Lembrança do presente: Ensaios sobre a condição histórica na era da internet | Mateus Henrique de Faria Pereira

Mateus Henrique de Faria Pereira Imagem Varia Historia
Mateus Henrique de Faria Pereira | Imagem: Varia História

No atual século, poucos livros no campo da teoria da história alcançaram um índice de repercussão como Regimes de historicidade: Presentismo e experiências do tempo (originalmente publicado em 2003), de François Hartog (2013). O livro se tornou referência fundamental nos estudos acerca da experiência do tempo com a proposta de criação de um “instrumento”, a categoria “regimes de historicidade”, para a averiguação de como sociedades e culturas estabeleceram em distintos momentos históricos determinadas ordens do tempo. Do mesmo modo, a obra vem sendo alvo de importantes reavaliações (ver ARAUJO; PEREIRA, 2018ARANTES, 2014LORENZ; BEVERNAGE, 2013; GUIMARÃES; RAUTER, 2021; TURIN, 2016, entre outros), que questionam tanto as pretensões heurísticas da categoria anunciada por Hartog, quanto a sua hipótese mais fundamental acerca do “presentismo”, isso é, a prevalência do presente sobre as dimensões do passado e do futuro, sendo que, no caso do último, ainda se impõe uma importante sensação de fechamento, ao contrário do que se via na concepção moderna de história, como teorizada por Koselleck (2006).

Compondo essa mesma linhagem crítica e saindo pela mesma editora que publicou o livro de Hartog no Brasil, Lembrança do presente: Ensaios sobre a condição histórica na era da internet, de Mateus Henrique de Faria Pereira (2022), aparece como uma obra disposta a analisar os impactos do novo para a redefinição dos papéis da historiografia sem qualquer olhar nostálgico de uma antiga condição, ao mesmo tempo que aceita o desafio de pensar as possibilidades que a era da internet traz para uma efetiva inserção do historiador e da historiadora num debate público amplo e democrático. Leia Mais

Lembrança do presente: ensaios sobre a condição histórica na era da internet | Mateus Henrique de Faria Pereira

Existe atualmente uma ampla literatura dedicada a refletir sobre as conexões entre história e internet. As revoluções que o universo online aporta nas práticas de pesquisa e ensino de história têm sido objeto de densas análises por especialistas em diversas áreas do campo historiográfico. O novo livro de Mateus Henrique de Faria Pereira adentra esse debate com uma contribuição original, que está situada nas fronteiras entre Teoria da História e História do Tempo Presente. Leia Mais

Ensino de História e Internet: Aprendizagens conectadas | Marcelo Fronza, Osvaldo Rodrigues Junior

O Livro Ensino de História e Internet: Aprendizagens conectadas, organizado pelos professores Dr. Osvaldo Rodrigues Junior2 e Dr. Marcelo Fronza,3 onde professores da área de ensino de História compartilham suas pesquisas desenvolvidas no contexto da educação básica e superior no Brasil, Colômbia, Portugal e Costa Rica. O livro trabalha e possui a pretensão de discorrer sobre o universo da internet e sua conexão com o ensino de História, conexão não apenas como conceito de ligação mas também como jargão usado por usuários das mídias digitais para tratar do login nas redes; a entrada na internet, com a democratização do uso da internet e das redes sociais e o uso pelos estudantes em idade escolar, infere diretamente dentro das salas de aula e os autores apresentam o uso da internet dentro do ambiente escolar, pensando nos aspectos negativos e positivos da mesma. Leia Mais

Kentukis / Samanta Schweblin

Em uma das primeiras vídeo-chamadas que fiz com minha família em razão da pandemia de Covid-19, minhas tias pediram para que eu mostrasse minha casa. Moro sozinha, em um apartamento pequeno, e sou uma pessoa reservada; raramente convido pessoas a virem aqui e vídeo-chamadas eram incomuns. Até que então me encontrei arrastando o computador por diferentes cômodos, repetindo a frase “não notem a bagunça” para minhas tias e minha prima, então espalhadas entre Porto Alegre, Florianópolis, e Valencia, na Espanha. Partes dele também se tornaram visíveis às minhas instrutoras de Pilates e de Yôga, à minha terapeuta e a inúmeras outras pessoas com quem conversei dessa forma nesse meio tempo.

Não que eu não “exibisse” partes da minha casa na internet; no começo do ano, quando o novo coronavírus ainda era uma abstração que acometia outro hemisfério, um amigo entrou na minha sala pela primeira vez e disse:

– Ah! Essa mesa! – Porque minha mesa, entre outros recortes do apartamento, figura volta e meia em raros posts de Instagram.

Imediatamente antes das nossas vidas sociais (e profissionais, para alguns privilegiados) serem mediadas por telas, delays de áudio e a frase “Ih, travou”, puseram em minhas mãos o romance Kentukis, da escritora argentina Samanta Schweblin, publicado em outubro de 2018 e indicado ao International Booker Prize. Autora de outras seis obras, das quais a antologia de contos Pássaros na Boca e o romance Distância de Resgate encontram-se publicados no Brasil, Schweblin, motivada pelo diagnóstico da ausência da tecnologia na ficção contemporânea, aqui imagina uma nova forma de relação virtual. Na trama, o gadget do momento é um brinquedo de pelúcia com câmera e microfone, chamado kentuki, que leva a forma de diversos animais. Os usuários têm duas opções de uso: eles podem “ser” o kentuki, habitar o animal de pelúcia através de um tablet; ou “ter” o kentuki, comprar o animalzinho, ligá-lo e de pronto ter um estranho circulando pela casa. Os verbos “ser” e “ter” aqui não são usados despropositadamente: quem possui o aparelho é considerado seu “amo”. Para além disso, a conexão é única: em caso de dano ou de não carregamento da bateria, ela se desfaz permanentemente. O enredo segue múltiplas narrativas, em várias cidades do mundo, nas quais os personagens são kentukis, têm kentukis ou deparam com eles.

Através delas, se apresentam diferentes possibilidades desta forma de relação. O otimismo, quase reminiscente daquele relacionado à web 2.0, está encarnado em Marvin, um menino de Antigua, órfão de mãe e com um pai ausente, que quer “ser um dragão” e ver neve. Há também o igualmente promissor potencial de se mitigar a solidão, como é o caso da peruana Emilia, que ganha uma conexão do filho que vive em Hong Kong e que, transmutada em um coelho, passa a habitar um apartamento na Alemanha, sendo paparicada por uma jovem. Por outro lado, está ali a chance para o estabelecimento de relações de poder, como as que Alina, uma jovem sem rumo, vivendo no México, estabelece com seu corvo. Dada a vulnerabilidade dos aparelhos, que podem ser abandonados, destruídos ou ter seu direito de ir e vir cerceado por seus “amos”, surge em um dos arcos um incipiente movimento pela sua libertação. Também, como um desdobramento quase natural do capitalismo, aparece a compra em massa de conexões para que possam ser oferecidas experiências personalizadas, pois pelas regras, os usuários não têm poder de escolha a respeito de onde e com quem vão parar. É aí, justamente nessa falta de controle, que também moram os perigos.

Para além de ser uma reflexão sobre a nossa relação com a tecnologia e as formas com que nos apresentamos através dela, há um momento no romance em que se coloca uma questão singela, já aludida aqui, e que tem a ver, sim, com controle: a de que haveria dois tipos de pessoas no mundo – os que têm e os que são; isto é, aqueles que desejam ser vistos por outrem e aqueles que desejam ver. É necessário dizer que embora os aparelhos contenham tradutores embutidos de forma a permitir a comunicação dos amos com seus kentukis, estes só emitem ruídos condizentes com os dos animais que representam. Quem é, portanto, a princípio, é também totalmente passivo e anônimo. A princípio.

Essa dinâmica entre quem se expõe na internet e quem apenas observa existe desde que ela começou a possibilitar a interação imediata das pessoas com o conteúdo nela disponível e a formação de comunidades em torno de interesses em comum. Quando da leitura do romance, meu primeiro impulso foi o de comparar quem habitava kentukis com os lurkers de fóruns de internet: pessoas que apenas leem posts ou consomem o conteúdo produzido por dada comunidade sem realmente participar dela. Contudo, outros paralelos são possíveis, principalmente em relação ao anonimato e ao poder que esses anônimos supostamente passivos podem deter sobre quem está se expondo, algo que tem sido pauta nas redes sociais, principalmente em relação ao tratamento conferido às mulheres.

O romance de Schweblin é inquietante precisamente por imaginar um mundo aparentemente distópico – a própria imagem de inofensivos bichos de pelúcia sugere certo elemento macabro –, mas que é bastante plausível, dado o fato de que as fronteiras entre o que é público e privado têm-se tornado cada vez mais elusivas através das redes sociais, independente de nós agora em isolamento estarmos mostrando nossas casas, filhos, animais de estimação e até mesmo o interior de nossas geladeiras em reuniões de trabalho. Para além das opções do quanto nos expomos na internet, a vida privada ou uma versão dela é muitas vezes o principal conteúdo que muitos influencers produzem e, de modo geral, tem-se tornado cada vez mais rentável. Já nos dividimos em variados graus e, de certa forma, entre quem deseja ser visto e aqueles que desejam ver.

Renata Dal Sasso Freitas – Professora de Teoria da História no Curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Pampa, no Rio Grande do Sul, e pesquisa as relações entre a história e a escrita de prosa de ficção.


SCHWEBLIN, Samanta. Kentukis. Buenos Aires: Literatura Random House, 2018. Resenha de: FREITAS, Renata Dal Sasso. Sobre Kentukis, de Samanta Schweblin. Humanas – Pesquisadoras em Rede. 20 jul. 2020. Acessar publicação original. [IF]

Polegarzinha – Uma nova forma de viver em harmonia, de pensar as instituições, de ser e de saber | Michel Serres

A leitura da obra Polegarzinha – Uma nova forma de viver em harmonia, pensar as instituições, de ser e de saber, de autoria de Michel Serres, pensador francês, trouxe-nos como possibilidades o exercício de pensar o papel da tecnologia na construção de novas sociabilidades e na atualização de interrogações que constituem a condição humana. A principal problemática abordada pelo autor trata de como os adolescentes enviam as mensagens SMS com os polegares e habitam o mundo virtual. Associado a dinâmica das mídias digitais no processo de formação dos adolescentes e jovens, Serres (2015, p.12) abre o livro com uma interrogação filosófica: “Antes de ensinar o que quer que seja a alguém, é preciso, no mínimo, conhecer esse alguém. Nos dias de hoje, quem se candidata à escola, ao ensino básico, à universidade?”

Essa pergunta implica alguns questionamentos, quem é esse novo aluno, que cria outros mundos por meio do virtual? Que literatura e que história eles estão construindo na imediaticidade do tempo, que corre veloz, esquecendo das tradições dos antigos? Serres propõe três horizontes temáticos para pensar o fenômeno que ele mesmo denominou de Polegarzinha: I – Polegarzinha; II – Escola; III – Sociedade. Esses horizontes propõem um modo de pensar a Educação, como um fenômeno complexo que abarca as aulas, a sala de aula, o digital, os professores, a avaliação desses pelos alunos, etc. Assim, a Educação é pensada pelo prisma da Polegarzinha como um desafio, sim um desafio que não se pode resolver a penas sendo otimista como o autor Michel Serres. Leia Mais

Geschichte im Internet – DANKER; SCHWABE (ZG)

DANKER, Uwe; SCHWABE, Astrid. Geschichte im Internet. Stuttgart : Verlag W. Kohlhammer, 2017. Resenha de: HODEL, Jan. Zeitschrift für Geschichtsdidaktik, Berlin, v.18, p. 201-202, 2019.

Acesso somente pelo link original

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Os sentidos do impresso | Simone Antoniaci Tuzzo

Os sentidos do impresso são explorados de modo minucioso e atual neste livro, que apresenta um ângulo analítico dos jornais impressos, tensionando-os com a realidade dos meios digitais. A obra é uma evolução investigativa sobre opinião pública calçada nas lógicas do jornal impresso dentro do panorama contemporâneo, executado pela professora Dra. Simone Antoniaci Tuzzo. Trata-se ainda do quinto volume da coleção Rupturas metodológicas para uma leitura crítica da mídia, desenvolvido pelos Programas de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Goiás – UFG e Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ.

Dentro desse projeto, uma série de investigações foi executada no Laboratório de Leitura Crítica da Mídia, aglutinando reflexões em trabalhos apresentados e publicados, na experiência de sala de aula e no próprio intercâmbio da autora, que se mudou para Portugal durante uma etapa da pesquisa para agregar mais propriedade ao olhar subjetivo desenvolvido. A elaboração das reflexões foi, assim, fruto de quatro anos de trabalho intensivo e dedicação às etapas sugeridas pelas próprias inquietações, desencadeadas ao longo do processo metodológico. A autora esclarece, logo na apresentação, que foi a partir desse processo cumulativo e gradativo de conhecimento e das próprias assimilações adquiridas em cada etapa que as questões foram se delineando e formando a rota do trabalho que compõe o livro. Leia Mais

Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet – ASSANGE (RTA)

ASSANGE, Julian. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Boitempo, 2013. Resenha de: PELLEGRINI, Ramon Trindade; PELLEGRINI, Rafael Trindade. Marco Civil: Liberdade e o Futuro da Internet. Revista Tempo e Argumento, Florianópolis, v. 6, n.12, p. 265 ‐ 270, mai./ago. 2014.

Cypherpunks: liberdade e futuro da internet, publicado pela Editora Boitempo, no ano de 2013, é uma obra criada a partir das reflexões de Julian Assange, em parceria com Jacob Appelbaum, Andy Müller‐Maguhn e Jérémie Zimmermann, fruto dos debates registrados no programa The World Tomorrow1, apresentado pelo próprio Assange. Um livro que suscita a reflexão sobre a vigilância de informações pela internet por parte dos governos, principalmente o estadunidense. Nas palavras do autor, este exemplar “não é um manifesto, não há tempo para isso [trata‐se de] um alerta” (ASSSANGE, 2013, p. 25), pois o futuro do mundo, para ele, é o futuro da internet: As únicas pessoas que serão capazes de manter a liberdade que tínhamos, digamos, vinte anos atrás […] são aquelas que conhecem intimamente o funcionamento do sistema. Então só uma elite high‐tech rebelde é que será livre (ASSANGE, 2013, p. 157). Esta mensagem é um aviso imediato ao que está acontecendo na rede, mas quem é o personagem que a emite? Julian Assange é um ativista e hacker australiano que se autointitula cypherpunk, ou seja, um militante político que opera através do ciberespaço. Ficou mundialmente conhecido em 2010, quando divulgou, pela WikiLeaks, em parceria com jornais como The Guardian (Grã‐Bretanha), Der Spiegel (Alemanha), The New York Times (Estados Unidos), Le Monde (França) e El Pais (Espanha), mais de 70 mil relatórios militares secretos sobre a guerra do Afeganistão – os Diários da Guerra do Afeganistão –; mais de 400 mil relatos de campo na guerra do Iraque – os Registros de Guerra do Iraque – e mais de 250 mil relatórios diplomáticos das embaixadas dos Estados Unidos ao redor do mundo – o Cablegate. Foi o maior vazamento de documentos oficiais da história. Mas o que vem a ser a WikiLeaks? A WikiLeaks é uma organização com características de jornalismo investigativo. Possui uma robusta criptografia para dar anonimato a suas fontes, além de uma incrível base de dados que permite ao leitor ter acesso a milhões de documentos confidenciais em tempo integral, de sua nação e do mundo. São chamadas informações classified (confidenciais), isto é, documentos oficiais arquivados na internet, que podem interferir diretamente no plano material, dado o conteúdo explicitado. São exemplos: o vídeo do helicóptero “Apache” assassinando indivíduos ditos terroristas; os diários das guerras do Afeganistão e Iraque na “luta contra o terror”, bem como a opinião de diplomatas estadunidenses acerca de inúmeros governantes mundiais e suas formas de governo. É acerca destas complexidades na rede virtual que Assange discorre nessa obra. Como o livro acompanha o diálogo sobre inúmeros assuntos relacionados à internet e seu controle, propomos não dividi‐lo em capítulos, mas examiná‐lo segundo suas características principais, traçando um paralelo com o marco civil no Brasil. Inicialmente, Assange (2013, p. 20) enfatiza que, “o mundo deve se conscientizar da ameaça da vigilância para a América Latina e para o antigo Terceiro Mundo. A vigilância não constitui um problema apenas para a democracia e para a governança, mas também representa um problema geopolítico”. Neste sentido, são os serviços de segurança do Estado os beneficiários diretos do exercício do poder de controle e repressão. É neste cenário que o projeto de lei marco civil da internet está inserido. Mas do que se trata? A Lei 12.965/14, conhecida como marco civil da internet, foi analisada e votada pelo Congresso; depois, pelo Senado e, por fim, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, dia 24 de abril de 2014, entrando em vigor dois meses depois, marcando significativamente os direitos à internet no Brasil. Sucintamente, trata‐se de uma espécie de constituição de sítio virtual, estabelecendo direitos e deveres para usuários e provedores de internet no País, tais como: neutralidade na rede, ou seja, garantia de que o tráfego terá a mesma qualidade e velocidade, independente do tipo de navegação; não‐suspensão da conexão à internet, salvo por débito e sua manutenção da qualidade contratada; privacidade, significando que informações pessoais e registros de acesso só poderão ser vendidos mediante autorização do usuário; segurança dos registros de conexão dos usuários, propondo que os dados sejam guardados pelos provedores durante um ano sob sigilo completo, podendo ser acessados exclusivamente por ordem judicial. Segundo a coordenadora do Intervozes, Beatriz Barbosa, o principal problema enfrentado pelo marco civil diz respeito ao artigo 15, que obriga as empresas de telecomunicações a guardar, por um ano, todos os dados de tráfego na rede. Segundo a pesquisadora, a lei prevê que estas informações só possam ser acessadas por decisão judicial. Mesmo assim, a obrigação: viola a privacidade do usuário [e] acaba levando ao risco de uma vigilância em massa e é uma limitação à própria liberdade de expressão (que é uma base fundamental do projeto). O fato de saber que toda sua movimentação na internet está sendo armazenada para eventuais investigações faz com que a pessoa se comporte de forma diferente2. Já o coordenador‐geral do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, Jonas Valente, afirma veementemente que, “motivado pela vigilância institucionalizada de um evento internacional, o governo aprova uma lei avançada, mas em que o simples fato de guardar os dados viola a minha privacidade”3. Desses vieses, entendemos que o ponto nevrálgico do marco civil está no artigo 15 da Constituição, ou seja, no armazenamento de dados pessoais que poderiam favorecer a vigilância maciça da internet pelo governo. A obra de Assange é significativa para tal análise, pois observa que, apesar de estarem constantemente vigiados quando na rede, são os próprios usuários que, muitas vezes, fornecem suas informações particulares. É nesse contexto, permeado de inovações tecnológicas, sobretudo na área informativa, que ocorre a vigilância por parte dos governos e corporações. Uma simbiose de controle e poder que revela o cenário sombrio e orwelliano em que vivemos. Segundos os cibermilitantes, “o Facebook e a Google podem ser considerados extensões dessas agências, [Uma vez que] têm acesso a todos os dados armazenados” (ASSANGE, 2013, p. 72). Isto significa que, se o sujeito for usuário dessas empresas, as agências de monitoramento, possivelmente, captarão informações como: com quem se comunica, seus interesses e objetivos, até preferência sexual, religiosa e crenças filosóficas. Demodé, o alerta observado por Beatriz Barbosa e Jonas Valente, no que tange ao marco civil, se coaduna com esta análise. Para os cypherpunks, a rede virtual, que há pelo menos 25 anos foi apresentada aos civis como instrumento essencial de dinamização produtiva/reprodutiva das relações capitalistas, se transformou, paulatinamente, em zona de guerra. Para o autor, as mudanças na internet ao longo dos anos modificaram não apenas os relacionamentos interpessoais, mas as formas de ação dos Estados. Consequentemente, as forças governamentais “e seus aliados (corporações) se adiantaram para tomar o controle do nosso novo mundo, se [agarrando] como uma sanguessuga às veias e artérias das nossas novas sociedades” (ASSANGE, 2013, p. 26‐27). A interceptação dessas informações provenientes de todos os rincões do planeta evidencia que todos, indistintamente, são vigiados e o medo é um elemento fundamental para a sustentação desse controle. Desse modo, “é necessário instilar medo nas pessoas para que elas compreendam o problema antes de uma demanda suficiente ser criada para solucioná‐lo” (ASSANGE, 2013, p. 83). Noutras palavras, o medo gera lucro, principalmente com o aumento da sofisticação e a redução do custo da vigilância em massa, ou seja, enquanto o crescimento populacional dobra, aproximadamente, a cada 25 anos, a vigilância duplica a cada 18 meses (ASSANGE, 2013, p. 55). O último viés de discussão é acerca da criptografia, que consiste na prática de se comunicar em código. Esta é uma ferramenta que, segundo os ativistas, pode ser uma arma eficaz de combate à tirania do Estado. Para Sérgio Amadeu, estamos entrando na era da “resistência criptopolítica [onde] a criptografia torna‐se instrumento político a ser amplamente incorporado pelos movimentos de resistência ao poder da análise e à biopolítica de modulação executada pelas grandes corporações, de tecnologia e de rede”4. Para Assange (2013, p. 27‐28), com esse mecanismo: as pessoas podem se fundir para criar regiões livres das forças repressoras do Estado externo, […] porque a criptografia […] não se deixa abalar pela petulância dos Estados nem pelas distopias da vigilância transnacional. […] A criptografia é a derradeira forma de ação direta não violenta, [pois] é mais fácil criptografar informações do que descriptografá‐las. Há quem desconfie dos aplicativos criptografados, afirmando que os dados dos usuários já estão sob a tutela de corporações e governos. Esta é a grande polêmica em torno do marco civil da internet no Brasil. O artigo 15 fere o direito à liberdade de expressão? Este decreto limita nosso direito de navegar pela rede? É certo que estamos frente a uma grande encruzilhada, longe de um fim imediato. Diante das condições objetivas suscitadas, a obra de Assange fornece informações cruciais para nos posicionarmos neste cenário histórico, marcado por uma vigilância exacerbada dos meios de comunicação, sobretudo da internet.

Referências

ASSANGE, J. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. São Paulo: Boitempo, 2013. BRASIL. Lei 12.965/14, de 23 de abril de 2014. Estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. Disponível em: www.jusbrasil.com.br/legislacao/117197216/lei‐n‐12‐965‐de‐23‐de‐abril‐de‐2014. Acesso em: 23 jun. 2014.

2 Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/04/apoiadores‐do‐marco‐civil‐admitem.html Acesso em: 18 jun. 2014.

3 Disponível em: http://www.folhapolitica.org/2014/04/apoiadores‐do‐marco‐civil‐admitem.html Acesso em: 18 jun. 2014.

4 Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/digital/137/marco‐civil‐da‐internet‐liberdade‐na‐rede‐vai‐acabar/ Acesso em: 23 jun. 2014.

Ramon Trindade Pellegrini – Mestrando do Programa de Pós‐Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia; compõe o quadro de pesquisadores do Grupo de Estudos de Ideologia e Lutas de Classe (Geilc), bolsista da Capes/CNPq. Brasil [email protected].

Rafael Trindade Pellegrini – Graduando em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb); compõe o quadro de pesquisadores do Grupo de Pesquisa Natureza, Cultura e Complexidade, bolsista da Capes/CNPq. Brasil [email protected].

Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet – ASSANGE et. al (CTP)

ASSANGE, Julian et alli. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. [São Paulo]: Boitempo Editorial, 2013. Resenha de: MAYNARD, Dilton Cândido. Cypherpunks: o futuro da Internet segundo Julian Assange. Cadernos do Tempo Presente, São Cristóvão, n. 11 – 10 de março de 2012.

“A internet, nossa maior ferramenta de emancipação, está sendo transformada no mais perigoso facilitador do totalitarismo que já vimos. A internet é uma ameaça à civilização humana” (p.25). O alerta é disparado pelo jornalista, ativista, hacker e, atualmente refugiado político, Julian Assange em seu livro sobre os perigos enfrentados pela rede mundial de computadores. Nome mais conhecido da organização Wikileaks, o australiano foi um dos responsáveis pela criação do portal que desde 2006 tem se dedicado a divulgar documentos sigilosos de governos e corporações, sempre exigindo transparência dos poderosos do planeta. O livro Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet (Boitempo Editorial, 2013), se destaca inicialmente por dois textos que não constam no original e, para o público nacional, serão importantes chaves de leitura.

O primeiro destaque é a apresentação assinada por Natalia Viana, jornalista que colaborou no caso “Cablegate”, quando mais de 250 mil documentos diplomáticos norteamericanos foram disponibilizados pelo Wikileaks. Viana ajuda a situar o problema dos embates travados pelo Wikileaks, decifra algumas das opções da Assange, tornando o livro mais compreensível para o leitor pouco habituado com os embates do inquieto hacker. A outra peça importante é o prefácio para os leitores da América Latina assinado pelo autor. Marcadamente panfletário, o texto de Assange anuncia os perigos da internet, comemora a quebra da hegemonia norte-americana, aponta as tentativas de desmonte de governos na América do Sul e alerta sobre os riscos que a liberdade sofre com o controle infraestrutural da internet por uma só potência.

O livro está dividido em 11 capítulos. Em cada um deles, com exceção do primeiro, Julian Assange realiza um debate com três colaboradores: Jérémie Zimmermann, Jacob Appelbaum e Andy Müller-Maguhn. O primeiro deles, Zimmermann, é co-fundador do “La Quadrature du Net”, organização de defesa do direito ao anonimato on-line; Appelbaum é membro do “Chaos Computer Club” (CCC) de Berlim, conhecida organização hacker, desenvolvedor de softwares, entre eles do Tor, sistema on-line anônimo para burlar a censura na internet. O último, Müller-Maguhn, também é membro e porta-voz do CCC, além de cofundador da “European Digital Rights” (Edri), organização não-governamental defensora dos direitos humanos na era digital.

Em meio aos debates do quarteto, ora tensos, ora bem-humorados, duas palavras ocupam o centro das atenções: liberdade e criptografia. Para Assange e seus parceiros, a liberdade nunca esteve tão ameaçada quanto em nossos dias. As empresas de vigilância em massa, as frequentes invasões de dados pessoais ou interdições repentinas de contas bancárias evidenciam o ataque que os grupos mais poderosos do planeta realizam ao direito de ir e vir e à liberdade de expressão. Por outro lado, a criptografia surge para estes ciberativistas como a melhor resposta à opressão. Através dela, seria possível democratizar um recurso de poder antes apenas disponível ao poder estatal: “Criando nosso próprio software contra o Estado e disseminando-o amplamente, liberamos e democratizamos a criptografia, em uma luta verdadeiramente revolucionária, travada nas fronteiras da nova internet” (p.22). Vem deste fascínio com a criptografia o termo que batiza o livro tanto em sua versão em português quanto no original, “cypherpunk”, uma derivação de “cipher”, a escrita cifrada, cuja prática denominada criptografia compreende uma comunicação em códigos secretos. Surgidos nos anos 1990 em listas de discussão da internet, os cypherpunks acreditam na criptografia como mecanismo para provocar mudanças sociais e políticas.

Para Julian Assange, ele mesmo um dos primeiros colaboradores da lista cypherpunk, o controle desta tecnologia é a última trincheira na luta pela preservação de direitos e contra o avanço do que ele considera uma espécie de neototalitarismo: “Enquanto Estados munidos de armas nucleares podem impor uma violência sem limites a milhões de indivíduos, uma criptografia robusta significa que um Estado, mesmo exercendo tal violência ilimitada, não tem como violar a determinação de indivíduos de manter segredos inacessíveis a ele” (p.28).

Quando se refere aos perigos que a liberdade tem vivenciado, Assange lembra dos argumentos em torno dos “Quatro Cavaleiros do Infoapocalipse”: a pornografia infantil, a lavagem de dinheiro, a guerra contra o narcotráfico e o terrorismo são contribuintes poderosos no discurso pelo controle da rede. Graças aos quatro cavaleiros, sem que um debate maior seja realizado, se esboçam projetos de leis como a SOPA ou Stop Online Piracy Act (Lei de Combate à Pirataria On-line) e a PIPA ou Protect Intellectual Property Act (Lei de Prevenção a Ameaças On-line Reais à Criatividade Econômica e de Roubo de Propriedade Intelectual). Ambas as propostas revelam, por um lado, as pretensões de controlar a rede e, por outro, evidenciam a emergência de uma oposição global. Até o Google já se manifestou contrário aos projetos, fato que evidenciou a existência de um poderoso lobby em torno da internet.

E se há embates pelo controle da rede, o domínio da sua infraestrutura se torna fundamental. Hardwares e backbones, se devidamente conquistados, podem ser poderosos aliados. Daí o pessimismo de Assange: “A natureza platônica da internet, das ideias, e dos fluxos de informações, é degradada por suas origens físicas. Ela se fundamenta em cabos de fibra óptica que cruzam oceanos, satélites girando sobre a nossa cabeça, servidores abrigados em edifícios, de Nova York a Nairóbi” (p.26).

Países como China, Irã e Rússia têm sido duramente criticados por todo o aparato criado para o monitoramento das atividades na internet. Porém, Assange e amigos chamam a atenção para o fato de que mesmo empenho de monitoramento existente no “grande firewall da China” pode ser observado por agências de inteligência norte-americanas. A grande diferença é que, ao concentrar as bases de grandes corporações como Visa, Mastercard, Google e Facebook, os EUA não precisam de muito esforço para arrancar as informações. A maioria das pessoas, de bom grado, já está fazendo isto. É o que acontece ao alimentarmos nossas contas do Facebook: “a cada vez que você faz o login com o número do IP, tudo é armazenado, cada clique, cada horário, e também o número de vezes que você visitou uma página, e assim por diante” (p.75).

Ao mesmo tempo, é válido lembrar que, como explica Assange, os caminhos da internet para a América Latina passam necessariamente pelos Estados Unidos e sua infraestrutura. Na prática isto significa que um fluxo intenso de informações atravessa diariamente território norteamericano e pode ser verificado sem que haja qualquer problema legal. A CIA e demais agências não necessitam de autorização prévia para vigiar estrangeiros.

Para o hacker australiano, a vigilância na internet se tornou um problema geopolítico tão importante quanto aquele relativo ao controle do petróleo: “a próxima grande alavanca no jogo geopolítico serão os dados resultantes da vigilância: a vida privada de milhões de inocentes” (p.20). O ciberativista concebe a militarização do ciberespaço como um grave problema a ser enfrentado. O avanço da vigilância sobre a rede, o seu uso militar, torna a experiência de usar a internet algo semelhante a adentrar uma zona militarizada: “É como ter um soldado embaixo da cama”, explica (p.53).

A próxima batalha entre as potências pode ter no ciberespaço o seu locus mais estratégico. Como mostram os recentes ataques com “drones”, os usos da rede mundial de computadores para provocar danos aos inimigos tem sido um expediente recorrente de potências como os Estados Unidos ou a Rússia. Ao lermos sobre tanto controle, vigilância cotidiana intensa, crescente e quase imperceptível, é impossível não lembrar George Orwell e o seu “1984”. Apesar disto, Cypherpunk é encerrado de um modo até certo ponto otimista.

Contudo, o radicalismo provoca distorções em certas propostas do grupo, algumas análises findam superficiais. A argumentação de que apenas o “insider”, o hacker que se viu “cara a cara com o inimigo” (p.25) tem a autoridade para falar do assunto é um argumento ingênuo. Seria algo tão absurdo quanto acreditar que para prescrever o correto tratamento a um câncer, é preciso antes contraí-lo. Assange e seus parceiros são excelentes quando falam da criptografia, das vantagens que ela oferece ao ativismo em nosso século, dos perigos de depositarmos 800 megabytes da nossa vida privada nas mãos de Mark Zuckerberg, o jovem Czar do Facebook, para que ele possa fazer dela o que bem quiser. Porém, algumas das análises históricas são precipitadas e há preocupantes simplificações nos argumentos sobre as consequências da quebra do anonimato em documentos de Estado, pois elas precisam, sim, ser seriamente pensadas. Neste último caso, não se trata de defender os poderosos, mas de evitar que os fracos ou os inocentes, mencionados em seus registros, sofram as consequências no lugar daqueles que podem se esconder atrás dos cargos, da segurança privada, dos advogados e das cifras acumuladas de maneira nem sempre honesta.

A leitura desta obra certamente agradará a sociólogos, analistas políticos, historiadores, comunicólogos, antropólogos e aos estudiosos das relações internacionais. Mas cabe ressaltar: Cypherpunks não é uma análise política. É mais que um manifesto. É uma convocação ao combate, um anúncio de que os hackers não estão dispostos a deixar Estados e megacorporações, os pretensos controladores da rede mundial de computadores, em paz. Segundo eles, haverá uma guerra pela internet. E você, de que lado estará?

Nota

Dilton Cândido S. Maynard – Doutor em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Pós-Doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professor do Programa de Pós-Graduação em História UFS. Programa de Pós-Graduação em História Comparada UFRJ. Pesquisador FAPITEC. Coordena o Grupo de Estudos do Tempo Presente. É autor de Escritos Sobre História e Internet. Rio de Janeiro: Multifoco, 2011. [email protected].

Referências

ASSANGE, Julian et alli. Cypherpunks: liberdade e o futuro da internet. Trad. Cristina Yamagami. [São Paulo]: Boitempo Editorial, 2013.

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Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life | Marcus Wohlsen

O movimento punk emergiu na década de 1970, na América do Norte e na Inglaterra, em resposta às mudanças causadas pelas guerras e pelos rearranjos geopolíticos ocorridos na época. Teve como principais adeptos jovens londrinos, de famílias tradicionalmente operárias, ou que viram-se frustrados com as políticas conduzidas no Reino Unido e nos Estados Unidos. Provocou rupturas estéticas e conceituais, buscando autonomia política e social. Cunharam o termo do it yourself (DIY) para propagar a ideia do faça-vocêmesmo.

Em contraponto da estética hippie que, uma década atrás, cultuava valores espitituais, ligação com a natureza e o viver em comunidade. O punk trouxe a estética do improviso, do escuro, do sujo, como representação da sociedade que, para o movimento, desprezava as práticas e os contextos que não se adequavam ao sistema capiltalista.

Quase meio século depois, na década de 2010, o conceito de punk é revisitado. Surge o biopunk: um movimento diverso que busca possibilidades de pesquisa, produção e engajamento em processos muitas vezes restritos aos moldes da comunidade científica contemporânea, fomentados em instituições de ensino e pesquisa tradicionais ou em grandes laboratórios.

Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life (em tradução livre, BioPunk: Cientistas do faça-você-mesmo raqueando o software da vida) do jornalista científico Marcus Wohlsen, publicado em 2011, traz uma abordagem lúdica da ciência, enquanto relata experiências possíveis, aplicadas em laboratórios estabelecidos em cozinhas ou garagens. O livro reforça que biopunks não precisam de estruturas perfeitas ou honrarias acadêmicas pois estão focados a equacionarem suas pesquisas.

Wohlsen revisita a ciência como atividade secular, e afirma que o DIYbio (a ciência do faça-você-mesmo) não é uma nova ciência, mas sim uma nova forma forma de fazer ciência: na maioria das vezes autodidata, baseada em processos de tentativa-erro, encontra-se sob os pilares da ciência clássica que abrange experimentação, observação e análise de resultados.

A obra faz alusão ao movimento hacker que, em meados de 1980, concebeu descobertas e criações revolucionárias, conectou pessoas e ideias a partir de um modelo descentralizado e compartilhado, proporcionado pela internet. Assim como o movimento biohacking que compartilha informações sobre biotecnologia e desenvolve pesquisas descentralizadas em plataformas que proporcionam a inteligência distribuída, como: redes sociais, redes peer-to-peer e grid computing [1].

O livro traz exemplos de biohackers que estão usando o crowdsourcing [2] no desenvolvimento de medicamentos para a cura do câncer, e reconfigurando bactérias presentes no iogurte para gerar análises de contaminação do leite. Wohlsen enfatiza que a tecnologia de manipulação do DNA está disponível, e já é utilizada por cientistas DIY em suas garagens ou cozinhas, com baixo custo, de forma descentralizada e inovadora.

Notas

1. Modelo que permite alta taxa de processamento dividindo as tarefas entre diversas máquinas.

2. Utiliza a inteligência e os conhecimentos espalhados na internet para desenvolver novas tecnologias.


WOHLSEN, Marcus. Biopunk: DIY Scientists Hack the Software of Life. Inglaterra: Penguin Group, 2011.Resenha de: BEGALLI, Maira. A História da Ciência revisitada: os cientistas do faça você mesmo. Revista Ágora. Vitória, n.15, p.210-212, 2012. Acessar publicação original [IF].

Escritos sobre história e internet | Dilton Cândido Santos Maynard

Uma das mais belas apresentações de livros que já li começava assim: “Apresentar um livro é fazê-lo presente”. Ora, mas não é óbvio? Contudo, continua argutamente o autor: “Mas, qual poderia ser seu presente? O da escritura, que já não é, ou o da leitura, que ainda não é?”. Repito as palavras e questionamentos de Jorge Larrosa [1] pensando na velocidade com que se transformam as paisagens da seara em que Dilton Maynard decidiu se enveredar ao eleger como tema central de seu livro as relações entre história e internet.

Sendo assim, a obra Escritos sobre história e internet chama a atenção por um particular interesse pelo tema dos ambientes telemáticos e provoca, em virtude disso, certo conforto antecipado em, ao menos, podermos esperar que sua leitura abrace as discussões sobre o elemento digital e suas implicações para o nosso métier, historicamente analógico e papirofílico. Assim, recomendo o livro desejando que as presenças que dele fizerem, consoantes ou dissonantes à minha, venham incrementar o debate acerca deste Novo Mundo para onde as agitadas águas do ciberespaço nos levam. Por enquanto navegamos à deriva. Leia Mais

A polegarzinha: uma nova forma de viver em harmonia e pensar as instituições, de ser e de saber – SERRES (REi)

SERRES, M. A polegarzinha: uma nova forma de viver em harmonia e pensar as instituições, de ser e de saber. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2013. Resenha de: PINHEIRO, Daniel Silva; FIORELLI, Marilei Cátia. Revista Entreideias, Salvador, v. 1, n. 1, p. 113-116, jan./jun. 2012.

Os juvenis e jovens que ocupam as carteiras escolares na atua¬lidade se distinguem de seus antecessores por alguns motivos que chamam a atenção: conhecem os derivados, mas não os insumos utilizados em sua produção; não vivenciaram grandes guerras no Ocidente; tem sua longevidade em ascensão e seu próprio nasci¬mento foi meticulosamente programado.

Ambientando-se na França, Michel Serres começa seu texto tecendo argumentos para por em evidência quem são os alunos, a escola e a sociedade dos dias de hoje em que todos os “dedos das mãos” e toda a atenção voltam-se para os meios digitais, as tecno¬logias e seus aparatos. De maneira criativa, ele utiliza a expressão “Polegarzinha” justamente para enfatizar a agilidade com que tanto meninas quanto meninos utilizam seus dispositivos móveis para acessar a internet e os conhecimentos que ali encontram-se disponíveis – a opção por utilizar-se do termo no feminino para referir-se aos dois gêneros, sugere também esse efeito um tanto quanto generalizante que é característico dessa geração e mesmo da própria rede.

O preâmbulo, exposto pelo autor, dá conta de uma revolução digital que faz com que a relação pedagógica se altere tendo em vista especialmente a presença da Polegarzinha. Nesta primeira parte do livro, Serres busca situar quem é este novo indivíduo social, mencionado suas particularidades e conveniências. De acordo com ele, a Polegarzinha e o Polegarzinho manipulam várias informações ao mesmo tempo: “por celular tem acesso a todas as pessoas, por GPS a todos os lugares, pela internet a todo saber” (p. 19). Assim, é como se não mais habitassem o nosso espaço, o nosso mundo. Mas há ainda outra diferença que os singularizam – “Não tem mais a mesma cabeça” (p. 21). Serres apresenta então, uma série de descompassos presentes no cotidiano da Polegarzinha. Ele identifica que a própria consti¬tuição familiar se alterou já que a idade da mãe avançou 10 ou 15 anos na geração do primeiro filho, revelando que os pais dos alunos mudaram de geração. “Acompanham menos os filhos?” (p. 15), interroga-se ele. Além disto, o autor constata que os docentes hoje, ensinam a esses jovens em estruturas que datam de uma época onde não se reconhecem mais: “prédios, pátios de recreio, salas de aula, auditórios, laboratórios, os próprios saberes… Estruturas que datam de uma época, que enquadravam-se num tempo em que seres humanos e o mundo eram algo que não são mais”. Incluso nesse panorama de defasagem está a postura dos professores de “presunção de incompetência” (p. 63) para com os estudantes. Na contemporaneidade, no entanto, há uma grande probabilidade de os alunos investigarem previamente na internet os conceitos, o que recoloca esta relação e deve reverberar numa “presunção de competência” (p. 64), segundo Serres. Tendo em vista que este cenário social sofreu alterações nos modos de construção do conhecimento, o autor indaga-nos com três questões: O que, a quem e como transmitir? Seu objetivo com isto é destacar a relação da pedagogia com a evolução tecnológica. O saber tinha como suporte o corpo do professor-erudito, “uma bi¬blioteca viva: esse era o corpo docente do pedagogo” (p. 25). Com o avanço do tempo, surgem os rolos de pergaminho, livros, imprensa, e agora a rede internet: “a evolução da dupla, suporte-mensagem, é uma boa variável da função ensino” (p. 25).

Assim, Michel Serres apresenta um paralelo entre o surgimento da impressão e o das mídias atuais – onde já está tudo transmiti¬do, de certa maneira. A principal questão agora é como o aluno consegue assimilar o saber, assim distribuído. Uma de suas justi¬ficativas para esta observação é que com os livros e a imprensa a memória sofreu uma mutação – agora o conhecimento não precisa estar “armazenado”. Ele recorre, para fortalecer este argumento, a Montaigne, que prefere “uma cabeça bem constituída a uma cabeça bem cheia” (p. 27).

Serres conclui esta parte inicial se perguntando por que as coisas ainda não mudaram? Culpa a si próprio e os outros filósofos. E diz que gostaria de ter 18 anos para poder reinventar, recriar tudo, como os Polegarzinhos.

Na segunda parte do texto, cujo título é “Escola”, Michel Serres tenta compreender a cabeça da Polegarzinha ou o vazio que paira em seu lugar, citando a lenda de Saint Denis – que foi decapitado por soldados antes de chegarem ao topo da colina onde deveria ocorrer a execução. Saint Denis então pegou sua própria cabeça e, carregando-a, seguiu caminhando até o destino final. Utilizando-se dessa folclórica referência, Serres elabora uma interessante me¬táfora: a Polegarzinha senta em frente ao seu computador, como se sua cabeça estivesse à frente dela com as informações todas lá. Não precisa ocupar seu espaço dentro da cabeça com os dados, mas com as conexões desses dados, as faculdades mentais, é como se “nossa inteligência saísse da cabeça ossuda e neuronal” (p. 36); “nossa cabeça foi lançada a nossa frente, nessa caixa cognitiva objetivada” (p. 36). Novamente recorrendo a Montaigne, Serres entende que as redes possibilitam que a cabeça esteja mais bem constituída do que cheia e desta forma, como nunca antes, a Polegarzinha consegue “voltar sua atenção para a ausência que se mantém acima do pescoço” (p. 37). É neste espaço vazio, onde circula o ar, o vento, ou melhor ainda, onde em uma pintura clássica de Saint Denis há uma pequena luz, que se pode encontrar o ponto onde “reside a nova genialidade, a inteligência inventiva, a autêntica subjetividade cognitiva” (p. 37). No lugar do espaço vazio, antes cabeça, agora há o tumulto de vozes. A Polegarzinha ouve cada vez menos os professores porta-vozes. E ouve cada vez mais a todos os ruídos, todas as emissões de todos os pontos da rede. Trocam o silêncio, imobilidade e prostração dos modelos que denomina de “instituições-caverna”, pela balbúrdia ruidosa, descentralizada.

Serres afirma que a Polegarzinha procura encontrar o saber na sua máquina, e não mais nas bibliotecas e livros já previamente organizados, classificados, metrificados, hierarquizados. Que a difu¬são do saber não pode mais se dar com exclusividade em nenhum campus universitário. O conhecimento agora circula pelas redes, emitido e compartilhado por milhares de anônimos.

Na parte final, nomeada como “Sociedade”, Serres discute de maneira mais detida o espaço social onde a Polegar¬zinha está inserida, com a presença das tecnologias digitais e as constantes mudanças políticas, sociais e cognitivas potencializada por elas. O mundo social da polegarzinha aponta para questões de trabalho. Há uma busca e ao mesmo tempo um tédio, causado por um certo “roubo de interesse” (p. 65) de uma sociedade comparti¬mentada demais, sem o espaço inventivo, que restringe o espaço antes disposto para as utopias. A Polegarzinha, no entanto, não consegue dizer ao certo o que está ocupando este lugar, isto porque, aparentemente, tudo está proposto, transmitido. As relações nas redes sociais digitais, em que se contam aos milhares os amigos da Polegarzinha, são alvo de críticas pelos adultos que questionam estes números e estes conceitos de ami¬gos virtuais. Mas é uma maneira nova, única, pura das redes, que pertence a eles, à geração dos pequenos polegares. E o processo foi constituído sem base em exemplos anteriores, das sociedades, dos pais divorciados, dos partidos políticos e igrejas. São outras construções sociais. O caminho é apontado, novamente, por vozes que ecoam pelas redes. Estas parecem dar o tom de, quem sabe, uma época, de um segundo período oral, fruto da mistura – quem sabe um remix – com os escritos virtuais. Michel Serres, como poucos filósofos, ouve esse novo período oral que o virtual emana.

Daniel Silva Pinheiro – E-mail: [email protected]

Marilei Cátia Fiorelli – E-mail: [email protected]

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Aplicaciones de la web en la enseñanza | Isidro Moreno Herrero

Muchas veces hemos escuchado que estamos viviendo la época dorada de la tecnología, los avances de esta han facilitado nuestra vida en diferentes áreas, haciendo que nos acostumbremos a estos cambios rápidamente y sigamos buscando formas de simplificar procesos cotidianos, viviendo una versión realista del futuro de Los Supersónicos. Diferentes cambios en la forma de movilizarnos y realizar tareas comunes del hogar, como también en la búsqueda de información, comunicación y, por qué no, en educación son necesarios gracias a la inclusión de estas nuevas tecnologías. La aparición de Internet hace más de cincuenta años significó, sin duda, un cambio en la forma de ver la comunicación y la transmisión de información, pero el impacto de la red no se evidenció en ese momento, porque el acceso a Internet seguía siendo propio de una elite, sino la revolución se está viviendo ahora, con un nuevo paradigma comunicativo, que tiene su propia lengua, está en todas partes y lo vemos en diferentes niveles.

Isidro Moreno nos presenta una obra dirigida a la formación inicial docente, llamándonos a incluir estas nuevas tecnologías en el proceso de aprendizaje, dejando a un lado la concepción de estas como una herramienta de mera entretención, que pareciera ser el actual rol que juega la Web hoy en día. Leia Mais

The Shallows: what the internet is doing to our brains – CARR (EPEC)

CARR, Nicholas. The Shallows: what the internet is doing to our brains. [sn]: W. W. Norton & Company, 2010. 276p. Resenha de: CALDEIRA, Pedro Zany. Ensaio Pesquisa em Educação em Ciências, Belo Horizonte, v.12, n.03, p.157-158, set./dez. 2010.

O livro de Nicholas Carr The Shallows (Os superficiais, numa tradução rápida do título original) é uma das grandes provocações deste ano sobre o modo como os computadores e sobretudo a internet influenciam a nossa vida e como, no limite, afetam fisiologicamente o funcionamento do nosso cérebro. E que provocação! O ponto de partida deste livro é a evolução da experiência de leitura e acesso à informação escrita nas últimas décadas por parte do próprio autor e de três outras pessoas (com relatos na primeira pessoa). Se na época pré-internet o processo de leitura destas quatro pessoas se baseava no livro e no modo sequencial como a informação é lida no suporte escrito tradicional, nesta época da internet omnipresente o processo de leitura transformou-se radicalmente, pois estas pessoas começaram a ter muita dificuldade em ler livros tradicionais e os seus processos de leitura passaram a basear-se na própria forma como a internet apresenta informação: muito fragmentada e sempre ligada a outros pedaços de informação.

Os relatos iniciais tornam-se ainda mais interessantes quando algumas destas pessoas confessam que abandonaram completamente a leitura de livros. E a questão que o autor coloca e à qual pretende responder é: por que este abandono? E as respostas que encontra são sustentadas em pesquisa científica nas mais diversas áreas das neurociências (e este é mesmo o ponto forte do livro, pois o autor leu e entrevistou muitos dos autores mais proeminentes desta área científica) e deveras surpreendentes. E apontam todas para o mesmo “culpado”: a internet.

O formato tradicional de apresentação de informação escrita, o livro, obriga a um processo extensivo de leitura sequencial, de um certo recolhimento e isolamento e com a existência de momentos de reflexão, enquanto o formato actual de apresentação de informação escrita mais usual, a internet, obriga a um processo de leitura em saltos rápidos entre pedaços de informação, com a procura de palavras-chave que deem coerência ao significado que está rapidamente a ser extraído pelo leitor e que pode ser ou é sistematicamente interrompido por outras tarefas que concorrem pela sua atenção: um mail que entra na caixa de correio e que é imediatamente respondido, um torpedo que chega ao celular e que é lido (e muitas vezes respondido), enquanto a televisão continua a debitar imagens e sons… E, assim, a leitura deixou de ser um processo de digestão lento, com a possibilidade de absorção dos seus elementos nutritivos mais importantes, para um processo de digestão rápida, com uma meta-absorção de factos muitas vezes pitorescos, romanescos, mas… muitas vezes irrelevantes.

Já em 1882 Friedrich Nietzsche tinha percebido que a ferramenta usada para escrever tem impacto na forma de escrita. Com crescentes dificuldades de visão, Nietzsche comprou uma máquina – uma Bola de Escrita Malling-Hanse – que lhe permitiu continuar a escrever. Quando dominou o uso desta ferramenta, Nietzsche permitia-se escrever de olhos fechados, usando apenas as pontas dos dedos. Mas a máquina teve um efeito subtil no seu trabalho, pois o seu estilo de escrita tornou-se ainda mais telegráfico: deixou de usar argumentos e passou a fazer aforismos, passou dos pensamentos elaborados para os jogos de palavras.

Se esta descrição do processo de leitura actual (especialmente dos processos de leitura online) coincide com muitas das nossas experiências de leitura (superficiais, anedóticas, com interrupções sistemáticas e sem conduzir a grande reflexão), e que no mínimo nos deverá fazer questionar sobre o impacto da internet nas nossas vidas, torna-se mais preocupante quando o autor procura perceber melhor por que quando enveredamos por processos de leitura deste tipo dificilmente conseguimos voltar a processos mais tradicionais. E a resposta reside na forma como os processos actuais de leitura transformaram os nossos cérebros, passando de processadores por excelência de informação sequencial a processadores de informação multissensorial, fragmentada e ligada entre si.

E de quanto tempo é que a internet necessita para transformar os nossos cérebros? Segundo a pesquisa mais actual, muito pouco: dias, horas ou mesmo minutos. E quais as consequências? Não são somente em relação à leitura, pois também ocorrem em relação à escrita (a microescrita, típica das mensagens instantâneas) e, certamente, em relação à capacidade de analisar fenómenos complexos… Mas sobre isso prefiro deixar à exploração de quem ficou suficientemente curioso para ler este livro.

Nicholas Carr escreve sobre as implicações da tecnologia em âmbito social, econômico e dos negócios. É membro da comissão editorial de Enciclopédia Britânica e foi editor executivo da Harvard Business Review e consultor sênior na Mercer Management Consulting. Este livro vem na sequência do ensaio “Is Google Making Us Stupid?”, publicado no número de verão (julho/agosto) de 2008 da Atlantic Monthly.

Pedro Zany CaldeiraDoutor em Gestão da Informação pela Universidade Nova de Lisboa (UNL) Instituto Superior de Educação e Ciências – Lisboa. E-mail: [email protected]

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