Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet – ASSANGE (RTA)

ASSANGE, Julian. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Boitempo, 2013. Resenha de: PELLEGRINI, Ramon Trindade; PELLEGRINI, Rafael Trindade. Marco Civil: Liberdade e o Futuro da Internet. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.12, p. 265 ‐ 270, mai./ago. 2014.

Cypherpunks: liberdade e futuro da internet, publicado pela Editora Boitempo, no ano de 2013, é uma obra criada a partir das reflexões de Julian Assange, em parceria com Jacob Appelbaum, Andy Müller‐Maguhn e Jérémie Zimmermann, fruto dos debates registrados no programa The World Tomorrow1, apresentado pelo próprio Assange. Um livro que suscita a reflexão sobre a vigilância de informações pela internet por parte dos governos, principalmente o estadunidense. Nas palavras do autor, este exemplar “não é um manifesto, não há tempo para isso [trata‐se de] um alerta” (ASSSANGE, 2013, p. 25), pois o futuro do mundo, para ele, é o futuro da internet: As únicas pessoas que serão capazes de manter a liberdade que tínhamos, digamos, vinte anos atrás […] são aquelas que conhecem intimamente o funcionamento do sistema. Então só uma elite high‐tech rebelde é que será livre (ASSANGE, 2013, p. 157). Esta mensagem é um aviso imediato ao que está acontecendo na rede, mas quem é o personagem que a emite? Julian Assange é um ativista e hacker australiano que se autointitula cypherpunk, ou seja, um militante político que opera através do ciberespaço. Ficou mundialmente conhecido em 2010, quando divulgou, pela WikiLeaks, em parceria com jornais como The Guardian (Grã‐Bretanha), Der Spiegel (Alemanha), The New York Times (Estados Unidos), Le Monde (França) e El Pais (Espanha), mais de 70 mil relatórios militares secretos sobre a guerra do Afeganistão – os Diários da Guerra do Afeganistão –; mais de 400 mil relatos de campo na guerra do Iraque – os Registros de Guerra do Iraque – e mais de 250 mil relatórios diplomáticos das embaixadas dos Estados Unidos ao redor do mundo – o Cablegate. Foi o maior vazamento de documentos oficiais da história. Mas o que vem a ser a WikiLeaks? A WikiLeaks é uma organização com características de jornalismo investigativo. Possui uma robusta criptografia para dar anonimato a suas fontes, além de uma incrível base de dados que permite ao leitor ter acesso a milhões de documentos confidenciais em tempo integral, de sua nação e do mundo. São chamadas informações classified (confidenciais), isto é, documentos oficiais arquivados na internet, que podem interferir diretamente no plano material, dado o conteúdo explicitado. São exemplos: o vídeo do helicóptero “Apache” assassinando indivíduos ditos terroristas; os diários das guerras do Afeganistão e Iraque na “luta contra o terror”, bem como a opinião de diplomatas estadunidenses acerca de inúmeros governantes mundiais e suas formas de governo. É acerca destas complexidades na rede virtual que Assange discorre nessa obra. Como o livro acompanha o diálogo sobre inúmeros assuntos relacionados à internet e seu controle, propomos não dividi‐lo em capítulos, mas examiná‐lo segundo suas características principais, traçando um paralelo com o marco civil no Brasil. Inicialmente, Assange (2013, p. 20) enfatiza que, “o mundo deve se conscientizar da ameaça da vigilância para a América Latina e para o antigo Terceiro Mundo. A vigilância não constitui um problema apenas para a democracia e para a governança, mas também representa um problema geopolítico”. Neste sentido, são os serviços de segurança do Estado os beneficiários diretos do exercício do poder de controle e repressão. É neste cenário que o projeto de lei marco civil da internet está inserido. Mas do que se trata? A Lei 12.965/14, conhecida como marco civil da internet, foi analisada e votada pelo Congresso; depois, pelo Senado e, por fim, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, dia 24 de abril de 2014, entrando em vigor dois meses depois, marcando significativamente os direitos à internet no Brasil. Sucintamente, trata‐se de uma espécie de constituição de sítio virtual, estabelecendo direitos e deveres para usuários e provedores de internet no País, tais como: neutralidade na rede, ou seja, garantia de que o tráfego terá a mesma qualidade e velocidade, independente do tipo de navegação; não‐suspensão da conexão à internet, salvo por débito e sua manutenção da qualidade contratada; privacidade, significando que informações pessoais e registros de acesso só poderão ser vendidos mediante autorização do usuário; segurança dos registros de conexão dos usuários, propondo que os dados sejam guardados pelos provedores durante um ano sob sigilo completo, podendo ser acessados exclusivamente por ordem judicial. Segundo a coordenadora do Intervozes, Beatriz Barbosa, o principal problema enfrentado pelo marco civil diz respeito ao artigo 15, que obriga as empresas de telecomunicações a guardar, por um ano, todos os dados de tráfego na rede. Segundo a pesquisadora, a lei prevê que estas informações só possam ser acessadas por decisão judicial. Mesmo assim, a obrigação: viola a privacidade do usuário [e] acaba levando ao risco de uma vigilância em massa e é uma limitação à própria liberdade de expressão (que é uma base fundamental do projeto). O fato de saber que toda sua movimentação na internet está sendo armazenada para eventuais investigações faz com que a pessoa se comporte de forma diferente2. Já o coordenador‐geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Jonas Valente, afirma veementemente que, “motivado pela vigilância institucionalizada de um evento internacional, o governo aprova uma lei avançada, mas em que o simples fato de guardar os dados viola a minha privacidade”3. Desses vieses, entendemos que o ponto nevrálgico do marco civil está no artigo 15 da Constituição, ou seja, no armazenamento de dados pessoais que poderiam favorecer a vigilância maciça da internet pelo governo. A obra de Assange é significativa para tal análise, pois observa que, apesar de estarem constantemente vigiados quando na rede, são os próprios usuários que, muitas vezes, fornecem suas informações particulares. É nesse contexto, permeado de inovações tecnológicas, sobretudo na área informativa, que ocorre a vigilância por parte dos governos e corporações. Uma simbiose de controle e poder que revela o cenário sombrio e orwelliano em que vivemos. Segundos os cibermilitantes, “o Facebook e a Google podem ser considerados extensões dessas agências, [Uma vez que] têm acesso a todos os dados armazenados” (ASSANGE, 2013, p. 72). Isto significa que, se o sujeito for usuário dessas empresas, as agências de monitoramento, possivelmente, captarão informações como: com quem se comunica, seus interesses e objetivos, até preferência sexual, religiosa e crenças filosóficas. Demodé, o alerta observado por Beatriz Barbosa e Jonas Valente, no que tange ao marco civil, se coaduna com esta análise. Para os cypherpunks, a rede virtual, que há pelo menos 25 anos foi apresentada aos civis como instrumento essencial de dinamização produtiva/reprodutiva das relações capitalistas, se transformou, paulatinamente, em zona de guerra. Para o autor, as mudanças na internet ao longo dos anos modificaram não apenas os relacionamentos interpessoais, mas as formas de ação dos Estados. Consequentemente, as forças governamentais “e seus aliados (corporações) se adiantaram para tomar o controle do nosso novo mundo, se [agarrando] como uma sanguessuga às veias e artérias das nossas novas sociedades” (ASSANGE, 2013, p. 26‐27). A interceptação dessas informações provenientes de todos os rincões do planeta evidencia que todos, indistintamente, são vigiados e o medo é um elemento fundamental para a sustentação desse controle. Desse modo, “é necessário instilar medo nas pessoas para que elas compreendam o problema antes de uma demanda suficiente ser criada para solucioná‐lo” (ASSANGE, 2013, p. 83). Noutras palavras, o medo gera lucro, principalmente com o aumento da sofisticação e a redução do custo da vigilância em massa, ou seja, enquanto o crescimento populacional dobra, aproximadamente, a cada 25 anos, a vigilância duplica a cada 18 meses (ASSANGE, 2013, p. 55). O último viés de discussão é acerca da criptografia, que consiste na prática de se comunicar em código. Esta é uma ferramenta que, segundo os ativistas, pode ser uma arma eficaz de combate à tirania do Estado. Para Sérgio Amadeu, estamos entrando na era da “resistência criptopolítica [onde] a criptografia torna‐se instrumento político a ser amplamente incorporado pelos movimentos de resistência ao poder da análise e à biopolítica de modulação executada pelas grandes corporações, de tecnologia e de rede”4. Para Assange (2013, p. 27‐28), com esse mecanismo: as pessoas podem se fundir para criar regiões livres das forças repressoras do Estado externo, […] porque a criptografia […] não se deixa abalar pela petulância dos Estados nem pelas distopias da vigilância transnacional. […] A criptografia é a derradeira forma de ação direta não violenta, [pois] é mais fácil criptografar informações do que descriptografá‐las. Há quem desconfie dos aplicativos criptografados, afirmando que os dados dos usuários já estão sob a tutela de corporações e governos. Esta é a grande polêmica em torno do marco civil da internet no Brasil. O artigo 15 fere o direito à liberdade de expressão? Este decreto limita nosso direito de navegar pela rede? É certo que estamos frente a uma grande encruzilhada, longe de um fim imediato. Diante das condições objetivas suscitadas, a obra de Assange fornece informações cruciais para nos posicionarmos neste cenário histórico, marcado por uma vigilância exacerbada dos meios de comunicação, sobretudo da internet.

Referências

ASSANGE, J. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Boitempo, 2013. BRASIL. Lei 12.965/14, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: www.jusbrasil.com.br/legislacao/117197216/lei‐n‐12‐965‐de‐23‐de‐abril‐de‐2014. Acesso em: 23 jun. 2014.

2 Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/04/apoiadores‐do‐marco‐civil‐admitem.html Acesso em: 18 jun. 2014.

3 Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/04/apoiadores‐do‐marco‐civil‐admitem.html Acesso em: 18 jun. 2014.

4 Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/digital/137/marco‐civil‐da‐internet‐liberdade‐na‐rede‐vai‐acabar/ Acesso em: 23 jun. 2014.

Ramon Trindade Pellegrini – Mestrando do Programa de Pós‐Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; compõe o quadro de pesquisadores do Grupo de Estudos de Ideologia e Lutas de Classe (Geilc), bolsista da Capes/CNPq. Brasil [email protected].

Rafael Trindade Pellegrini – Graduando em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb); compõe o quadro de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Natureza, Cultura e Complexidade, bolsista da Capes/CNPq. Brasil [email protected].

Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet – ASSANGE et. al (CTP)

ASSANGE, Julian et alli. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. [São Paulo]: Boitempo Editorial, 2013. Resenha de: MAYNARD, Dilton Cândido. Cypherpunks: o futuro da Internet segundo Julian Assange. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 11 – 10 de março de 2012.

“A internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo que já vimos. A internet é uma ameaça à civilização humana” (p.25). O alerta é disparado pelo jornalista, ativista, hacker e, atualmente refugiado político, Julian Assange em seu livro sobre os perigos enfrentados pela rede mundial de computadores. Nome mais conhecido da organização Wikileaks, o australiano foi um dos responsáveis pela criação do portal que desde 2006 tem se dedicado a divulgar documentos sigilosos de governos e corporações, sempre exigindo transparência dos poderosos do planeta. O livro Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet (Boitempo Editorial, 2013), se destaca inicialmente por dois textos que não constam no original e, para o público nacional, serão importantes chaves de leitura.

O primeiro destaque é a apresentação assinada por Natalia Viana, jornalista que colaborou no caso “Cablegate”, quando mais de 250 mil documentos diplomáticos norteamericanos foram disponibilizados pelo Wikileaks. Viana ajuda a situar o problema dos embates travados pelo Wikileaks, decifra algumas das opções da Assange, tornando o livro mais compreensível para o leitor pouco habituado com os embates do inquieto hacker. A outra peça importante é o prefácio para os leitores da América Latina assinado pelo autor. Marcadamente panfletário, o texto de Assange anuncia os perigos da internet, comemora a quebra da hegemonia norte-americana, aponta as tentativas de desmonte de governos na América do Sul e alerta sobre os riscos que a liberdade sofre com o controle infraestrutural da internet por uma só potência.

O livro está dividido em 11 capítulos. Em cada um deles, com exceção do primeiro, Julian Assange realiza um debate com três colaboradores: Jérémie Zimmermann, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn. O primeiro deles, Zimmermann, é co-fundador do “La Quadrature du Net”, organização de defesa do direito ao anonimato on-line; Appelbaum é membro do “Chaos Computer Club” (CCC) de Berlim, conhecida organização hacker, desenvolvedor de softwares, entre eles do Tor, sistema on-line anônimo para burlar a censura na internet. O último, Müller-Maguhn, também é membro e porta-voz do CCC, além de cofundador da “European Digital Rights” (Edri), organização não-governamental defensora dos direitos humanos na era digital.

Em meio aos debates do quarteto, ora tensos, ora bem-humorados, duas palavras ocupam o centro das atenções: liberdade e criptografia. Para Assange e seus parceiros, a liberdade nunca esteve tão ameaçada quanto em nossos dias. As empresas de vigilância em massa, as frequentes invasões de dados pessoais ou interdições repentinas de contas bancárias evidenciam o ataque que os grupos mais poderosos do planeta realizam ao direito de ir e vir e à liberdade de expressão. Por outro lado, a criptografia surge para estes ciberativistas como a melhor resposta à opressão. Através dela, seria possível democratizar um recurso de poder antes apenas disponível ao poder estatal: “Criando nosso próprio software contra o Estado e disseminando-o amplamente, liberamos e democratizamos a criptografia, em uma luta verdadeiramente revolucionária, travada nas fronteiras da nova internet” (p.22). Vem deste fascínio com a criptografia o termo que batiza o livro tanto em sua versão em português quanto no original, “cypherpunk”, uma derivação de “cipher”, a escrita cifrada, cuja prática denominada criptografia compreende uma comunicação em códigos secretos. Surgidos nos anos 1990 em listas de discussão da internet, os cypherpunks acreditam na criptografia como mecanismo para provocar mudanças sociais e políticas.

Para Julian Assange, ele mesmo um dos primeiros colaboradores da lista cypherpunk, o controle desta tecnologia é a última trincheira na luta pela preservação de direitos e contra o avanço do que ele considera uma espécie de neototalitarismo: “Enquanto Estados munidos de armas nucleares podem impor uma violência sem limites a milhões de indivíduos, uma criptografia robusta significa que um Estado, mesmo exercendo tal violência ilimitada, não tem como violar a determinação de indivíduos de manter segredos inacessíveis a ele” (p.28).

Quando se refere aos perigos que a liberdade tem vivenciado, Assange lembra dos argumentos em torno dos “Quatro Cavaleiros do Infoapocalipse”: a pornografia infantil, a lavagem de dinheiro, a guerra contra o narcotráfico e o terrorismo são contribuintes poderosos no discurso pelo controle da rede. Graças aos quatro cavaleiros, sem que um debate maior seja realizado, se esboçam projetos de leis como a SOPA ou Stop Online Piracy Act (Lei de Combate à Pirataria On-line) e a PIPA ou Protect Intellectual Property Act (Lei de Prevenção a Ameaças On-line Reais à Criatividade Econômica e de Roubo de Propriedade Intelectual). Ambas as propostas revelam, por um lado, as pretensões de controlar a rede e, por outro, evidenciam a emergência de uma oposição global. Até o Google já se manifestou contrário aos projetos, fato que evidenciou a existência de um poderoso lobby em torno da internet.

E se há embates pelo controle da rede, o domínio da sua infraestrutura se torna fundamental. Hardwares e backbones, se devidamente conquistados, podem ser poderosos aliados. Daí o pessimismo de Assange: “A natureza platônica da internet, das ideias, e dos fluxos de informações, é degradada por suas origens físicas. Ela se fundamenta em cabos de fibra óptica que cruzam oceanos, satélites girando sobre a nossa cabeça, servidores abrigados em edifícios, de Nova York a Nairóbi” (p.26).

Países como China, Irã e Rússia têm sido duramente criticados por todo o aparato criado para o monitoramento das atividades na internet. Porém, Assange e amigos chamam a atenção para o fato de que mesmo empenho de monitoramento existente no “grande firewall da China” pode ser observado por agências de inteligência norte-americanas. A grande diferença é que, ao concentrar as bases de grandes corporações como Visa, Mastercard, Google e Facebook, os EUA não precisam de muito esforço para arrancar as informações. A maioria das pessoas, de bom grado, já está fazendo isto. É o que acontece ao alimentarmos nossas contas do Facebook: “a cada vez que você faz o login com o número do IP, tudo é armazenado, cada clique, cada horário, e também o número de vezes que você visitou uma página, e assim por diante” (p.75).

Ao mesmo tempo, é válido lembrar que, como explica Assange, os caminhos da internet para a América Latina passam necessariamente pelos Estados Unidos e sua infraestrutura. Na prática isto significa que um fluxo intenso de informações atravessa diariamente território norteamericano e pode ser verificado sem que haja qualquer problema legal. A CIA e demais agências não necessitam de autorização prévia para vigiar estrangeiros.

Para o hacker australiano, a vigilância na internet se tornou um problema geopolítico tão importante quanto aquele relativo ao controle do petróleo: “a próxima grande alavanca no jogo geopolítico serão os dados resultantes da vigilância: a vida privada de milhões de inocentes” (p.20). O ciberativista concebe a militarização do ciberespaço como um grave problema a ser enfrentado. O avanço da vigilância sobre a rede, o seu uso militar, torna a experiência de usar a internet algo semelhante a adentrar uma zona militarizada: “É como ter um soldado embaixo da cama”, explica (p.53).

A próxima batalha entre as potências pode ter no ciberespaço o seu locus mais estratégico. Como mostram os recentes ataques com “drones”, os usos da rede mundial de computadores para provocar danos aos inimigos tem sido um expediente recorrente de potências como os Estados Unidos ou a Rússia. Ao lermos sobre tanto controle, vigilância cotidiana intensa, crescente e quase imperceptível, é impossível não lembrar George Orwell e o seu “1984”. Apesar disto, Cypherpunk é encerrado de um modo até certo ponto otimista.

Contudo, o radicalismo provoca distorções em certas propostas do grupo, algumas análises findam superficiais. A argumentação de que apenas o “insider”, o hacker que se viu “cara a cara com o inimigo” (p.25) tem a autoridade para falar do assunto é um argumento ingênuo. Seria algo tão absurdo quanto acreditar que para prescrever o correto tratamento a um câncer, é preciso antes contraí-lo. Assange e seus parceiros são excelentes quando falam da criptografia, das vantagens que ela oferece ao ativismo em nosso século, dos perigos de depositarmos 800 megabytes da nossa vida privada nas mãos de Mark Zuckerberg, o jovem Czar do Facebook, para que ele possa fazer dela o que bem quiser. Porém, algumas das análises históricas são precipitadas e há preocupantes simplificações nos argumentos sobre as consequências da quebra do anonimato em documentos de Estado, pois elas precisam, sim, ser seriamente pensadas. Neste último caso, não se trata de defender os poderosos, mas de evitar que os fracos ou os inocentes, mencionados em seus registros, sofram as consequências no lugar daqueles que podem se esconder atrás dos cargos, da segurança privada, dos advogados e das cifras acumuladas de maneira nem sempre honesta.

A leitura desta obra certamente agradará a sociólogos, analistas políticos, historiadores, comunicólogos, antropólogos e aos estudiosos das relações internacionais. Mas cabe ressaltar: Cypherpunks não é uma análise política. É mais que um manifesto. É uma convocação ao combate, um anúncio de que os hackers não estão dispostos a deixar Estados e megacorporações, os pretensos controladores da rede mundial de computadores, em paz. Segundo eles, haverá uma guerra pela internet. E você, de que lado estará?

Nota

Dilton Cândido S. Maynard – Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-Graduação em História UFS. Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. Pesquisador FAPITEC. Coordena o Grupo de Estudos do Tempo Presente. É autor de Escritos Sobre História e Internet. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011. [email protected].

Referências

ASSANGE, Julian et alli. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. [São Paulo]: Boitempo Editorial, 2013.

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