momento presente, quando a fotografia de Valtierra já se tornou um ícone. Trata-se do que Gilles Deleuze, ao analisar a obra de Marcel Proust, chama de memória voluntária, aquela que vai de um presente atual a um presente que foi, isto é, que foi presente mas não é mais. Assim, pode-se dizer que a memória não se apodera diretamente do passado, mas o recompõe com os presentes (Deleuze, 2006, p. 54).

Alberto del Castillo mapeia parte da produção fotográfica de Pedro Valtierra, como a cobertura jornalística da guerrilha sandinista na Nicarágua e das forças guerrilheiras da Guatemala. Relaciona a fotografia das mulheres de X’oyep aos interesses estéticos e políticos já apresentados por Valtierra em outros trabalhos.

O seu relato de memória é analisado em diálogo com essas produções fotográficas e com os significados que a fotografia das mulheres de X’oyep adquiriu. É interessante notar que, no relato de memória de Valtierra, essa imagem é definida como um marco divisor na sua trajetória: E enviam por fax as primeiras páginas e vejo a foto grande, tal como está publicada, e senti logo, logo que a foto era já outra coisa… No dia seguinte David Brooks, o correspondente do La Jornada, me contou que a foto havia encabeçado uma marcha de apoio aos zapatistas em Nova York… Eu senti que nesse momento algo havia passado com minha vida… Porque devo dizer que não estava muito bem profissionalmente. Quer dizer, era chefe, um privilegiado, porém fotograficamente não me sentia bem… Isso – aqui entre nós – eu não estava dizendo, porém me sentia em crise… Já quando regressei ao México, foi impressionante. Fui a uma marcha e encontrei com Carlos Jurado, com muita gente, e não me deixavam trabalhar. […] E isso se passou por causa da foto de X’oyep. (Del Castillo Troncoso, 2013, p. 68; tradução livre).

Essa memória voluntária de Pedro Valtierra apropria-se do sucesso alcançado pela fotografia sobretudo por ela lhe ter valido o Premio Internacional de Periodismo Rey de España, um ano depois de sua produção, em janeiro de 1999. A distinção oferece um significado a priori para a imagem e, por conseguinte, para quem a produziu; cria uma importância política que dá a impressão de estar na essência da fotografia. Talvez Alberto del Castillo pudesse ter apresentado ao leitor mais trechos do relato de Valtierra. O extrato acima faz parecer que a memória do fotógrafo toma um dos significados políticos associados à fotografia e o institui como algo que estivesse dado desde o presente da sua produção, como uma essência. Cria assim uma trajetória única e teleológica para a imagem, como se ela já tivesse nascido para constituir-se em ícone de uma geração.

Mas o livro de Alberto del Castillo consegue, por meio de outros relatos de memória, pesquisa em jornais e outros documentos, reconstruir a teia de discursos e práticas que fizeram a fotografia das mulheres de X’oyep emergir como um ícone na luta dos povos indígenas na América Latina. Mostra- -nos como a crescente visibilidade conquistada pelo movimento zapatista na década de 1990, com seus destacados apoiadores, como José Saramago, contribuiu para popularizar a imagem e fazê-la ser apropriada por diversos grupos sociais e operacionalizada em suas manifestações políticas.

Por fim, o historiador mexicano nos brinda com uma linda história. No último capítulo do livro, em um relato quase antropológico, conta sobre a viagem que fez anos depois do conflito ao local onde Pedro Valtierra produziu a imagem. Encontrou uma pobre casa, feita de tábuas, em que se identificava numa parede externa uma pintura com traços infantis que reproduzia a fotografia do enfrentamento das mulheres de X’oyep com os militares do exército mexicano. Nessa representação, imagem e memória se confundiam.

A reprodução da fotografia de Valtierra fazia permanecer latente uma memória do conflito, ao mesmo tempo que reforçava o sentido icônico daquela imagem e realçava um sentimento de vitória, já que as mulheres conseguiram resistir e expulsar os militares.

Uma das perguntas que ficam para o leitor é: qual a memória que as mulheres de X’oyep e outros moradores do local construíram sobre o enfrentamento com o exército? Não foi possível encontrar esses relatos, mas sim uma representação imagética deles. A pintura mostra como a fotografia de Valtierra foi apropriada pelos moradores daquela região, ultrapassando o suporte do papel fotográfico, do jornal ou da memória do seu produtor. A imagem tornou-se ícone também por estar na memória do grupo social de quem a protagonizou, alimentando sentimentos de luta e vitória.

O livro Las mujeres de X’oyep apresenta uma metodologia de trabalho inovadora e desafiadora ao relacionar imagem e memória – individual e coletiva – na escrita da história. Recupera os fios que teceram o sentido da fotografia, transformando-a em um ícone político. Poderíamos pensar que Alberto del Castillo Troncoso busca o “normal excepcional”, para retomar um conceito caro à micro-história de Carlo Ginzburg: o documento “normal excepcional”, neste caso a fotografia de Pedro Valtierra, não se presta às generalizações da história serial, mas permite, por outro lado, a compreensão de aspectos particulares, não generalizáveis, da realidade social. O historiador mexicano conta-nos ainda, por meio dessa imagem, sobre a luta cotidiana de mulheres pobres e invisibilizadas pelo direito à terra e à vida, enredando-a na história do México contemporâneo e da América Latina.

Referências BOURDIEU, Pierre. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Moraes; AMADO, Janaína (Org.). Usos & abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p. 183- 191.

DELEUZE, Gilles. Proust e os signos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.

DOROTINSKY, Deborah. Biografía de una imagen fotográfica: las mujeres de X’oyep.

In: DEL CASTILLO TRONCOSO, Alberto. Las mujeres de X’oyep. México: Conaculta; Cenart; Centro de la Imagen, 2013. (Colección Ensayos sobre Fotografía). p. 13-20.

Pablo F. de A. Porfirio – Doutor em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). E-mail: pablo [email protected].