Educação, democracia e diferença | Educar em Revista | 2020

O organismo vivo, na situação determinada pelos jogos da energia na superfície do globo, recebe, em princípio, mais energia do que é necessário para a manutenção da vida: a energia (a riqueza) excedente pode ser utilizada para o crescimento de um sistema (de um organismo, por exemplo); se o sistema não pode mais crescer, ou se o excedente não pode ser inteiramente absorvido em seu crescimento, é preciso necessariamente perdê-lo sem lucro, despendê-lo, de boa vontade ou não, gloriosamente ou de modo catastrófico. […] Ai de quem, até o fim, quisesse ordenar o movimento que o excede com o espírito limitado do mecânico que muda um pneu (BATAILLE, 2013, p. 22-23).

Este dossiê é um emaranhado, ao mesmo tempo, teórico, político e afetivo. Supõe, antes de mais da nada, uma inquietação. Deriva, sobretudo, de um desejo de intervir na relação entre democracia e educação, emergido de uma amizade nos diferentes tempos e espaços de nossas interlocuções. Das escolas quilombolas na Bahia às drag-queens em festas escolares no Rio de Janeiro, nossos campos de investigação estão conectados aos estudos de gênero, sexualidade e raça a fim de analisar como essas categorias fazem teia no pensamento curricular brasileiro. A tríade que lhe serve de título e os problemas que suscita emergiram de nossas histórias múltiplas de conversas e trocas; histórias que dão consistência às nossas trajetórias intelectuais e de pesquisa1 e que, se não explicam, ao menos localizam o convite que guia este dossiê, tão gentilmente acolhido pela Educar em Revista 2. Nosso ponto de escora, nesse contexto, é a conjunção entre educação, democracia e diferença, sugerindo que o sintagma em questão demonstra uma relação possível e não uma identidade dada. Nesta apresentação, portanto, condensamos, mesmo que brevemente, provocações dos estudos de gênero, sexualidade e raça aos pressupostos ontológicos do ordenamento jurídico-colonial da democracia liberal. Leia Mais

Reflexões teóricas e narrativas históricas no Tempo Presente / Tempo e Argumento / 2018

E a história hoje…

O dossiê – Reflexões teóricas e narrativas históricas no tempo presente – reúne artigos que se dedicam a um duplo-esforço: o de pensar o mundo contemporâneo, e isso a partir da preocupação com a diferença, ou ainda, com todo e qualquer modo de ser ou perspectiva que venha despontando, com especial destaque para as discussões que articulam narrativas históricas no tempo presente. Em linhas gerais, se trata do que temos chamado de uma tendência (ou giro) ético-política no interior da teoria da história, da história da historiografia, da disciplina em geral.

A qualidade específica da disciplina história é a de constituir compreensões acerca de passados, no entanto, o que temos percebido é que temos tido nas últimas décadas um interesse crescente por parte de historiadores e historiadoras em (também) pensar problemas próprios ao nosso presente, o que tem sido feito a partir de uma abertura temporal capaz de reconhecer passados que não passaram, irrupções e insurgências, bem como usos e apropriações do passado. Neste sentido, podemos dizer que esse interesse está diretamente relacionado com algo mais geral, com o próprio horizonte histórico atual, com suas demandas, pontos de saturação e problemas contemporâneos.

Tais demandas e intervenções têm se constituído a partir de uma forte tensão com o que podemos chamar, de um lado, democratização, e, por outro lado, certo conservantismo comprometido com uma perspectiva mais homogênea e mesmo tradicional da realidade. Uma tensão, precisamos sublinhar, que se constitui a partir de uma intimidade significativa de certo caráter técnico do saber, ou ainda, com um modo de ser e um ritmo marcado pela necessidade constante (algumas vezes sem sentido) de produção e produtividade com fins nem sempre qualitativos.

Desse modo, se, por um lado, o nosso horizonte histórico está num momento crítico, decisivo, o que temos, por outro, é uma preocupação mais geral e crescente no interior das humanidades em participar desse momento crucial, especialmente a partir de um cuidado especial com isso, que é a diferença, e com a democratização. Nesse contexto, a disciplina história tem se esforçado e tem tido um papel expressivo a partir de um diálogo profundo com a filosofia, literatura, antropologia etc., re-tematizando insistentemente determinados passados e se esforçando no sentido de constituir atmosferas próprias à retenção da tensão no interior do espaço público.

No que pese a desqualificação do exercício de reflexão histórica, parece fundamental abrirmos o tempo atual às múltiplas temporalidades, desnaturalizar o presente, acenar para novas abordagens e problemas do contemporâneo. Este dossiê é um exercício de imersão nesse campo de disputas. A partir da reflexão de historiadoras e historiadores, convida ao debate sobre os limites e potencialidades da narrativa histórica no tempo presente.

Ao propormos este dossiê para a revista Tempo e Argumento, não esperávamos pelo número de quase 40 artigos submetidos. A partir da avaliação ad hoc, selecionamos 11 textos. Acreditamos que são representativos da diversidade teórica e metodológica da história em tempos recentes, assim como da possibilidade de intervenção nas questões que afligem as humanidades, e a história em particular.

Esperamos que os leitores não deixem os artigos caírem na vala comum das milhares de produções científicas que circulam na internet, ou seja, que leiam, critiquem e debatam entre colegas e alunos. Que se posicionem sobre as reflexões propostas e, com isso, intervenham nas discussões do nosso tempo.

Marcelo de Mello Rangel

Rogério Rosa Rodrigues

(Organizadores)


RANGEL, Marcelo de Mello; RODRIGUES, Rogério Rosa. Apresentação. Tempo e Argumento, Florianópolis, v.10, n.24, 2018. Acessar publicação original [DR]

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